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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014

ÂMBITO DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL E CRITÉRIOS DE

PONDERAÇÃO EM CONFLITOS ENVOLVENDO O DIREITO À

PRIVACIDADE: elementos para uma configuração constitucional e

jurisprudencial da privacidade

Ana Paula Oliveira Ávila

Prof. Dra. Titular de Direito Constitucional Uniritter - LIU

ana_avila@uniritter.edu.br Marcelo Schenk Duque Prof. Dr. de Teoria do Estado Uniritter - LIU

marcelo_duque@uniritter.edu.br

Resumo: A pesquisa pretende analisar o conceito e a configuração constitucional do direito à privacidade, em

face de diversas situações, cada vez mais corriqueiras na sociedade, que geram conflitos com outros bens e direitos de hierarquia constitucional. O centro da pesquisa foca-se no mandamento de inviolabilidade da privacidade, ciente da noção de que não existem direitos absolutos. Será, assim, investigado como a jurisprudência tem decidido algumas hipóteses de conflito envolvendo a privacidade, delimitadas aos casos envolvendo (a) liberdade de expressão, (b) liberdade de imprensa, (c) direito à informação, (d) liberdade artística, (e) liberdade científica, (f) livre iniciativa, (g) liberdade de profissão, (h) limites à publicidade, (i) segurança pública, (j) devido processo legal. O objetivo é estabelecer os possíveis graus de intervenção no direito de privacidade em cada hipótese e critérios racionais para ponderação nos casos de conflito.

1 Introdução

O presente texto compõe o projeto coletivo de pesquisa intitulado ÂMBITO DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL E CRITÉRIOS DE PONDERAÇÃO EM CONFLITOS ENVOLVENDO O DIREITO À PRIVACIDADE: elementos para uma configuração constitucional e jurisprudencial da privacidade, realizada junto ao Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado em Direito do Uniritter. O tema da pesquisa leva em conta que as restrições impostas ao direito à privacidade constituem um dos temas mais relevantes e atuais do Direito, com reflexos tanto no Direito Público quanto no Privado. Surge, a partir da temática de pesquisa do curso de Mestrado acadêmico do Centro Universitário, com área de concentração em Direitos Humanos, centrado, diretamente, no objetivo de colaborar para a realização desses direitos, por meio da elaboração de políticas voltadas ao seu atendimento, com reflexos práticos.

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Na base do debate está a eficácia dos direitos fundamentais que, para além de vincular o Estado à garantia e proteção desses direitos em face do indivíduo (eficácia vertical), estende-se às relações jurídicas privadas, que se estabelecem entre grupos ou indivíduos isoladamente considerados (eficácia horizontal). Com efeito, o respeito e a consideração pelos direitos fundamentais não cumpre apenas ao Estado, mas também ao próprio cidadão, que muitas vezes se vê em relações jurídicas em que seus direitos fundamentais estão em situação de vulnerabilidade em face de outros cidadãos. Essas situações de conflituosidade, algumas vezes, encontram uma solução posta na lei, mas a maioria dos casos será levada ao Judiciário sem uma norma primária de decisão (lei), de modo que a solução dependerá de um juízo de ponderação do julgador, que deverá decidir qual o direito fundamental é merecedor da maior proteção jurídica. Cabe, assim, delinear quais os tipos de conflitos possíveis entre os direitos fundamentais em questão e quais os critérios devem ser empregados para que a jurisprudência possa desenvolver soluções equânimes e contribuir para a construção de um sistema de proteção seguro das liberdades individuais.

