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A exploração romana no anticlinal de Estremoz: extração, consumo e organização

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A exploração romana do mármore no anticlinal

de Estremoz: extração, consumo e organização

André Carneiro1

1 Departamento de História da Universidade de Évora, ampc@uevora.pt; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0824-3301. Investigador integrado do CHAIA/UÉ – Centro de História da Arte e Investigação Artística da Universidade de Évora – Ref.ª UID/ EAT/00112/2013; investigador colaborador do CECH/FLUC – Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

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L’Exploration romaine du marbre dans l’anticlinal d’Estremoz: Extraction, consommation et organisation

Résumé: Nous présentons les premiers résultats du projet de recherche sur l’exploration du marbre dans l’anticlinal d’Estremoz à l’époque romaine. Nous réalisons un premier bilan sur le panoramique de la recherche, en soulignant que les deux dernières décen-nies ont apporté un renouvellement complet des perspectives traditionnelles, bien que les travaux récents continuent à porter surtout sur les points de réception, manquant en-core des études sur les zones d’extraction, une situation que le projet en cours veut com-mencer à contrarier. Nous analysons ensuite quelques problématiques sur l’exploration du marbre dans la région de l’anticlinal, en particulier dans les questions se rapportant à la gestion et supervision des travaux, démontrant indiscutable l’intérêt que la maison impériale lui a consacré, à partir de l’action de Lucius Fulcinius Trio, légat de l’empereur Tibère, dans la promotion de grands programmes de construction à Augusta Emerita et dans la promotion d’actions de conciliation dans la région. L’importance du marbre comme produit économique et symbole de prestige est aussi discutée.

En suivant l’axe de la recherche, nous analysons les évidences d’exploration en-core conservées dans la région, ainsi que les sites archéologiques qui ce sont consacrés possiblement à l’extraction et les premiers travaux. La relation avec les voies et avec le réseau restant de peuplement est analysée aussi, en cherchant à entendre le mode par lequel le système économique local s’est organisé en fonction de l’exploitation et dans les autres valences du territoire.

Dans cette perspective, nous cherchons aussi à valoriser le mode dont tout au long de la diachronie les productions de marbre dans l’anticlinal ont été entendues en tant que produit d’exception employé dans les constructions les plus diverses et par les pouvoirs les plus diversifiés, que ce soit dans le domaine public, privé ou, à partir de la fin de l’Empire, au travers de l’action de l’Eglise.

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The Roman marble exploration at the Estremoz anticline: extraction, consumption and organization

Abstract: We present the first results of the research project on the exploration of marble in the Estremoz anticline during Roman times. An initial assessment of the research landscape is carried out, emphasizing that the two decades have brought a total renewal of traditional perspectives, although recent work continues to be mainly about reception points, with a lack of studies on extraction areas, something that this study attempts to address. After this, we analyse some problems regarding the exploitation of marble in the anticline region, especially in the matters related to the management and supervision of the works, and the undisputed interest that the imperial house dedicated, starting from the action of Lucius Fulcinius Trio, a legacy of Emperor Tiberius, in the promotion of major construction programs in Augusta

Emerita and in the promotion of conciliatory actions in the region. The importance

of marble as an economic product and symbol of prestige is also discussed. Following the axis of research, we analyse the preserved evidences of explora-tion in the region, as well as the archaeological sites that were possibly dedicated to extraction and used as primary worksites. We also analyse their relation with the roads and the rest of the settlement networks, while trying to understand how the local economic system was organised in function of the exploration and other territorial advantages.

In this perspective, we have also tried to value the way the marble productions of the anticline were understood as an exceptional product over the years, and em-ployed in diverse constructions by different powers that be, be it public, private or, from the end of the Empire, through the action of the Church.

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1. Porque era o mármore importante?

O interesse pelo mármore é herdado: Roma adquire o fascínio que a cultura grega sentira por esta matéria-prima. As razões são naturais: o brilho imanente, a facilidade na modelação, a diversidade cromática, mas também a resistência ao tempo. Este aspeto era fundamental, pois as ma-térias-primas da Península Helénica, demasiado porosas e friáveis, não tinham esta qualidade. Note-se o exemplo de dois templos construídos ao mesmo tempo, sob o mesmo supervisor: Ictino (com Calícrates) foi o res-ponsável pela construção do emblemático Partenon de Atenas, ainda hoje o símbolo máximo da capital grega, mas em simultâneo projetou o templo de Apolo Epicurio em Bassae, nas montanhas da Acádia. Esta construção empregou os calcários cinzentos da envolvente e foi no seu tempo emble-mático, por ter sido uma das primeiras obras que utilizou o estilo coríntio. Todavia, jaz hoje em ruínas, um amontado informe de pedras, desmon-tado e desgasdesmon-tado pela erosão natural do tempo.

Por este motivo, o Império Romano, uma construção sociopolítica que os próprios julgavam que iria ser eterna, fez do mármore um elemento do mais elevado valor simbólico. Pela perenidade do material, mas também pelo seu valor cosmocrático, pois existem jazidas de pedras ornamentais em vários pontos do Império: por este motivo, Augusto irá mandar pa-vimentar o Forum Augustum da capital com mármores de todas as prove-niências, evidenciando o papel da capital imperial enquanto Roma caput

orbis Terrarum e o seu próprio papel como Principes de uma Aurea Aetas na

qual o globo está pacificado e o Imperador controla os recursos disponí-veis em qualquer parte.

A Igreja manteve o mármore como um elemento central no modo como transmitia sensações de maravilhamento, fundamentais para a homilia. Gregório de Tours (538-594), uma das figuras essenciais na afirmação

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da Igreja no conturbado mundo pós-Imperial da Gália e grande promotor edilício de novos templos, escreveu: “The fear of God is in it and a great brightness is seen, and in the spring a very pleasant fragrance as if of spices is perceived there by the devout. It has near the altar walls of va-riegated work adorned with many kinds of marble”2.

Pelo texto se percebe claramente como se procurava uma multissen-sorialidade – os odores do incenso, o brilho da luz refletido nos mosaicos, pinturas ou mármores, além dos sons trazidos pelos cantos – que pre-tendia embalar o crente, conduzindo-o a um outro nível de consciência. E nesse sentido o mármore é fundamental, pois no seu brilho intrínseco e na sua pureza simboliza o desejado Caelum in Terrae.

2. Um olhar global sobre a panorâmica

da investigação

O mármore de Estremoz/Vila Viçosa ainda não ocupa o lugar merecido na investigação sobre os recursos pétreos mais relevantes em época romana. A título de exemplo, veja-se que o insubstituível manual de referência sobre a construção em época romana, escrito por Jean-Pierre Adam, não menciona os mármores do anticlinal – nem qualquer produção hispânica – entre os “most frequentely exploited rocks that were highly valued”3.

Apesar de nas últimas décadas o interesse ter aumentado, com um sustentado acréscimo no número de referências, podemos considerar que esse olhar tem sido lançado a partir do exterior, ou seja, porque alguns investigadores identificaram produções do anticlinal em pontos de receção (cidades romanas ou residências rurais), no âmbito dos chamados estudos distributivos. Ora, este reconhecimento depende da compreensão dos investigadores: se estes estão familiarizados com os mármores estremocenses e calipolenses, então são identificados e men-cionados como tal; se, pelo contrário, nunca com eles contactaram, os mármores são considerados como de outras proveniências (a atribuição errada a Luni-Carrara é um clássico, dadas as semelhanças globais).

Portanto, apesar do interesse exterior, continuamos a verificar que o mármore do anticlinal é, em grande parte, ignorado ou não reconhecido como sendo proveniente desta região. Apesar da visita ao anticlinal de vá-rios investigadores, que colhem amostras e as levam para os laboratóvá-rios de referência de modo a permitir futuras identificações, muitos colegas não conhecem in loco a variedade de tipos e formas pétreas.4 Embora nos 2 Gregório de Tours (538-594), History 2.16, trad. P. Halsall.

3 Adam, Jean-Pierre. Roman building. Materials and techniques. London, New York: Routledge, 2005, 22.

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últimos anos a generalização de análises arqueométricas tenha começado a colmatar estas lacunas, estes estudos são ainda escassos e, sobretudo, não permitem documentar produções mal recenseadas. Mas esta circuns-tância deriva também de uma outra realidade: nunca se verificou uma investigação séria, sustentada e empenhada, que permita caracterizar e divulgar as zonas de produção marmórea em época romana no anticlinal de Estremoz e Vila Viçosa.

