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O pensamento político de Richard Rorty ( ) 1

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O pensamento político de Richard Rorty (1931-2007)

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Christopher J. Voparil* Tradução de Vitor Ferreira Lima**

Uma figura intelectual chave da segunda metade do século XX e a principal força por trás do ressurgimento do pragmatismo americano, Richard Rorty ganhou notoriedade por sua crítica radical à tradição filosófica ocidental em Filosofia e o

espelho da natureza (1979). Quando ele desenvolveu as consequências de sua filosofia

pragmática, no decorrer de três décadas, em obras como Contingência, ironia e

solidariedade (1989), Verdade e progresso (1989a), Para realizar a América (1998b), Filosofia e esperança social (1999) e Filosofia como política cultural (2007), uma série

de compromissos democráticos e uma visão de realizá-los emergiram. O pensamento de Rorty representa uma maneira de teorização política que tem por objetivo ir além “de toda a tradição cultural que fez da verdade a virtude central”, da qual os teóricos políticos apenas começaram a fazer um balanço completo (RORTY, 1982, p. 35). Esperança toma o lugar de conhecimento transcendental, um futuro suavemente esboçado toma o lugar de apelos a uma realidade independente, estórias suplantam argumentos racionais e noções abstratas de humanidade e direitos são abandonadas por sentimento, identificações emocionais com comunidades particulares. Sua obra oferece um programa em larga escala para a autocrítica e a reforma das sociedades ocidentais ao modificar suas “autoimagens” e fazê-las mais sensíveis ao sofrimento e à injustiça, tanto dentro quanto fora de casa. Em harmonia com a noção de Sheldon Wolin a respeito da teoria política como visão, Rorty buscou promulgar uma nova figura do mundo político para inspirar a ação.

Nascido de um reconhecido autor, poeta e jornalista sensacionalista, James Rorty, e de uma socióloga, escritora e crítica social, Winifred Raushenbush, é difícil

1 Agradecemos a gentileza da permissão do autor para a publicação deste artigo, cujo título original é apenas “Richard Rorty (1931-2007)”. Em nossa tradução, optamos por modificar o título, em decorrência do lugar original em que este artigo foi publicado: The Encyclopedia of Political Thought, First Edition. Edited by Michael T. Gibbons, 2015. (N. T.)

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imaginar uma educação mais propícia ao desenvolvimento de um intelectual politicamente engajado. Um autodescrito “bebê anticomunista de fralda vermelha” e “um adolescente liberal da Guerra Fria”, Rorty aprendeu de seus pais trotskistas “que o objetivo de ser humano era passar a vida lutando contra a injustiça social” (RORTY, 1998b, p. 58; 1999. p. 6). Acabado de sair de seu aniversário de quinze anos, Rorty entrou para o programa de graduação projetado por Robert Hutchins na Universidade de Chicago com o objetivo de encontrar um modo de, em uma frase que ele encontrou em Yeats, “reter realidade e justiça em uma única visão” (idem, p. 7). Além de fazer curso com Leo Strauss, ao lado de Allan Bloom, seu esforço de se tornar um platônico “não foi desfeito”, embora ele tenha desenvolvido um forte interesse em filosofia política e social (idem, p. 9). Depois de conseguir seu PhD em Yale e de um breve período de treinamento no exército, Rorty conseguiu um cargo em Princeton, onde permaneceu até 1982. Enquanto aprendia como jogar o jogo da dominante filosofia analítica, com o passar do tempo, um amplo treino em história da filosofia e uma ampla gama de hábitos de leitura criaram um abismo crescente entre Rorty e seus colegas de departamento. Em 1983, aceitou uma cadeira na Universidade de Virgínia, onde permaneceu até se mudar para o Departamento de Literatura Comparada de Stanford, em 1998. Em oito de junho de 2007, Rorty faleceu de complicações de um câncer no pâncreas.

