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Processo

69028/17.8YIPRT.P1

Data do documento 28 de janeiro de 2021

Relator

Paulo Dias Da Silva

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Contrato de compra e venda > Vendedor espanhol > Lei aplicável > Pagamento feito a terceiro > Extinção da obrigação > Confiança > Boa fé

SUMÁRIO

I - A lei espanhola é aplicável, porque está em causa um contrato de compra e venda de mercadorias e porque a vendedora (ora Autora/apelada) tem a sua sede em Espanha (cf. artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Junho de 2008).

II - O pagamento indevido efectuado pela Ré/apelante a terceiros, a pessoa diferente da credora, ora Autora/apelada e ainda em lugar diferente do acordado, não extingue a obrigação da Ré pagar à Autora o preço devido pelas mercadorias que lhe comprou e esta lhe forneceu.

III - Confiança não significa que se sobrevaloriza a aparência, mas sim a proteção da Boa Fé. Aquele que age de boa fé, confiando no que aparece de acordo com as manifestações do outro, deve ser protegido. Mas a boa fé não é suposta ignorância, assim como a confiança não é entrega cega. Estes princípios perseguem apenas a salvaguarda do terceiro que tenha sido diligente no conhecimento do negócio e suas circunstâncias.”.

TEXTO INTEGRAL

Recurso de Apelação - 3ª Secção

ECLI:PT:TRP:2020:69.028/17.8YIPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

(2)

quantia de €84.946,12 a título de capital e de juros de mora vencidos, por fornecimento de bens. *

Notificada, a Ré deduziu oposição. *

Na sequência da oposição apresentada, o procedimento de injunção foi remetido à distribuição (art. 16.º, n.º 1 do regime anexo ao Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, conjugado com o art. 10.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio), passando a ser tramitado como acção declarativa, seguindo a forma de processo comum.

*

A Ré C…, Lda., na oposição, suscitou o incidente de intervenção acessória provocada do Banco D…, S. A.. *

A Autora, notificada para o efeito, nada disse quanto ao requerido chamamento. *

Por despacho proferido a fls. 108-108v, foi admitido o incidente de intervenção acessória provocada do Banco D…, S. A., para intervir na acção como auxiliar da defesa.

*

Citado, o Banco D…, S.A. apresentou contestação. Todavia, nos termos do estabelecido no artigo 48.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, porque o Ilustre Mandatário Subscritor da contestação apresentada em nome do Interveniente Banco D…, S.A. não juntou procuração, ficou sem efeito a apresentação da contestação. *

Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e os temas da prova.

*

Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais. *

Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, tendo sido condenada a Ré C…, Lda. a pagar à Autora B…, S.A. a quantia de €81.827,17, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde 24.12.2016 até integral pagamento.

(3)

Não se conformando com o assim decidido, recorreu a Ré C…, Lda., concluindo as suas alegações da seguinte forma:

I) A decisão em recurso é profundamente incorreta e injusta e o Tribunal recorrido fez uma incorreta valoração da prova.

II) A Autora e a Recorrente são duas Sociedades Comerciais que no âmbito das suas relações comercias comunicava, quase exclusivamente, por via de correio eletrónico utilizando para o efeito, a Recorrente, o endereço …@....pt e, a Autora, o endereço administration@....es ou administracion@....com.

III) Os documentos 2 a 6 juntos com a Oposição, demonstram que o email original e o posterior são provenientes da Autora e não dos EUA.

A primeira informação da nova conta bancária que antecedeu todas as 27/39 que se sucederam num processo lógico foi enviada do correio eletrónico da Autora.

IV) Os documentos 2 a 6 juntos com a Oposição, demonstram que o email original e o posterior são provenientes da Autora e não dos domínios fraudulentos.

V) Tal como o comprova o relatório elaborado pelo perito informático E…, junto em audiência, com a referência Citius 411908842, de 3 de fevereiro de 2020.

VI) A informação da nova conta bancária é recebida em resposta à comunicação da Recorrente da data na qual iria proceder ao pagamento das faturas pendentes, tal como havia solicitado a Autora no email original.

