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Conhecimento, subjetividade e saberes produzidos no projeto de extensão boa noite bom dia/UFF

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE SAÚDE DA COMUNIDADE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

CÉLIA SEQUEIROS DA SILVA

Conhecimento, subjetividade e saberes produzidos

no Projeto de Extensão Boa Noite Bom Dia/UFF:

a Arte na Formação em Saúde

NITERÓI 2013

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CÉLIA SEQUEIROS DA SILVA

Conhecimento, subjetividade e saberes produzidos no

Projeto de Extensão Boa Noite Bom Dia/UFF: a Arte

na Formação em Saúde

Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Saúde Coletiva, da linha Planejamento, Formação e Avaliação em Saúde, do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Aprovada em: 16 de Abril de 2013.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________________ Profª. Drª Lilian Koifman – Universidade Federal Fluminense

__________________________________________________________ Prof. Dr. Julio Alberto Wong Un – Universidade Federal Fluminense

__________________________________________________________ Prof. Dr. Marcus Vinícius Almeida Machado – Universidade Federal do Rio de Janeiro

__________________________________________________________ Prof. Dr. Gilson-Saippa Oliveira – Universidade Federal Fluminense

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Célia Sequeiros da Silva

Conhecimento, subjetividade e saberes produzidos no Projeto

de Extensão Boa Noite Bom Dia/UFF: a Arte na Formação em

Saúde

Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Saúde Coletiva, da linha Planejamento, Formação e Avaliação em Saúde, do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Orientadora: Lilian Koifman

Co-Orientador: Julio Alberto Wong Un

Niterói - RJ 2013

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Dedico esta dissertação aos estudantes que participam do projeto BNBD e a todos que buscam a ética do cuidado.

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“Tudo está em levar a termo e, depois, dar à luz. Deixar amadurecer inteiramente, no âmago de si. Nas trevas do indizível e do inconsciente, do inacessível a seu próprio intelecto, cada impressão e cada germe de sentimento, e aguardar com profunda humildade e paciência a hora do parto de uma nova claridade: só é viver artisticamente na compreensão e na criação”.

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AGRADECIMENTOS

Aos, Armindo Costa, Izilda Maria Costa, pais do coração in memorian, e Vera Costa, irmã/mãe, por me proporcionarem as múltiplas estruturações, sobretudo ao amor dedicado à minha vida.

À minha família, Márcio Loyola, Luiza Silva Loyola e Lucca Silva Loyola, pela coragem e sensibilidade nos momentos mais críticos, momentos que exigiram muita concentração e introspecção, mas com carinho e respeito me apoiaram.

Aos meus orientadores: Julio Wong, com sua sensibilidade e sabedoria soube acolher e resgatar minhas experiências e transformá-las em pensamentos possíveis de serem apresentados aqui neste trabalho. Sem seu apoio, eu não teria iniciado essa trajetória. Lilian Koifman, pelo cuidado e maestria no trabalho da orientação, mostrando principalmente que a objetividade permeada pelo afeto, são ingredientes indispensáveis nessa relação. Com sua determinação, foi possível a realização deste trabalho e finalização desta etapa. Meu agradecimento eterno aos dois.

À minha grande mestre e terapeuta cósmica, Olga Cora de Carvalho. Por me acompanhar e ajudar a me tornar o que sou hoje.

Ao meu cuidadoso Luiz Perez, por me ensinar a cuidar do meu corpo, construindo outras formas de enxergá-lo.

Ao Prof. Marcus Vinícius A. Machado, grande incentivador para essa conquista, ao longo de toda a trajetória do mestrado.

Aos amigos do Departamento de Saúde e Sociedade, que de alguma forma sempre me incentivaram e apoiaram, em especial, ao Marcos Moreira, primeiro chefe e amigo, sempre estimulando o estudo e a leitura, por seu apoio no ingresso do programa. À Lenita Lorena sempre “ao lado”pronta para ajudar no que fosse preciso. Pela leitura atenciosa e cuidadosa do trabalho. Ao Marcos Senna, por todo apoio institucional , acolhimento e torcida durante todo o processo.

Aos amigos que fiz durante todo o percurso do mestrado, em especial: Tatiana Fonseca, Sandra de Matos, Maria de Nazaré, Paula Lessa, Wilian Dimas, pelos momentos compartilhados, não foram poucos.

Aos meus amigos do Projeto BNBD, Lenita Lorena, Fernando Bragança e Vera Montezano, equipe de trabalho solidária e dedicada, compartilhando suas experiências e grandes ensinamentos para essa pesquisa. Sem eles este trabalho não seria viável.

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E a todos os alunos do BNBD, grandes fomentadores deste trabalho. Por suas colaborações, sempre disponíveis a ajudar e engrandecer essa pesquisa. Agradeço em especial aos bolsistas pelo empenho nas transcrições, sugestões e grandes contribuições no desenvolvimento da pesquisa.

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RESUMO

O presente estudo traz uma reflexão acerca da arte e seus processos de criação como uma dimensão potencializadora no enriquecimento de saberes e fazeres na formação em geral, e, sobretudo, no conhecimento e auto-conhecimento do estudante/aprendiz na área de saúde. A Saúde Coletiva tem se debruçado, dentre várias questões ligadas a Saúde Pública, a concepções de formação dos profissionais de saúde e linhas de cuidado. Contudo, uma efetiva consolidação dessas propostas e seu desenvolvimento dependem de transformações radicais – diante dos modelos tradicionais de formação que não consideram a importância da subjetividade no processo educacional. Esta reflexão parte das experiências da autora no campo da Saúde Mental e da Arte, e mais recentemente, num projeto de extensão e pesquisa com alunos de vários cursos de saúde, realizado pelo Departamento de Saúde e Sociedade, do Instituto de Saúde da Comunidade na Universidade Federal Fluminense: o Projeto “Boa Noite, Bom Dia” HUAP. O estudo parte, também, da necessidade de incorporar e compreender visões mais amplas acerca do processo de produção de conhecimento e de refletir sobre novos paradigmas, para que as visões ecossistêmica e afetiva sejam contempladas na formação em saúde. O nosso objeto de estudo é a formação do profissional de saúde, tendo em vista a arte como uma dimensão criadora de novos sentidos, possibilidades de interações entre sujeito-objeto e desta forma, poder criar alguns elos entre objetividade e subjetividade, sobretudo, o afetivo e o cognitivo. Esta pesquisa utiliza metodologia qualitativa de caráter descritivo e interpretativo, que faz uso de ferramentas e métodos oriundos da antropologia, com observação participante e produção de relatos através de entrevistas, grupo focal e das vivências nas oficinas realizadas pelo projeto Boa Noite Bom Dia: HUAP. Foi feita uma análise do potencial de transformação dos estudantes a partir das experiências neste projeto. Nossa expectativa é gerar, a partir da pesquisa, reflexão e construção de novas práticas de saúde e de promoção do cuidado – de si e do outro.

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ABSTRACT

This study brings a reflection concerning arts and its creation’ process as a dimension that increases enrichment of knowledges and actions in development as a whole, and, especially, concerning knowledgment and self-knowledgement of students/learners in health area. Collective Health has been attempted, among other questions on Public Health, to conceptions of health and care professionals development. However, a real consolidation of these proposals and their increment depend on extreme transformations – comparing to traditional patterns of education, that do not consider the importance of subjectivity in education process. This reflection starts from author’s experiences in such fields as Mental Health and Arts, and more recently, from an extension and research project with students coming from several health courses, organized by Health and Society Department, Community Health Institute, Fluminense Federal University (Universidade Federal Fluminense): “Good Night, Good Morning” HUAP Project. The study also starts because we need to join and understand wider vision over process of knowledgement production as well as think about new paradigms that include ecosystemics and affectives views in health professional training. The purpose of our study is training health professionals, having in mind arts as a dimension to new senses, possibilities of interactions between subject-object and thus, be able to create some links between objectivity and subjectivity, especially the affective and the cognitive ones. This research uses qualitative methodology of descriptive and interpretative, which makes use of tools and methods derived from anthropology, with participant observation and production of reports through interviews, focus group and experiences lived at the workshops done by the “Good Night, Good Morning” HUAP Project. An analysis of the potential transformation of the students from the experiences in this project. Our expectation is to raise based on research, reflection and construction of new health practices and promote care - of himself and the other.

