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OS DESAFIOS DO CONHECIMENTO

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Academic year: 2021

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OS DESAFIOS DO CONHECIMENTO

“A realidade é que o homem tem um estranho desejo de conhecer e que sua natureza falha.... A verdadeira natureza do homem é ampla, consiste em ter capacidades e também em ter falhas. O homem se compõe do que tem e do que lhe falta.

O homem é a insuficiência viva, precisa saber, percebe que ignora. É preciso analisar isso. Por que dói a própria ignorância ?”

José Ortega Y Gasset – QUE ES FILOSOFIA? Revista de Ocidente Madrid, 1966 Admitindo que queremos uma educação de cunho científico cabe, também, perguntar: Que é ciência ? Que é racionalidade ? Como entendemos que ocorre a aprendizagem ? As máquinas fazem a história ?

A atual crise do campo educacional é a crise de uma ortodoxia, o que ainda parece heresia é uma forma de progresso em direção à cientificidade redefinida. A educação tem que ter a clareza de não se deixar captar por tecnologias cujos objetivos são mais econômicos que sociais, não permitir que a metodologia pretenda substituir o método. “Há alguns tipos de conhecimento que temos que adquirir a qualquer custo sob pena de perder a liberdade”, afirmar Terry Eagleton, em sua Teoria Literária: uma introdução.

Nós da educação não podemos nos permitir ser monodisciplinares, desinteressados das relações entre diferentes vetores que constituem a profissão e, mais amplamente, a sociedade.

A redescoberta do planeta Terra e do homem, nesta época que se diz “técnico-científica-informacional”, aponta para a ciência como força produtiva mas, também, para o aumento da importância do saber do homem no processo produtivo. É imperativo colocar esses recursos a serviço da humanidade visto que “todas as coisas estão ligadas às demais por uma infinidade de conexões. A lei da interconexão universal é a base para a compreensão da unidade do mundo e seu conhecimento, e ao mesmo tempo afirma a independência relativa das coisas e dos processos, porque o verdadeiro conceito de interconexão sugere também uma separação relativa...” (E. Marquist, in

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Milton Santos, METAMORFOSE DO ESPAÇO HABITADO, Hucitec, 1997).

Talvez o maior problema do discurso didático seja pretender aparecer como uma fala ou escrita transparente, exata, sem marca pessoal, dona, capaz de monopolizar a informação. Isso, além de um contrasenso pedagógico, porque inibe o processo da “zona de desenvolvimento proximal” na apropriação do conhecimento pelo estudante, a qual pressupõe o diálogo entre alunos e entre alunos e professor, realimenta os velhos mítos da comunicação unívoca de verdades, da neutralidade científica, do desinteresse, da objetividade confirma a realidade triste do inevitável tédio dos que apenas ouvem e, quando possível, tomam notas dispersas para responder questões posteriores que atomizam os conhecimentos.

Trabalhar com espírito científico supõe buscar compreender as generalizações já conquistadas, desenvolver habilidades intelectuais para decompô-las, reconstrui-las, incorporá-las ou superá-las. A ciência se constitui no debate teórico, nas contraposições de escolas, na análise de divergências não, na reprodução do dito antes.

Nunca se fez ciência por “revelação” a um indivíduo, num momento, mas, no árduo trabalho crítico de reexame do já feito ou explicado. Mesmo as rupturas, os “pontos de viragem” se dão em processos de investigação ou pesquisa e não, numa descoberta instantânea como em geral aparece em livros-texto.

Nos tempos de crise é preciso não se desviar para a polêmica, não cair em batalhas planfetárias, não buscar ou aceitar repostas prontas mas se elevar, captando as tarefas atuais, para a formulação de uma teoria quanto ao uso da imagem para apropriar e produzir conhecimento.

Pela reflexão sobre a prática na sala de aula, tarefa de docentes, observar sempre como as atividades propostas, as guias de trabalho, os debates, conduzem ou garantem o desenvolvimento intelectual e a inclusão em “constelação”, teia ou rede de saberes previamente adquiridos, de novos constituintes operando com possibilidades, com conceitos abertos capazes de compor novas conexões, ampliando conhecimentos.