2. Conflitos horizontais envolvendo o direito fundamental à privacidade:

Há no Brasil uma série de discussões bastante atuais envolvendo exemplos de conflitos que tenham em um dos pólos o direito fundamental à privacidade. Por um lado, há conflitos horizontais, assim considerados aqueles que se estabelecem entre pessoas privadas. Uma dessas situações envolvendo a privacidade está presente no objeto da ADI n. 4815, que busca examinar a validade do dispositivo do art. 20 do Código Civil, que condiciona a publicação de biografias à autorização do biografado. Este dispositivo envolve um conflito entre a privacidade e a intimidade do biografado e a liberdade de expressão do autor, todos direitos fundamentais assegurados no art. 5° da Constituição Federal. Neste momento, estão sendo realizadas audiências públicas pelo Supremo Tribunal Federal para colaboração e registro do entendimento dos setores da sociedade interessados nesta questão. Paralelamente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 39/2011, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, que visa a regulamentar o assunto, conferindo nova redação ao art. 20 do Código Civil, de forma a garantir a liberdade de expressão, informação e o acesso à cultura na hipótese de divulgação de informações biográficas de pessoa de notoriedade pública ou cujos atos sejam de interesse da coletividade. Contudo, muitas dúvidas permanecem em aberto, considerando que a Constituição Federal garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5.º, X CF).

Outra situação, bastante corriqueira, envolve o papel da mídia na divulgação de informações que exponham a privacidade e intimidade de indivíduos, sejam eles considerados pessoas públicas ou não, investidas ou não, de autoridade governamental. Aqui se destacam as questões que envolvem os limites à liberdade de imprensa em consideração com a vedação de censura, sem prejuízo da análise de situações que dizem respeito à divulgação de fotografias e/ou relatos sobre pessoas “famosas”, no âmbito daquilo que se convencionou chamar de reportagens sensacionalistas ou de atividade “paparazzi”. Igualmente relevante é a análise da possibilidade, cada vez mais disseminada

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nas relações de trabalho, de monitoramento de comunicação eletrônica (e-mail e similares) no âmbito de ambientes corporativos, em que se coloca a questão da possível violação do sigilo de correspondência do empregado pelo empregador, por força do poder de vigilância e direito a informação do empregador, com base na proteção da própria imagem das empresas.

Considera-se, ainda, a necessidade de discutir a intensidade de livre manifestação do pensamento em redes sociais, blogs e assemelhados, por meio de críticas dirigidas a entes privados, quando tais críticas tenham o condão de, potencialmente, ferir a sua imagem e/ou reputação, como normalmente ocorre, por exemplo, em relações de consumo.

Em todos esses casos, há vários direitos fundamentais que concorrem para a defesa de posições antagônicas sobre a matéria, que partem da liberdade de manifestação do pensamento, passando pelas liberdades artística, de profissão e de investigação científica, pelo direito de informar e de acesso à informação, podendo chegar, inclusive, em questões ligadas à livre iniciativa, ao direito à segurança pública, ao devido processo legal, dentre outros.

3. Conflitos verticais envolvendo a privacidade:

Por outro lado, há conflitos verticais, assim consideradas aquelas situações em que a privacidade sofre restrições por parte do próprio Estado, bem presente em casos como a divulgação nominal do valor do salário dos servidores estatais ao público, como na quebra do sigilo de dados, notadamente do sigilo bancário e fiscal, fora das hipóteses constitucionalmente autorizadas. A recente divulgação, pela mídia nacional e internacional, da ocorrência de espionagem, pelos serviços governamentais de informações norte-americanos, sobre as comunicações privadas através da internet, exige também a atenção sobre este importante aspecto da privacidade, que é o sigilo da correspondência, de dados e das comunicações telefônicas, notadamente quando em jogo questões de segurança nacional, sem prejuízo da análise de outras situações que dizem respeito à garantia da segurança pública em geral, em que o monitoramento eletrônico das pessoas, cada vez mais frequente, acaba por gerar reflexos no direito à privacidade.

Por fim, destaca-se a inovadora questão em torno do chamado marco regulatório da internet, já apelidado de “Constituição da Internet”, que procura regulamentar a inviolabilidade do sigilo de dados relativos ao indivíduo, em face de possível quebra por parte de outros indivíduos ou do próprio Estado. Trata-se de legislação recentemente sancionada pela Presidente da República, que visa a garantir os chamados três pilares da internet: a neutralidade da rede; a liberdade de expressão e a proteção à privacidade dos usuários.

Toda essa problemática, relevante e atual, justifica que se realizem estudos que visem a esclarecer os diferentes graus do âmbito de proteção da privacidade, em face da multiplicidade de conflitos que possam envolvê-la.