Podemos invocar um outro exemplo paradigmático, mais próprio da investigação portuguesa e lusitana (aqui entendida no sentido da pro-víncia romana). Para o grande público, o estudo de maior difusão continua a ser a apresentação feita por Fernando Real de A mineração romana:

explo-ração de materiais não metálicos em catálogo de uma exposição promovida

pelo Museu Nacional de Arqueologia em 19975. Esse trabalho apresenta

seis páginas, das quais duas são mapas, e é complementado por um case

study relativo ao estudo de Pierre André sobre o consumo de mármore na villa de Torre de Palma (mais três páginas). No trabalho de Fernando Real,

o mármore não é individualizado, estando incluído no âmbito dos “mi-nerais e rochas”, que inclui todos os materiais pétreos no sentido mais lato do termo. Se compararmos o peso específico deste capítulo com os relativos a outras fontes de exploração, verificamos que “A água” ocupa 13 páginas, resultantes de uma monografia publicada poucos anos antes pelos autores,6 sendo complementada com outro case study de 2 páginas;

“Os recursos marinhos” beneficiam de 24 páginas, com mais 7 de estudos específicos; “Os metais” contam com 11 páginas; e “A tecnologia agrária romana” tem 12 páginas, acrescendo outros case studies com 7 páginas. Percebe-se, portanto, o peso específico dos mármores na investigação portuguesa.

Podemos considerar que se trata de um caso particular, não extrapo-lável, mas, na realidade, corresponde a uma tendência da investigação. O mármore do anticlinal – e, note-se, também outras produções de pedras ornamentais do território português, no sentido mais amplo do termo la-tino marmor, que se referia a esta larga aceção – não mereceu da investi-gação uma análise atenta, que permitisse recensear:

• locais de extração;

5 Real, Fernando C. S. “A mineração romana: exploração de materiais não metálicos”. In Portugal Romano: a exploração dos recursos naturais, ed. Adília Alarcão, 77-82. Lisboa: Instituto Português dos Museus, 1997.

6 Quintela, Armando, José Luís Cardoso, e José Manuel Mascarenhas. Aproveitamentos

hi-dráulicos romanos a sul do Tejo: contribuição para a sua inventariação e caracterização. Lisboa:

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• áreas de apoio à laboração; • infraestruturas de trabalho; • espaços de vida e de morte; • canais de escoamento do produto.

Ou seja, os resultados da investigação têm estado mais centrados nos pontos de receção do que nas áreas de produção. E este facto comporta substanciais dificuldades à análise, na medida em que muitas produções não são reconhecidas como de Estremoz, porque a cartografia do anti-clinal não está realizada.

Tomemos o estudo pioneiro de Jorge de Alarcão7 sobre a cidade de

Conímbriga, onde se analisa com detalhe a arquitetura e edilícia da urbs.

Pela primeira vez para um sítio arqueológico do território português, do-cumentava-se o extenso aprovisionamento que o projeto de construção urbano implicava, bem como a amplitude das redes de abastecimento das pedras necessárias à construção e, sobretudo, à ornamentação dos es-paços públicos e privados. Tornava-se assim evidente que, mesmo para um território tradicionalmente considerado periférico como a fachada atlântica, e para um aglomerado urbano de menor importância como a

urbs conimbrigense, se emulavam os princípios e comportamentos

pa-tentes na própria metrópole, visto que em Roma os circuitos de forne-cimento traçavam rotas provenientes de todo o território imperial.8 Em

toda a cidade documentou-se uma relevante utilização do mármore de Estremoz/Vila Viçosa nos ornatos mais nobres da arquitetura pública, o que na altura constituiu uma absoluta novidade, pois não se havia con-siderado que o circuito de distribuição estivesse orientado para a região central do atual território português.

Apesar do valor informativo que a publicação de Conímbriga trouxe para o panorama da investigação, verifica-se que não houve um acrescido inte-resse pelas fontes de extração. Este facto fez com que, de modo paradoxal, o estudo do mármore do anticlinal decorresse mais a partir dos locais de descarga e uso do que na zona de origem. Tal premissa provocou duas con-sequências profundamente danosas para a investigação:

– por não se ter realizado trabalho de terreno que permitisse do-cumentar as pedreiras romanas, verificou-se que estas foram destruídas sem qualquer acompanhamento arqueológico, a partir do boom de exploração registado nos inícios da década de 80.

7 Alarcão, Jorge de, e Robert Étienne. L’Architecture. Fouilles de Conimbriga I. Paris: Diffusion E. de Boccard, 1977.

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Salvou-se um único exemplo, documentado pelos vestígios de exploração romanos na pedreira de Vigária (Vila Viçosa);9 – tão ou mais relevante do que o anterior: criou a invisibilidade da

presença de mármore do anticlinal nos locais de receção. Ou seja, como os tipos marmóreos na sua origem não eram docu-mentados, o mármore de Estremoz era geralmente atribuído a outras proveniências (Luni-Carrara com mais frequência, como foi referido anteriormente).

Por estes motivos, o reconhecimento do mármore de Estremoz como elemento relevante nos circuitos económicos do Império foi sempre se-cundarizado ou mesmo, completamente ignorado. Em várias obras de análise das produções económicas na Lusitania romana o mármore não surge mencionado, ficando na sombra de produtos que indiscutivelmente tiveram relevância, como a mineração do ouro, as produções de prepa-rados piscícolas, ou de vinho e azeite, mas que não devem obscurecer o real peso económico do mármore na sua época.

Esta situação deriva também de um outro facto a montante da in-vestigação atual: o mármore e as produções pétreas são completamente silenciadas nas fontes, não existindo qualquer referência literária an-tiga. Apenas Plínio-o-Velho10 menciona cristal (de rocha?) de grandes

dimensões e gemas de chrysoliton (crisólito) na “Serra de Ammaia”. A referência pliniana é indireta, a partir do livro perdido do lusitano

Lucius Cornelius Bocchus, individualidade que voltaremos a encontrar

mais adiante no presente texto. Todavia, sobre o bem mais famoso mármore do anticlinal, não encontramos nem uma linha escrita.

Em resumo, e apesar da atenção dedicada por Jorge de Alarcão, conce-dendo-lhe destaque em obras de síntese e de grande divulgação,11 o

már-more não foi objeto de um estudo continuado.

Em parte, a reversão da perspetiva foi possibilitada pela intensificação dos estudos arqueométricos aplicados à análise de proveniências. É certo que as produções do anticlinal levantam várias problemáticas do ponto 9 Veja-se a fotografia que documenta a vista geral da exploração em 1976 em Real. “A mineração romana: exploração de materiais não metálicos”, 82. É deste local que provêm os testemunhos de exploração romana exibidos junto à entrada do Museu de Arqueologia da Fundação Casa de Bragança, em Vila Viçosa, além dos indicadores referidos por Jorge de Alarcão em Roman Portugal. Londres: Warminster & Phillips, 1988a, 6-244: “fragmento de terra sigillata galo-romana com marca GEMINV e um fragmento de cerâmica de pa-redes finas pré-flaviana”. O único artigo sobre uma pedreira romana no anticlinal é o de Alarcão, Jorge de, e Tavares, António. “A roman marble quarry in Portugal”. In Studia

pompeiana and classic in honor of Wilhelmina F. Jashemski, ed. Robert I. Curtis, 1-12. New

Rochelle, New York: A. D. Caratzas, 1989. 10 N. H. XXXVII, 24.

11 Em especial, Alarcão, Jorge de. O domínio romano em Portugal. Mem-Martins: Europa-América, 1988b, 135-137.

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de vista metodológico, visto que a sua constituição geológica, do ponto de vista físico e químico, tem muitas semelhanças com as produções da zona de Almadén de la Plata (Sevilla).12 Apesar das limitações que levam a

que todos os resultados devam ser olhados com muita cautela, verifica-se que o mapeamento tem avançado a bom ritmo, permitindo determinar elementos previstos13 mas, sobretudo, trazendo à luz rotas e circuitos até

agora insuspeitos, que em muito aumentam a cartografia de circulação destes materiais.14 Estes novos dados permitem, não apenas ampliar a

escala dos circuitos de abastecimento mas, em simultâneo, perceber que a extração de mármore se amplia substancialmente no tempo, manten-do-se com plena dinâmica durante os séculos IV e V e mesmo durante os seguintes.