VII) O facto provado n.º 11 deve ser alterado, sendo dado como provado que, no dia 09-12-2016, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio electrónico (…@....pt), uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 38, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido) enviado do correio eletrónico da Autora, administracion@....es;

VIII) A Recorrente não teve culpa, grosseira nem negligente, no pagamento indevido, pois limitou-se a efetuá-lo para a conta indicada pela Autora através do seu endereço eletrónico, ou de alguém que ilegitimamente o usurpou, acedeu ou mascarou.

IX) Sendo a Recorrente completamente alheia a essa atuação e tendo cumprido com a conduta do cidadão medianamente atento, ágil e diligente.

X) Não se conformando com a alteração dos detalhes do pagamento com mera comunicação através de email

(4)

XI) Solicitando uma comunicação formal da Autora para proceder conforme instruído.

XII) Comunicação que veio a receber em papel timbrado da Autora devidamente formatado, com indicação dos novos detalhes bancários e com claras e manifestas referências à Autora.

XIII) É por isso incorreto e injusto ter sido a Recorrente condenada pela sua falta de cuidado acrescido face a uma solicitação de alteração da conta para onde deveriam ser efetuados os pagamentos, quando, na verdade, esta limitou-se a cumprir as indicações que lhe foram facultadas pela Autora ou por alguém que se apoderou do seu servidor e/ou email.

XIV) Os peritos informáticos, quer nos seus relatórios quer nos seus testemunhos foram unânimes em reconhecer que a Autora recebeu um email típico de phishing no dia 21 de dezembro.

XV) Tendo o perito G… concluído com elevado grau de confiança que os serviços informáticos das entidades B… e H… S.L. foram alvo de um ataque informático através do qual foi possível obter os dados para envio dos referidos emails de dezembro de 2016.

XVI) Já o perito informático E… não concorda com estas conclusões alegando que o primeiro indício encontrado de “I…” - como já referimos - provém do domínio “….biz”.

XVII) Precisamente do email referido na conclusão 14. Supra, sendo que o início da sequência de comunicações data de 9 de dezembro.

XVIII) Não tendo analisado os emails de 9 e 14 de dezembro as conclusões deste técnico não podem colher

XIX) A lei aplicável in casu é a lei Espanhola, sendo concretamente aplicável a norma do Artigo 1.164 do Código Civil Espanhol.

XX) No domínio da lei aplicável, importa aferir se a eventual entrega do preço a terceiro que se fez passar pela Autora desonera a Recorrente da obrigação em relação a esta,

XXI) Estão provados os pressupostos da aplicação do instituto do credor aparente. *

Foram apresentadas contra-alegações. *

Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir. *

(5)

2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:

Das conclusões formuladas, as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do recurso prendem-se com saber:

- Da impugnação da matéria de facto; - Do mérito da acção.

*

3. Os Factos

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

1. B…, S.A. (ora Autora) tem sede em Espanha, na Carretera …, …, …, …, Córdoba, e dedica-se à produção e comercialização de amêndoas.

2. C…, Lda. (ora Ré) tem sede em Portugal, na …, …, e dedica-se à indústria e comércio de produtos alimentares.

3. No exercício das suas atividades comerciais, por acordo celebrado entre B…, S. A. (ora Autora) e C…, Lda. (ora Ré), aquela comprometeu-se a entregar a esta 15.014,16 kg de amêndoas; tendo-se a Ré comprometido a entregar à Autora a respetiva contrapartida pecuniária no valor de €81.827,17 (oitenta e um mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezassete cêntimos), até ao dia 24-12-2016.

4. Na sequência do acordo referido em 3), a Ré recebeu da Autora as amêndoas que este se havia comprometido a entregar.

5. Autora e Ré acordaram que o preço da venda das amêndoas seria entregue pela Ré em conta bancária titulada pela Autora.

6. Até 28-12-2016, todos os pagamentos relativos à aquisição de produtos fornecidos pela Ré à Autora eram realizados para a conta com o IBAN: PT……….

7. C…, Lda. (ora Ré) integra o grupo empresarial “J…”, que também é composto pelas sociedades comerciais J…, S.A. e F…, S.A..

8. A organização e gestão das três sociedades acabadas de referir são executadas e partilhadas pela mesma administração, sita na Maia, no que respeita à negociação e celebração de contratos com outras empresas, à realização de pagamentos e à representação das sociedades do grupo; …

9. …Pelo que os contactos com fornecedores são efetuados normalmente através dos serviços administrativos da “J…”, o que se verificou neste caso.

