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IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO VISUAL DA MULHER NEGRA EM CÂNDIDO PORTINARI: O CORPO SENSUAL EM REVISTA

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Academic year: 2021

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IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO VISUAL DA MULHER NEGRA EM CÂNDIDO PORTINARI: O CORPO SENSUAL EM REVISTA

Jefferson Gustavo dos Santos Campos (PIC-UEM), Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso (Orientadora), e-mail: tassojs@terra.com.br

Universidade Estadual de Maringá/Departamento de Letras/Maringá, PR. Linguística, Letras e Artes, Teoria e Análise Linguística

Palavras-chave: discurso iconográfico, sagrado/profano, arqueogenealogia. Resumo:

Por meio das contribuições de Michel Foucault à Análise de Discurso, bem como dos pressupostos teóricos da Semiótica peirceana e dos Estudos Culturais, foi o objetivo do presente Projeto de Iniciação Científica (PIC/UEM – 2009/2010) estabelecer as condições de possibilidade e de existência dos discursos acerca da mulher negra brasileira em Portinari. Ao eleger como recorte o funcionamento discursivo da sensualidade na constituição identitária e na representação visual dessa mulher, verificou-se que esta marca é condição de existência para discursos de exclusão. As análises apontaram que o corpo negro feminino e sensual constitui-se em lugar para que o marginal (se)signifique na imbricação da materialidade do corpo na discursividade equívoca do sagrado e do profano.

Introdução

As telas de Cândido Portinari vertem uma expressão nacional inquietante ao trazerem à visibilidade uma face velada do país pelos “mitos” da unidade linguística e étnica. Nesse arquivo visual, cultural e social, tomamos a representação da mulher negra brasileira como uma das práticas pelas quais são flagrados, no percurso de sua constituição no e pelo discurso, os corpos excluídos, as identidades marginais, os sujeitos da diferença.

Para compor um “modo de olhar” o funcionamento da representação visual na discursivização da identidade da mulher negra em Portinari, principiamos pela descrição das regularidades discursivas, empreendimento no qual verificamos a existência de um sujeito disperso na coletividade cuja identidade é forjada na articulação da história e da memória com discursos em campos associados, como a Sociologia e os Estudos Culturais (CAMPOS; TASSO, 2009). Assim, apreendemos a mulher constituída na dispersão do sujeito, cujas identidades têm a sensualidade como causa de conflito.

Neste trabalho, empreendemos um gesto de leitura de uma das telas de Portinari que compõem o arquivo da pesquisa, que possibilitou a

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identificação das condições de existência dos corpos sensuais das mulheres negras representadas.

Revisão de literatura

Por meio da proposta teórico-metodológica denominada por Tasso (2010) como movimento descritivo-interpretativo arqueogenealógico, o gesto de leitura das telas de Portinari procura descrever/interpretar as imagens plásticas figurativas em suas dimensões estética (considerando as regularidades que se estabelecem na combinação de linha, forma, direção, cor, matiz, tom, dimensão, movimento) que está no plano da visibilidade, da materialidade significante a que se pode empreender uma descrição do tangível; e discursiva, na qual se (re)estabelecem as condições de possibilidade da interpretação/leitura do que se encontra na opacidade da materialidade imagética, daquilo que está alocado no plano da invisibilidade.

Ao colocar o corpo em revista, entendendo-o em sua corporeidade físico-biológica e em sua constituição como materialidade significante, conceito segundo o qual podemos atribuir aos componentes de uma imagem o caráter de uma “cadeia estruturante falha” significada em sua deriva na história (LAGAZY, 2008, p. 01), buscamos compreender o modo como a representação visual da sensualidade do corpo negro produz, induz, promove, ilustra ou reitera os sentidos do social.

Na multiplicidade de sentidos que congrega, o social é constitutivo do discurso, porque nele irrompe, por ele circula e é dele um efeito. Nessa direção, são válidos os ensinamentos de Foucault (1999, p. 38-45) sobre o ritual que envolve a materialidade discursiva, devido ao fato de tal procedimento instituir uma ordem na qual esta deve se filiar e constituir um sistema doutrinário, restritivo e excludente pelo qual os sujeitos podem e são significados. As práticas discursivas, desse modo, são movimentos da linguagem na história cujos sentidos resultam de flagrantes do sujeito também em sua inscrição na história. Daí as condições de os discursos configurarem um conjunto de saberes por meio do qual os sujeitos encontram uma possibilidade de existência.

Ao tomarmos o corpo representado como materialidade significante e a sensualidade como regularidade discursiva, colocamos em revista as condições que permitiram sua irrupção. Findada a escravidão, criou-se uma rede de sentidos excludente na qual, mais uma vez, o negro no Brasil é colocado em condição de escravo. Ao corpo cativo, seja subserviente ou rebelde, impingiram-lhe o perigo social, uma vez que pende para “o erotismo, a vagabundagem e o crime [...]” (LOBO, 2008, p. 143 – grifo nosso). Essa discursividade, que irrompe como acontecimento em um momento na/da história, passa a circular como vontade de verdade, como matriz dos saberes sobre o negro brasileiro e cria uma rede de memória atualizada a cada (re)aparição desse enunciado em dispersão.