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4. Parâmetros constitucionais para a discussão:

A Constituição estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5o, inc. X) e, numa das densificações necessárias ao significado de privacidade, estabelece a inviolabilidade da correspondência, do sigilo de dados e das comunicações telefônicas (inc. XII). Em que pese a taxatividade do termo “são invioláveis” a privacidade, a intimidade e os demais bens associados à personalidade, tais como a honra e a imagem, a Constituição consagrou o dever de reparação pecuniária pelo dano decorrente de sua violação, o que, por si, implica em admitir-se que tais bens estão sujeitos à restrições/violações.

São várias as hipóteses de restrições possíveis à privacidade. Muitas restrições serão válidas perante a Constituição porque esta, conferindo a outros bens igual relevância do ponto de vista dos direitos fundamentais – tais como a liberdade de expressão, o direito à informação, segurança etc –, permite ao operador que realize uma ponderação entre os bens conflitantes e admita que a privacidade cede a outro bem ou direito de maior relevância diante do caso concreto.

Assim está ocorrendo, por exemplo, com o exame de Decreto n. 7.724/12, que, ao regulamentar a Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/11), determinou que a remuneração dos servidores seja divulgada nominalmente nos sítios da internet mantidos pelos órgãos públicos a que pertencem, independentemente de solicitação em face de interesse pessoal ou coletivo. No enfrentamento desta questão, os Tribunais vem se manifestando pela preponderância do princípio da publicidade da Administração Pública em face da privacidade do servidor público. No entanto, a justificação dessa ponderação desconsidera um conjunto de normas constitucionais que acenam para a proteção do servidor enquanto indivíduo titular de uma esfera privada e íntima, bem como a exigência de proporcionalidade no sentido da existência de outros meios que permitam ao interessado verificar a correção dos gastos públicos sem necessidade de exposição da privacidade do servidor. Sendo assim, cabe a elucidação de parâmetros que conduzam a técnica da ponderação orientada pela exigência de realização da Constituição como um todo (coerência e consistência) na solução deste conflito.

A ausência de parâmetros previamente estabelecidos e critérios que devam ser considerados caso a caso nos conflitos envolvendo a privacidade tem permitido certa dose de subjetivismo e a ausência de uma uniformidade de critérios adotados nas soluções encontradas para cada caso. Com efeito, os conflitos que se põem entre a privacidade e outros direitos nem sempre possuem a mesma natureza, e por isso devem ser agrupados segundo suas similitudes, para que todas as particularidades e dessemelhanças possam ser consideradas na busca de uma solução adequada para cada grupo, que seja mais coerente com o ordenamento como um todo. Assim, o exame desses casos passa por um processo de individualização que leve em conta diversos aspectos, tais como a origem da restrição à privacidade (na própria lei ou no exercício de um direito oposto), o agente violador (o Estado ou outros indivíduos), a condição de quem sofre a restrição (pessoa pública no sentido de agente estatal, pessoa pública no sentido midiático, outras pessoas

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não-públicas), a existência de interesse público ou de mera curiosidade na divulgação de informações que exponham a privacidade do indivíduo, etc.

Na presente pesquisa estarão presentes diversos aportes teóricos que estão em franco desenvolvimento na doutrina de direito constitucional, pátria e estrangeira. O discurso dos direitos fundamentais – a exigência de sua proteção e efetividade e as condições para sua realização no Estado de Direito, suas eficácias vertical e horizontal -- é o ponto de partida da discussão, eis que o objeto central da presente pesquisa, o direito à privacidade, é um direito fundamental consagrado na ordem constitucional vigente.

Como todo direito, no entanto, pode ser relativizado, à medida que a privacidade convive, abstratamente, e se choca, concretamente, com outros direitos igualmente previstos no texto constitucional, tais como a liberdade de expressão, de imprensa, o direito à informação, à segurança, à publicidade. Como se pode observar, a privacidade tem se prestado a uma série de restrições, que podem resultar da ponderação realizada pelo Legislador, nos casos em que as leis regulamentam o âmbito de proteção desse direito, como acontece com a proteção do biografado no Código Civil, ou com a restrição da privacidade dos servidores na exigência de divulgação nominal de seus salários, imposta pelo Decreto n. 7.724/12 – casos em que a restrição deverá ter sua constitucionalidade aferida através de exame judicial. Essas restrições também se devem ao mero exercício do direito oposto, como ocorre nas informações divulgadas pela mídia que impliquem em violação à intimidade, honra e imagem do indivíduo, e também nesses casos haverá a necessidade de um exame judicial que determine a extensão da violação perpetrada, do dano causado, e da respectiva indenização.