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SUMÁRIO

I. APRESENTAÇÃO: Os Caminhos que levaram a esta pesquisa ... 1

II. INTRODUÇÃO ... 3

1. O que queremos pesquisar ... 3

2. O Projeto BNBD - organização e percurso ... 4

3. O funcionamento do projeto BNBD ... 6

4. Da Arte na Saúde: o que diz a literatura? ... 8

5. Contexto Reflexivo do Estudo ... 10

6. O contexto onde se insere a pesquisa ... 18

7. Objetivos do Estudo ... 21

8. Aspectos Metodológicos ... 22

9. Análise de Dados... 28

10. Aspectos Éticos ... 30

Capítulo I: No caminho reflexivo – algumas tessituras ... 1

1. Teoria sistêmica – complexidade – outro paradigma ... 2

2. O Ser Vivo – Vida. ... 4

3. Organização do ser vivo – conceito de autopoiese ... 10

4. Conhecimento e subjetividade ... 14

5. Corpo e conhecimento... 20

6. Campo Perceptivo ... 27

7. Arte ... 30

8. Formação ... 36

Capítulo II: Os achados do Campo ... 44

1. Integralidade e humanização na formação ... 46

2. Conhecimento e Autoconhecimento ... 49 3. Cuidado ... 55 4. Trabalho em equipe ... 59 5. Grupalidade/ solidariedade... 61 6. Confiança e segurança... 63 7. Comunicação ... 66 8. Percepção/Sensação/Sentimentos ... 67 9. Sensibilidade ... 69 10. Importância da arte ... 71 12. Criatividade ... 74

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13. Singularidade (um jeito de ser) ... 78

Considerações finais ... 82

Referências ... 89

ANEXOS ... 94

Anexo 1 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 94

Anexo 2 - Projeto de Pesquisa ... 97

Anexo 3 - Hospital Universitário Antônio Pedro - HUAP ... 99

Apêndices...102.

Apêndice 1 - Texto de um Estudante...102

Apêndice 2 - Diário de Campo...103

Fotografias Fotografia1...7 Fotografia 2...47 Fotografia 3...51 Fotografia 4...52 Fotografia 5...55 Fotografia 6...61 Fotografia 7...65 Fotografia 8...69 Fotografia 9...71 Fotografia10...73 Fotografia 11...75 Fotografia 12...77 Fotografia 13...79 Fotografia 14...80

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I. APRESENTAÇÃO: Os Caminhos que levaram a esta pesquisa

Meu percurso pessoal e profissional foi marcado por uma inquietante relação com o mundo dos objetos. Sempre precisei estar no mundo cercada de “fazeres”, com materiais, imagens, cores, formas, cheiros, sons...

Por esse motivo busquei a área de saúde para minha formação profissional, mantendo o interesse pelas cores, formas e imagens, tornando-me Terapeuta Ocupacional.

Minha experiência no campo da saúde mental – por quinze anos em um hospital no Rio de Janeiro e oito anos na rede municipal de Niterói em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) – me faz crer que a luta travada pela reforma na psiquiatria nos últimos 25 anos também permitiu a sustentabilidade para novos horizontes como: interdisciplinaridade, clínica ampliada, escuta, novos olhares, inclusão, movimentos sociais, etc. Enfim, a humanização do atendimento. Esse percurso descrito somente hoje reflete em momento de reestruturação no campo da Saúde Coletiva, com investimentos em outros saberes e outras tecnologias, incluindo contribuições do campo da saúde mental, e de outros campos como as ciências sociais, a ecologia, a filosofia, e as artes.

Em 2005, para dar continuidade ao projeto “Inclusão e Articulação Social no Território”, que se configurava numa parceria entre Prefeitura de Niterói e Universidade Federal Fluminense (UFF), busquei a transferência da rede de saúde mental para trabalhar no Instituto de Saúde da Comunidade, Departamento de Saúde e Sociedade (MSS) da UFF. Partindo do interesse de profissionais do MSS foi construído um projeto de pesquisa sobre humanização com o nome: “Em análise: a questão da humanização nas práticas de saúde – uma proposta transdisciplinar” que num primeiro momento se desdobrou no Curso de Extensão: “Cartografando diferentes sentidos da ideia de humanização na história do pensamento ocidental”. Em 2007 iniciamos o que seria o primeiro momento do projeto – um grupo de estudo com profissionais interessados em conversar sobre o tema da humanização. O grupo de estudo desdobra-se num curso de capacitação para os profissionais do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP). O programa do curso abrangia, além do conteúdoteórico com base na filosofia, a realização de oficinas sensoriais, com a finalidade de provocar mudanças subjetivas nos profissionais, alunos do curso. No curso participaram enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, assistentes

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sociais e psicólogos, todos da unidade de emergência do HUAP. A experimentação nas oficinas foi uma experiência importante na vida daquelas pessoas. Estimulando outros sentidos e promovendo trocas de experiências, composições e decomposições com os materiais, com as pessoas e em cada um.

Através da observação nessas oficinas e da leitura de relatos desses profissionais, pude identificar mudanças não só na vida pessoal, mas nas suas relações com o trabalho. O trabalho em grupo foi privilegiado, por entender que ele constitui um potente instrumento na troca de experiências e de construção de saberes. Os materiais oferecidos nas oficinas oferecem uma potente forma de acionar outros sentidos e problematizar posturas rígidas e arraigadas num determinado saber. Materiais como tinta, barro, papéis diversos, poesias, músicas. Segundo Deleuze (apud. KASTRUP, V.: Cartografias Literárias, 1987) a arte em geral, produz experiências que transpõem os limites das formas subjetivas constituídas, acionando blocos de sensações, afectos e perceptos pré-subjetivos e impessoais.

Paralelamente, desde o início do trabalho na universidade, em 2005, além da pesquisa sobre humanização (já descrita), comecei uma aproximação com a disciplina de Trabalho de Campo Supervisionado l – TCS com alunos de medicina. Essa disciplina tem uma proposta pedagógica diferente das demais disciplinas do curso, onde cada preceptor trabalha com um grupo pequeno de alunos e um tema da área de saúde. Para além do espaço da sala de aula, busca outros espaços de aprendizagem e constrói em grupo (estudantes e preceptor) o campo. Essa experiência cria uma relação mais próxima entre professor e aluno. A minha participação na disciplina gerou muitas alegrias e, ao mesmo tempo, preocupações e me permitiu um encontro direto com o cotidiano da formação na área de saúde.

No início do ano de 2009, comecei a fazer parte do projeto de extensão, “Boa noite, Bom Dia (BNBD) HUAP, realizado pelo MSS, por médicos doutores em Saúde Coletiva e por uma profissional técnica do HUAP. A proposta do BNBD é contribuir para a formação dos estudantes da área de saúde, além de efetivamente contribuir para o restabelecimento dos doentes internados no HUAP (ver Anexo 3). Utilizando outras linguagens como a da arte, música, contação de histórias, artes plásticas, artesanais, lúdicas, como a utilização de jogos (tabuleiro e memória), brincadeiras, palhaçarias, mágicas etc, traz um outro olhar na forma de cuidar e criar, estabelecendo mudanças na formação, como também experimentações na arte e em

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outras relações desse cuidado, nos encontros com os doentes e a equipe de saúde do HUAP. Nesse projeto, passei a coordenar o grupo das 4as feiras, com alunos da área de saúde em sua maioria, porque apesar do objetivo do projeto ser destinado aos estudantes de saúde, alguns alunos de outras áreas da Universidade tem mostrado interesse em conhecer e efetivamente trabalhar no projeto, realizando visitas às enfermarias do HUAP. Tem sido um convívio e uma experiência intensa e de muito aprendizado.

II. INTRODUÇÃO

O que queremos pesquisar

A partir do aprendizado no percurso pessoal e profissional que acabamos de descrever, e aprofundando na rica experiência do projeto BNBD, neste trabalho através de algumas reflexões, propomos alguns possíveis caminhos, no sentido de aproximar o conhecimento (que se diz) calcado apenas na razão a outro: o da emoção e da sensibilidade.