Os primeiros ensaios publicados por Rorty, nos anos 1960, versam sobre o que ele descreve como questões “metafilosóficas” que são úteis para entender sua orientação mais geral, inclusive a mudança de um registro metafilosófico para um político que ocorre durante os anos 1980. Preocupado com o problema de como não cair em uma justificativa não circular a respeito de “qualquer postura debatível sobre qualquer questão importante”, ele gera três importantes percepções: não dispomos de pontos de partida sem pressuposições; critérios mutuamente aceitos e neutros para resolver desentendimentos não podem ser garantidos; qualquer postura está aberta para o que ele chama de “redescrição” – o modo como cada posição pode e de fato redefine o critério para o sucesso de se autolegitimar e desacreditar suas competidoras (VOPARIL & BERNSTEIN, 2010, p. 12-13). O efeito cumulativo dessas percepções mina a assunção filosófica tradicional de neutralidade absoluta junto com a possibilidade do imperativo categórico que seria universalmente obrigatório para todos.

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A resposta pragmática para essas dificuldades metafilosóficas interessou muito a Rorty porque ela abarca nossa contextualidade alicerçada historicamente, em vez de tentar transcendê-la. Pragmatistas como William James, John Dewey e Charles Sanders Peirce abandonaram o esforço de manter a filosofia pura e reconheceram que escolher entre perspectivas que competem entre si não pode ser divorciado de posturas morais ou políticas, como se pudessem ser decididas em terreno neutro. Como Rorty caracterizou, eles fazem da necessidade uma virtude e começam a teorizar a partir de uma posição engajada, em vez de espectadora. Na sua visão, James e Dewey “pediram para que liberássemos nossa nova civilização desistindo da noção de ‘fundamentar’ nossa cultura, nossas vidas morais, nossa política, nossas crenças religiosas, em ‘bases filosóficas’” (RORTY, 1982, p. 161). O inovador Filosofia e o espelho da natureza de Rorty desafiou as dominantes concepções kantiano-cartesianas de mente, realidade e conhecimento ao historicizar suas origens (contingentes) e ao esboçar suas controversas leituras de Wittgenstein, Dewey e Heidegger, os quais por sua vez já tinham suscitado indignações de ambos os filósofos analíticos e pragmatistas americanos, representando uma visão alternativa mais “terapêutica” e “edificante”, em vez de “sistemática” e “fundacional”.

No despertar de Espelho, Rorty se voltou cada vez mais para as consequências políticas de sua crítica filosófica. Central para a sua visão é a noção de democracia, definida por um igualitarismo epistemológico radical. Em A prioridade da democracia

sobre a filosofia, ele sustenta que não há nada fora do “corpo de crenças compartilhadas

que determine a referência da palavra ‘nós’” a que a filosofia transcendental tenha acesso privilegiado – nada “comum a todos os humanos qua humanos” – a qual podemos apelar para uma justificação não circular de nossas crenças morais. Podemos somente apelar a “algo relativamente local e etnocêntrico – a tradição de uma comunidade particular, o consenso de uma cultura particular” (1991, p. 176). Suas percepções iniciais em relação à falta de pontos de partida sem pressuposições, a ausência de critério natural para decidir disputas e a função da redescrição traduzem em um contexto político o reconhecimento do que ele chama de “etnocentrismo” (1991), assim como o compromisso com um pluralismo rawlsiano irredutível e uma concepção de um criticismo político e social que evita recursos representacionistas a uma realidade independente ou apelos justificatórios a autoridades não humanas, como Razão,

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História, Natureza ou Verdade. Sua coleção final sustenta que “política cultural” – um termo guarda-chuva para conversação ou investigação que se dão na falta de critérios acordados que governem a discussão – deve ter a “última palavra” em desacordos, de modo a “tanto o monoteísmo quanto o tipo de metafísica e ciência que pretendem dizer a você o que o mundo realmente é são substituídos pela política democrática” (2007, p. 30-1).