Em todas essas situações, a autoridade judicial realizará um exame de ponderação entre bens jurídicos constitucionalmente protegidos, determinando a prevalência de um deles diante do caso concreto. A ponderação, enquanto técnica de interpretação adequada para a solução de colisões entre direitos fundamentais, ganhou grande difusão entre nós através da obra de Robert Alexy, que equiparou os direitos fundamentais a princípios –e definiu os princípios como mandamentos de otimização que podem incidir em diferentes graus, de modo que a determinação do princípio preponderante somente pode ser realizada em face do caso concreto e através do processo de ponderação (ALEXY, 1994, p. 447).

Enquanto técnica interpretativa, contudo, a ponderação tem se prestado a exteriorizar discursos em que afloram a subjetividade do intérprete, na medida em que, apenas apontando qual o direito prevalente a ser assegurado, não se constroem critérios seguros para determinar porque, com base em que, e como foi feita a hierarquização argumentativa que resultou na preponderância de tal ou qual direito. A construção desses critérios é fundamental para a construção de um significado normativo para essas normas constitucionais genéricas, como são algumas normas de direitos fundamentais, que sirvam de parâmetro a decisões futuras e dêem consistência e uniformidade ao ordenamento jurídico.

Em grande parte, o problema das intervenções ao direito à privacidade afirma-se como um problema da chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, levando-se em conta que as intervenções no âmbito de proteção desse direito não são praticadas pelo

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Estado, mas sim por sujeitos privados que, diga-se de passagem, também são titulares de direitos fundamentais. O ponto central dessa constatação é o reconhecimento que certos direitos fundamentais, nomeadamente aqueles que possuem significado no tráfego jurídico privado – como o direito à privacidade – além de vincularem os poderes públicos (HESSE, 1999, p. 345s), devem considerar-se direito vinculante nas relações jurídicas estabelecidas entre sujeitos privados, no sentido de que as pessoas privadas, naturais ou jurídicas, devem observar os direitos fundamentais quando se colocam em contato (jurídico) com outros sujeitos de direito privado.

A temática da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas foi inserida na discussão jurídica dos anos 50 e 60 do século passado, expressando um fenômeno que foi originalmente concebido e estudado na Alemanha sob a denominação de Drittwirkung der

Grundrechte1, que, em tradução livre, significa “eficácia dos direitos fundamentais perante

terceiros”, normalmente referida na doutrina e jurisprudência como “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais (MERTEN/PAPIER, 2006, §1). A partir daí, a matéria passou a ganhar contornos internacionais, em particular no Brasil, onde o tema vem despertando muita atenção (DUQUE, 2013, p. 57).

O reconhecimento de que os direitos fundamentais geram efeitos para todos os âmbitos do direito, com destaque para o direito privado, que tradicionalmente era deixado de fora dessa influência, sob fundamento de preservação da autonomia privada, representa uma mudança para uma concepção material do Estado de direito (BÖCKENFÖRDE, 1969, p. 72). Isso porque a constatação de que os direitos fundamentais representam valores constitucionais depende de outra, de caráter suplementar, que é o reconhecimento de que esses direitos geram uma proteção multidirecional, sobretudo pelo fato de que concepções de valor mostram-se como algo indivisível (LANGNER, 1998, p. 333). Nesse sentido, a constituição deixou de se limitar à determinação dos limites de atuação dos poderes estatais perante a liberdade individual. A partir daí, vários são os desdobramentos possíveis, dentre eles, às questões que interessam particularmente ao presente estudo, que é a questão da proteção da privacidade, dentro da temática dos direitos de personalidade2.