Esta pesquisa aborda as necessidades que os profissionais de saúde denunciam em seu cotidiano de trabalho, sob a forma de adoecimento e sofrimento, pelo despreparo em lidar com situações limite nas relações cotidianas com o outro: com os pacientes, em suas relações de trabalho e nas suas relações com o mundo. Aborda também a falta de motivação e estresse do estudante na área de saúde para acoplar informações num currículo muitas vezes dissociado das reais necessidades da vida e suas múltiplas dimensões.

O que seria então pensar a prática de saúde e sua formação em suas várias dimensões? Dimensões que contemplem outras formas de conhecer? Como pensar estratégias que configurem e promovam processos de subjetivação outros, para além da formação e saberes hegemonicamente estruturados?

Reconhecendo que a razão instrumental – isto é, um conhecimento calcado no domínio e controle da natureza e dos seres humanos – é nossa maneira hegemônica de fazer e pensar o mundo (com os perigos que isso tem trazido), este estudo é uma aposta num maior equilíbrio entre as duas perspectivas, sem que uma se sobreponha

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a outra. Existe, em nossa opinião, uma colaboração e complementariedade entre as duas, entre intelecto e afeto.

O fato é que esse desequilíbrio – a supremacia da razão instrumental – tem nos custado muito. Em todos os âmbitos da vida humana.

Neste trabalho, partindo de necessidades e vivências no campo da Saúde Coletiva e seus atores, focaremos a questão da Formação do Profissional de Saúde e como esse profissional se insere hoje no sistema de saúde, mais precisamente quais as ferramentas que lhes são oferecidas em sua formação e qualificação.

O cenário é a Universidade Federal Fluminense e (as práticas que nelas se desenvolvem) em projetos de pesquisa, disciplinas, eventos acadêmicos, encontros com o estudante e profissionais de saúde.

Parte-se da ideia que, ao sair da universidade, os estudantes da área de saúde, profissionais formados, não estão preparados para lidar com a dimensão subjetiva que o sofrimento e a dor, inerentes à vida humana, requerem. O cuidado com o outro requer um processo de autoconhecimento, um olhar em direção ao cuidar de si e saber de si, à sua própria natureza, frágil e complexa Por Complexo aqui nos referimos aos múltiplos processos coexistentes na natureza humana – variável imprevisível, não como sinônimo de complicado, obscuro (BARROS, 2010).

O Projeto BNBD - organização e percurso

O Projeto de Extensão Boa Noite, Bom Dia, HUAP, foi elaborado por um grupo de professores pensado apartir da ideia de um aluno do curso de medicina, em 2007, que se sentia muito desestimulado com o curso e buscou apoio com alguns professores do Instituto de Saúde da Comunidade, escreve assim um projeto de iniciação científica . O aluno percebia que no período da noite o hospital fica mais vazio e os pacientes se sentem solitários, “esquecidos e isto faz com que uma espécie de terror e medo se faça presente... prejudica a melhora do quadro clínico e atormenta o paciente. As atividades à noite farão os pacientes ficar mais tranquilos, tendo uma melhor noite e consequentemente um melhor dia”. Por isso o nome: Boa Noite, Bom Dia. Assim o Projeto de Extensão em 2008, com o título: Boa Noite Bom Dia HUAP: um projeto de humanização através das artes.

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Esse vem a ser um segundo momento do projeto. Em 2009, registrado na Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) e com financiamento do MEC, o projeto tem como título: “Boa noite, Bom dia HUAP: Arte no Hospital Universitário – Humanizando Cuidadores e Cuidado”.

O público-alvo do projeto são os estudantes de cursos de graduação na área de saúde e os pacientes hospitalizados no HUAP. E o público atingido indiretamente é formado pelos acompanhantes, visitantes e/ou familiares dos pacientes, e funcionários do HUAP. Para 2012, conta-se com cerca de 60 estudantes por semestre, dos cursos de medicina, biomedicina, enfermagem, farmácia, psicologia, nutrição, serviço social, informática, da UFF. Já tivemos alunos de história e engenharia. Os últimos, apesar de não pertencerem a área de saúde, através de colegas e do site, se interessaram pelo projeto (Projeto BNBD, mímeo).

A equipe (atual) é composta por dois médicos doutores em Saúde Coletiva por uma enfermeira do HUAP, e uma terapeuta ocupacional.

O projeto de extensão gerou, como desdobramento, outro projeto.Um projeto de Pesquisa, junto à Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação da UFF (PROPPI), (ver

Anexo 2) com o título: Boa Noite, Bom dia HUAP – avaliação dos efeitos na formação dos estudantes da área de saúde. O mesmo obteve aprovação no Comitê

de Ética em novembro do ano de 2010.Atualmente, participam, como pesquisadores: dois professores do Departamento de Saúde e Sociedade, com formação médica e pós-graduação em saúde coletiva e uma terapeuta ocupacional, do mesmo departamento.

Atualmente, o HUAP é a maior e mais complexa unidade de saúde da Grande Niterói e, portanto, considerado na hierarquia do SUS, unidade de saúde de alta complexidade de atendimento. Atende a população da Zona Metropolitana II que engloba, além de Niterói, as cidades de Itaboraí, Maricá, Rio Bonito, São Gonçalo, Silva Jardim e Tanguá. Sua área de abrangência atinge uma população estimada em mais de dois milhões de habitantes e, pela proximidade com a cidade do Rio de Janeiro, atende também parte da população desse município. (em anexo)

O Projeto dispõe de website (www.bnbd.uff.br) e de um e-mail de grupo, que permitem maior agilidade na divulgação das atividades e comunicação entre os participantes. Resultados dessa experiência têm sido apresentados em Congressos e Seminários, além da Semana Acadêmica da UFF.

Portanto, esta pesquisa foca no Projeto “Boa Noite, Bom Dia HUAP e o Projeto

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Estudantes da Área de Saúde”; que são experiências importantes e fazem a

conexão entre universidade e serviço de saúde; ensino e pesquisa. Os cenários desse projeto são, o Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), (Anexo 3) as salas de aula, e outros espaços de convívio da universidade.

O funcionamento do projeto BNBD

A equipe do projeto na extensão, que são quatro profissionais ao todo como descrito anteriormente, coordena as atividades e visitas às enfermarias do HUAP. As visitas são organizadas para contemplar todas as enfermarias: Maternidade, Enfermaria feminina (clínica e cirúrgica), Enfermaria masculina, Ortopedia, Hematologia, Pediatria, Emergência (adulto e infantil); e ainda inclui a DIP (doenças infecto contagiosas) e o CTI (centro de terapia intensiva). No início da semana, o G2 (grupo de segunda-feira) escolhe uma ou duas enfermarias com o critério de “desejo” do grupo ou quando há alguma demanda da própria enfermaria, algum doente em estado grave com urgência da visita, ou ainda, algum aluno que já esteja acompanhando alguém na enfermaria e solicita a visita. Ao final, quando o grupo retorna à sala do departamento, marcam-se num quadro fixado no armário os locais visitados, para que o grupo do G4 (grupo de quarta-feira) possa saber qual enfermaria foi visitada. O G6 (grupo de sexta-feira), da mesma forma. Algumas enfermarias são mais delicadas e precisam de um maior cuidado, principalmente quanto ao número de alunos presentes: a DIP (Doenças Infecto Parasitárias) que contém sérias restrições de contágio é um exemplo, e por isso é possível visitar apenas com um grupo pequeno, e mesmo assim, não temos acesso a todos os leitos. O mesmo ocorre no CTI.

É bom ressaltar que conseguimos permissão para essas visitas, pelo fato de algumas chefias serem sensíveis à política de “humanização”, implantando outras condutas no que se refere às visitas de familiares (vendo caso a caso), e nas relações das equipes dentro do CTI. Atualmente as equipes do CTI, são das mais sensíveis ao trabalho do BNBD.

Uma média de 65 alunos, divididos em três grupos durante a semana, nos dias da semana, 2ª, 4ª e 6ª (G2, G4, e G6), sobem às enfermarias sob a coordenação de um professor responsável por esse dia. Alguns alunos participam mais de um grupo e por vezes todos os grupos.

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|Fotografia 1: Imagem de alguns dos integrantes do Projeto no saguão do HUAP, durante a visita às enfermarias.