Para Rorty, tanto a instituição quanto a cultura da democracia liberal seriam melhor servidas por um vocabulário alternativo de reflexão política e moral, em vez de um vocabulário estruturado ao redor de noções como Verdade, Racionalidade e Obrigação Moral. De um lado, afastar apelos a uma autoridade não humana irá “afastar um tanto mais as desculpas para o fanatismo e a intolerância” (1998a:83) – algo que Rorty mais tarde dá o nome de “pragmatismo como antiautoritarismo”. De outro lado, tudo se resume a uma questão de eficiência: como melhor trazer a “utopia democrática global” imaginada pelo Iluminismo – nomeadamente, “um planeta no qual todos os membros das espécies estão preocupados com o destino de todos os outros membros” (1998a, p. 12). Então, “a questão é não sobre como definir palavras como ‘Verdade’ ou

‘Racionalidade’ ou ‘Conhecimento’ ou ‘Filosofia’, mas sobre qual autoimagem nossa sociedade deveria ter dela própria” (1991, p. 28). Abandonar o que Nietzsche chama de “conforto metafísico” tem como consequência a aceitação de nossos companheiros humanos como únicas fontes de orientação: “o que importa é nossa lealdade a outros seres humanos de mãos dadas contra a escuridão, não nossa esperança de fazer as coisas da maneira certa” (RORTY, 1982, p. 166). Um inclusivo, embora minguado, comunitarismo toma forma, onde o objetivo é cultivar uma identidade moral compartilhada – uma “comunidade global de confiança” – que nos faria mais propensos a agir para remediar o sofrimento e a injustiça alheios, não via apelos à obrigação moral universal kantiana, mas através de um cultivo de um sentimento humeano através de narrativas – “estórias tristes e sentimentais” (1998a, p. 185) – e de uma literatura, como

a de Dickens e a de Stowe, que cria laços de simpatia. Da mesma forma, Para realizar a

América se esforça por reacender a participação dos intelectuais de esquerda na política

nacional ao argumentar que a autorrenovação democrática coletiva requer um compromisso emocional, como o orgulho.

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Um dos desafios de Rorty foi reconciliar sua ênfase na redescrição e na renovação linguística com as dimensões comuns que tornam a identificação moral compartilhada possível. Em Contingência, Ironia e Solidariedade, seu trabalho mais original, ele adota as instituições liberais e uma “firme distinção entre privado e público” para manter nossa habilidade nietzschiana de continuamente redescrever a nós mesmos, ao alterar nossos vocabulários para não enfraquecer nosso compromisso público de reduzir a crueldade que, seguindo Judith Shklar, ele considerou como “a pior coisa que fazemos” (RORTY, 1989. p. xv). Além disso, seja na forma de romance, de metáforas criadas por “vigorosos poetas” ou do kuhniano discurso anormal ou revolucionário, o não familiar é central para o entendimento de Rorty da mudança social. Aqui, a imaginação ao invés da razão é “o que há de ponta na evolução cultural”, e o progresso moral é uma questão de “construir, ao invés de encontrar, um esforço poético de indivíduos ‘radicalmente situados’ e de comunidades, ao invés do gradual desvelamento pelo uso da ‘Razão’, de ‘princípios’ ou mesmo de ‘direitos’ ou de ‘valores’” (1991, p. 189).

No seu trabalho tardio, Rorty se torna especialmente sintonizado ao modo como uma comunidade se constitui através da exclusão, ao que ele chama de “casos de fronteira” – indivíduos ou grupos que excluímos da “verdadeira humanidade” –, e procura expandir a conversação para além do Ocidente para incluir os até então excluídos. Em vez de procedimentos argumentativos, a la Habermas, ou de uma “reivindicação de que algo amplo como Natureza ou Razão ou História ou Lei Moral está do lado dos oprimidos”, ele aconselha aos grupos marginalizados que se engajem em experimentações corajosas e imaginativas” (RORTY, 1998a, p. 217). Essas descrições alternativas são o que expande o espaço lógico de deliberação moral de modo que os injustiçados e sofredores anteriormente não notados possam ser visados. O ponto é que este espaço lógico só pode ser expandido por meios “não-lógicos” – novas metáforas, redescrições e criativos abusos da linguagem. Sem o equivalente no discurso político dos movimentos da ciência revolucionária kuhniana – nomeadamente, mudança de paradigmas ou redescrições – nunca alteraremos nossa autoimagem e, portanto, eliminaremos a possibilidade de um futuro antes não imaginado.