Note-se, contudo, que o recente avanço dos estudos arqueométricos – que não cabe aqui discutir em pormenor – trouxe significativos motivos de debate, mas não resolve outras problemáticas metodológicas. Um dos feixes de análise que interessava descobrir centra-se na aplicação de lei-turas petrográficas aos materiais epigráficos, conforme foi já notado de modo certeiro por Javier Andreu Pintado.15 Quer nos materiais de cariz

público – cuja análise poderia trazer numerosas informações sobre as en-comendas promovidas pelas entidades estatais – quer no âmbito privado, a aplicação de metodologias rigorosas aos suportes epigráficos – cuja de-terminação é geralmente macroscópica, ou muitas vezes não é assinalada – permitiriam ultrapassar vários pontos difusos da investigação.

Todavia, os avanços na investigação realizados nos últimos anos trou-xeram importantes temas novos para o debate e para a perceção da real 12 Sobre estas questões e para uma panorâmica geral da investigação, veja-se Taylor, Ruth. “Las canteras romanas de Almadén de la Plata (Sevilla, España): un análisis arqueoló-gico”. Doutoramento, Universidad de Sevilla, 2017.

13 O caso dos elementos marmóreos no templo de Évora: Lopes, Luís, João Carrilho Lopes, João Peixoto Cabral, e Panagiotis Sarantopoulos. “Caracterização petrográfica dos monu-mentos romanos de Évora”. A Cidade de Évora 4, série II (2000): 129-140.

14 É o caso dos inovadores e incontornáveis estudos analíticos promovidos por Sergio Vidal Alvarez sobre os sarcófagos tardoantigos do centro/norte da Hispania guardados no Museo Arqueologico Nacional, e que adiante serão analisados como casos de estudo. Veja-se, em particular, Vidal, Sergio. “Análisis arqueométricos del sarcófago de Pueblanueva (Toledo) y estudio de cinco fragmentos de sarcófago procedentes de Pueblanueva en las colecciones del Museo Arqueológico Nacional”. Boletín del Museo Arqueológico Nacional 34 (2016): 195-210. Para outras metodologias de análise, veja-se Vidal, Sergio, e Virgínia García-Entero. “The use of Estremoz marble in Late Antique sculpture of Hispania: new data from the petrographic and cathodoluminescense analyses”. In Interdisciplinary Studies on Ancient

Stone. ASMOSIA X: Proceedings of the Tenth International Conference of ASMOSIA, Association for the Study of Marble and Other Stones in Antiquity, Rome, 21-26 May 2012, ed. Patrizio

Pensabene e Eleonora Gasparini, 413-420. Roma: “L’Erma” di Bretschneider, 2015. 15 Andreu Pintado, Javier. “Los marmora de Lusitania: su uso como soporte epigráfico”. In El marmor en Hispania: explotación, uso y difusión en época romana, ed. Virgínia García-Entero, 315-330. Madrid: UNED, 2012.

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importância das produções do anticlinal estremocense e sua difusão à escala da Hispania e também do Império. Comprova-se que os circuitos de abastecimento eram muito direcionados: por exemplo, as produções das pedreiras do Sul, situadas na Betica, abastecem preferencialmente os âmbitos regionais da província, bem como as áreas levantinas (no-meadamente Cartago Nova), e que as pedreiras da costa mediterrânica da

Tarranconense também alimentavam os programas em curso no

terri-tório envolvente, quer em cidades como Tarraco ou Barcino, quer nos sí-tios privados da região nor-oriental da Hispania. No entanto, as grandes novidades recentes demonstram que, afinal, os circuitos de mármore de Estremoz/Vila Viçosa são mais amplos do que o esperado, entrando mesmo nos outros circuitos provinciais.

Veja-se, por exemplo, a presença recenseada em Caesaraugusta, a atual Zaragoza,16 bem no interior da Península Ibérica, em zona onde existem

vários recursos autóctones, mas na qual o mármore estremocense atingiu parâmetros de grande realce, dada a utilização em elementos de aparato. A identificação de um busto atribuído a Tibério (embora com interrogações) levantou importantes questões sobre o aprovisionamento do mármore de Estremoz aos circuitos das cidades interiores.

Mas mais surpreendente, talvez seja a chegada ao norte de África, até pelo facto de competir diretamente com os recursos locais de uma região bem fornecida neste aspeto,17 dada a grande diversidade de pedras

orna-mentais que se podiam encontrar na região. Nestes casos, a proveniência de Estremoz está assegurada por estudos arqueométricos que permitiram determinar que um pedestal e um revestimento parietal em mármore rosa são provenientes da área de Vila Viçosa, com maior probabilidade. Falta realizar uma investigação sistemática que permita ampliar o leque de co-nhecimentos, pois seguramente que estas peças não viajaram isoladas, fazendo parte de cargas mais amplas que estarão por identificar.

Quanto ao centro da Hispania, trabalhos recentes vêm demonstrando a insuspeita quantidade de abastecimentos para programas públicos e pri-vados, o que merece uma referência especial, dada a quantidade de casos que têm sido recenseados.

16 Nogales, Trinidad, Pilar Lapuente, e Isabel Rodà, “Dos nuevos retratos de Caesar Augusta”.

Actes XIV Colloque International sur l’Art Provincial Romain. June 2015, Dijon, France. Iconographie du Quotidien dans l’Art Provincial Romain: Modèles Régionaux, 261-270. Dijon, 2017.

17 Antonelli, Fabrizio, Pilar Lapuente, David Dessandier, e S. Kamel. “Petrographic cha-racterization and provenance determination of the crystalline marbles used in the Roman city of Banasa (Morocco): new data on the import of iberian marble in roman North Africa.

Archaeometry 57, n.º 3 (2015): 405-425. O artigo remete para outros casos de estudo

iden-tificados na região onde o mármore de Estremoz também se encontra presente, como em

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Efetivamente, ao contrário do que se supunha, as pedreiras de Estremoz não decaem na sua escala de produção com o passar dos sé-culos. Tradicionalmente, via-se a chegada do século III como sinónimo da reorientação produtiva na extração do mármore do anticlinal, o que se relacionava com duas causas: por um lado, a menor escala dos programas de edificação pública, que levava a uma menor apetência pela utilização de mármore novo, predominando o fenómeno de spolia, ou seja, a reutili-zação de mármores previamente disponíveis nos locais de abastecimento. Reciclando estes materiais presentes nos monumentos ao abandono não havia a necessidade de obtenção de mármores recém-extraídos. Por outro lado, encarava-se o progressivo domínio do mercado dos mármores nor-te-africanos e das áreas do Mediterrâneo Oriental (nomeadamente, as cé-lebres oficinas de Afrodisias) como os causadores da progressiva míngua de exploração do anticlinal, pois tratava-se de produções de maior escala e menores custos, apesar de transportados a maior distância.

Nos últimos anos, a cartografia das produções marmóreas do anticlinal que estão presentes no centro da Hispania alteraram de modo significativo esta visão. A ampla difusão do mármore de Estremoz como integrante de faustosos programas decorativos em sítios de âmbito privado – as villae – foi demonstrada de modo inequívoco, pois os encomendantes das obras em curso recorrem a este mármore. Duas das mais monumentais villae do interior peninsular recebem abastecimentos estremocenses, conforme ficou documentado em Carranque (Toledo)18 e, mais recentemente, na villa

de Noheda (Cuenca).19 Neste último local, a atribuição ao anticlinal é

pro-posta a partir de dois achados de áreas separadas, sendo um proveniente da monumental sala triabsidada e outro do edifício termal. Esta situação demonstra a escala de aprovisionamento de que o sítio beneficiou, na me-dida em que ajudou a guarnecer todo o extenso programa decorativo de dois edifícios em simultâneo. Note-se ainda que na villa de Las Pizarras (Coca, Segovia), identificada com a Cauca de Teodósio, o mármore de Estremoz encontra-se em crustae, que no século IV guarnecem revesti-mentos parietais da villa áulica.20

18 García-Entero, Virgínia, e Sérgio Vidal. “El uso del marmor en el yacimiento de Carranque (Toledo)”. In El marmor en Hispania: explotación, uso y difusión en época romana, ed. Virginia García-Entero, 135-153. Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia, 2012. 19 Valero, Miguel Angel, Anna Gutiérrez García-Moreno, e Isabel Rodà. “First prelimi-nary results on the marmora of the Late Roman villa of Noheda (Cuenca, Spain)”. In

Interdisciplinary Studies on Ancient Stone. ASMOSIA X: Proceedings of the Tenth International Conference of ASMOSIA, Association for the Study of Marble and Other Stones in Antiquity, Rome, 21-26 May 2012, ed. Patrizio Pensabene e Eleonora Gasparini, 393-401. Roma: “L’Erma”

di Bretschneider, 2015.