No ano de 2012, foram aprovadas seis bolsas para estudantes que regularmente atuem no projeto. Ao longo desses cinco anos do projeto, através de reflexões da equipe e dos alunos, o trabalho foi desenhado por todos e suas responsabilidades divididas pelos componentes. Os bolsistas, além do interesse e participação, trouxeram ao projeto, ou por vezes adquiriram durante o trabalho no projeto, habilidades que são destacadas pelo grupo como importantes no processo de trabalho. Alguns têm a habilidade de tocar algum instrumento musical, outros de fazer dobraduras (“origami”), há os que conseguem com alegria e desenvoltura lidar com brincadeiras e histórias durante as visitas, ou são bons na organização e relação com o grupo.

Desde o início do projeto, alguns alunos, tocavam violão durante as visitas. Certamente o fato do aluno responsável pela primeira ideia do projeto, ser músico e levar essa arte para o BNBD, influenciou bastante o grupo do projeto, e obviamente pela aceitação dos pacientes nas enfermarias. A música nesse sentido tomou um lugar importante na relação do estudante com o doente.

Como já foi dito, cada grupo tem um coordenador que vai receber os alunos e realizar atividades educativas e organizativas às visitas nas enfermarias do HUAP.

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Uma profissional fica volante, percorrendo os três grupos. Os bolsistas também se dividem de acordo com a necessidade dos grupos e disponibilidade de horário conforme a grade curricular.

Na sua dimensão física, o projeto conta com a sala do Departamento de Saúde e Sociedade, pequena, (em torno de oito metros quadrados) situada no 3º andar do prédio anexo do HUAP. Um armário onde é guardado o material e instrumentos musicais. Alguns ornamentos ficam em caixas sobrepostas no armário por falta de espaço. O corredor do andar é usado principalmente no dia de quarta-feira, onde se concentram em torno de 30 alunos.

Os momentos da preparação para a visita (conversas com os amigos, ensaios no violão, maquilagens), tudo vai acontecendo ao mesmo tempo. Os bolsistas cuidam do registro das presenças e certificados, organizam as pastas com cifras de músicas, ajudam a receber os calouros e visitas pontuais. Desta sala em diante, até a enfermaria escolhida, todos os espaços são ocupados com sons, cantoria e acenos de “boa noite”, a todos que passam, e aos que estão lá a trabalho (como os funcionários da limpeza, recepcionistas, técnicos, familiares). A música em coro, “BOA NOITE, BOM DIA”, criada pelos alunos vai sendo cantarolada, anunciando a passagem do grupo.

Após as visitas, há um momento de reflexão e troca do que foi vivido naquele dia. Ao término da roda de conversa, um aluno é escolhido para fazer um relato por escrito sobre sua experiência na visita.

Além da atividade regular de visitação são oferecidas oficinas e dinâmicas ao longo do semestre (como estratégias vivenciais dos estudantes com diversos materiais artísticos e artesanais) assim como vivências que trabalham alguns temas relacionados às inter-relações, e às expressões corporais e comunicacionais.

Da Arte na Saúde: o que diz a literatura?

Com a finalidade de conhecer o estado da arte deste tema, além da revisão bibliográfica desenvolvida durante o estudo, foi realizada uma busca em fontes BVS ( Biblioteca Virtual em Saúde), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências Sociais), Scielo (Scientific Eletronic Library Online), Bireme ( Biblioteca Regional de Medicina) e IBEP (Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas). Utilizamos, inicialmente, as palavras-chave: Arte, Formação e Saúde. Foram

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encontrados seis artigos da área de formação de profissionais da área de saúde, um programa de extensão da UFES em Vitória, um Laboratório de Estudos e Pesquisas em Formação e Trabalho em Saúde da UNIFESP e três livros da ENSP e FMUSP.

Alguns estudos e programas foram encontrados com temas parecidos, que articulam esferas diferentes de produção de conhecimento e sensibilidades na formação das ciências da saúde. Nessas experiências, o campo da arte toma lugar importante para a problematização de concepções e objetos da área da saúde, e se desenvolvem projetos que estimulam o encontro e a experiência entre saberes diversos, obras e fazeres artísticos.

Nas nossas buscas, inserimos descritores como: subjetividade, criatividade e educação, encontrando mais quatro artigos pela BVS. Dentre os encontrados, destacamos alguns que apresentam identidade e aproximação com nosso objeto de estudo.

Em um dos artigos encontrados, (SMITH, 2005), o conceito de “connoisseurship”, criado por Elliot Eisner aborda a capacidade de ver e apreciar as diferentes dimensões da experiência humana e o modo como essas se relacionam umas com as outras. Propõe que se trabalhe com a união dos diferentes elementos da arte e seu exame do processo, e da arte na educação é de particular importância para a esfera da educação informal. Apresenta, então, importantes temas, os da experiência, criatividade, educação e arte. Elliot Eisner é professor emérito de Arte e Educação e Educação artística, com estudos em reforma curricular, pesquisa qualitativa, abordando a importância das formas de representação na educação. Ele propõe novos instrumentos conceituais na tentativa de responder às necessidades de conhecimento da realidade do ensino.

Outro artigo encontrado relata como, no curso de Graduação de Terapia Ocupacional da USP, é desenvolvido um laboratório de estudos e pesquisa em arte, corpo, e subjetividade, com intuito de habilitar os estudantes práticas na interface – arte/saúde. O relato apresenta uma ampliação das possibilidades de atuação profissional vinculadas ao campo da produção cultural, em projetos transdisciplinares voltados para a construção de redes inclusivas, com participação coletiva e produção de subjetividade (CASTRO, et al., 2009).

Alguns outros cursos de graduação seguem essa mesma direção, como no caso da Enfermagem, com três artigos, desenvolvendo projetos educacionais mediados por obras literárias, e a arte em geral. Segundo PIRES, et al. (2009), a

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vivência pelos alunos indica que a interface entre criatividade, a abstração ética e estética produz sentidos de aprendizagem que ultrapassam a racionalidade instrumental, contribuindo para a formação de profissionais de saúde. Também na graduação de Enfermagem alunos se debruçam sobre as percepções sentidas através da arte e criatividade, revelando em seus resultados as implicações de conceitos no projeto pedagógico como a espontaneidade e normatividade; trabalho pensado e modelo repetitivo, revelando um distanciamento na prática entre estas categorias (MONTICCELLI, et al. 1999).

Um último artigo que gostaríamos de destacar trata da importância da inclusão da disciplina de artes no curso de graduação de Medicina na Universidade do Minho em Portugal. A autora, Clara Costa Oliveira (2009), discute o currículo do curso, que hoje já integra algumas disciplinas ligadas à arte, porém como optativas. Discute a partir de alguns currículos que tomam, por exemplo, as artes, sessões de literatura, artes plásticas, movimento e drama, cinema, etc., na perspectiva de articular essas vivências com questões importantes para os médicos como a observação clínica, e respectiva história do doente e conexões na escolha de textos, pinturas e esculturas, produzidas por médicos.

A contribuição desses autores nos deixou mais seguros da viabilidade e pertinência deste tema, pois podemos perceber que tanto na extensão como na pesquisa, os aspectos da arte, criatividade, subjetividade, afeto, entre outros começam a ganhar destaque na formação dos profissionais de saúde, e nesse sentido, vários cursos desta área são contemplados. A busca foi realizada nos meses de outubro e novembro de 2011.

Contexto Reflexivo do Estudo

Nos últimos anos, e como uma das formas de concretizar os princípios de organização do SUS, a humanização do atendimento tem tomado grande atenção por parte dos gestores, profissionais e demais atores sociais, que se inserem no campo da Saúde Coletiva. Num processo participativo liderado pelo Ministério da Saúde, foi elaborada e implantada a Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS (Humaniza SUS), em 2003.

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De acordo com o dicionário Aurélio da língua portuguesa, “humanizar” é dar condição ou forma humana, tornar mais adaptado aos seres humanos, mais compreensivo, bondoso, sociável... contudo sabemos que essa imagem do homem “ideal”, “perfeito” dotado de razão (animal racional), está longe do que podemos supor ser a natureza humana. Durante a evolução humana, cada fase teve sua importância histórica, sua evolução biológica, suas habilidades, capacidade de estabelecer algum tipo de comunicação, desenvolvimento do pensar, suas relações sociais, culturais e políticas – da pré-história até aqui o homem vem sendo construído.

