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Campos de Carvalho: a subjetividade condicional

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Academic year: 2021

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CAMPOS DE C A R V A L H O :

A S ub jetividade Condicional

de M es tr a d o em Literatura Brasileira

à U ni ve rs id ad e Federal de Santa Catarina

Orientação: Prof. Dr. RAÚL ANTELO

U ni v er si da de Federal de Santa Catarina *

Floria n óp o li s Novenibro, 1989 Dissertaç ão

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INTRODUÇÃO ... 03

PRIMEIRA PARTE Nas Trilhas do M od ern is mo ... 06

a) A revolução recuperada ... 07 b) A matriz s imbolista ... 14 c) 0 veio s urrealista ... ... 19 d) Visão tragica do m u nd o ... 23 SEGUNDA. PARTE Estratégia C om po si ti va ... 32 TERCEIRA PARTE A subjetividade - o interno ... . 54 QU A RT A PARTE A tribo tecnizada - o externo ... 74

CONCLUSÃO ... ... 9 4

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A obra literária de W alter Campos de C a r v a ­ lho (1916- ), relativamente extensa, não é de todo d e s ­ conhecida, n e m se pode dizer, de outra parte, que se trata de obra c o mp le ta me nt e esquecida. Entretanto, esse escritor mineiro, que acredi t am os importante, ocupa espaço r e s t r i ­

to na história recente de nossas letras. Estreando na f i c ­ ção durante a década de 50, Campos de Carva lh o realiza, no nosso entender, o que Mario de Andrade julgava essencial para uma literatura, ou seja, a c on so li d aç ão da média. 0 escritor de Uberaba intenta, naquela década, uma irrupção que vai se tornar regra na literatura brasileira c o nt e mp o - rânea (depois da década de 60). Insólita, pode-se concluir, é a presença de Campos de Carvalho na reflexão q u e ’ se faz acerca da p r od u çã o romanesca atual.

Escolhemos, como matéria desta dissertação, os dois primeiros trabalhos ficcionais do autor: Tribo (1954) e A Lua Vem da Ásia (1956). Esse s e ccionamento ocorreu em função de r e co r rê nc i as temáticas e também do processo com- positivo i mp licado em ambos os textos. Não se pode excluir, ainda, a p r eferência pessoal que no início existia, p r i n c i ­ palmente, com r el a çã o ao romance A Lua V e m da Á s i a .

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A ficção de Campos de C a rv al ho é pouco c o n ­ vencional e marcada pela audácia. Retoma certa coloqu i al i- dade buscada desde o M od er ni s mo dos anos 20, fato que o filia a escritores como Mário e Oswald de Andrade. A f r a g ­ mentação do romance, a instauração do insólito no texto e o recurso da ironia são m arcas da ficção de Campos de C a r ­ valho e oriundas dessa filiação. De outra parte, o c o n t e x ­ to em que se insere, década de 50, não só é de retempera- mento da ficção modernista, como é produtor de vários d e s ­ dobramentos estéticos de cunho v a n g u a r d i s t a .

A obra de Campos de C a rvalho pode ser vista como uma literatura do contra. Contra a o r d em social e o aniquilamento dos espaços que a c a ba m i mp os si bi li t an do a constituição da individualidade. Contra uma lógica n a r r a t i ­ va realista, de c o n c at en a çã o dos elementos e de o b e d i ê n ­ cia à hierarquia, que resulta, no trabalho do ficionista mineiro, em ausência de razão e de recusa de uma expressão de sentido. Nesta tentativa de superação do pacto r e a l i s ­

ta, imprime a introjeção do insólito no texto literário, reconhecendo, assim, a inviabilidade da representação.

Finalizando, pode-se afirmar a atualidade da obra literária do autor aqui estudado. E screvendo na d é ­ cada de 50 o que era exceção, esta - mesma . .resultou „em regra na ficção b rasileira nas décadas de 60 e 70. E x e m ­ plo disso, é d et ec t ad o na narra t iv a em primeira pessoa que identifica aquele que age (personagem) com a voz n a r r a t i ­

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va, sem intermediação, deste modo, entre n ar ra do r e m a t e ­ rial narrado. A violência da situação é v i ol ência também na narrativa, o que, pela m an ut e n çã o de u m d i sc ur so direto desconvencionalizado, aproxima-se e s ti li st ic am en te da atual ficção brasileira.

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A) A revolução -recuperada

Uma consciência profunda do presente, que vê determinada tradição ameaçada pode empree nd er uma rearticu-

lação histórica do passado que não implica na a propriação do mesmo no seu c o nj un to de fatos e personagens. Esta rear- ticulação não d e pe nd er á do c o nh ec im en to do passado naquilo que ele realmente foi. Mas significa tomar posse de uma "re­ miniscência" q u an do aquela tradição caminha para o c o n ­ formismo e a institucionalização, no m o m e n t o em que o i m­ pacto de n e gação e e s câ nd al o r e su lt am malogrados. Q uando os principais person a ge ns do passado v ê e m o m e sm o como p a t r i ­ m ôn i o c on qu is ta d o e possibilidades de i n ve s ti me nt o e s g o ­

tadas.

Os r o mances de W al te r Campos de C ar va l h o p u ­ blicados na década de 50, Tribo (1954) e A lua v e m , da Ásia

•k ^

(1956), r etomam e. i nt entam a c o nc re t iz a ç ã o de expressões r evolucionárias abertas pelo m o v im e n t o m odernista. A reapro- priação de uma a titude revolu c io ná ri a está m a n i f es t a na e l a ­ boração de códigos que p r es er v em energias morais, na mesma medida em que c o n t em p or iz a com elas. Diante do presente

sa-U s a m o s , n a e l a b o r a ç ã o d e s t e t r a b a l h o , a s s e g u i n t e s e d i ç õ e s : T r i b o . R i o d e D a n e i r o . P o n g e t t i , 1 9 5 4 : A l u a v e m d a Á s i a . 3 e d . R i o d e D a n e i r o , C o - d e c r i , 1 9 7 7 .

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lozes, uma m a n i f e s t a ç ã o de c o ns ci ên ci a histórica deste presen­ te recorre às fontes e p r oc es s os geradores de uma atitude crítica de a v al ia ç ã o da realidade vigente.

O discurso vangu a rd is ta na ficção brasileira alcança os anos q u arenta e sv a zi a do de sua força irruptiva. Es­ tá preso a cristalizações precárias, clichês que não lhe dão vigor suficiente para que m a nt en h a o espírito r ev ol ucionário dos primeiros anos. 0 saldo positivo é a abertura para a pesquisa estética, saldo não r econhecido pela g e ração que tenta edificar u m n o vo ideário, a de 45, ideário de cunho for- malista e preciosista. O e spaço que se abre à reação de 45 é

possibilitado pela c rí ti ca literária que, de 30 em diante, cria "muitas perplexidades", como observa Sílvio C as t ro a res­ peito de Mario de Andrade: "A perplexidade crítica de Mário de Andrade já pode ser vista m u i t o cedo, no seu famoso ensaio 'Os mestres do passado'. A dúbia linha crítica m a ri oa n dr a d i a- na, sem dúvida alguma, pode ser tomada como razão de ser do espírito de reação dos poetas de 1945"^'*'^.