20 Pérez, Cesareo, Olivia Reyes, Isabel Rodà, Aureli Àlvarez, Anna Gutiérrez García-Moreno, Anna Domènech, e Hernando Royo. “Use of marmora in the ornamental program

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Ou seja, em villae de referência, nos maiores programas edilícios pri-vados dos séculos III e IV, o mármore do anticlinal estremocense encon-tra-se representado em quantidades apreciáveis, como elemento de ex-ceção e prestígio.

Estes exemplos, assim como outros em curso de investigação, de-monstram como o mármore de Estremoz foi um elemento preferencial nos programas iconográficos e decorativos nas sumptuosas edificações privadas dos séculos III e IV na Hispania. Para os aglomerados urbanos, alguns indicadores soltos existem também, embora necessitem de melhor contextualização, quer no que se refere aos contextos arqueológicos de proveniência, quer aos dados arqueométricos de precisão.

O grande campo de novidades provém, contudo, da sistemática rea-valiação da produção de sarcófagos e de escultura funerária. Os traba-lhos desenvolvidos por Sérgio Vidal-Alvarez e Virgínia Garcia-Entero têm provocado um notável fluxo de novos dados, que permite perceber a função central que o anticlinal de Estremoz desempenhou no abasteci-mento das encomendas relativas aos sarcófagos em mármore. As análises começaram com o emblemático sarcófago do Mausoléu de Pueblanueva (Toledo), identificado no século XIX, com a representação de Cristo en-tronizado flanqueado pelos seus apóstolos. A figuração é de tão excecional qualidade que, por muito tempo, levou à sua filiação em oficinas orien-tais ou ravenaicas, até as análises laboratoriais terem confirmado que se trata de um bloco extraído no anticlinal estremocense.21 Da mesma forma,

também o notável sarcófago representando o ciclo de Jonas, proveniente de Carranque, foi confirmado como sendo atribuído a Estremoz.22

A cartografia, contudo, está a aumentar de forma constante, à me-dida que se realizam novos estudos de proveniência. É o caso da situação

of Las Pizarras Roman site (ancient Cauca, Segovia, Spain)”. In Interdisciplinary Studies on

Ancient Stone. Proceedings of the IX ASMOSIA Conference (Tarragona 2009), ed. Anna Gutiérrez

García-Moreno, Pilar Lapuente e Isabel Rodà, 413-420. Tarragona: Institut Català d’Ar-queologia Clàssica, 2012.

21 Vidal, Sérgio, e Virgínia García-Entero. “The use of Estremoz Marble in Late Antique Sculpture of Hispania: new data from the petrographic and cathodoluminescence analyses”. In Interdisciplinary Studies on Ancient Stone. ASMOSIA X: Proceedings of the Tenth

International Conference of ASMOSIA, Association for the Study of Marble and Other Stones in Antiquity, Rome, 21-26 May 2012, ed. Patrizio Pensabene e Eleonora Gasparini, 413-420

(414-415). Roma: “L’Erma” di Bretschneider, 2015. Ver também Vidal, Sergio. “Los sar-cófagos tardoantiguos de Hispania: nuevos datos a partir de los análisis arqueométricos de los sarcófagos del Museo Arqueológico Nacional”. In Escultura romana en Hispania VIII.

Homenaje a Luis Baena del Alcázar, ed. Carlos Márquez e David Ojeda, 143-161. Córdoba:

UCOPress, 2018, 152-153.

22 Vidal e García-Entero. “The use of Estremoz marble in Late Antique sculpture of Hispania […]”, 415-416.

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recentemente comprovada para o sarcófago de Tui (Pontevedra),23 com o

mármore de veios rosa a ser confirmado como sendo proveniente do an-ticlinal de Estremoz. E o emblemático sarcófago de Ithacius da catedral de Oviedo amplia a distribuição até à fachada norte da Hispania, sendo que neste caso a datação proposta atinge o século V,24 tornando este fluxo de

novos dados ainda mais surpreendente e pleno de conteúdos.

O que significam estes dados? Em primeiro lugar, confirmam a posição excecional que as produções do anticlinal detêm, visto que a qualidade do mármore é apreciada de forma constante desde o século I até ao final do Império, quer em programas de ornamentação públicos, quer privados. Em segundo lugar, mas de modo igualmente relevante, confirma-se que a distribuição do mármore de Estremoz atinge mercados distantes na pe-nínsula, mas dominando, em especial (e de forma constante ao longo do tempo), os mercados de toda a fachada atlântica, do centro e do norte, onde é avaliada como a rocha ornamental por excelência, sobrepujando as produções locais. E, finalmente (e como será retomado adiante), a ex-tração de mármore de Estremoz confirma-se como uma atividade rele-vante ao longo da diacronia, ao contrário da tese tradicional que propunha que, a partir dos séculos II e III, entrava em declínio e era ultrapassada por outros mármores mais competitivos. Verifica-se assim que, seja para a produção de estatuária, seja para a utilização de blocos, enquanto re-vestimento parietal ou de pavimentos ou, em fase tardia, como suporte de sarcófagos ricamente decorados, o mármore de Estremoz foi a pedra ornamental por excelência, como tal valorizado pelos encomendantes que desejavam associar uma pedra de exceção às suas construções.

*

Em termos globais, a investigação sobre os mármores do anticlinal tem ainda muitos pontos em aberto, relacionados sobretudo com a perceção do modo como se organizava a escala da produção e o que esta implicava em todas as suas dimensões. Este âmbito de análise implica que se tomem em consideração, de forma simultânea, as evidências de terreno (não apenas as diretas, como a extração nas pedreiras, mas também a compreensão da rede de povoamento em volta) e também a análise dos volumes e modos de receção nos locais de uso. Ou seja, refiro-me em concreto à possibili-23 González Soutelo, Sónia, Anna Gutiérrez-García-Moreno, e Hernado Royo Plumed. “El sarcófago romano de Tui (Pontevedra): un ejemplo de la presencia de material marmóreo foráneo en el noroeste de la Península Ibérica”. SPAL 27, n.º 2 (2018): 229-246.

24 Vidal e García-Entero. “The use of Estremoz Marble in Late Antique Sculpture of Hispania […]”, 416-417.

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dade de perceção que podemos obter sobre a influência socioeconómica da extração do mármore como fator de aceleração e intensificação do sistema de povoamento na região. Por exemplo, em 1990, Jorge de Alarcão lançava a pista para uma investigação que não foi iniciada: “Na área de Estremoz, Vila Viçosa e Alandroal, a exploração de mármores poderá ter constituído, se não a base essencial da economia de certas villae, pelo menos uma fonte importante de rendimento de alguns particulares” 25. De que forma,

por-tanto, a exploração de mármore criou bolsas de riqueza, com reflexos na subida dos índices de conforto das comunidades locais, e como é que tal se reflete, quer na cultura material, quer na expressão arquitetónica dos sítios?