Visto desta maneira, a ideia de humanização é plural, podemos falar em “humanismos” ao invés de “humanismo”. Na história da filosofia ou de uma antropologia filosófica, a grande variedade de posturas éticas, estéticas e políticas foram marcadas, em nome do humanismo, definindo princípios, ideais, ações e valores morais, e seus efeitos para a vida da humanidade. Da idade clássica até hoje passamos por vários momentos da história e em vários campos do conhecimento construindo o que chamamos de “humano”. Atravessada pelo tempo e história uma noção de humanização que não foi homogênea, pelo contrário, é hoje visivelmente marcada pela sua imperfeição e todo o paradoxo inerente ao ser do homem.

Segundo Passos e Benevides (2005ª),

Por “humanização” entende-se menos a retomada ou revalorização da imagem idealizada do homem e mais a incitação a um processo de produção de novos territórios existenciais. (...) Deste modo, o humano é retirado de uma posição-padrão, abstrata e distante das realidades concretas e é tomado em sua singularidade e complexidade.

A crítica a este conceito (humanização) vem através de Passos e Benevides provocar e propor no campo das políticas de saúde uma forma “potencializadora” da capacidade humana, estabelecendo outra ética: a do encontro com o “outro” em suas diferenças e singularidades. A aposta numa Política Nacional de Humanização do SUS tenta definir a humanização como um processo de mudança dos sujeitos, outros modos de subjetivação, ou seja, outros sentidos de ver e estar no mundo, como também a construção de novos processos de trabalho na atenção e cuidado em saúde.

A Política de Humanização da Atenção e da Gestão (PNH), criada em 2003, objetiva produzir novas atitudes por parte dos trabalhadores, gestores e usuários,

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portanto no coletivo, no campo do trabalho em saúde, na tentativa de superar os problemas enfrentados por todos no cotidiano do SUS. Ainda segundo os autores:

A problemática adjetivada como desumanização, conceito síntese que revela a percepção da população e de trabalhadores da saúde frente a problemas como as filas, a insensibilidade dos trabalhadores frente ao sofrimento das pessoas, os tratamentos desrespeitosos, o isolamento das pessoas de suas redes sócio-familiares nos procedimentos, consultas e internações, as práticas de gestão autoritária, as deficiências nas condições concretas de trabalho, incluindo a degradação nos ambientes e das relações de trabalho, etc., derivam de condições precárias da organização de processos de trabalho, na perspectiva da PNH (BENEVIDES e PASSOS, 2010)

Visto desta maneira, a PNH investe fortemente na formação desse trabalhador e suas relações de trabalho, com a gestão e os usuários. Porem é um investimento numa certa perspectiva, visto que usualmente quando se pensa em formação e algum tipo de ação pedagógica nesse campo, segundo os autores, tradicionalmente pensa-se em transmitir algo ou capacitar alguém, que nesse caso é o profissional ou agente de saúde, para “certo modo” de agir ou pensar.

A transferência de informações para que os “descapacitados” passem a ter determinadas capacidades; na mesma direção, se “treinaria” os trabalhadores para que repitam e exercitem o modo correto de fazer. Para aqueles que, mesmo assim, não se enquadram a esta normalização a oferta é a reciclagem: remodelação dos sujeitos. De qualquer maneira, a formação torna-se, assim, correção (no sentido ortopédico do termo) daqueles trabalhadores de saúde supostamente desumanos: formar na humanização teria este sentido de “humanizar os desumanos” (pág. 17).

A Formação é tomada aqui como uma estratégia da PNH, onde os diversos atores implicados na construção do cuidado em saúde se responsabilizem e tenham suas ações e pensamentos respeitados e “cuidados”, a partir de suas experiências diretas com a população. Uma prática de “humanização” que inclui espaços da gestão, do cuidado e da formação, de sujeitos e coletivos, bem como, dos analisadores (as perturbações) que estas inclusões produzem. Em outras palavras: humanização é inclusão.

Para humanizar práticas de gestão e de cuidado, bem como as práticas pedagógicas, a PNH propõe que se incluam os diferentes sujeitos que participam desde suas singularidades no planejamento, implementação e avaliação dos processos de produção de saúde e de formação do trabalhador de saúde (BENEVIDES e PASSOS, 2010).

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Em sintonia com as propostas acima, outras tecnologias - as tecnologias relacionais - procurando valorizar os sujeitos envolvidos nas relações das instituições de saúde pública (usuários, gestores, trabalhadores), apontam que:

O trabalho em saúde não pode ser globalmente capturado pela lógica do trabalho morto, expresso nos equipamentos e nos saberes tecnológicos estruturados, pois o seu objeto não é plenamente estruturado e suas tecnologias de ação mais estratégicas configuram-se em processos de intervenção em ato, operando como tecnologias de relações, de encontros de subjetividades, para além dos saberes tecnológicos estruturados, comportando um grau de liberdade significativo na escolha do modo de fazer essa produção. O trabalho em saúde é centrado no trabalho vivo em ato permanentemente (MERHY e FRANCO, 2007, p. 49).

Assim, na relação do trabalhador da saúde com o usuário, destacamos um dos principais objetivos da humanização: valorizar o trabalho vivo e relacional construído nas relações institucionais pelo trabalhador/usuário. Nesse sentido, os processos de formação configuram-se a cada dia como um grande desafio, sobretudo quando se comemoram 20 anos de criação do SUS.

Essas práticas de formação ainda estão permeadas pela aplicação de um conhecimento tecnocrático fragmentado e distante do cotidiano do SUS (MEHRY e FRANCO, p. 213) e da dimensão humana das ações de saúde.

Esse conhecimento fragmentado trouxe algumas concepções dentro da área de conhecimento da saúde que marcaram de forma contundente, os estudos sobre o corpo (à luz da ciência e mais especificamente das ciências biológicas), datado desde o século XVIII e por todo o século XIX. Um corpo que passa a ser classificado e observado sob a análise mecanicista e organicista, comparadas ao funcionamento de uma máquina. Limita-se o olhar sobre o corpo, “e seu entendimento como um ser de emoções e interações, de afetos e autorias, cuja humanidade provém de sua vida em coletivos em sociedade” (CECCIM e CARVALHO, 2005).

Nos séculos XIX e XX a educação dos profissionais da saúde privilegiou o paradigma usualmente chamado de mecanicista e buscou unir também modelos de educação superior e pesquisa na razão médica e uma racionalidade científica moderna. Isto, consequentemente, trouxe para a Formação em Saúde reflexos graves, como, por exemplo, pensar e organizar os currículos com predominância nas disciplinas que enfocam o corpo como doença. Nos órgãos doentes ou mortos se debruça a anatomia, fisiologia, citologia e outras disciplinas desconectadas da

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história desse corpo, suas vivências, seus encontros, seus afetos, suas singularidades (CECCIM e CARVALHO, 2005).

A formação para a área de saúde tem se mostrado muito aquém das necessidades e desafios cotidianos dos profissionais, tanto para suas práticas quanto para a organização de seus processos de trabalho, não acolhendo as várias dimensões que o cuidado requer para atender as necessidades das pessoas. Como resultado, os profissionais adoecem ou vivem sem perspectivas e totalmente desmotivados no seu processo de trabalho. São raros os momentos em que eles têm a oportunidade de se reciclar e refletir sobre suas práticas. Além disso, sofrem com o despreparo emocional para lidar com a demanda do usuário, que passa por toda sorte de problemas e das dinâmicas institucionais. Como os profissionais de saúde lidam com o adoecer? De que forma o adoecimento, sofrimento e emoções são traduzidos e vividos pelo usuário e pelo profissional de saúde?

Nos últimos anos, o cuidado em saúde tem sido discutido e refletido por diversos autores no campo da Saúde Coletiva. Questiona-se como ele é produzido em suas relações institucionais, qual sua relação com os processos de trabalho e quais ferramentas e tecnologias tem sido adotadas pelos profissionais de saúde para lidar com o sofrimento-produção do cuidado. Pensamos aqui num sofrimento a partir do usuário e também do profissional ao confrontar-se com as condições e frustrações da realidade presentes nos serviços. As redes de apoio são inexistentes e a “solidão” tem sido um termo usado em relatos de alguns profissionais, que relatam não ter com quem compartilhar essa dor. (BARROS et. al., 2010). Segundo a autora, “a possibilidade de troca, a construção de uma grupalidade solidária produz força e nos ajuda a lidar com essas situações, nos ajuda a lidar com a fragilidade do viver” (BARROS, 2010. mimeo, p. 138).