Ponto seguro é a inexistência de consenso acerca da modalidade pela qual os direitos fundamentais influenciam o direito privado e, dessa forma, de que forma o direito à privacidade pode vir a ser restringido em face da necessidade de preservação de outros bens e direitos garantidos pela Constituição. Em contrapartida, há uma espécie de consenso mínimo no sentido de que ambos possuem relações recíprocas (RAISER, 1996, p. 69). Esse consenso repousa, basicamente, no dever estatal de proteção da dignidade humana e no fato de os direitos fundamentais afirmarem-se como fundamento da ordem jurídica (STARCK, 1999, pp. 28 e 118). É exatamente no cumprimento desse dever, que se

1 O batismo da expressão Drittwirkung deve-se a IPSEN, Hans Peter. Gleichheit. In: NEUMANN, Franz L.; NIPPERDEY,

Hans Carl; SCHEUNER, Ulrich (Hrsg.). Die Grundrechte. Handbuch der Theorie und Praxis der Grundrechte (HGrR). Band II. Berlin: Duncker-Humblot, 1954, p. 143, que, ao desenvolver um longo estudo sobre o princípio da igualdade, questionou se a igualdade de direitos (Gleichberechtigung) deveria ser exigida apenas frente aos poderes públicos, ou também no plano do direito privado, perante terceiros.

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alia a figura do chamado “efeito de irradiação” dos direitos fundamentais na ordem jurídico privada.

Essa linha de pensamento comum fez com que o fenômeno da Drittwirkung passasse a ser freqüentemente reconduzido à chamada eficácia irradiante dos direitos fundamentais –

Ausstrahlungswirkung der Grundrechte (DUQUE, 2013, p. 231), como expressão de uma

ordem de valores jurídico-objetiva, que irradia efeitos para todos os âmbitos jurídicos (HESSE, 1988, p. 23), cujo reconhecimento foi consagrado, no direito comparado, na famosa sentença Lüth3 e estendido a várias decisões posteriores4. Para alguns, é considerado uma nova metáfora no direito constitucional (RUFFERT, 2001, p. 38). Trata-se de uma figura de argumentação jurídica, que apesar de não estar imune a críticas terminológicas (CANARIS, 1999, p. 93), visa a demonstrar que os direitos fundamentais possuem uma dimensão objetiva e geram – vale dizer, irradiam – efeitos para todos os âmbitos jurídicos. Nessa conectividade, o direito privado recebe os efeitos dessa “irradiação”, cujo resultado é a necessidade de adequação das suas prescrições e dos negócios por elas tutelados ao conteúdo e sentido dos direitos fundamentais. Fundamenta-se, nesse sentido, até mesmo uma tarefa adicional da jurisdição constitucional (MENDES, 2012, p. 116), que é o controle desse efeito de irradiação – Ausstrahlungskontrolle (ALLEWELDT, 2006, p. 254).

No que tange aos limites impostos às intervenções no âmbito de proteção do direito à privacidade, evidencia-se que a matéria ganha contornos nítidos a partir da perspectiva da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Isso porque uma invasão no âmbito pessoal por meio de tomada de conhecimento abrangente das relações pessoais de seus cidadãos pode não ser vedada apenas por parte do Estado, mas, igualmente, por parte de outros cidadãos. Fundamento, para tanto, é que ao indivíduo deve restar, tendo em vista um desenvolvimento livre e responsável de sua personalidade, um espaço interior, no qual ele

pertence a si mesmo e ao qual pode se recolher, ao qual os outros não têm acesso, no qual

é deixado em paz, desfrutando do direito à solidão (WINTRICH, 1957, p.15s).

Sem embargo, não há como se negar que ainda há muitas questões em aberto, no que diz respeito a uma fundamentação da eficácia dos direitos fundamentais no tráfego jurídico privado. Relevante, no âmbito da discussão, é a busca de uma clarificação de critérios aptos a resolver as colisões de direitos fundamentais que se fazem presentes em relações privadas (OLDIGES, 1996, p. 308), em particular nos casos que envolvem restrições no âmbito da privacidade, que envolvem, portanto, questões relativas à intimidade e à vida privada das pessoas (CACHAPUZ, 2006, 1s). Um olhar amplo na doutrina revela que a par de sérias controvérsias em torno da modalidade de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, pouco se controverte quanto ao fato de que o direito privado não pode ser um âmbito jurídico imune à proteção dos direitos fundamentais. Não