A outra escala, é também necessário atentar na capacidade de Augusta

Emerita se assumir como uma entidade gestora e coordenadora da

explo-ração e/ou como ponto de articulação dos produtos na fase de escoamento; e, em última instância, olhando a uma escala mais ampla, na compreensão do verdadeiro peso específico do mármore como elemento de afirmação da

Lusitania enquanto centro distribuidor para o restante Império. Ou seja, a

perceção das diversas escalas de produção que o mármore conseguiu en-quanto elemento emblemático de um território é uma questão que perma-nece, na sua essência, em aberto, apesar dos vários contributos recentes.26

3. Organização da produção

3.1. A infraestrutura territorial: logística e planeamento

A exploração dos recursos pétreos colocava um conjunto de problemas logísticos, que eram encarados de forma ampla à escala territorial. Se a extração em si não era problemática, não exigindo o mesmo tipo de condi-cionantes da exploração de minérios em galerias fechadas e profundas, era necessário prever todo o tipo de tarefas, seguidamente enunciadas:

25 Alarcão, Jorge de. “A produção e a circulação dos produtos”. In Nova História de Portugal, ed. Joel Serrão e António Henrique de Oliveira Marques, 409-441. Lisboa: Editorial Presença, vol. I, 1990, 427.

26 De entre vários títulos que poderiam ser enunciados, veja-se, sobretudo, o texto fun-dador de Nogales Basarrate, Trinidad. “La escultura del territorio emeritense. Reflejos de la economía y producción en Lusitania romana”. In Économie et territoire en Lusitanie

romaine, ed. Jean-Gérard Gorges e German Rodríguez Martín, 483-497. Madrid: Casa de

Velázquez, 1999. Consultar também Nogales Basarrate, Trinidad, Luís Jorge Gonçalves e Pilar Lapuente. “Materiales lapídeos, mármoles y talleres en Lusitania”. In Marmora

Hispana: explotación y uso de los materiales pétreos en la Hispania romana, ed. Trinidad

Nogales e José Beltrán, 483-522. Roma: “L’Erma” di Bretschneider, 2008. A autora que mais procurou perceber o papel das produções da Lusitania nas redes imperiais terá sido Irene Mañas Romero em “Marmora de las canteras de Estremoz, Alconera y Sintra: su uso y difusión”. In El marmor en Hispania: explotación, uso y difusión en época romana”, ed. Virgínia García-Entero, 331-346. Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia, 2012.

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a) da pedreira à oficina de talhe: os blocos de mármore eram conduzidos para um local onde se procedia aos primeiros trabalhos. Como tal, é necessário prever a existência de uma rede de caminhos internos nas pedreiras, conectando-as às oficinas de laboração; bem como espaços onde operá-rios especializados possam trabalhar, providos de todo o instrumental e materiais necessários;

b) da oficina ao destino-escoamento: o esforço na construção de uma infraestrutura viária é evidente no traçado da chamada via XII do Itinerário de Antonino, que ligava a capital provincial, Augusta Emerita, ao seu porto de mar atlântico, Olisipo, através de Ebora, e que constitui uma via sem qualquer preexistência anterior27 [Fig. 1]. A passagem deste itinerário na zona do anticlinal foi comprovada pela identificação do topónimo Horta do Agacha na zona que confina imediatamente a sul da igreja de Senhora dos Mártires, de onde provém um marco miliário pertencente a este itinerário,28 o que permite perceber como a relevância estratégica do anticlinal era tão grande que levou ao desenho específico de uma via de primeira importância;

27 Carneiro, André. Itinerários romanos do Alentejo: uma releitura de “as grandes vias da

Lusitânia”, de Mário Saa, quarenta anos depois. Lisboa: Edições Colibri, 2008, 49-58.

28 Carneiro, André. Lugares, tempos e pessoas. Povoamento rural romano no Alto Alentejo. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, vol. 1, 2014, 173.

Figura 1 - Rede viária no Alto Alentejo, a partir de Carneiro, 2014. Mapa ela-borado por Jesus Garcia Sánchez.

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c) aprovisionamento: uma complexa rede de abastecimento teve de ser criada, de modo que o trabalho das pedreiras fosse sempre alimentado pelas matérias-primas essenciais. Cordas e elementos para roldanas; madeira para cunhas; metais necessários para todas as ferramentas, serras, pregos e cavilhas; e, claro, os elementos essenciais à subsistência das comunidades envolvidas, nomeadamente os de âmbito agropecuário. Todos estes recursos poderiam encontrar-se na envolvente do anticlinal, a diferentes distâncias e escalas, mas o mapeamento exaustivo dos recursos está por fazer. d) apoio à laboração: A laboração do mármore implica um complexo conjunto

de condições. Por exemplo, um dos elementos essenciais reside na abun-dância de água, tal como ainda hoje é fundamental nas pedreiras atuais. Seguramente terão existido canais de condução de água e estruturas de contenção e armazenamento, sendo que até nós chegou o monumental exemplo da estrutura conhecida como “Tanque dos Mouros”, junto à cidade de Estremoz.29 Da mesma forma, é necessário supor a existência de pontos de apoio para trabalhos específicos: por exemplo, como as ferramentas de metal se desgastam rapidamente, encontrar-se-iam zonas de forjas para apoio à laboração, ainda detetáveis pela acumulação de escórias que por vezes se encontram em alguns pontos.30

e) espaços de vida e de morte: naturalmente, é necessário supor que existiriam as condições mínimas para albergar uma imensa mole de gente que laborava no anticlinal, supondo abrigos para os trabalhadores indiferenciados, mas também lugares de acolhimento para os escultores especializados, ou residências mais abastadas para os promotores da exploração. Da mesma forma, é necessário incluir elementos infraestruturais que são essenciais para o modus vivendi romano, tais como espaços de termas e de convivium, mercados e lugares de entretenimento. Também sobre algum templo ou santuário existem indicadores dispersos e, seguramente, terão existido em paisagem tão carregada de componentes simbólicas. Finalmente, os lugares de tumulação estão também por identificar, apesar de algumas inscrições sepulcrais terem sido encontradas, mas é de supor que uma larga extensão de gentes tivesse nesta região a sua última morada, em função dos contingentes necessários para tão exigentes tarefas e da elevada taxa de mortalidade que o trabalho nas pedreiras propiciava.

3.2. A supervisão e enquadramento

Sabemos que através do denominado direito de conquista os recursos mais relevantes dos territórios anexados ao Império seriam considerados como de relevância estratégica superior.31 Isto significa, portanto, que

seria a casa imperial a assumir de modo direto a gestão e exploração dos recursos, promovendo a dinamização da distribuição na escala da

economia-mundo que o Império permitia.

29 Quintela et al. Aproveitamentos hidráulicos romanos a sul do Tejo, 131-138, fotografias 102-107. 30 Veja-se o caso de Nogueiras, adiante desenvolvido: Carneiro. Lugares, tempos e pessoas, vol. 2, 13.

31 Hirt, Alfred Michael. Imperial mines and quarries in the roman world: organizational aspects, 27

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Em outras situações, algumas fontes de rendimento passavam para a casa imperial através do direito de ratio privata, ou seja, a sua relevância geoestra-tégica levava a que o imperador tomasse a iniciativa de colocar a exploração dos recursos sob a sua alçada direta. Para tal, nomeava um procurator

metal-lorum ou marmororum, como sucedeu em vários casos bem conhecidos do

Império, em especial no Oriente (pedreiras do atual território grego e turco, bem como no Egito).32

O conceito amplo de família característico das sociedades mediterrâ-nicas e do mundo romano conduziu a que em muitas ocasiões a explo-ração fosse concessionada a membros da sua família ou a integrantes do seu círculo pessoal, voltando à posse da casa imperial com a extinção do privilégio ao beneficiário. Este facto permitia que alguns membros privi-legiados tivessem uma ou várias fontes de rendimento próprio, no âmbito do círculo imperial.

Finalmente, em outras situações identificadas, as explorações eram concessionadas a particulares, como na Lusitania é evidente no caso das minas de Vipasca, na medida em que se preservaram os documentos legais que organizam a sua exploração. Nestes casos, as explorações eram alu-gadas a particulares e supervisionadas por um conductor que recolhia as taxas mas não intervinha, limitando-se a assegurar a gestão dos trabalhos e da rede de infraestruturas necessárias.

Para o caso do anticlinal de Estremoz/Vila Viçosa não existem indi-cadores similares ao de Vipasca, pelo que não podemos perceber, de modo direto, como se organizava a exploração. Da mesma forma, como o mármore do anticlinal não tem sido devidamente considerado na sua importância, como se discutiu no ponto 2., sempre se presumiu que ocuparia um lugar secundário na escala dos recursos disponíveis em todo o Império.