Assim compreendidos, o erótico, o vagabundo e o criminoso são formas de existir constituídas fora da normalidade, especificamente,

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constituem a ordem do profano. Segundo Eliade (1992, p. 14-15), o profano é o par interdependente do sagrado e ambos são “formas de ser no Mundo” que não interessam somente à religião, mas às antagônicas formas de existir. Nesse caso, o sagrado e o profano constituem ordens em que se podem inscrever os sujeitos, considerando os lugares que estes ocupam nas sociedades: dicotomia que estabelecemos como o natural e o exótico.

Resultados e Discussão

Em Três figuras, no nível da visibilidade, são apresentadas três mulheres negras cuja visão da face é negada ao espectador. Seus corpos volumosos são cobertos por uma vestimenta rudimentar que deixa ver partes dos corpos sensuais pelos contornos demarcados, pelos fartos seios e nádegas em evidência. De cócoras, deitada e sentada, essas mulheres encontram-se em um espaço indefinido, um não-lugar, lugar nenhum que, em um jogo de cores, são ali aprisionadas, efeito proporcionado pelos limites estabelecidos na cena e pela corda que a delimita.

Figura 1 – Três figuras, de Cândido Portinari

O título da tela quantifica, não nomeia, mas (des)qualifica o sujeito representado. Trata-se de um apagamento identitário em cujo movimento o equívoco é instaurado. A representação visual dos rostos, sequencialmente coberto, ilegível e oculto, coloca em cena a mulher desconhecida, cuja identidade é interditada, negada, restringida. Os vestidos puídos e simples trabalham a memória dos farrapos da escravidão, sentidos instituídos, também, pela corda que emoldura a cena representada e que, por momentos, deixa ver seus nós intermitentes, por vezes discretos, mas sempre presentes. O corpo exposto é marcado pelo erótico, visto como exótico e tratado como profano.

A mulher negra representada foge aos estatutos de conduta estabelecidos como “normais”. O exótico difere do natural, mas não o nega, engendra-o por meio do equívoco, significa-se nele e por ele, porque só é apreendido quando posto em relação a ele. Razão de ser o corpo a contravenção. Na representação visual, é caracterizada uma mulher exótica, profana em sua existência. A sensualidade (se)significa pelo marginal, pois opera com a memória discursiva de que o exótico constitui uma ordem contrária de existência, lugar em que se encontram os sujeitos da diferença.

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Conclusões

A discursividade da sensualidade na constituição identitária e na representação da mulher negra é, na iconografia portinariana, é marca que articula discursos de exclusão ao trabalhar a oposição entre o sagrado e o profano, condição para que haja um mascaramento da/na opacidade da representação do corpo negro sensual significado na/pela história.

A sensualidade retratada por Portinari cria ecos discursivos (CAMPOS; TASSO, 2010) cujo regime de verdade inscreve a identidade da mulher negra brasileira em um campo identitário conflitante, cuja materialidade (o corpo) é condição de possibilidade para flagrarmos essa mulher constituída, na representação visual, pelos sentidos do marginal.

Os estudos empreendidos nos apontam a pobreza, a marginalidade e a exclusão como fato discursivo no qual se fundamentam os trajetos de sentido nos quais o corpo, o sagrado e o profano concorrem na circunscrição de discursos produtores de saberes sobre essa mulher, condição para que sua identidade seja apreendida no gesto que empreendemos.

Agradecimentos

À professora Ismara E. V. de S. Tasso meu agradecimento pela orientação e cuidado. Igualmente, à UEM pela oportunidade e apoio ao projeto.

Referências

CAMPOS, J. G. dos S.; TASSO, I. E. V. de S. Arte, discurso e identidade: representação e produção de saberes sobre a mulher negra brasileira em Cândido Portinari e em Gilberto Freyre. In Anais do 18.º Encontro Anual de Iniciação Científica, Londrina, 2009.

______. Matizes de sentidos na iconografia portinariana: a sensualidade como (in)visibilidade do social na representação da mulher negra brasileira. In Anais do 1.º Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários e 4.º Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários, Maringá, 2010. (No prelo). ELIADE, M. O sagrado e o profano. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1999. LAGAZY, S. A equivocidade na imbricação de diferentes materialidades significantes. 2008. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dlm/Suzy %20Lagazzi.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2010.

LOBO, L. F. Os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.

PORTINARI, C. Três figuras. Disponível em:

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TASSO, I. E. V. de S. Relatório técnico final do projeto institucional “Práticas identitárias: discurso, sentido e mídia”. Curitiba: Fundação Araucária, 2010.

Referências

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