3 Para detalhes, remeta-se a DUQUE, Marcelo Schenk, ob. cit., p. 231ss.

4 BVerfGE 24, 278 (282); 27, 71 (79, 85); 27, 88 (99ss.); 30, 173 (189, 195, 201ss.); Abw. 32, 40 (NJW 1972, p. 95); 32,

98 (108ss.); 32, 311 (318); 32, 373 (378); 33, 52 (69); 34, 269 (280); 35, 79 (130, 161); 35, 202 (LS 2, 219ss.); 42, 163 (166); 46, 325 (334); 49, 304 (311); 52, 131 (172); 73, 261 (261ss); 76, 143 (161); 81, 298 (297); 84, 192 (194); 90, 27 (31); 96, 375 (398s.); 101, 361 (374); 107, 299 (NJW 2003, p. 1794); 110, 226 (270ss.); BVerfGE NJW 2006, p. 597.

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fosse assim, não haveria sentido falar em supremacia da constituição ou até mesmo em unidade do ordenamento jurídico.

Ademais, consequência lógica da vinculação do legislador privado aos direitos fundamentais é que a interpretação e a aplicação do direito privado têm que observar esses direitos (ARCE Y FLÓREZ-VALDEZ, 1986, p. 156s). Portanto, os tribunais têm o dever de examinar se a interpretação e aplicação de prescrições de direito privado no caso concreto acabam por violar direitos fundamentais (BADURA, 2003, p. 109). Nessa conexão de elementos, a favor do reconhecimento de uma eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas fala a constatação de que uma norma de direito fundamental tem que ser interpretada da forma que lhe garanta maior efetividade possível(THOMA, 1929, p. 9), ainda que com isso nada esteja dito quanto à forma em que os sujeitos privados vinculam-se aos direitos fundamentais (BLECKMANN, 1997, p. 227).

Como princípios constitucionais elementares para a vida social, os direitos fundamentais não podem ser pensados apenas como direito público ou como privado, visto que se afirmam como uma espécie de “telhado” de direito constitucional (überdachendes

Verfassungsrecht) que, com a sua força normativa, penetram em todos os âmbitos do

ordenamento jurídico(MÜLLER, 1964, p. 163s; DREIER, 1993, p. 59). Todavia, há que se atentar que essa construção encerra o problema de poder levar à falsa compreensão de que os efeitos desses direitos são ilimitados. A presente pesquisa visa, portanto, a afastar utopias, ciente de que a utopia deve ceder lugar ao realismo, fruto da constatação em torno da necessidade de se agregar aquilo que se pode denominar de capacidade de realidade funcional(MÜLLER-GRAFF, 2004, p. 212). Isso significa que o simples reconhecimento de uma meta desejável do ponto de vista político-social não significa, por si só, a elaboração de um correspondente preceito jurídico de caráter vinculante (HUECK, 1951, p. 5), até mesmo porque em matéria de colisão de direitos fundamentais não costuma haver uma única resposta correta, sendo desejável, contudo, a demonstração de argumentação racional das valorações apresentadas (ALEXY, op. cit., p. 433), em um cenário onde a segurança jurídica não pode ser deixada de lado (AVILA, 2011, p. 1s).

Por fim, esse fundamento recebe reforço de outro argumento adicional, que é o reconhecimento do caráter pré-estatal dos direitos fundamentais. Nesse sentido, a doutrina observa que à medida que os direitos fundamentais permanecem sendo direito supra-positivo em seu núcleo, a par de sua positivação na Constituição (NIPPERDEY, 1954, p. 7), a sua vigência não pode ser restrita a um determinado âmbito jurídico (MÜLLER, op. cit, p. 165). A partir daí, a concepção em torno de uma ordem de valores sanciona um determinado convencimento fundamental de natureza política e ética, que outorga vigência jurídica a pontos de vista que se mostrem compatíveis com essa ordem valorativa – e com isso à Constituição – afastando, em contrapartida, outros que se mostrem contrários a ela (BÖCKENFÖRDE, op. cit. p.73). Do ponto de vista prático, que critérios podem ser apresentados para restringir a proteção da privacidade, em função da necessidade de conceder eficácia a outros bens e direitos hierarquia constitucional? Essa é a questão que o presente marco teórico visa a fomentar, cuja resposta depende, em última análise, do mapeamento e análise crítica da jurisprudência e doutrina, objeto da pesquisa que ora se propõe.

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Referências

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