Destacamos aqui a noção de saúde que Barros (2010) elabora, onde a saúde se faz como força criativa, sempre em movimento e na luta a favor da vida. Cria e expande a vida - e o sofrimento faz parte da luta. Ele “é parte da vida”. Ao focarmos nossas atenções no sofrimento e na dor, nos distanciamos das forças criativas inerentes à existência humana e os modos de sua expressão. A despeito disto, conhecemos muito mais acerca das doenças e das patologias do que do modo como as pessoas expressam sua dor. Que sofrimento está sendo produzido por estas doenças e quem é essa pessoa que sofre. Perguntamos, então, que práticas estamos construindo e quais ferramentas nos possibilitam pensar e agir a favor do cuidado em

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saúde? E, concordando com Barros, indagamos como formaremos “... trabalhadores que possam transformar o sofrimento patológico em sofrimento criador?” (p. 147), um sofrimento como condição criativa da existência.

Seguindo a linha de pensamento da autora, “preconizamos um cuidado como relação dialógica que é, ao mesmo tempo, um olhar que se lança sobre o outro e uma maneira de se oferecer ao olhar do outro por meio do que é dito sobre si mesmo” (p. 148).

Pensar desta maneira é estabelecer outra relação com o processo saúde /doença, mas também criar outra relação estética e ética em suas práticas. Tecer relações de cuidado centradas no compartilhar e na solidariedade.

Novas diretrizes curriculares foram formuladas nacionalmente com relação às práticas educacionais, devendo ocorrer também dentro dos serviços e instituições de saúde. Para tanto, na formação dos profissionais de saúde, reflexões e ações vem sendo construídas e centradas também nos cursos de graduação e seus currículos. São ações que procuram aproximar o vivido no cotidiano, ou seja, promovendo a vivência sobre como o cuidado é concretamente produzido, na direção de uma formação que atualize o compartilhamento de experiências e na aprendizagem e seus conteúdos, ratificando a ideia anterior citada por Barros (2010). Segundo Koifman et al. (2010), é “um conhecimento que passa a ser construído de forma significativa a partir da emergência dessas situações e a aprendizagem se distancia daquela baseada na memorização de conceitos e valores” (KOIFMAN; FERNANDEZ e RIBEIRO, 2010).

O conceito de conhecimento é compreendido sob outras bases, afastando-se da tradicional formulação da ciência moderna, prescritiva, generalizadora e compartimentada. Procura-se um conhecimento percebido como processo, sempre em movimento, favorecendo a ruptura com a visão de ensino tradicional (PEDROSO, 2008, p.149 – In KOIFMAN et al. 2010).

Sendo assim, certas práticas de ensino ancoradas no paradigma mecanicista, como referido acima, aliados a modelos tradicionais de ensino em saúde priorizam um ensino

técnico científico, muitas vezes desarticulado das reais necessidades sociais da população”(...) desvalorizando reflexões de dimensões social, afetiva, manual e ética. Nesses processos de aprendizagem, utilizando um termo de Paulo Freire, o “depósito” e a memorização são privilegiados em detrimento de outras possibilidades intelectuais, como a valorização da capacidade de produção de sínteses críticas sobre o que determina o adoecer (KOIFMAN et al., 2007).

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A prática da formação tem se constituído muito mais como uma “fôrma” do que propriamente formar, dar forma, criar, “trans-formar”, conceitos e conhecimentos. Para Baptista (2000):

A formação tem sido vista como serialização, ou seja, como uma engrenagem de fábrica, como lugar onde poucos se apropriam do seu saber – do seu trabalho – e, ao mesmo tempo, como espaço onde as contradições podem gerar indagações e propostas que possibilitem questionamentos e a construção de novas práticas.

Cria-se, então, uma distância entre o que o aluno aprende em sala de aula e a realidade social. Gera, assim, desmotivação de ambas as partes, o aluno e o educador. O que deveria ser uma atividade prazerosa, o ensinar, passa a ser estressante e sem vida.

Propostas inovadoras nesse campo, no nosso entendimento, ainda são muito tímidas, diante do reflexo observado mais a frente nas relações que são estabelecidas quando esses alunos se tornam profissionais.

Como afirma Wong-Un (2002), referindo-se ao encontro profissional e existencial com a dimensão comunitária da saúde:

Os profissionais de saúde – sofrem um processo de deslocamento “ruptura”, “estranhamento”... resultando necessariamente em mudanças, em geral imprevisíveis. A imprevisibilidade está referida não só à complexidade do processo (com emergência do inesperado) que inclui as dimensões subjetivas (singulares e culturais) e intersubjetivas (além das materiais), mas também à falta de enfrentamento consciente do problema ou fato possível na formação dos profissionais – graduação, e educação continuada ou permanente (p.199).

Como um possível caminho para enfrentar os problemas pelos quais o estudante (que é profissional em formação) passa, pensamos que seja importante propor uma formação mais integradora e facilitadora de processos subjetivos e que possa minimizar as dicotomias (razão/emoção, pensar/fazer, corpo/mente). Ao capacitá-los buscando abertura para as experimentações, unindo o racional ao emocional, talvez possamos contar com profissionais mais sintonizados e conscientes das suas capacidades e habilidades de enfrentamento dos problemas cotidianos. Tal conhecimento é também construído com outros elementos, como o da intuição, do afeto, da relação das pessoas com a natureza. Nesse sentido Vasconcelos (2006) afirma:

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Neste novo contexto, dimensões tradicionalmente excluídas da prática profissional e científica, como a afetividade, a espiritualidade, ou mesmo a dimensão política e ecológica, são re-significadas como inerentes ao cuidado com o ser humano e com sua saúde” (p. 236).

E ainda,

... a vida pulsa intensamente no cotidiano da universidade através da vida pessoal dos estudantes, professores, pacientes e comunidades atendidas.(...) Os fatos mais significativos da vida, sempre acompanhados de forte emoção, não têm espaço na academia. Trazê-los para a discussão nas aulas é considerado inadequado, pessoais demais e, até, vergonhoso (pág. 254).

O convívio com alunos em projetos de pesquisa, extensão e no cotidiano do ensino nos mostra que não existem espaços nem canais suficientes para que os alunos possam compartilhar suas dificuldades não só com o curso, mas também com suas relações pessoais, com os docentes, seus afetos e desafetos. Seus anseios e desejos são abafados por uma avalanche de fórmulas e conceitos que são propostos (ou impostos), sem o tempo e espaço necessário para sua compreensão.

É importante lembrar que a extensão como produção de ações de saúde no campo, faz parte do triângulo do ensino, do tripé que sustenta a Universidade. Mais recentemente, nas últimas duas décadas, no espaço universitário brasileiro o conceito de extensão universitária é tomado como um processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade. Entendeu-se que essa indissociabilidade constitui a base do processo de formação, numa perspectiva de interação, intercâmbio e de contribuição mútua, no preparo de profissionais capazes de atender as reais necessidades da população. A incorporação e a interação de estudantes e docentes ao processo de produção de trabalho nos serviços procura fazer a articulação entre teoria e prática em toda sua complexidade. Constroem espaços de reflexão e conversações importantes para o conhecimento, inter-relações, trabalho interdisciplinar e processos de trabalho em saúde. Os estudantes percebem e reivindicam espaços “livres” de discussão no cotidiano acadêmico, onde se dê o diálogo entre eles e os professores, de modo aberto, contribuindo para que possam viver um bem-estar, relações mais afetivas e efetivas no espaço da formação. Nesses espaços livres e criativos, espaço de e para conversações, as dúvidas e questões podem ser pedagogicamente enriquecidas com a troca de experiência de vida.