"Nós é ramos uns inconscientes", a fi rmaria M á ­ rio de Andrade ao fazer o b a la n ço a u tocrítico do m o vi me n to modernista. Sobre o grupo que revolucionou a i n teligência n a ­ cional diria ainda t ra tar-se de "especulativos e não e s p e c u ­ ladores", "nada convin c e nt es ". Como patrimônio modernista, Ma­ rio afirma v i ge nt es "três p r i nc íp io s fundamentais", impostos pelo m ov imento de 22: "o d i r e i t o permanente à p e sq ui sa .esté-, . tica", "a a t u al i z a çã o da inteligência artística b r a s i l e i ­ ra" e "a e s t a b i li z a ç ão de uma consciência c ri adora

nacio-(2) - .

nal" . "O M o v i m e n t o Modernista", texto panoramico, de cunho histórico, m i s t o de memória e e x p e r i ê n ­

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cia pessoal, é p r ec ed id o de "A Elegia de Abril", em que o autor afirma não ter "a m e no r p re te ns ão de dar, n e s ­

tas linhas, um remédio às a n gú stias novas da i n t e l i g ê n ­ cia brasileira contemporânea" e recomenda que se atenda mais à sensibilidade, conselho que vem p re cedido por um

(3) "talvez", pois vive "incerto"

A dubiedade crítica m ar io an d ra d i a na pode ser arrolada como um dos m ot iv os da reação levada a e f e i ­ to pela G e r a ç ã o de 45. A ausência de uma postura radical c r ít i co - re v o l uc i on á r i a sempre esperada da parte de Mario autentica a r e ab il it aç ão dos cânones p a r n as i an os feita pelo grupo de 45, tão combatidos pelos p ar ti c ip an te s da Semana de Arte Moderna.

A base das a t iv id a de s dos novos poetas t i ­ nha como p r e o c u p aç ã o central uma atitude "séria" diante da existência, o p on d o - se ao que e n te nd i a m c om o "não seriedade" do m ov im en to r e vo lu c i o ná r i o de 22. Como reação à v a n g u a r ­ da b rasileira p r et en d em a e d if ic aç ã o de uma consci ên ci a formal não p r at icada pelos m od e rn i s t as e, ataca nd o o in- formalismo da vanguarda, d e c l ar a m a "morte" do " M ov i me n ­ to de 22". T i r a n do proveito não só da d ub ie d ad e crítica de Mário de A n d r ad e m as também do r è f o r ç o a esta posição feita por T r i s t ã o de Ataíde, que cunha a g eração de 45 de "neo-m o de rn i st a“ , e da o p inião de outros críticos, os novos poetas vão fazer a fi r ma çõ es de um "absurdo c r í ­ tico" que d e m o ns t r a uma v isão parcial do fenômeno m o d e r ­ nista: "Ora, o c a rá te r c o ns tr ut iv is ta e formalista da

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g e ra çã o de 45 mostra, pelo seu poder de contestação, que o m od e rn is mo não venceu as suas aversões e preconceitos. A sua doutrina circunscreveu-se, quase sempre, ao p r e st i ­ gio e consagração dos excessos, d es leixos e licenças que partindo do escândalo da liberdade do verso, na realidade i mplantaram o preceito da e sc ra vi za çã o do poeta e um

ver-(4) so-librismo instintivista e caotico"

A reação executada pelos "neo-modernistas" surgiu, no entender de T ri st ão de Ataíde, "como uma pro- longação do modernismo". Porém, em três tópicos básicos, o "neo-modernismo" se d i st ingue do m ov im en to de 22 que foi "contra tudo que r ep re se nt as se uma tradição, um p a s ­ sado, uma permanência": (a)"... o m ov imento não vem de improviso nem se manifesta como uma ruptura e sim como um prolongamento"; (b) "... interesse pelas coisas universais", contra p os t o por Tristão de A taíde com o modernismo, m o v i ­ m e n t o "eminentemente n ac ionalista" e "êsse traço é " tí pi ­ co do n eo mo de r n i sm o "; (c) "... primazia das preocupações sociais e políticas q uando o m o d e rn i sm o fôra p r e f e r e n t e m e n ­ te e s t e t i c i s t a " ^ ^ .

A "morte" do M o de rn is mo é decretada no I C o n ­ gresso de Poesia, realizado em São Paulo, 1948, nas p a l a ­ vras de Domingos C ar valho da Silva que afirmava a e x i s t ê n ­ cia de uma "poesia nova no Brasil". Oswald é o único de 22 a protestar, mas não é ouvido. A escritora Patrícia Gal- vão condena, lúcida e solitariamente, o "espetáculo triste de um grupo de jovens satisfeitos consigo mesmos, pensando- se até por excesso de expressão, desligados do passado

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imediato e remoto". A firma ela que a data de 45 é " si ng u­ larmente aproveitada, pois se trata de u m ano histórico, de transformação política", para dizer ainda que "45 é a p e ­ nas a saída de uma p r isão sem que os p r is io n ei ro s l i b e r ­ tados saibam o que fazer de sua liberdade", que os i n t e­ gr antes de 45 "não são p o rt a do r e s de uma nova palavra de ordem"^ ^ .

Patrícia G a l v ã o r ec onhece em 22 "um m arco revolucionário" que a ba lo u o "mundo na literatura b r a s i ­ leira" e foi i n te r ro mp id o em 1928. A "conquista" de 45, no entender da escritora, "não passa de uma sublimação de .22, q ue armou o "congresso para ter onde se expor", e c o n ­ clui a f i rm an do a n e c e s s i d a d e de "uma outra revolução p a ­ ra substituir o m o v i m e n t o de 22". P a r a le l am en te à c r í t i ­ ca ao grupo de 45, d e li ne ia os d e sd o b r a m e n t o s do m ov im e nt o intelectual m o d e rn i s t a em três c o rr e nt es que distri bu iu as forças do grupo v a n g u a r d i s t a : M á ri o de Andrade, p r ó x i ­ m o do Partido D e m o c r á t ic o e do m o v i m e n t o const it uc io na li s -

ta; Oswald de A n dr ad e na c o r r e n te do c o m un i s m o de m i l i t â n ­ cia; uma terceira, saída do "Anta", v e r d e - a m a r e l a ,

musso-* (7)

linista, de Plínio Salgado e os i n te gr al is ta s

A d i s t r i b u i ç ã o n e st es grupos "desviou c o m ­ pletamente a liter at ur a de suas possibilidades". Alguns poetas, que se m a n t i n h a m à m a r g e m da cisão, ainda no

en-(8)

tender de Pagu, foram os que " pu d er am fazer algo" . A s ­ sim, a prosa de ficção não a p r e s e n t ou resultados i m e di a ­ tos de i nc or po ra ç ão das e x pr e ss õ es r e volucionárias. Os

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exemplos de Mario e Oswald de Andrade, c o m Macunaima e M e ­ m órias Sentimentais de João M i r a m a r , não c on se gu ir a m i m­ primir renovações imediatas na ficção, marcada em 30 p e ­ la prosa regionalista, p redominantemente nordestina.

A incorporação das inovações m o de rn is ta s é resultado de uma evolução múltipla e de e xperiências v a ­ riadas que se concretiza na década de 50, princi pa lm en te

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com Joao Guimaraes Rosa . Neste ponto podemos fixar M u ­ rilo Rubião e Walter Campos de Carvalho, que "não raro d escambavam -parâ o-feanaosurrealismo" . Na opinião de A l ­ fredo Bosi, estes autores, mais Aníbal Machado, estão

( 11 )

parte, tentando galgar a fronteira do supra-realismo" Quanto a Campos de Carvalho, Bosi está se referindo ao romance A lua vem da Á s i a , e não ao p ri meiro trabalho d e s ­ te escritor, T r i b o .