Não interessa a mera especulação sobre o que se produzirá amanhã no campo da educação, interessa como agir agora com as circunstâncias e os

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materiais disponíveis para diminuir as lacunas, porque a educação do povo brasileiro precisa definir objetivos seus, enfrentar o que lhe falta para se converter em ciência, avançar para experimentar e descrever metodologias e procedimentos técnicos buscar metodicamente o conhecimento porque o método vai, esclarecendo, determinar o objetivo da pesquisa, o caráter e a natureza da ciência que ainda nos falta. Qualquer abordagem nova de um problema científico leva a novos métodos de investigação e análise. O método é ao mesmo tempo pré-requisito e produto, instrumento e parte do resultado.

Há renovação de instrumentos, de suportes mas as regras de trabalho e as normas de controle da aprendizagem seguem rígidas, se fazem imutáveis. Aí, é necessária uma ruptura estudada e planejada, como Kepler que depois das críticas de Ticho Brahe abandonou todo o sistema que havia construído

concretamente sobre sólidos que se continham perfeitamente e passou a

examinar, observar, anotar, calcular, lançando a hipótese de que as órbitas planetárias não eram circulares mas elípticas em tais e tais proporções.

Até agora nas ciências naturais, que recortam pequenos objetos para estudo, se atribui valor aos procedimentos de diagnóstico e não, aos processos psicológicos nas tarefas científicas (o perceber, observar, distinguir, isolar, analisar, obstruir, derivar, apontar, relacionar, etc...) de produção de conceitos. Estudar historicamente a produção de conceitos significa estudá-los no processo de mudança, nos seus deslizamentos, nas lutas pela ressignificação em busca do poder de garantir a cientificidade num campo de saber / poder.

Neste século houve muitos pontos de viragem nas concepções científicas, não houve só evolução, quase todos os campos do conhecimento humano foram postos em cheque. Disso resultou que muitas práticas mudaram na agricultura, na criação de animais, nas fontes de energia, na concepção do universo, na redução, na medicina, na psicologia, na construção civil, no conhecimento da história, da geografia, na compreensão do ensino da língua materna, na matemática, etc.... Esses pontos de convulsão, perturbação tem de ser postos em discussão nas salas de aula das escolas de ensino fundamental e médio, sob pena de estarmos condenando a população, que só tem assegurado o direito universal de educação regular até a oitava série, a conhecer apenas

certezas que não existem mais. Evidentemente é preciso dosar a argumentação

para levar a perceber o contínuo estado de mudança na produção intelectual. Isso é dever do magistério, sob pena de descumprir o dever ético de formar cidadãos capazes de reflexão e crítica. A cultura não pode ser “uma caixa preta” que só alguns poucos sabem decifrar.

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As relações que comandam o mundo são extremamente opacas para a visão da maior parte dos homens, cabe à escola auxiliar a construir uma epistemologia, que é reflexão sobre os métodos empregados nas ciências, as condições e os limites do conhecimento. O domínio da epistemologia é mais amplo que o da metodologia porque não descreve só os procedimentos mas busca comparar e discriminar processos para identificar pontos comuns e o sentido das ciências em suas relações recíprocas e com o campo ético-filosófico.

É preciso ainda considerar a necessidade de refletir sobre a mediação, a capacidade de usar instrumentos materiais nas ações dos homens e a criação das ferramentas e a capacidade de empregar e desenvolver instrumentos psicológicos – signos, símbolos, sinais no campo da cultura quando há intermediação nas atividades de homens e realidade. Para chegar a compreender as coisas é preciso agir – fazer um certo esforço e, uma análise da atividade pela qual se compreende. Isto é exclusivo do homem, poder selecionar entre os vários modos de percepção de que pode dispor o adequado aos aspectos diversos de apropriar o mundo. O homem vive em um mundo múltiplo: prático, teórico, artístico, físico, matemático, religioso, etc... para entrar em cada setor será preciso procurar uma intenção que seja adequada e um modo específico. Não é possível apropriar-se ou compreender a matemática e a realidade a que a matemática nos dá acesso mediante uma intencionalidade religiosa. O processo de captação e desconhecimento do sentido das coisas é, também, ao mesmo tempo criação de sentido no homem. Os mesmos sentidos pelos quais o homem descobre a realidade e o sentido dela, coisa, são um produto histórico e social.

O real se apresenta para nós como um processo de cissiparidade, de esfacelamento pela visão, algumas vezes. A visão recorta, cria marcas distintivas, procura diferenças e semelhanças, analisa, seleciona atribuindo significações e incorporando o significado a grandes “teias” de sentido visto que no homem se processa um trabalho de ajustamento entre o que é oferecido pela percepção externa e a sensibilidade de cada um.