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Na nossa experiência os estudantes que participam do BNBD são muito jovens, muitos deles, saindo da adolescência. Vindos de outros Estados, cidades pequenas, enfrentando a separação da família, amigos, namoros. Cheios de esperança e um ideal – cuidar do outro, um ideal ético. Não precisam apenas dos conteúdos de bioquímica, anatomia, neurobiologia. Buscam: um grupo para serem acolhidos; um professor que os oriente; um espaço para dar boas risadas e falar bobagem; comentar uma música que os tocou ou um filme que querem muito ver, mas não há tempo; como fazer uma comida para não comer só “bolachas”; aprender como cuidar da casa dividida com outros tantos e se relacionar com outros moradores. Há uma fome urgente de identidade, de símbolos e de socialização. A vida cotidiana, rica em percepções e afetos, não é acolhida pela Universidade. Muito pelo contrário, o que experimentam é sobre a doença, a prova, o decorar, o copiar e acima de tudo, a morte. A finitude do ser e seu sofrimento é algo da esfera do intocável.

O contexto onde se insere a pesquisa

No Curso de Medicina da UFF, dentre outras poucas experiências, a disciplina “Trabalho de Campo Supervisionado 1” (TCS 1), busca um convívio mais próximo, o Programa de Apoio Psicopedagógico (PAPP). O PAPP atualmente se constitui como disciplina optativa do Curso de Medicina da UFF, oferecendo um acompanhamento com tutores, professores da UFF, em grupo e individualmente, no sentido de dar algum suporte e tentar preencher essa lacuna. A disciplina TCS 1 se constrói na busca da diversificação de cenários de ensino-aprendizagem com articulação com o campo de prática das profissões da área da saúde e com o desafio de tecer uma rede de saberes centrados na integração entre ensino, extensão e pesquisa.

Koifman e Saippa-Oliveira (2006) estudam a formação, produzindo artigos sobre métodos e estratégias de superação dos modelos tradicionais de formação em saúde.

Deve haver relação mais estreita entre os conteúdos trabalhados no currículo e as necessidades dos estudantes, de maneira que possam ser utilizados em diferentes contextos e situações profissionais cotidianas. Para isso é necessário trabalhar com os estudantes a capacidade de estabelecer relações entre as informações que recebem e as que trazem consigo ou constroem entre si, e relações de aprendizagem que estimulem trocas, confrontos e exposições (p. 255). (...) Existem, pois, nos processos de reformas curriculares, condições que devem ser preenchidas para o desenvolvimento de estruturas (individuais e coletivas) em que pensamento, sentimento e ação se completem e se transformem num canal de expressão dos

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diversos atores envolvidos, para que as potencialidades das mudanças no campo da saúde se consolidem (p. 143).

Pensamos que um dos “nós” na dificuldade em unir perspectivas racionais e emocionais, em que pensamento, sentimento e ação se integrem mais, seja a pouca oferta nesses cursos e disciplinas, de espaços onde a expressão espontânea e a criatividade estejam permeando esse diálogo e aproximação do sentir/pensar. Talvez por isso, faça todo sentido a iniciativa e concretização do BNBD, como extensão, além das experiências já citadas dentro do currículo da medicina da UFF. É importante lembrar que esse espaço de convívio entre alunos e doentes internados no HUAP e sua forma de chegar às enfermarias com música, proporcionado por este projeto, foi idealizado por um aluno de medicina, já mencionado anteriormente, insatisfeito com o curso. Este aluno, dedicando-se à música paralelamente ao Curso de Medicina e sendo filho de músico, procurou professores do Instituto de Saúde da Comunidade no intuito, segundo ele, de fazer algo para diminuir a solidão vivenciada pelos doentes internados nas enfermarias, principalmente no turno da noite. Elaborou uma proposta em que os estudantes pudessem, desde o início do curso, aproximar o conceito da “Integralidade” e de cuidado, à prática da medicina, assim como promover um trabalho interdisciplinar onde houvesse interação entre os alunos do curso da área de saúde, como descrito em sua primeira escrita apresentada na Disciplina de Iniciação Científica.

Essa experiência nos faz refletir sobre a existência de outras formas de pensar e sentir além das tradicionalmente formuladas. A ideia não é o pensado, mas o que faz pensar. Requer uma materialidade, ou seja, um objeto, um material, onde uma imagem (ou um pensamento) através do papel e lápis se configure em texto, em poesia, em música cantada e tocada, em relato de experiência. O pensar se realiza pela experimentação e o pensar é criar. É fazer pensar de modos diferentes. Chamamos a atenção, dessa forma, para a relevância de constituirmos outras maneiras de fazer pensar, esse profissional e aprendiz. A formação e o exercício profissional não dois momentos distintos, envolvendo um movimento de fazer-se constante, um aprendiz-artista, mantendo permanentemente o pensar e agir em sua prática diária.

O artífice, aprendiz de acordo com Sennet( 2009), explora dimensões de habilidade, empenho e avaliação de um jeito específico. Há uma relação íntima entre a mão e a cabeça, o que para o autor é uma dificuldade enfrentada pela civilização

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ocidental – estabelecer ligações entre cabeça e a mão. Nessa direção, sustenta que todas as habilidades, até as mais abstratas, se iniciam como práticas corporais. “A história traçou linhas ideológicas divisórias entre prática e a teoria, a técnica e a expressão, o artífice e o artista...a sociedade moderna sofre dessa herança histórica” (pág.22). Segundo o pensamento do autor, a vida do trabalho artesanal e dos artífices, sugere o uso de ferramentas, organiza os movimentos corporais e faz pensar acerca dos materiais, constituindo possibilidades de se levar a vida com habilidade, e as pessoas podem aprender sobre si mesmas através das coisas que fazem. A criança antes de se comunicar com palavras emite sons e experimenta com toda a curiosidade o mundo em seu entorno. Mente, músculos, olho, boca, mãos, todos convidados a participar deste lúdico jogo que o corpo nos proporciona, que é o conhecer através dos sentidos e da ação.

Através da arte, a percepção é alargada. Com isso podemos ver o invisível, perceber o nada, apenas o prazer pelo prazer, sem os constrangimentos e limites da vida prática. E nessa direção ela aciona outros processos cognitivos com papel fundamental na produção de subjetividades.

Neste estudo descrevemos com exemplos, a relevância de se pensar a arte como uma potente fonte de experimentação dos sentidos que estão adormecidos e desconectados na nossa formação.

Não entendemos que arte seja apenas uma ferramenta a mais no processo da formação, mas uma dimensão fundante do processo.

Embora o senso comum baseado na razão instrumental imagine que as realidades existem a priori, independentes do observador. A proposta das ciências da complexidade é que o observado e o objeto não são independentes, um não vive a despeito do outro. Essa redução a que estamos acostumados exclui a subjetividade e todos os nossos sentidos corpóreos, que a vida requer para criá-la.

Para nos aprofundar nessa questão, precisamos, pensar em novas formas de olhar a vida, e adquirir e treinar um olhar pluridimencional e interconectivo, entendendo o ser como um ser sempre em construção e em relação com o outro.

O processo do cuidado em saúde se constrói a partir dessa construção, uma ocupação de si e um conhecimento de si, para que assim possamos cuidar do outro e encontrar de fato o outro. Portanto, as estratégias de ensino e do cuidado são interdependentes, como Koifman e Saippa-Oliveira (2007) nos indicam. A prática

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profissional não pode perder a dimensão de aprendiz, artífice da sua trajetória. E a formação e o seu exercício não são dois momentos distintos, eles coexistem.

As rupturas e dicotomias na formação apontadas até aqui, só podem contribuir para um estudante e um profissional de saúde divididos e distanciados da produção do cuidado como referência ética, que é o princípio de toda prática em saúde.

O caminho a percorrer aqui, na tentativa de mostrar a importância do problema é: pensar na fragmentação do conhecimento ofertado na formação do estudante de saúde, pautado fortemente num ensino que prioriza a racionalidade sobre a emoção e o afeto. Tomar a arte como necessidade vital da poiésis (processo de criação) em seus aspectos subjetivos inerentes ao ser humano. Pensar na necessidade de novos paradigmas que possam dar conta da complexidade do humano e suas relações com o mundo. Tentamos percorrer este caminho nesta nossa reflexão.