Este trabalho, escrito em janeiro-feverei- ro de 1952, correspondia, segundo u m dos críticos da obra de Campos de Carvalho, às primeiras m a n i f e s t aç õ es do Con- cretismo. O vínculo c om o Concre ti sm o parece e s ta be l ec id o em função do procedimento compos it iv o e mp re g ad o por C a m ­ pos de Carvalho. Neste,"a a l ie n a ç ã o mental pode ser vista como elemento fundamental do estilo, da intriga e da

a-(

12

)

çao" . Em artigo de 1957, o m e sm o autor afirmou e st ar em Tribo e A lua vem da Á sia próximos da " imaginação infantil", que a "enfermidade do espírito humano" resulta, q u an do um

fato da vida é transformado em fato literário, na

"carica-(X 3) * —

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referência é feita acerca de um possível v ín cu lo entre ambos.

O Concretismo, porém, vai m o ver-se em "solo barroco, levando em conta os caminhos de uma r e vo lução verbal que, deflagrada em área simbolista, estende-se até ao s u r r e a ­ lismo. E se recolheu a lição surrealista do rasgo imagético, n enhum dos dois (Haroldo de Campos e Décio Pignatari) adota a escrita a u t o m á t i c a ."^ 0 ponto de partida de Campos de Carvalho é também simbolista e o que aproveita do s u r r e a l i s ­ m o d’iz respeito ao processo c o mp os it iv o e m pr egado na e l a b o r a ­ ção de T r i b o , além de temas que estão na base da formação do movimento surrealista.

Os novíssimos, entre eles R e in a ld o B a i rã o e André Carneiro, reagem ao formalismo da G er a çã o de 45, a b r i ­ g ando características simbolistas e guard an do uma formaçao bar- r oc o -s ur re al i st a . Deles, resgat a nd o Oswald de Andrade, e s q u e ­ cido por volta de 48/9, vão se afastar os c o n c re ti st a s e t a m ­ b ém Walter Campos de Carvalho.

0 capítulo "O discípulo" dè. Tribo satiriza os postulados dos "rapazes de 48", no dizer de S érgio Milliet, mas também a todos os "movimentos" da época, numa postura não acadêmica, ou pelo menos n ã o grupai. A reação c o r r e sp o nd e mais " a um corte geracional e não c on stitui escola literária. É e s ­ te o trecho do capítulo referido: "O poeta n o v é rr im o Gastão, de quinze anos de idade, em crítica acerba aos poetas n o v í s ­ simos (de 20 anos) e aos poetas novos (de 25) chama-me, a m i m que tenho 5.000, de poeta m a t u s a l ê n i c o e de b o r o c oc h ô d o s d e u ­ ses -expressão, esta última, c er ta me nt e clássica em 1990 — a p o n ­

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n um gesto de g e ne r os id ad e que m u i t o me comoveu. (...) Diz Gas- tão, entre o utras coisas, que as p al avras e vo l ue m sempre a- través dos tempos, como tudo m a is na vida, e que não podemos por c o n s eg ui nt e tomá-las sempre num m e sm o s en t id o — ou, d i ­ zendo melhor, apenas no seu s e ntido literal — d e v e n do ao c o n ­ trário a c om o dá -l as não só às i mp os iç õe s da hora presente como às nossas próprias n e cessidades poéticas, ou seja àquilo que os antigos (êsses bárbaros) c h a m a v a m de licença poética ou artística" (Tribo, p. 159-160).

B ) A' matriz simbòlista

O a p ro v ei t am en to de p r e m i s s a s do simbolismo é r emanescente dos m o d e r n i st a s que " poupam o s i mb ol i sm o em seu organizado a t aq ue às c o rr entes e s t é t ic a s a n t e r i o r e s . ” ^ P o r extensão, a l é m do respeito d e d i c a d o a escola, v ê e m nela um móvel de t ra ns iç ão para o futurismo, como uma escola que f un ­ damenta os ideais modernistas. Os s i m bo l i s ta s não são i ncluí­ dos entre os p assadistas a v a li ad os por M á r i o de Andrade. De outra parte, valores simbol is ta s e n r a í z a m p os tu la d o s m o d e r ­ nistas, i ns pi ra m atitudes e f o r n e c em temas para os reformistas de São Paulo.

Sobre A lp ho n su s de G u i m a r ã e s , O swald de Andra- -- de afirma, q u a n d o da morte d o poeta mineiro, que.-este é "um > lutador da arte nova". C ân d id o Mota F i lh o e nt e nd e que o “s i m­ bolismo foi, talvez, a mais séria r e aç ão c o nt r a o p a r n a s i a ­ nismo e o realismo". A l ém disso, vê no s i m b o l is m o "um

movi-, . „ (16) m e nt o a v an gu a rd i st a da m oderna o n e n t a ç a o e s t e t i c a

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-O veio simbolista credita c o mo uma das funções do poeta a d e c i f r a ç ã o do invisível, a r e ve la ç ã o de m i s t é r i o s que, para o h o m e m comum, p e rm a n e c e m d e sa c a ut el ad os . Este dote da inteligência c o ns ti tu i em parte a a titude do n a r r a d o r de T r i b o , e é d e s e n c a d e a do r da i maginação e da c a p a ci d a d e c r i a ­ dora. Este trecho do "Poema da C idade Morta" a pr es e nt a o p o e ­ ta "em d i sp on i bi l id a d e " a espreitar e "velar" pelo "sono dos outros": "Da minha janela aberta sobre a n oite/ - P á ss ar o s o ­ bre o abismo -/ E s preito em silêncio o e norme s il ên ci o das c a ­ sas/ E meu o l h a r/ - É a única luz viva que desce sobre as ruas/ Penetro a noite impenetrável com me u olhar de m a g o e de d u e n ­ de" (T r i b o , p. 90). 0 d o m do poeta é o de captar, para a lé m do concreto, o m i s t é r i o do mundo.

"Fiz-me vidente", dirá o p e r s o n a g e m - n a r r a d o r de T r i b o ,- p a lm i lh a n d o um c a mi n ho de d e s v e n d a m e n t o do e s t r a nh o e do mistério. A atitude de v idente não e passiva, pois toda a conquista empree n di da por ele é lúcida, fruto de u m d e s r e ­ gramento c a l c u l a d o dos sentidos que, pelo c u l t i v o da alma, pretende c h e g a r ao desconhecido, para o "tão impene tr áv el e estranho c o m o a noite m ai s p r o f u n d a " . A t ra du çã o do inanimado, na tentativa de e xp re s sa r g randes forças cósmicas, é a l go p r o ­ fundamente s e nt id o pelo n ar ra d o r vidente: "O m u n d o está aos meus pés cono o esta para o funâmbulo nas alturas, para o louco em sua esfera de v i dr o fosco, para o m a g o s us pe ns o de sua m a ­ gia, para o h i p o c a m p o c a v a lg a n d o por um m a r de algas i memo----riais. Na fluida a t m os fe ra em que me movo, sou o ú n i c o vidente e o mais t er rível a b a n t es ma desta raça d e g e ne r a d a e já quase destituida de alma, que no e n ta n t o se julga imortal" (T r i b o , p. 143).

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d er do narrador de T r i b o , a elimin a çã o de q ua lq ue r "resquicío de h i p o c r i s i a ” , exige uma atitude de d e s p o j am e n t o da vaidade e da presunção» O c o n hecimento total de si mesmo, proposta cara aos simbolistas, da vidência como algo sentido i n t i m a ­ mente, está presente naquilo que o n a rr ad or entende como s a ­ tanismo: "capacidade de não temer os deuses n e m os homens, e n e m sequer a si mesmo. Capacidade de e nx ergar as coisas por si mesmo e em si mesmas, e não segundo a sua aparência ou a op inião formada por m il ênios de covardia o u de estupidez e que cada um já traz por assim d izer no sangue, ao nascer"

(T r i b o . p. 93).