A distinção entre representação e conceito entre o mundo da aparência e o mundo da realidade é o modo pelo qual o pensamento capta o que são as coisas. Porque a realidade, não se exaure na imagem física do mundo. O caminho entre a caótica representação do todo e a rica totalidade da multiplicidade das determinações e das relações coincide com a compreensão da realidade. A distinção entre sociedade e natureza é semelhante à

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incompreensão de um fato: a realidade humano-social é tão realidade quanto as nebulosas, os átomos, as estrelas, embora não seja a mesma realidade. Não é possível falar de totalidade sem falar em cisão porque assim se esvaziaria o movimento, trabalhando com um mundo estático, pronto, definido para sempre. É a história que diz que o uno é múltiplo, depois é uno, depois é múltiplo.

A procura de um método torna-se um dos problemas mais importantes de todo empreendimento para a compreensão das formas caracteristicamente humanas de atividade. Nesse caso o método é ao mesmo tempo pré-requisito e produto instrumento e resultado da investigação e do estudo.

O que é complexo tem que ser estudado como um processo vivo e não como um objeto previamente recortado. O estudo pretende desvendar a especificidade da coisa e seu movimento. A tarefa com que cada um se defronta parece em geral ir além de suas capacidades no momento e, não poder ser resolvida com as habilidades já incorporadas. Mas, há zona de

desenvolvimento proximal, há pessoas mais experientes no grupo, há objetos neutros (não indicados especificamente) que podem ser incluídas e alterar a

estrutura inicial.

O processo do conhecimento é ao mesmo tempo sensorial, racional e prático. Sensorial na atividade com o objeto. A ampliação da atividade sensorial aparece como condição para abstração do essencial e como base para ampla generalização.

O estudo científico é ao mesmo tempo estudo do fato e do procedimento de cognição desse fato. É um trabalho metodológico sobre a ciência enquanto ela avança. Cada escolha de palavra implica método, concepção de ciência. A ciência é filosófica até seus últimos elementos, até as palavras está perpassada de metodologia.

O conhecimento científico e a percepção direta não coincidem como parece, apesar de na percepção estarem fundidas as particularidades estruturais do campo visual e da compreensão. A experiência do dia a dia não substitui a análise científica, nem a busca das relações entre diferentes objetos e sistemas.

A análise científica da aprendizagem tem que ser a análise de processos e não de produtos, recuperando no exame os pontos principais de mudança.

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É preciso no ensino privilegiar a explicação dos fatos ou dos acontecimentos em vez de se restringir à descrição, visto que esta não revela as relações dinâmico-causais subjacentes ficando presa à enumeração de características. É preciso também, tornar conscientes os que estudam dos processos, operações, estágios de desenvolvimento intelectual pelos quais estão passando. Comparar o ponto de partida quando foi proposto o trabalho com as inclusões que mudaram “a constelação” ou teia de saber disponível no provisório fim.

“Os conceitos podem e em certa medida devem permanecer abertos, provisórios – o que não quer dizer vagos, aproximativos ou confusos – toda a verdadeira reflexão sobre a prática científica atesta que essa abertura dos conceitos que apresenta a marca sugestiva, é sua capacidade de produzir efeitos científicos fazendo ver coisas não vistas, sugerindo pesquisas por fazer”. Pierre Bourdieu

Profª Maria Helena Silveira Escola de Engenharia/UFRJ Novembro de 1999

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BIBLIOGRAFIA BÁSICA

SANTOS, Milton – Metamorfoses do Espaço Habitado, 5ª edição, Hucitec,

São Paulo, 1997.

- Técnica Espaço Tempo 3ª edição, Hucitec, São Paulo, 1997.

VIGOTSKY, Lev S. – A Formação Social da Mente, 2ª edição, Martins

Fontes, São Paulo, 1988.

- Teoria e Método em Psicologia, Martins Fontes, São Paulo, 1996.

- Psicologia da Arte, Martins Fontes, São Paulo, 1999.

BOURDIEU, Pierre – Choses Dites, Editions de Minuit, Paris, 1987,

Méditations Pascaliennes, Editora du Seuil, Paris 1997. - Razões Práticas Papiros, São Paulo, 1996.

__________________________________________________________________________________________________________ * Palestra proferida pela Professora Maria Helena Silveira no evento " Programa TV Escola - Capacitação de Gerentes" , realizado pela COPEAD/SEED/MEC em Belo Horizonte e Fortaleza, no ano de 1999.

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Referências

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