Contudo, a possibilidade de existir uma ligação à casa imperial pode ser sustentada a partir de um indicador indireto encontrado fora da área de exploração. Entre o extenso conjunto de dedicações votivas dedicadas à divindade lusitana Endovelico, que foram encontradas no seu provável santuário, a elevação de São Miguel da Mota (concelho de Alandroal), des-taca-se uma inscrição atualmente dada como perdida, mas cujo formu-lário é o seguinte:

DEO • ENDOVELLICO HERMES • AVRELIAE

32 Fant, John Clayton. Ancient marble quarrying and trade. British Archaeological Reports 453. Oxford: B.A.R., 1988.

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VIBIAE • SAB[I]NAE • SER(vus) MARMORARIVS

A(nimo) (hedera) L(ibens) (hedera) P(osuit)

Infelizmente, não conhecemos a peça, que chegou até nós graças à recolha da inscrição em CIL II 133,33 mas cujo original se perdeu. Como é

evidente, o seu conteúdo tem alimentado um amplo conjunto de debates, sendo aquele que agora mais nos diretamente interessa o debate centrado sobre a pessoa identificada pelo servus marmorarius, e que nos poderia per-mitir compreender o modo como a exploração era organizada.34

A menção a Aurelia Vibia Sabina apresenta a extraordinária circuns-tância de se poder colocar em relação com a filha do Imperador Marco Aurélio, Vibia Aurelia Sabina, que viveu entre 166/170 e, possivelmente, 217 d.C.35 O debate gerado pela eventualidade deste nexo de ligação tem

sido aceso e contraditório. José d’Encarnação apontou para uma coinci-dência derivada de um modismo,36 sem negar a elevada condição social

da nomeada, que se insere na grande prevalência regional de família(s) com a denominação Vibia.37

Contra, veja-se sobretudo a argumentação produzida por Marc

Mayer i Olivé,38 que se centra na relevância estratégica das pedreiras do

anticlinal de Estremoz, um recurso de primeira ordem que as tornaria merecedoras de integrar o património publico iure da casa imperial.39

33 CIL II 133, XXXVIII (= ILS 4513b e ILER 826). Comentários em IRCP 497, 577-578. 34 Além da nota anterior, confrontem-se as opiniões dos autores, também referidos no texto principal: Canto, Alicia M. “Avances sobre la explotación del mármol en la España romana”. Archivo Español de Arqueología 50-51 (1977-1978): 165-188; e também Mayer i Olivé, Marc. “A propósito de las canteras de Vila Viçosa, Estremoz y de CIL II 133”. O

Arqueólogo Português, série IV, n.º 26 (2008): 407-414.

35 Sobre a biografia e as referências, veja-se a obra de Marc Mayer referida na nota ante-rior, 410-411; para um enquadramento mais amplo, consulte-se Birley, Anthony. Marcus

Aurelius, a biography. New York: Routledge, 2000.

36 IRCP, 578: “não consideramos plausível tomar Hermes por escravo de alguém ligado aqui à corte imperial; quando muito, a onomástica foi assumida atendendo a uma moda, por influência da corte”. Em posterior texto, retomando a argumentação: “Hermes est un

marmorarius, servus d’Aurelia Vibia Sabina, une dame qui, ayant deux gentilices bien nobles

(si on peut le dire...), appartenait, bien certainement, à une haute couche de la société lo-cale […]” Encarnação, José d’. “Dédicants et cultores: quelques aspects... dans la Lusitanie romaine. Le cas d’Endovellicus.” In Dedicanti e cultores nelle religioni celtiche, ed. Antonio Sartori, 61-71. Milano: Cisalpino, 2008, 64.

37 Consulte-se o Atlas Antroponímico, mas também Canto, Alicia M. Epigrafia romana de la

Betúria céltica. Madrid: Universidad Autónoma de Madrid, 1997.

38 Mayer i Olivé. “A propósito de las canteras de Vila Viçosa, Estremoz y de CIL II 133”, 411ss.

39 Mayer i Olivé, Marc. “Vibia Aurelia Sabina, una empreendedora hija de Marco Aurelio. Notas epigráficas”. Sandalion 31 (2009): 65-81.

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Note-se que a existência de pedreiras na Hispania que estariam in-tegradas no património da casa imperial apresenta um outro provável paralelo, visto que o topónimo Statio Serrariorum Augustorum, próximo de Itálica (Sevilla),40 parece referir-se, em simultâneo, a uma área de

labo-ração de cantaria e a um domínio de posse imperial, talvez relacionado com o programa de construção que decorreu sob o governo de Adriano41

na cidade de Italica e na região bética, da qual o Imperador era natural. No caso da inscrição de Hermes, a sua autodesignação como servus é coe-rente com a putativa condição de servidor da casa Imperial, trabalhando numa oficina como marmorarius, ou seja, um escultor qualificado e que poderia estar diretamente envolvido no talhe de elementos de grande re-levância. Para percebermos a escala e a relevância do trabalho escultórico de um marmorarius, importa tomar em consideração outro dado existente. Note-se que em Augusta Emerita encontram-se várias siglas de escultor de

G. Aulus: ex oficina Gai Auli, ex oficina G Auli fi o li, ex oficina Gai Au, ex oficina Gai A, ex oficina Ga (vacat) i Auli, ex oficina Gai A+++, além de um ex oficin[42,

e ainda uma ex oficina Franciae43, evidenciando bem a importância atribuída

ao labor das oficinas escultóricas.

É necessário tomar em consideração que, por manifesta infelicidade, deste testemunho apenas sobreviveu a inscrição, o que nos impossibi-lita por completo de perceber qual o suporte e os pormenores técnicos da peça, o que seria do máximo interesse para avaliar o labor técnico da mesma e permitir comparações tipológicas com outros elementos eventualmente semelhantes. De qualquer forma, a diversidade escul-tórica dos elementos encontrados em São Miguel da Mota indica-nos que seguramente existia uma oficina especializada que abastecia aquele santuário, dadas as diversas semelhanças existentes entre os materiais encontrados. Resta saber se a oficina estaria situada nas proximidades do local – como será mais lógico admitir – ou a partir de algum ponto mais distante.

40 CIL II 1131 e 1132; Canto, Alicia M. “Avances sobre la explotación del mármol en la España romana”, 177-178 e 184-185.

41 Contra, em face do limitado âmbito de dispersão dos mármores de Almáden de la Plata, pouco presentes fora da Hispania e que, por isso, não teriam tanta relevância económica (ao contrário do que sucede com as produções do anticlinal de Estremoz), pronuncia-se Ben Russell (The economics of the roman stone trade. Oxford: Oxford University Press, 2013, 42, nota 26), que admite a hipótese de serem trabalhadores temporários da administração imperial, por estarem envolvidos num excecional programa de construção.

42 Ramírez Sádaba, José Luís. Catálogo de las inscripciones imperiales de Augusta Emerita.

Cuadernos Emeritenses 21, n.os 78-83 (2003): 141-148.

43 Ramírez Sádaba. Catálogo de las inscripciones imperiales de Augusta Emerita. Cuadernos

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Neste feixe de raciocínios, outro argumento pode ser invocado. No já referido santuário do deus Endovelico foi encontrada uma grande per-centagem de estátuas com figurações militares, o que pode dever-se a várias causas, de entre as quais uma pode ser considerada: a pre-sença de um contingente militar que estivesse estacionado na região, supervisionando a laboração das pedreiras do anticlinal de Estremoz e o normal funcionamento das taxas e licenças.

Da mesma forma, um outro dado colateral reside na significativa dis-persão do mármore do anticlinal por todo o Império romano visto que, como foi anteriormente referido, o progresso da investigação e o cada vez mais apurado rastreio das proveniências marmóreas tem permitido ampliar de modo significativo a cartografia da distribuição. Desta forma, percebe-se que a escala do produto ultrapassou em muito o âmbito pro-vincial, o que se torna muito relevante e testemunha a importância da matéria-prima dentro do quadro geoestratégico imperial.