Tais posturas c o n du z em a uma radical n e gação da ordem, a não aceitação do r a c i o n a l i s m o . Pelo d e s d o b r a ­ m e nt o do aspecto trágico dos c o nf litos c o m o demon ía co e uma vertente da destruição, pretende a p r e se n t a r algo desagradável e repugnante. O m ai s profundo c on he c i m en t o de si m es mo a c a ­ bará por apresentar o "homem nu, por fora e por dentro, e sua nudez é o que apavora os puritanos e os falsos moralistas, que o q u is e r a m v es tido c o m os ouropéis e os m antos irreais da d iv i ndade e da perene beleza. Ele é o m e n d i g o que se d es po jo u do que não lhe pertencia, e por isso o d e s p r e z a m e o d i fa ma m os falsos ricos e os poderosos sem poder algum, acastelados em s u as tôrres precárias, de pedras e ^de tijolos" (T r i b o ,p.9 5 ) I"

A valori za çã o da essência do ser, a i n t e n s i f i ­ cação da imagística e o acentuado valor m usical das palavras, q ue estão na base do m ov i me n to simbolista, signi f ic am o a p r o ­ fundamento do i rr ac ionalismo romântico, agora t r ansformado em pesquisa do espírito, da intuição que passa pelo m i s t é ri o

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e pelo estabe le ci me nt o de uma nova c o ns c iê nc i a poética. Tal c onsciência é d irecionada no sentido de r e sgatar uma razão subjetiva, estendida até um plano s u pe r -r e al is ta que reage, assim, à lógica realista e parnasiana. Este veio do s i m b o ­ lismo que se opõe ao e sp ir it o radical conservador, de base positivista e c on di ci on a do r da poética parnasiana, é o p o n ­ to de ligação com os m o d e r n i s ta s b r as i l e i r o s que, como já a- firmado, v êe m no simbolismo um p er íodo de transição para a instauração do novo.

A atitude e va s io ni st a e m e s m o a loucura c o n ­ f i rmam a n eg aç ão de q u al qu er r ea li da de positiva de qualquer postura racional. A c a pa ci da de de ver a l é m do cotidiano c o n ­ creto, do despojamento, acaba por d e c l i n ar a fragilidade do m u n d o e do homem. 0 r es ul t ad o é uma literatura n a r c i s i s t a ,de percepção do d e clínio e e n f r a q u e ci m e n to dos valores.

O ponto de c o nt a t o entre Tribo e a prosa i na u­ gural de Oswald de A n drade diz r e sp ei to aos m o de lo s seguidos por ambos. As novelas de Oswald são "mundanas, m e i o p s i c o l ó ­ gicas, à D'Annunzio, onde há sempre u m artista a tribulado

. - . . . . (17)

pelas exigencias da sua p e r s on al id ad e libidinosa e genial" A l é m deste, Oswald "revelou que buscava, nos seus primeiros livros, a escrita artística, laboriosa, dos irmãos Goncourt-autores que os c r íticos e m pe n ha do s em d e s co b ri r influências

- - (18)

jamais c itaram em r e lação ao romanc i st a de São Paulo" -Mas um terceiro autor, 3 . .H u y s m a n s ^ c o m o livro Ãs A v e s s a s ,que : buscava no romance de Edmond de G o nc ou rt o " ’estilo perspicaz e mórbido, n er v os o e retorcido' pois lhe parece ser o 'verbo indispensável as c iv i li z a ç õe s d e cr é pi t a s que, para a e x p r e s ­ são de suas necessidades, exigem, em qualquer idade em que se

(18)

ma-- (19)

nifestem, novas fundições de frases e palavras'" , é o m o ­ delo que se aproxima do trabalho do escritor mineiro.

A personalidade do artista em Tribo é cindida, almejando um estado de purifi ca çã o que não seja m a c u la d o pelo passado, um efeito c a tártico-terapêutico, evasionista, m a n i ­ festado pela intenção de não perte n ce r à tribo, libertação válida somente pela aceitação do presente: "Quero que cada livro meu seja uma etapa vencida, um m a r co já sem n e nh um v a ­ lor para o meu vôo futuro, embora o a bismo seja sempre o m e s ­ mo, em cima e em baixo. Se possível não v o lt ar ei a reler- me nunca, para evitar o meu p r óprio plágio, que seria o m a i s f a ­

tal à minha consciência. Se estou p ro cu ra n d o libert ar -m e da minha pele, como jungir-me ao que .fui o n te m e escrevi ontem, eu que nunca sou eu m e s m o senão num m o m e nt o d ad o que é o m o ­ mento presente? Cada palavra que escrevo é uma d ep ur aç ão que

faço dentro de m i m m e sm o e que traz o peso d aq ue le instante determinado em que foi escrita: parece-me m u i t a s vezes e s t r a ­ nha e inepta no dia seguinte, q ua n do já sou u m outro" (T r i b o , p. 10).

A proposta de Huysmans é a de "romper os l i mi ­ tes do romance", introduzir nele^a arte, "suprimir a intriga _

tradicional", centrando "o feixe d & l u z n u m ú nico personagem";, na intenção de "realizar o novo a q ua lq u e r preço". Assim, Às Avessas "desenha o que se poderia c ha m ar uma teoria da écriture a r t i s t e , para usar o termo de Edmond de Goncourt" modo de escrever p e rs eg ui do por Oswald de Andrade. O tom en-

saístico de Às A ve ssas é e nc on tr a d o no r o mance de C ampos de Carvalho, além do c e nt r a me nt o do texto n u m ú n i c o personagem. No caso do romance do escritor mineiro, tudo gira em torno do p e rs o n a g e m - n a r r a d o r .

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O C a pí tu l o XII de Às A ve ssas é d ed ic a d o à l i­ teratura católica, e tece coment ár io s sobre as obras dos e x e ­ getas da Bíblia e da religião católica. Pode ser aproximado ao capitulo "0 Grande Inimigo", de T r i b o ; "Deus afinal é i n o ­ cente de que se e sc revam tantas tolices e se p r a t i qu e m tan­ tas indignidades em seu santo nome. Seria o m e sm o que nos c r iticar por ter a lg ué m usado nosso nome para cometer toda espécie de falcatruas e imoralidades, sem que ao menos (como no caso de Deus) tivéssemos c on he ci me nt o do fato. Os c h a m a ­ dos representantes de Deus na terra e seus exegetas mais a u ­ torizados não e n te nd em sequer das coisas humanas que estão a dois palmos de seus circu n sp ec to s narizes. Como acatá-los, então, e levá-los a sério quando se põem em transe e falam, em hebráico ou em latim, palavras que não formam sentido em ne n h u m idioma da terra, nem m e sm o dos loucos? Se eles ainda fossem poetas, teriam ao menos a desculpa de ser confusos e i n i n t e l e g í v e i s , inclusive para si próprios; dirigindo-se, p o ­ rém, como se d ir i ge m à human id ad e em geral e sobretudo aos pobres de espírito, como justificar em sã razão o galimatias que eles vivem a perpetrar a três por dois, do alto de sua v ai d ad e incomensurável?" (Tribo, p. 45-6).