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do que parcela dos críticos. De fato, ele foi veementemente denunciado pela direita e pela esquerda tanto por ser um perigoso relativista quanto por ser um apologista do

status quo. Ao mesmo tempo, sua esperança imortal por um futuro humano melhor pode

ser seu grande legado. Ao “colocar a política em primeiro lugar e adaptar uma filosofia para atendê-la”, como uma vez ele escreveu, procurou remover as barreiras intelectuais que podem nos fazer negligenciar e perpetuar em vez de notar e remediar a injustiça e o sofrimento humanos correntes (RORTY, 1991, p. 178). A aposta de Rorty foi a de que mudando nossas atitudes em relação a nossas amadas crenças e práticas, de modo a vê-las como contingentes e falíveis, em vez de encará-vê-las como tendo captado a realidade do modo correto, tornamo-nos mais tolerantes e mais justos. Seu pragmatismo nos mostra um caminho para chegar lá.

* Christopher J. Voparil é Ph.D. em Teoria Política (The New School for Social Research) e é autor do livro Richard Rorty: Politics and Vision (2006). E-mail: c hris .v oparil @myunion.edu.

** Vitor Ferreira Lima é pesquisador do Centro de Estudos em Filosofia Americana (CEFA) e estudante de Filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). E-mail: lima.vitoor@hotmail.com.

BIBLIOGRAFIA

RORTY, Richard. Philosophy and the Mirror of Nature. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1979.

______________. Consequences of Pragmatism: Essays, 1972-1980. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1982.

______________. Contingency, Irony, and Solidarity. New York: Cambridge University Press, 1989.

______________. Objectivity, Relativism, and Truth: Philosophical Papers, vol. 1. New York: Cambridge University Press, 1991.

______________. Truth and Progress: Philosophical Papers, vol. 3. New York: Cambridge University Press, 1998a.

______________. Achieving Our Country: Leftist Thought in Twentieth-Century America. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1998b.

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______________. Philosophy as Cultural Politics: Philosophical Papers, vol. 4. New York: Cambridge University Press, 2007.

VOPARIL, C. J. & BERNSTEIN, R. J. The Rorty Reader. Malden, MA: Wiley Blackwell, 2010.

LEITURAS ADICIONAIS

BERNSTEIN, R. J. “One Step Foward, Two Steps Backward: Richard Rorty on Liberal Democracy”, Political Theory, 15 (4), 538-63, 1987.

________________. “Rorty's Deep Humanism”, New Literary History, 39 (1), 13-27, 2008.

FRASER, N. “Solidarity or Singularity” Richard Rorty between Romanticism and Technology”, Praxis International, 8 (3), 257-72, 1988.

GROSS, N. Richard Rorty: The Making of an American Philosopher. Chicago: University of Chicago Press, 2008.

MENDIETA, E. (Ed.). Take Care of Freedom and Truth Will Take Care of Itself:

Interwiews with Richard Rorty. Stanford, CA: Stanford University Press, 2006.

SHUSTERMAN, R. “Pragmatism and Liberalism between Dewey and Rorty”, Political

Theory, 22 (3), 391-413, 1994.

TOPPER, K. “Richard Rorty, Liberalism, and the Politics of Redescription”, American

Political Science Review, 89 (4), 954-78, 1995.

VOPARIL, C. J. Richard Rorty: Politics and Vision. Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2006.

Referências

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