Contudo, sem dados mais consistentes – sobretudo, no campo epi-gráfico – não poderemos avançar com mais do que meras especulações. Sabemos que no Império os recursos mais relevantes estavam na depen-dência direta da casa imperial e, seguramente, que as produções do anti-clinal teriam uma afamada reputação. E também sabemos que, com ele-vada probabilidade, um recurso marmóreo da Hispania estava diretamente gerido pela casa imperial, a julgar pelas tabulae marmoreae da Baetica44.

Mas o que está em causa é a escala da geoestratégia imperial, que se movia dentro de um quadro de economia-mundo, e neste âmbito o mármore do anticlinal ocupava o seu devido lugar, mas que é difícil de perceber na ótica concorrencial de outras produções. Seja como for, parece evidente que, com o enorme abastecimento do mármore do anticlinal empregue nos programas construtivos de Augusta Emerita, a capital provincial as-sumiu um papel relevante na dinamização e eventual gestão das ativi-dades extrativas, o que é também fundamental para a perceção da escala de interação entre a cidade e o seu território.

A ação das elites provinciais lusitanas na gestão estratégica deste ter-ritório, controlando de modo direto ou indireto o anticlinal e a sua labo-ração, pode ser avaliada por um elemento da maior relevância e que não tem sido devidamente considerado pela investigação.

44 CIL II 1131: M(arcus) Caelius Alexander ta/bulam marmoream d(onum) d(edit) / stationi serrariorum / Augustorum.

CIL II 1132: - - - / [- - -]EV[- - - / - - - tabula(m)] m[armoream - - -] / Lucret[io - - -]L Iulio Paulo [- - -] // [- - - / - - -]ICIO C[- - - / - - - ser]rar(iorum) O[- - -] / - - - -.

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Refiro-me à presença de L. Fulcinius Trio, legado do Imperador Tibério e governador provincial, que nesta função terá estado alguns anos em

Augusta Emerita, possivelmente com envolvimento direto em alguns

pro-jetos de grandes espaços e edificações públicas, que nesta fase estão em construção na capital provincial.45 Inclusivamente, a sua ação terá sido em

algum momento coordenada de modo conjunto com o lusitano L. Cornelius

Bocchus, de grande influência e ação na província (cinco vezes praefectus fabrum do governador e flamen provincial), como ficou patente (apesar

do estado fragmentado, que suscita dúvidas na leitura) na inscrição do designado Forum da colónia de Augusta Emerita.46

O elemento relevante para a compreensão do interesse que o poder im-perial manifestou sobre o anticlinal de Estremoz reside na descoberta de um tratado de fides entre o legado imperial L. Fulcinius Trio e os represen-tantes locais da gens Stertinia, e que se celebrou a 21 de janeiro de 31 d.C. Este tratado foi identificado em Juromenha47 e colocava os representantes

locais sob o estatuto de in fidem clientelamque suam, ou seja, um estatuto de proteção de âmbito jurídico. Importa, portanto, considerar o interesse geoestratégico do ponto correspondente a Juromenha, que conduziu à celebração de um pacto entre, por um lado, o representante da casa im-perial que geria o processo de edificação pública na capital provincial e, como interlocutor, os representantes da elite local. É muito provável que a relevância do local se centrasse na sua condição alcandorada sobre o rio Guadiana; e, não sendo este navegável na sua totalidade, apresentaria condições para o envio de cargas marmóreas tendo como destino os pro-gramas edilícios em curso na capital provincial. Esta leitura, altamente hipotética e construída em sucessivas deduções, procura explicar o sin-gular interesse de um alto representante romano na celebração de um pacto com uma comunidade local de um território que, na ótica imperial, seria de elevado interesse estratégico, pois de outra forma não será fácil contextualizar a origem do processo de negociação.

45 Saquete, José Carlos. “L. Fulcinius Trio, Tiberio y el gran templo de culto imperial de Augusta Emerita”. Epigraphica 67 (2005): 279-308, 279ss. Sobre a ação de Cornelio Boco, veja-se González Herrero, Marta. “La figura de L. Cornelius L. F. Gal. Bocchvs entre los

prae-fecti fabrvm originarios de Lusitania”. In Lucius cornelius Bocchus. Escritor lusitano da Idade da Prata da literatura latina, ed. João Luís Cardoso e Martín Almagro-Gorbea, 245-258.

Lisboa-Madrid: Academia Portuguesa de História e Real Academia de la Historia, 2011. 46 Stylow, Armin, e Ángel Ventura. “Los hallazgos epigráficos”. In El foro de Augusta Emerita.

Genesis y evolución de sus recintos monumentales, coord. Rocío Ayerbe, Teresa Barrientos e

Féliz Palma, 486-489. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2010. 47 IRCP 479.

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4. Da pedreira ao destino: alguns casos de estudo

4.1. Augusta Emerita: as oficinas da capital e a estatuária de

mármore nos programas decorativos públicos

Duas estátuas da capital provincial apresentam significativos dados que permitem reconstruir os processos de laboração da estatuária romana e que por isso merecem aqui uma pequena referência.

São duas estátuas representando figuras em pose cerimonial, que es-tariam colocadas em espaços públicos de Augusta Emerita.

Um deles provém do Forum da colónia emeritense.48 Representa um

togado esculpido em inícios do século I d.C., utilizando um mármore branco, muito perfeito, do anticlinal de Estremoz.49 O elemento relevante

encontra-se na sua perna direita, ligeiramente fletida: uma legenda de EX OFICINA G. AVLI50.

Em outro ponto, no edifício interpretado como um Mithraeum, ou um espaço de culto à divindade Mitra, foi identificada outra estátua:51 neste

caso, trata-se de um portador de uma tocha, que na base apresenta a le-genda DEMETRIOS EPOIEI.

Estes dois testemunhos são da maior relevância para percebermos o processo de talhe e escultura empregue nos grandes programas públicos de representação, ao qual podemos associar o exemplo do togado que foi encontrado por terminar na pedreira da Vigária (Vila Viçosa). Esta estátua por finalizar representa o primeiro passo do processo: após a extração do bloco, este recebe o primeiro “desbaste” do mármore, que define de modo grosseiro mas já percetível o formato definitivo.

Em seguida, a peça seria embalada e transportada para o seu destino. Aqui chegada, seria descarregada nas oficinas de escultores especiali-zados. No primeiro caso, a oficina de produção de G(aius) Aulus em meados do século II, foi a responsável pela ornamentação do grande projeto de construção público do Forum da colonia emeritense.52 No segundo caso, 48 Museo Nacional de Arte Romano de Mérida, CE94.

49 A presunção da proveniência de Estremoz, neste como no exemplar seguinte, não está baseada em estudos arqueométricos, mas na observação macroscópica da peça (pelos menos, são estes os dados conhecidos no momento de redação do presente texto). Contudo, esta situação não invalida as considerações que são tecidas neste ponto, visto que outras séries escultóricas atribuídas a G. Aulus e às escolas de Afrodísias são conhe-cidas no espaço emeritense.

50 A leitura da legenda tem suscitado grandes dúvidas e debate; segue-se a proposta de Ramírez Sadaba. Catálogo de las inscripciones imperiales de Augusta Emerita, n.º 78, 141-142, que interpreta G(aius) em lugar de C(aius), embora tal leitura não seja consensual. Veja-se a extensa bibliografia e as outras propostas consideradas.