B) O veio surrealista

0 m od o de proceder de Campos de C ar va l ho 1 na compos i çã o de Tribo resulta numa desarticulação, em certa medida, da forma romanesca tradicional e, no caso, c o n f r o n ­

tamos este modo de e s tr ut ur aç ão do romance com a l i n e a ri d a ­ de do chamado romance social de 30. O s urrealismo presente em Campos de Carvalho, conforme crítica já citada, é marca também em Oswald de Andrade e tal a pr o xi m a ç ão entre estes dois

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áutores_ pode ser estabelecida q uanto ao modo de proceder na compos i çã o do romance, como faz notar M a ri o da Silva B r it o a respeito da ficção oswaldiana: "Um romance de nova e s t r u t u ­ ra (O Perfeito Cozinheiro das Almas d êste M u n d o ) , de técnica inusitada, desconhecida, de um surrealismo natural e e s p o n ­ tâneo, em que estão o clima e os personagens que vão gerar e povoar Os C o n d e n a d o s , as Memórias Sentimentais de João M i r a ­ mar e Serafim Ponte G r a n d e . Do ângulo da estrutura, do c a r i ­ ca t o das personagens, êstes dois livros d e ri v am do diário, nele se enraízam, ali começam inconscientemente. Todo o p r o ­ c esso fragmentário de Oswald nasce dessa experiência pessoal de diarista."

Por outro lado, reagindo ao romance de 30, O s ­ wald reconhece a possibilidade de a pr ov ei t am e n t o do s u r r e a ­ lismo, fixando uma das plataformas do modernismo, a da p e s ­ quisa formal: "Não podemos, sob n e n hu m pretexto geográfico, nos desfazer das linhagens e dos encargos intelectuais da é- poca, sejam vindos de Montparnasse, de Bronx ou da Praça V e r ­ melha. Sob o pretexto de que os surre al is t as são burgueses, n ã o podemos ignorar o fenômeno surrea l is t a nem dele deixar

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de tirar o que houver de honesto e humano." Afirma, ainda, sobre Lins do Rego, que este usa "o c hapéu de coco n a t u r a l i s ­ ta... para não se constipar ao grande ar das correntes

estéti-t (2 3)

cas legítimas em que se vai desdobrar a revolução."

-Esta posição sobre o surrealismo é defendida pe­ lo narrador de T r i b o : "E meu receio, ao tomar de novo da pena nesta clara manhã de janeiro, é h aver p erdido aquele élan que me vinha sustentando desde o início destas m e mó ri as i m e m o ­

riais, e que me fazia desprezar, a bem da minha verdade, qual­ qu e r escrúpulo de o rdem gramatical ou lógica, sentimental ou

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mesmo estética, para só dizer as coisas à maneira de um s o ­ nâmbulo ou de um surrealista ortodoxo. Acredito, aliás, que o surrealismo, sem os exageros de alguns de seus esseclas de menor talento, é a forma de arte que m elhor condiz com meu temperamento situado entre o sonho e a babárie do m u n d o real, entre a letra do C ódigo e o m u nd o encantado da Poesia" (Tribo, p. 137-8).

O surrealismo foi engend ra do a partir de uma revolta amarga, apaixonada, de "inspi r aç ão m at erialista" e "antropológica" contra o universo católico. 0 m o vi me n to l i de ­ rado por Breton vai pressentir as forças r evolucionárias s u b ­ jacentes à transparência do "antiquado", p ro ce de nd o a uma troca de olhar, não o c o ng elado "olhar histórico" por sobre o passado, mas um "olhar político" sobre o mesmo. Processa o resgate do r e miniscente embutido de poderes revolucionários.

No interior do satanismo e do culto ao mal o surrealismo descobre u m a p a r el h am en to de "desinfecção e i s o ­ lamento" do móvel da política, i nvestindo contra qualquer "diletantismo m o r a l i z a n t e " . O mal p r ov ém inteiramente da e s ­ pontaneidade do ser humano. O mal, o ato m a is pérfido, a i n ­ fâmia são compósitos da nossa " p r é - f o r m a ç ã o " , o que nos é

im-^ , /

posto como tarefa sempre nova. A vingança, o mal sao tambem criações de Deus, daí neles o c a rá te r o ri gi n á ri o e nada m a g ­ nífico, sempre forças a serem renovadas.

O bem, o mal e a vingança são assun to s do n a r ­ rador de T r i b o , ao adotar uma p o sição contrária à caridade e à beneficência: "Deve-se ser, no fundo bom, mas capaz da mais terrível vingança (...) Mas a vingança, ao lado da b o n d a ­ de, é um bem ou pelo menos u m mal necessário, e não pode ser bom q ue m ao m e sm o tempo não sabe ser m au em determinada

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c i r c u n s t â n c i a , em defesa de sua integridade moral. Q u e m é b o m o tempo todo e perdoa facilmente o mal que se lhe faz que se faz à humanidade, é apenas u m covarde sob a capa da santidade ou do estoicismo, e não m erece a menor c o n s i d e r a ­ ção do sábio ou simplesmente do h omem de b om senso" (Tribo, p. 129-130).

0 m ov im e n t o procura guardar de a u tê nt ic o a m o ­ b ilização de energias da embriaguei com intuito de l i be r ta ­ ção do homem, m an te nd o o pessim i sm o e a d e sc o n fi an ça acerca do mesmo. Acentua a impossibilidade de compreensão mútua e n ­

tre os povos e os indivíduos. Toda ação é c o nc en t ra da no in­ sulto e, como decorrência disso, abre-se um espaço para o mundo na sua atualidade a multid im en si on a li da de , sem r e s e r ­

vas para o conforto, pois trata de um espaço dilacerado. E s ­ te mesmo espaço, em contrapartida, cede lugar a literatura, para uma seqüência de imagens, para o m o v i m e n t o c on creto do c o r p o .

Em boa medida, a ficção de C ampos de Carvalho procura reatar, em vínculo com a revolta surrealista, forças de impacto no sentido de evitar que o escandaloso e a r t i c u l a ­ ções irruptivas do passado sejam transf or m ad as em convenção, em tempo cristalizado, perdendo sua força de negação.

Tenta a recolo c aç ão de um tempo e espaço não quantificados, não c o i s i f i ç a d o s , r e ba te nd o à rotina imposta pelo trabalho. A q u an ti f ic aç ão do tempo é o que permite a instauração do valor de troca das mercadorias. O po nd o- se ao tempo comensurável, imprime o resgate de um tempo livre que, de outra parte, não separa o h o m e m da natureza. Uma reação desta ordem é intentada pelo s u rr e al is mo com trocas c u l t u ­

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rais amplas na base de correntes i r r a c i o n a l i s t a s , de s ub li ­ m a çã o do tempo coisificado, r e ar ticulando c a ra ct er í s t ic a s de a bo r da ge m de objetos do mu nd o concreto.

A reação surrealista vai a campo d es a fi an do a arte em sua existência própria, no m o m e nt o em que a arte m o ­ derna reafirma a possibilidade de estender a felicidade em arte com os demais planos da vida. A c o n c i li a çã o da arte com a vida é projeto já inviabilizado em Baudelaire. Arte e vi­ da acabam por se opor no projeto surrealista, mas este, como os demais movimentos de vanguarda i ncrustados na m o d e r n i d a ­ de, guarda como força própria a dialética das rupturas.

Como incorporação de uma prática vanguardis- ta que reage ao esteticismo, a ficção de Campos de Carvalho promove um ataque à referencial idade, r es ul ta n d o em descon- tinuidade e instauração de um estado caótico. Assim, o r es ­ tabelecimento de uma compulsão dionis í ac a do poético, a t i ­ tude assinalada em T r i b o , é móvel prese nt e t ambém em A lua vem da Ásia , no que este romance possui de fragme n ta do e d e s c o n t í n u o .