Falar de Formação em Saúde é, consequentemente, pensar no cuidado e todas as dimensões que desse campo advém. A urdidura feita por estes problemas são entremeadas, formando um tecido, pela arte – suas experimentações e encantamentos. A história traçou um “divisor de águas” entre prática e teoria, técnica e expressão, artista e mestre, até hoje arraigada em nossa sociedade.

Objetivos do Estudo Geral

Refletir sobre a importância de Projetos de Extensão e Pesquisa que trabalham com a arte, no nosso caso o Projeto BNBD, na formação dos estudantes da área de saúde, no campo do cuidado.

Específicos

• Analisar o potencial de transformação dos estudantes a partir das experimentações sensoriais e artísticas através de oficinas oferecidas pelo projeto BNBD.

• Analisar os processos e mudanças dos estudantes com relação a percepção, compreensão e vivência do cuidado no convívio com o usuário em condições de internação.

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Aspectos Metodológicos

O presente estudo parte da abordagem qualitativa, própria da pesquisa social em saúde, para construir uma compreensão reflexiva sobre o encontro entre alunos, professores, técnicos e asatividades que envolvem o projeto de pesquisa BNBD. Ao referimo-nos ao olhar qualitativo neste estudo, podemos imaginar um mosaico. E é da união dos vários elementos que se integram nesse mosaico que daremos um sentido ao todo.

Assim, podemos caracterizar este estudo como um estudo qualitativo, de caráter descritivo e interpretativo, que faz uso de ferramentas e métodos oriundos da antropologia e da sua principal estratégia de indagação da realidade que é a etnografia.

A Antropologia, através da sua abordagem clássica que é a etnografia, segundo MINAYO (2005), empreenderia:

(...) investigações para evidenciar os modos como sociedades, populações e grupos específicos produzem, reproduzem e simbolizam suas instituições e estruturas, relações, sistemas classificatórios, técnicas, manifestações estéticas, memória e experiências acumuladas. Têm um refinado instrumental que lhes permite acessar tanto os sistemas de pensamento produzidos pelas sociedades tribais e rurais como pelas sociedades industriais e pós-industriais. Ou seja, a antropologia se distingue por exercitar uma prática compreensiva das realidades sociais e também uma prática epistemológica sobre a cientificidade de suas próprias descobertas (p. 202, 2005).

Seguindo esse rastro e tomando a antropologia da saúde como referencial metodológico e reflexivo, há o conforto de nos depararmos com uma visão que contribui para problematizar a hegemonia do modelo biomédico com outros pensamentos acerca do processo saúde/doença e suas relações sociais e culturais. Ainda , apoiando-nos em MINAYO (2005), o método antropológico:

(a) permite uma crítica ao pseudo-objetivismo da ciência, propondo a subjetividade como fundante do sentido; (b) dá relevância à subjetividade como sendo constitutiva do ser social e inerente ao âmbito da auto compreensão objetiva; (c) põe seu foco na experiência humana e no reconhecimento de que as realidades humanas são complexas; (d) mostra que é preciso valorizar relações e compreender as pessoas nos seus próprios contextos sociais; (e) enfatiza que a produção da “verdade sobre pessoas” se dá no encontro face a face e na empatia entre os interlocutores (p. 210).

Para esta pesquisa trabalhamos com análises, observações, escutas focadas nas relações pessoais, inter-pessoais, de poder, de trabalho, de ensino, de cuidado de si e do outro.

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As reflexões sobre antropologia acima mencionadas são fontes iluminadoras do objeto de pesquisa criando condições para a análise qualitativa. Privilegiamos a observação participante como procedimento e como um dos instrumentos, por enfatizar as relações informais e próximas do pesquisador no campo. O observador participante, através de sua inserção nas atividades cotidianas do grupo, consegue descrições detalhadas e dados sutis da realidade em que se encontra. Assim o pesquisador/observador no convívio cotidiano pode compreender a dimensão subjetiva das experiências no campo. E refletir e teorizar sobre ela, como pretendemos aqui.

Por outro lado, e como herdeira indireta do olhar antropológico, a pesquisa qualitativa utiliza métodos específicos para colher dados do mundo social, atrelada sempre a uma perspectiva teórica, Pope e Mays (2009, p. 11), afirmam, que a pesquisa qualitativa,

se relaciona aos significados que as pessoas atribuem às suas experiências do mundo social e a maneira como as pessoas compreendem este mundo”. (...) Observar as pessoas em seu próprio território implica, assim, o encadeamento entre observar, juntar-se a elas (observação participante), conversar com as pessoas (entrevistas, grupos focais e conversas informais) e ler o que elas escrevem” (p. 14).

Assim como:

examina a compreensão subjetiva das pessoas a respeito de sua vida diária, incluindo observação direta, entrevistas, análises de textos ou documentos e análise de discurso ou comportamento gravados com uso de fitas de áudio e vídeo (p. 18).

A observação participante constitui uma marca importante no universo da investigação na pesquisa qualitativa visto que a ideia de conhecer certas áreas ou dimensões de uma realidade social é necessário um contato, uma vivência durante um período de tempo razoável pois existem aspectos que não são explicitados, não aparecem facilmente e que exigem um detalhamento e aprofundamento dessa observação. No entanto, de acordo com Velho(1978), “por-se no lugar do outro e de captar vivências e experiências particulares exige um mergulho em profundidade difícil de ser precisado e delimitado em termos de tempo”.(p.37) Porém uma das mais tradicionais visões das ciências Sociais é a necessidade de uma distância mínima que permita ao pesquisador a objetividade em seu trabalho. Afirma-se que o pesquisador olhe a realidade de forma imparcial, evitando envolvimentos que possam “embaçar” seus julgamentos e conclusões. Ainda de acordo com o autor, essa ideia não é partilhada por toda a comunidade acadêmica, e compartilha como outros

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autores já citados aqui nos aspectos metodológicos, que existe um envolvimento inevitável com o objeto de estudo. Sobre essa questão da neutralidade ou de uma implicação maior com o objeto, Gilberto Velho cita Da Matta (p.37) ao referir-se ao problema de transformar o “exótico em familiar e o familiar em exótico”. Com isso trata da questão do distanciamento e um certo estranhamento desse lugar do observador, o que para esta pesquisa torna-se importante a reflexão, visto que a pesquisadora faz parte da equipe de trabalho do projeto aqui referido. O problema é complexo e envolve questões da “distância social e distância psicológica”, como nomeia o autor.(p. 37) Há que se ter um certo distanciamento do campo para poder “olhar” o grupo e ambiente a ser estudado, porém sem o envolvimento e mergulho nessas relações, é inviável conhecer o campo.

Essa medida foi sendo desenhada à partir, no caso desta pesquisa, da experiência da pesquisadora com o grupo do BNBD. Levando em conta o lugar em que o BNBD se encontra que é a Universidade, os atores envolvidos: os alunos da área de saúde, os professores e pacientes do HUAP. Todos fazem parte do cenário de aprendizagem que envolve necessariamente, as relações e o cuidado. Por mais que esse cenário seja “familiar” à pesquisadora, não é imperativo que seja conhecido. Assumido o papel de pesquisadora do projeto como observadora participante, nos espaços propostos para a observação, e discutindo nesses espaços esse papel, delimitou-se certas posturas e comportamentos por parte de quem observa e o observado. O fato de se ter o apoio num referencial teórico também contribuiu para o trabalho da investigação e reflexão sobre o grupo estudado, pois foi uma ferramenta importante para os questionamentos e exame do próprio ambiente. O processo de análise do que é “familiar” envolveu nesse sentido toda a complexidade dessas relações e cristalizações que permeiam a vida cotidiana do trabalho do pesquisador. Envolveu, também, o grau de subjetividade ao enfatizar a natureza da pesquisa como interpretativa neste trabalho, o que no processo de conhecimento, fez da pesquisa e seus resultados ter um caráter aproximado e não definitivo. Segundo Velho, “A “realidade” (familiar ou exótica) sempre é filtrada por um determinado ponto de vista do observador, ela é percebida de maneira diferenciada”(p. 42). Isto não invalida de forma alguma o rigor científico no estudo, pelo contrário. Mas a necessidade de perceber a objetividade enquanto relativa, torna a pesquisa mais rica ao percebermos as várias possibilidades que há na complexidade da realidade. Ao

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