51 Museo Nacional de Arte Romano de Mérida, CE89.

52 Além do exemplo aqui tratado, consultem-se os restantes enumerados por José Luiz Ramírez Sádaba e anteriormente apresentados: Catálogo de las inscripciones imperiales de

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temos o envolvimento de um escultor que porta um antropónimo grego,

Demetrio,53 o que indica que na capital provincial possivelmente trabalhou

um escultor desta proveniência, embora este tipo de onomástica fosse ha-bitual entre escravos altamente qualificados. Sabemos que no mundo an-tigo eram os escultores helénicos os mais reputados e, neste caso, temos um importante paralelo para o já recenseado Hermes marmorarius do san-tuário a Endovelico, que dedicou uma invocação à divindade em nome de

Aurelia Vibia Sabina. No caso da estátua de Augusta Emerita, a indicação do

antropónimo helénico constitui mais uma evidência que demonstra o en-volvimento de artesãos altamente especializados na produção dos grandes programas iconográficos da capital provincial. Como as oficinas de escul-tura eram agrupamentos de membros unidos por uma profissão comum, com um carácter social e de assistência mútua, podemos presumir a exis-tência de um collegium, visto que o artesão/escultor trabalhava num es-paço de convívio e reunião com os seus colegas.54

O caso da série de togados provenientes da officina de Aulus mos-tra-nos a dimensão dos programas iconográficos públicos em curso na capital provincial, visto que as séries estatuárias de togados (que inclui, naturalmente, o destacado neste ponto) formam parte de um mesmo ciclo decorativo homogéneo. Mas um dado relevante a considerar reside na formação dos escultores que dominam de forma plena todos os cânones emanados da metrópole romana e que são reproduzidos nos programas construtivos em curso na capital provincial, de acordo com um fenómeno de emulatio devidamente estudado por Trinidad Nogales Basarrate.55 O

ele-mento mais notável, contudo, é o facto de estes artesãos altamente qualifi-cados e aptos a reproduzir os estereótipos artísticos e decorativos da capital o façam utilizando uma matéria-prima local: só este dado é demonstrativo da força dos esquemas produtivos que estão ativos entre a metrópole e as províncias, mas também da articulação e flexibilidade do poder romano pe-rante os recursos localmente existentes.

Já o caso de Demetrio evidencia outra fase do processo: o seu cânone artístico, mais “estereotipado”, pode ser relacionado como as oficinas de Afrodisias que nesse momento se encontram a trabalhar nos programas do

Augusta Emerita, 143-148.

53 “Epoiei” é o equivalente ao termo latino fecit, ou seja, ele fez.

54 Sánchez Moreno, Eduardo, A. M. Lujan Díaz, e Walter Trillmich. “Observaciones en torno al escultor en la sociedad romana. Algunas cuestiones sobre la situación y consi-deración de los artistas/artesanos romanos”. Cuadernos Emeritenses 8 (1994): 72-118, 91. 55 Nogales Basarrate, Trinidad. “Plástica romana emeritense en el contexto de Hispania: modelos y difusión”. In Roma y las provincias: modelo y difusión, ed. Trinidad Nogales e Isabel Rodà, 653-670. Roma: “L’Erma” di Bretschneider, vol. II, 2011.

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forum severiano56, mas também com os elementos escultóricos que começam

a abastecer outros programas decorativos em curso nos sítios e ambientes privados da cidade emeritense e do seu território de influência.

Outro elemento pode ser inferido das assinaturas destes dois ele-mentos escultóricos, dada a diferente datação proposta. Tal significa que a capital provincial teve em funcionamento dois ateliers de produção es-cultórica ativos durante meados do século I e da centúria seguinte, o que demonstra a existência de um importante volume de trabalho e de obras em curso que tinham de ser alimentadas pelas cargas marmóreas e que, por sua vez, justificam a presença de ateliers de escultura. A relevância económica desta atividade era, portanto, notável, sendo de presumir que servia também como fonte de abastecimento de programas decorativos privados que estão em curso nas villae que circundam o território emeri-tense, quer neste período, quer depois nos séculos seguintes, visto que os padrões escultóricos da região emeritense têm notáveis semelhanças com os da própria cidade, como já foi devidamente realçado57.

4.2. Ebora Liberalitas Iulia: a utilização do mármore nos

programas construtivos públicos

O emblema máximo da atual cidade de Évora continua a ser, hoje, como há dois mil anos, o seu templo denominado “de Diana”, embora sem qualquer relação com o culto a esta divindade. Após exaustivos es-tudos feitos na sua estrutura e na sua envolvente, conhecemos hoje rela-tivamente bem a sua planimetria e conceção arquitetónica, embora ainda estejam por identificar os elementos que ornamentavam o seu programa iconográfico e escultórico58.

O elemento mais impressivo do templo, ainda hoje, reside na solidez da sua construção. De planta de tipo períptero, com pódio (seguindo, assim, o modelo mais adotado na Hispania), apresenta um alicerce em

opus incertum, construído maioritariamente em blocos pétreos

heterogé-neos de matérias da região, mas a parte monumental e visível encontra-se 56 Trinidad. “Plástica romana emeritense en el contexto de Hispania: modelos y difusión”, 665.

57 Álvarez Martínez, José Maria, e Trinidad Nogales Basarrate. “Algunas considera-ciones sobre la decoración de las villae del territorium emeritense: musivaria y escultura”. In Les campagnes de Lusitanie romaine: occupation du sol et habitats, Collection de la Casa de Velázquez 47, ed. Jean-Gérard Gorges e Manuel Salinas de Frías, 273-296. Madrid, Salamanca: Casa de Velázquez, Ediciones Universidad de Salamanca, 1994, 295.

58 Para uma descrição exaustiva, veja-se Hauschild, Theodor. “Untersuchungen am ro-mischen temple von Évora: Vorbericht 1986/87”. Madrider Mitteilungen 29 (1988): 208-220. Para uma análise integrada no urbanismo da cidade, consulte-se Hauschild, Theodor. “Algumas observações nas construções do foro de Ebora Liberalitas Iulia”. In Ciudad y foro

en Lusitania romana, coord. Trinidad Nogales Basarrate, 27-36. Mérida: Museo Nacional

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construída usando dois elementos fortemente contrastantes. Por um lado, a solidez robusta do granito cinzento da região, obtido provavelmente nas pedreiras do Alto de São Bento, mesmo defronte da cidade. A base do pódio e a cornija estão construídas em largos e robustos silhares deste tipo, que também constituem as impressionantes colunas de fustes de granito es-triados, que na sua origem seriam estucados. Nas terminações, contudo, encontramos o mármore branco: quer nas bases, quer nos 12 capitéis co-ríntios conservados que as ornamentavam, trabalhados em 2 peças, como em vários outros pontos do Império, e que documentam uma laboração típica da primeira metade do século I d.C., como também se torna evidente pelo detalhe tipológico das folhas de acanto, reforçando os paralelos bem conhecidos com o templo do forum de Augusta Emerita. O contraste entre a rugosidade escura do granito e a brancura do mármore, fino e gracio-samente esculpido nas terminações dos capitéis, ainda hoje impressiona quem contempla a estrutura.

Sabemos pelos estudos arqueométricos que o mármore utilizado provém do anticlinal de Estremoz.59 Este dado é de enorme importância

por nos permitir perceber que até ao final da primeira metade do século I d.C. as pedreiras do anticlinal são a grande fonte de abastecimento dos programas edilícios em curso, quer em Ebora, quer em Augusta Emerita, como havíamos visto no ponto anterior (embora em tempos diferentes, pois o processo na urbe emeritense é ligeiramente anterior, dada a sua condição de caput provinciae). Esta situação eventualmente poderá ser relacionada com a presença de L. Fulcinius Trio, como foi anteriormente referido para a capital provincial.

Desta forma, documenta-se a exploração em tempos relativamente precoces, em grande escala, suficiente para abastecer os diversos pro-gramas urbanos em curso, mas também como elemento de exceção, na medida em que os mármores são o material nobre por excelência, em especial devido ao jogo visual de contraste com o granito (relembre-se, contudo, que na sua origem seria estucado e teria um cromatismo muito distinto).

Note-se ainda que o mármore de Estremoz foi também utilizado como elemento de pavimentação da grande praça do forum. Este amplo espaço nobre, de dimensões superiores à praça atual, foi recoberto em momento posterior – seguramente durante os flávios – com lajeado constituído por grandes placas marmóreas, conforme se documentou pelos negativos en-contrados defronte do templo, documentando o seu arranque em período 59 Cabral, João Peixoto, Carla Mustra, e Theodor Hauschild. “A proveniência do mármore dos capitéis do templo romano de Évora”. Conímbriga 43 (2004): 171-178.

Imagem

Figura  1  -  Rede  viária  no  Alto  Alentejo,  a  partir  de  Carneiro,  2014.  Mapa   ela-borado  por  Jesus  Garcia  Sánchez.
Figura 2 - Vista geral sobre  área  de  exploração  de   pe-dreiras  na  zona  de  Vila  Viçosa.
Figura  4  -  Testemunho  de  exploração  in  situ  na   pe-dreira de Lagoa, Vila Viçosa.
Figura 6 -  Possível pedreira  romana  em  Horta  Nova,  Borba.
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Referências

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