D) V isão trágica do m undo

O processo de c riação de Tribo não tem na i n ­ triga, no enredo, o seu principal ponto de interesse. A s u s­ pensão da intriga tradicional conduz à f oc al iz a çã o em um u nico personagem, no caso, também narrador. P r óx im o do m o n ó ­ logo interior, pode se constituir no e nc a de a me n t o de a f i r m a ­ ções delirantes do narrador, que procura fixar sua p e r s o na ­ lidade excepcional. Os eventos n ar ra do s não estão o r g a n i ­ zados cronologicamente, p ropiciando uma f l e x ib i li da de na e s­

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truturação. O c ap ít u lo VII, "Dionysos e não Apoio", deixa clara uma postura tumultuaria e desordenada, construção de um universo às avessas: "Ao invés do lago o oceano, com seu r endilhado de espumas belas mas perigosas, com o seu m i s ­ tério impenetrável e cheio de surpresas e até de morte. A vida ao invés do sonho. Um pode ser belo, o outro é v e r d a ­ deiro. E só a verdade, ainda que efêmera, justifica o s a t a ­ nismo e o p e ns am en to dentro da noite, à luz da lâmpada v o ­ tiva. Sob o m a n t o da beleza (não importa) o artista tem que trazer o corpo tatuado de imagens sacrílegas e profanas, mais a udaciosas do que a audácia d'O que lhe deu a vida sem que ele a pedisse, e o c e rc ou de m i s t é r i o s como numa ilha de desesperação. Dionysos, e não Apoio. O diabo, e não o pobre Deus" (T r i b o . p. 33-4).

A opção pelo t rágico é p ro dutora de um olhar penetrante, aquele o lh ar que o n a rr ad or lança sobre a tribo, e que reconduz a essência da arte a uma visão trágica do mundo e resulta na a c e i t a ç ã o da vida ("A vida ao invés do sonho"), resulta em a desão ao horrível, ao medonho, à m o r ­ te, à degeneração. A r ej ei ç ão ao sonho, à luz, à aparência, a um mundo de i m ag in a çã o interior, ao e s pírito apolíneo, e n ­ fim, é explícita.

O e s pí ri t o dionisíaco, que prima pela l i b e r ­ tação do h o m e m e lhe a tribui uma n a tureza bárbara e t i tâ ­ nica, que c oi nc id e c o m a do n ar ra d o r de T r i b o , admite a e x c e ­ ção quando & p o s s i b i l id a d e de falência do processo de i n d i ­ vi d uação e acaba por revelar o que de mais p r ofundo no h om e m e na natureza. Incide a inda na a tr i b u iç ã o de uma força

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despótica, que no caso de T ribo está expressa no nome do narrador: "... um nome; WALTER, que em língua saxônia s i g ­ nifica o dominador, o poderoso, o que dita normas ainda que ele mesmo não tenha a audácia de segui-las. 0 nome que me deram calhou-me tão b e m - ao meu alter ego - que eu fico surpreso de como m'o possam ter dado, sem saber q ue m eu era. Eu mesmo talvez não o e scolhesse tão bem, se tivesse que escolhê-lo. Talvez eu viesse a preferir Ivã - q u em sabe se em razão de Ivã o Terrível?" (T r i b o , p. 27). A festa dionía- ca faz submergir as leis da o r d e m e conduz o indivíduo s u b ­

jetivo para o esquec i me nt o de si mesmo.

A alegria propiciada pela arte diôhisíaca não reside no mundo perceptível da aparência, mas na t r a n s f i g u ­ ração do mundo da aparência, atrás das aparências. Neste sentido, o narrador de Tribo deseja a lc a nç ar um eu profundo, um "segundo eu"qi3_rBa resida na e x t e ri o ri da de da tribo em que vive, o que resulta em p er ma ne nt e renúncia à e x t e r i o r i ­ dade dos valores da mesma.

O p e r s on a g e m- na rr ad or está c iente do d e cl í ni o a que é submetido tudo o que nasce, e no r e co n h ec im en to do horrível, do absurdo como c o m po n en t e s da vida, como ele m e s ­ mo reconhece ao afirmar que "sempre dá para lembrar a p r e ­ cariedade do meu d e st i no e do a b su r do dos m eu s sonhos mais

inumanos e forrados de grandeza" (Tribo, p. 75-6). Em c o n ­ trapartida, há sempre a ânsia d e s e sp er ad a pela e xistência e a tentativa de a n i q ui l am en to da aparência, a t itude que a s ­ pira pelo conhecimento e r es gate de uma essên c ia primordial.

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A n e ga ç ã o dos d euses por parte do instinto a rt í st ic o d i o n i s í a c o é a titude que procura e vitar o e n c a r ­ ceramento do homem. Tende, então, a entre ga r- se ao diabo, e a ver o s o fr im en to como algo intrínseco à a t itude trági­ ca. 0 monstruoso, o extraordinário, o horrível são matérias do mito t r ágico que transfere, de outra parte, a alegria p a ­ ra a esfera da estética, não p e rm i ti n d o a intromissão de s entim en to s morais.

Esta postura leva o n a rr ad or a h os pedar o assassino D u ranti (Cap. XXV), que "não passa de uma c r i a n ­ ça, como todos nós, e que lhe pesa ter que c a r re g ar a q u e ­ le d e stino de fascínora, que não era seu e o deixa c o n t r a ­ feito" (T r i b o , p. 98). "Aquele h o me m de ar infantil p a r e ­ ceu-me m a is c ri ança ainda", c on fe ss a c a n d i d a me n t e seus c r i ­ mes, não se a r r e p en d e de os ter c om et i do e "mataria a todos outra vez, e q u a n ta s vêzes fôsse preciso..." (T r i b o , p. 99). Contrata o a tleta Bertúcio, antes uma glória, agora " p ál i­ do e t í m i d o ” , e s qu ec i d o por todos, mas sem compaixão, pois o trata friamente, e s ta b el e c e n d o a "condição de nunca p i ­ sar aqui d e n t r o de casa sem m e u e x pr e ss o c on se n ti m e n to " (T r i ­ b o , p. 62). Não p er m it i nd o a interv en çã o de sentimentos, d i s ­ corre sobre o medo, r e c o lo ca n do tal a ss u nt o pelo prisma a r ­ tístico: "Fizeram-me, como a todos os homens, m e d r o s o ao extremo. M as hoje já não tenho m e d o algum, de nada, de n i n ­ guém, n e m de m i m mesmo. As duas coisas m a is temidas g e r a l ­ mente, Deus e a morte, já n ã o me d i z e m nada há m u i t o tempo, no sentido em que as tomam e as temem os outros, e i n te r e s ­ sam-me q u a n d o m u i t o do ponto de vista artístico, que é a q u e ­ le em que hoje me c o lo c o d iante da vida. Q u a n t o aos h o m en s e

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suas ameaças terríveis, é bem de ver que me i n te re ss am ainda menos do que aqueles, e que, vivendo embora a sua custa e em sua companhia, vivo hoje mais solitário e livre do que nunca como se já estivesse de há m u it o m o rt o para o mundo. A q ui lo com que eles podem ameaçar-me - a morte, a miséria, a d e ­ sonra, a prisão - já não significa nada para mim, e estou antecipadamente dispo s to a aceitá-las em c a so de n e c e s s i d a ­ de, como já aceito a sua vizinhança e suas tolices c o n t í ­ nuas, rotuladas de sabedoria" (T r i b o , p . 79-80).

O irracionalismo na litera tu r a pode se r e f e ­ rir a um certo ma l- es ta r da c i vi li z aç ão industrial, à d i s ­ tância entre correntes racionais e liberais e, ainda, a r e ­ lativa liberdade do homem, m inada por e s tr ut u ra s econômicas que fazem dele um instrumento de mercado. Não consegue, p o ­ rém, enraizar-se na realidade h i st ór i c a e r e sp on de r aos a n ­ seios da massa que ocupou o c e n ár io da H is tó r i a no s éculo XX e aspira por uma interpretação e e x p l ic i t a ç ã o dos bens p r o ­ porcionados pelo progresso da ciência e da tecnologia.

Não superando em força as c re nç as t r a d i c i o ­ nais, o irracionalismo consegue, porém, fixar na l i t e r a ­ tura deste século, o seu tom m e l a n c ó l i c o e seus ritmos. A opção pelo irracional em W al te r C ampos de C ar va l ho redunda na recolocação do m es mo como fonte inspiradora, como c o r r e n ­ te estética cuja "leitura" não foi ainda completada, o que significa palmilhar um c am in ho que m a r c o u presença em modernistas, em c a minho aberto por M á r i o de A n d r a d e e Manuel B a n d e i r a .

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NOTAS

(1) - IN: A Revolução da Palavra - Origens e Estrutura da Literatura Brasileira M o d e r n a . Petrópolis, Vozes, 1976, p. 203.

(2) - IN: Aspectos da Literatura B r a s i l e i r a . 5 e d . São Paulo, Martins, 1974. p. 242.

(3) - Idem, Ib. p. 194-5.

(4) - IVO, Ledo. "O Epitáfio do Modernismo". A p u d - CASTRO, Silvio. A Revolução da Palavra - O ri ge ns e Estrutura da Literatura Brasileira M o d e r n a . Petrópolis, Vozes, 1976. p. 204.

(5) - "0 n e o - m o d e r n i s m o " . Letras e A r t e s . - Suplemento de A M a n h ã . Rio de Janeiro, 24 de ago. 1947. p . 4.

(6) - "Contribuição ao Julgamento do C o n g r e s s o de Poesia" IN: CAMPOS, Augusto de. Pagu - Patrícia G a l vã o - Vida- O b r a . 3 e d . São Paulo, Brasiliense, 1987. pp. 182-4.

(7) - Idem, ib. pp. 182-4.

(8) - Idem, ib. pp. 182-4.

(9) - MOURÃO, Rui. "A Ficção Modernista de Minas". IN: ÁVILA, Affonso. O M o d e r n i s m o . são Paulo, Perspectiva, 1975. p. 197.

(29)

(10) - Idem, ib. p. 200.

(11) - IN: H i stória Concisa da Literatura B r a s i l e i r a . 3ed. São Paulo., Cultrix, 1978. p. 476.

(12) - MARTINS, Wilson. História da I nt eligência B r a s i l e i r a . Vol. VII. São Paulo, Cultrix/USP, 1977-78. p . 3 4 L

(13) - ________________ . "Prosa". Suplem en to L i te rá r i o de 0 E s tado de São P a u l o . Ano 1, n e 27, 13 a b r . 1957. p . 2.

(14) - RISERIO, Antônio. "Formação do G r u po Noigrandes" IN.: Poesia C o n c r e t a . Salvador, C ódigo 11, 1986. s/p. Ver ainda a esse respeito, R e yn al do B ai r ão que, ao a b o r ­ dar o livro de estréia de H ar ol do de Campos, observa a m a t r i z b a r r o c a - s u r r e a l i s t a : "Entretanto, o que e n ­ c o nt ro de m ui t o encomiástico, neste livro de estréia, é a u t i li z a ç ão do s u pr ar ea li sm o em alguns versos e s ­ parsos. H ar oldo de Campos, além de barroco, enxerta m a g n i fi c am e n t e achados surrea l is ta s em alguns poemas que m u i t o g a nh ar am com isso". "Poesia e Ensaio". IN: Jornal de N o t í c i a s . são Paulo, 16 de julho, 1950. s/p. Os novíssimos, reunidos em torno do Clube de Poesia, r e a l iz a ra m em 1949, são Paulo, a a p r e se n ta ç ã o -de suas - primeiras produções poéticas. Sobre o encontro, com o título de "Recital de Novíssimos", disse José Geraldo Vieira: "...o Clube de Poesia, numa espécie de teste co m pl e m e nt a r ao Curso d e ’ Poética, o r g an i zo u um serão de m a i o no auditório do mu s e u de Arte, onde alguns novíss i mo s de São Paulo a l i t e r a r a m e m a nt o lo gi a

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moder-na vários poemas, aos quais se seguiu como reçaga de tambor e assuada, um d ebate c o m r e sp e ct iv as a l t e r ­ cações patéticas. (...) C umpre d e st a ca r no dito r e c i ­ tal, as figuras de Joaquim Pinto Nazário, Ciro Pimen- tel, Dulce G. Carneiro, D éc io Pignatari, Reinaldo B ai r ão e G er al do Pinto Rodrigues, como c a r a c t e r í s ­

ticas mais acentuadas da complexidade, vocação, p r o ­ cura, ortodoxia e s e pa ração da g er a çã o novíssima que

se aprese n to u no Museu de Arte". Sobre Decio P i g n a ­ tari afirma que ele "lembra um P es sanha atualizadc* por seu d om de f luidificar o idioma, pela maneira mo- derníssima, enxuta, de usar uma retórica encravada num léxico m ot o r admirável". Sobre os irmãos Campos, uma linha: "Interessantes como inspir aç ão e técnica". J o r ­ nal de N o t í c i a s . 12 de junho de 1949. p . 6.

(15) - IN: BRITO, M á r io da Silva. História do M od er ni s m o B r a ­ s i leiro - A n te c ed en te s da Semana da A rt e M o d e r n a . 5 e d . Rio de Janeiro, C i v il i z a çã o Brasileira, 1978. p. 207.

(16) - Idem, ib. p. 208.

(17) - BOSI, Alfredo. Op. cit. p. 404. Bosi está se r e f e r i n ­ do à prosa de Os C o n d e n a d o s . A Estrela de A b sinto e A E scada V e r m e l h a , trabalhes que f ormam a Trilogia do Exílio.

(18) - BRITO, M á ri o da Silva. "O A l u no de R om a nc e Oswald de Andrade" IN: ANDRADE, Oswald. Obras C om pl et as _I. Os C o n d e n a d o s . 3 e d . Rio de Janeiro, C i v i l i z aç a o B r a s i ­ leira, 1978. p. 31.

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(19) - PAES, José Paulo. "Huysmans ou a n ev rose do novo" IN: J-K HUYSMANS. Xs A v e s s a s . Trad. J. P. Paes. Sio P a u ­ lo, C om panhia de Letras, 1987. p. 20.

(20) - Idem, ib. p. 22.

(21) - Cf. Ref. 18. p. 24.

(22) - Cf. "Carta a A fr ân io Zuccolotto" IN: BRITO, Mario da Silva. Conversa v a i , conversa v e m . Rio de Janeiro, C i ­ viliz a çã o Brasileira, Brasília, INL, 1974. p. 67.

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tetura do enredo implantados por Oswald de Andrade. Os c a ­ pítulos são, aparentemente, d e s vi n cu l ad o s uns dos outros, são narrados a c on tecimentos aleatórios, uma c on st ru çã o em blocos que gera uma quebra da automatização, cujo r e s u l t a ­ do é um livro fragmentado. Está distante do Serafim Ponte Grande (1933), mas próximo da "prosa c r epuscular" de Oswald e da experiência, como assinalado, do diarista de 0 P e r ­ feito C oz in he ir o das Almas dêste M u n d o . A visão do todo deverá ser articulada pelo leitor. O personagem-narrador de T r i b o , o st en s iv am en te m e diador entre leitor e fato narrado,

só é conhecido se somados todos os elementos dispersos no livro. Comungam, ainda, uma posição contrária às c onvenções sociais e literárias.

Os blocos que c om põ em Tribo podem ser v i s ­ tos como fragmentos intencionais que, reunidos, permitem uma visão global da tribo. Estes m a n t ê m uma dinâmica i n ­

terna estabelecida a princípio pela interferência do eu-nar- rador, móvel de ligação entre os capítulos. Tal p r o c e d i m e n ­ to permite uma leitura "vertical" de cada um dos fragmen- t o s - c a p í t u l o s , que podem ser c l as s i fi ca do s como pequenos e n s a i o s .

A estrut ur aç ão dos capítulos em Tribo p e r m i ­ te uma f le xibilidade que não d esarticula o "fio condutor" do texto. Se as M em ór ia s Sentimentais de João M ir am ar podem ser vistas como "antologia diacrônica", como livro de m e ­ mórias, Tribo terá como unidades c e nt ra l iz ad or a s a

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persona-lidade do n a rr a do r e as atividades da tribo e seus valores. As unidades temáticas, pequenos ensaios, não são rigorosas n em estanques, tendo em vista que o e u-narrador interfere a todo momento, constituindo-se no elemento de ligação e n ­ tre os capítulos. Assim, o quadro é m ú lt ip lo e ao mesmo tem­ po igual, de visão precisa e informação limitada, e s ta be le ­ cido pela identificação entre narrador e p e rs on a ge m g a ra n ­ tindo uniformidade.

O livro é composto de quarenta e quatro c a ­ pítulos. Dois deles, o capítulo XXIII e o c a pí tu lo XLIV, são a p re s en ta do s na forma de poemas, respectivamente, o "Poema da C i dade Morta" e

"o

Sermão <3a "Montanha"

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c a ­ pítulo VI, "Epístola aos Loucos", faz uso da segunda p e s­ soa do plural, em tom eloqüente. O emprego do pronome pes­ soal sofre nova alteração no capítulo VIII, "0 Poço no Deserto". 0 narrador adota aqui a primeira pessoa do p lu ­ ral ao d i s co r r e r sobre a morte. Igual p ro ce d i m en t o ocorre no c a p ít ul o XXI, sobre a postura que os poetas (o narrador é u m deles) d e v e m adotar diante do mundo.

Outro conjunto de capítulos, e m número de nove, é f ormado pela presença de "personagens" que entram em c on ta to c o m o p e r s o n a g e m - n a r r a d o r .- .Mesmo _número--é reser---vado, sem rigor divisório, para a d e sc rição das atividades da tribo. As situações dialógicas são mínimas, controladas pelo narrador. O grupo maior, dezenove c a pí tu lo s ao todo, é reservado para a constituição da person al id ad e do n a r ­ rador .

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0 cinismo, a n e ce s s id ad e de uma filosofia cínica, é o a s sunto do c ap ítulo XLI, "Um e Outro". Outros assuntos: o satanismo, presente também em Xs A ve ss a s (Cap.XXIV, "Satã"); a vingança, Cap. XXXI, "Humano e Desumano"; sobre a "estupidez humana", cap. XVII, q u e s ti o na n d o a possível racionalidade dos atos humanos.

A postura cínica permite ao narrador, no capítulo XXIX, "A Arte de Ser Plagiado", expor suas o p i ­ niões acerca do plágio, entend en do -o como "uma h o me na ge m tácita, mas nem por isso menos válida, que a l g ué m nos p r e s ­ ta" (T r i b o , p. 120). Na mesma linha de conduta, da i m i t a ­ ção de um cânone, afirma: "A contrafação, o e r s a t z , no caso, passa a ser a obra primitiva ou p r e t en s am en te o r i g i ­ nal, cujo autor foi incapaz de a pr ee nd er tôda a beleza ou fôrça do a ssunto que tinha à mão, e a p enas procedeu como um profeta d iante de aconte ci me nt o s futuros" (Tribo, p . 121). Tal orientação vai ao encontro daquela formulada por Macedo- nio Fernandez, ao afirmar a "necessidad de una teoria que establezca como no es el segundo inventor sino el primero

(2) quien comete el plagio"

Os p rincípios de produção artística r e s u l ­ tantes deste m o d o de encarar o p lágio são: a) a s e g u n d a - v e r - - são é superior à primeira - atribui ao texto "talentos que muitas vezes não temos ou que ficam mais visív e is na versão que nos d e ra m à guisa de cópia" (Tribo, p. 120); b) o p l á ­ gio, a segunda versão, se aproxima da tradução, enriquece o material p ri meiro e a segunda versão, ainda, transforma a primeira - "Dá-se c om o b o m plágio o m es mo que c om a

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tradu-çào de certos poemas quase desconhecidos, (...) que longe de perder em beleza para o texto original, empresta-lhe uma força nova e uma beleza ainda maior" (T r i b o . p . 120); c) o material imitado produz um talento maior e, como é de e m ­ préstimo, instaura uma tradição, institucionaliza formas "Ha mesmo poetas que se revelam maiores com um material de empréstimo do que um próprio (...), e seria absurdo p r o i ­ bir-lhes de realizar obras-primas à custa alheia" (Tribo, p. 120-1).

Esta atitude põe em questão a veracidade de qualquer e n un ci ad o e implica, por anular a primeira p r o ­ dução, negar o sujeito e eliminar a autoria. Como d e c o r r ê n ­ cia o narrador q u es tiona a possibilidade de uma criação ser ou não original e conclui pela utopia da idéia de o r i ­ ginalidade: "...(e afinal, em literatura como em tôda a r ­ te, a origin a li d ad e já se tornou de há muito utópica e i m­ possível)" (T r i b o , p. 121).

O c i nismo vai permitir uma combinação i m p a r­ cial e h eterogênea de um grande número de figuras h i s t ó r i ­ cas que servem de a mbientação cultural do romance. Este é o elenco de figuras que aparece no texto de T r i b o :

N ie t zsche Rilke

Stendhal Wilde

Lautré a mo nt Raul de Leoni César Borgia Eduardo Guimaraens Gilles de Rais Gabrielle D'Annunzio M arquês de Sade Niels Lyhne

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Casanova Byron Fe r na n d o Pessoa M on t aigne An d re ie v Rei da Inglaterra Xá da Pérsia Imperador do Japão Deus Dionysos Apoio Buda Diabo Leviatã Ivã Argos Jesus C risto A l oysius Bertrand C h arles M organ São F r a n c i s c o de Assis Jacques M a ritain Pascal Thomas a Kempis Marcos Barbosa D e mó st en es Davi São Pedro T ri m al c hã o ícaro Cardeal de Retz Papa A le xa nd re VI Camões Thoreau Diógenes B en v enuto Cellini Lethos G engis Khan G ir o la mo di Puglia Alain G er bault Chaplin Don Juan O vidio Maurice Magre Léopold Stern Ál v ar o de las Casas Anatole Omar K há y yá m Péguy Simone Weil Procusto F reud P etrônio Julien Sorel -Mãquiavel Cícero Seneca Horácio Erasmo Joseph

Referências

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