10. A ora Autora efetuou um fornecimento de amêndoa à F…, S.A., tendo emitido, em 30-11-2016, a fatura n.º ../……, no montante de €130.727,52.

11. No dia 09-12-2016, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico (…@....pt), uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 38, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;...

12. Tendo a F…, S.A. respondido, nesse mesmo dia 09-12-2016, através de uma mensagem de correio eletrónico onde afirmar o seguinte: “O pagamento é a 15 dias, está previsto para 17/12/2016”.

(6)

teor que consta do documento junto a fls. 41v, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

14. No dia 15-12-2016, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico, uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 42, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

15. No dia 15-12-2016, a F…, S.A. procedeu à transferência bancária do valor de € 130.727,52 (cento e trinta mil, setecentos e vinte e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), relativo à fatura supra referida em 10), através de duas operações a creditar na conta bancária que sempre havia sido usada conforme anteriormente indicado pela Autora, ou seja, no BANCO K…, em Portugal, para o IBAN: PT………. 16. No dia 15-12-2016, a F…, S.A. enviou a mensagem de correio eletrónico com o teor que consta do documento junto a fls. 44v, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

17. No dia 16-12-2016, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico, uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 45, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;...

18. Tendo a F…, S.A. respondido, nesse mesmo dia 16-12-2016, através de uma mensagem de correio com o teor que consta do documento junto a fls. 45v, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

19. No dia 23-12-2016, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico, uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 46-46v, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

20. No dia 26-12-2016, a F…, S.A. enviou a mensagem de correio eletrónico com o teor que consta do documento junto a fls. 47, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

21. No dia 29-12-2016, a Autora procedeu à transferência bancária da quantia de €81.827,17 (oitenta e um mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezassete cêntimos) para a conta bancária com o IBAN: ES……….

22. No dia 30-12-2016, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico, uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 49, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;

23. Tendo a F…, S.A. respondido, nesse mesmo dia 30-12-2016, através de uma mensagem de correio com o teor que consta do documento junto a fls. 49v, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

24. No dia 03-01-2017, a F…, S.A. procedeu à transferência bancária da quantia de € 65.512,31 (sessenta e cinco mil, quinhentos e doze euros e trinta e um cêntimos) para a conta bancária com o IBAN: ES………...

25. No dia 03-01-2017, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico, uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 52, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;

26. Tendo a F…, S.A. respondido através de uma mensagem de correio eletrónico com o teor que consta do documento junto a fls. 52v-53, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

27. No dia 09-01-2017, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico, uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 53v, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

28. No dia 10-01-2017, L…, administrador da Autora, enviou a M…, diretor financeiro do Grupo J…, uma mensagem de correio eletrónico com o teor que consta do documento junto a fls. 54-55, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;…

29. Tendo M… respondido através de uma mensagem de correio eletrónico, datada de 11-01-2017, com o teor que consta do documento junto a fls. 55v, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

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teor que consta do documento junto a fls. 53v, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

31. No dia 11-01-2017, a Autora apresentou queixa crime junto da Guardia Civil, nos termos que constam do documento junto a fls. 59-59v, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

32. No dia 01-02-2017, a Ré e a F…, S.A. apresentaram queixa crime nos Serviços do Ministério Público da Maia, nos termos que constam do documento junto a fls. 60-70, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

*

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

33. As mensagens de correio eletrónico supra referidas em 11), 13), 14), 17), 19), 22) 25), 27) e 30), foram remetidas pela Autora.

34. A Autora é titular da conta bancária com o IBAN: ES……….. *

4. Conhecendo do mérito do recurso: 4.1. Da impugnação da Matéria de facto

A apelante insurge-se contra a resposta dada ao facto provado sob o n.º 11 da qual consta que “No dia 09-12-2016, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico (…@....pt), uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 38, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;...”.

Pugna que o mesmo seja considerado provado nos seguintes termos: “No dia 09-12-2016, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico (…@....pt), uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 38, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido) enviado do correio eletrónico da administracion@....es;”.

Vejamos, então.

No caso vertente, afigura-se-nos que mostram-se cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.

Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.

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224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.

Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelo recorrente e, se necessário, outras provas, maxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.

Reportando-nos ao caso vertente constata-se que o Sr. Juiz a quo, após a audiência e em sede de sentença, motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova:

“O Tribunal formou a sua convicção através de um juízo crítico que fez de toda a prova produzida nos autos (analisando os documentos juntos ao processo e os depoimentos das testemunhas inquiridas) e tendo presentes os critérios sobre o direito probatório previstos no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente, no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, no qual se consagram as regras que devem nortear o juiz do julgamento na apreciação da prova; e nos preceitos que o Código Civil dedica à prova (artigos 341.º e segs.). Sublinhe-se que, apesar de a Ré ter declarado que impugna todos os factos invocados pela Autora (cfr. o art. 8.º da oposição), verifica-se no alegado ao longo das cinco dezenas de páginas da oposição que a Ré aceita tudo o que foi alegado pela Autora, apenas impugnando o que foi referido pela Autora quanto ao não pagamento do preço e invocando factos dos quais resulta que em seu entender -procedeu a tal pagamento. Muito embora se reconheça que dar por reproduzido o teor de documentos não é uma técnica processual exemplar em termos de seleção da matéria de facto, optou-se por proceder desse modo atendendo a razões de economia processual.

Os factos das alíneas 1 e 2 foram considerados provados pois foram aceites por Autora e Ré (art. 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Aliás, relativamente à alínea 1, pode afirmar-se que é inequívoco que a Autora se dedica à produção e comercialização de amêndoas atendendo, por exemplo, desde logo, a que o litígio em análise radica no fornecimento, pela Autora, de 15 toneladas de amêndoas; e também a que, segundo o afirmado pela testemunha M… (diretor financeiro do Grupo J…, onde se integra a Ré), a Autora vendeu à C… (ora Ré) e à F… (que, tal como a Ré, pertence ao Grupo J…), desde 2012, cerca de €2.000.000,00 de amêndoas. A demais matéria fáctica vertida nessa alínea é confirmada pelo teor das faturas que a Ré apresentou com a oposição (fls. 47v, 51 e 51 v) e pela procuração junta a fls. 75v, subscrita pela administração da Autora B…, S. A.. Relativamente à alínea 2, tratam-se de factos admitidos de forma expressa pela Ré C…, Lda., como decorre da queixa crime que apresentou (fls. 60-69v) e da procuração junta a fls. 36, subscrita pala respetiva gerência. Refira-se que a menção à atividade de indústria e comércio de produtos alimentares consta da própria denominação da Ré.

Quanto à celebração do contrato de compra e venda entre Autora e Ré e ao recebimento das amêndoas pela Ré, a factualidade das alíneas 3 e 4 considera-se admitida por acordo (cfr., nomeadamente, os arts. 75.º e 76.º da oposição), pois não foi impugnada pela Ré (art. 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), sendo a matéria fáctica da alínea 3 corroborada pelo teor da fatura n.º 63/000492, datada de 24-11-2016,

(9)

no valor de € 81.827,17 (fls. 47v e 81v; estando a respetiva tradução a fls. 87). Como foi já referido, embora a Ré diga no art. 8.º da oposição que impugna todos os factos invocados pela Autora, decorre do que depois alega que admite ter celebrado o contrato de compra e venda com a Autora e ter recebido as amêndoas fornecidas pela Autora (cfr. os já mencionados arts. 75.º e 76.º da oposição). No que diz respeito à data de vencimento, a Autora alegou que o vencimento ocorreu a 24-12-2016, o que está em consonância com o teor da fatura n.º ../……, relativa ao fornecimento dos 15.014,16 kg de amêndoas, e foi aceite pela Ré (cfr, os arts. 2.º, 4.º, 9.º e 10.º da oposição). Os factos das alíneas 5 e 6 foram considerados provados com base no depoimento da testemunha M… (diretor financeiro do Grupo J…, onde se integra a Ré) o qual declarou - nomeadamente - que, até à alteração da conta bancária em dezembro de 2016, havia uma conta bancária para onde a F… e a C… (ora Ré) sempre enviaram os pagamentos e que era uma conta portuguesa, conjugado com os documentos 1, 8, 11 e 22 apresentados com a oposição (fls. 37v, 42v-44, 45v e 51), nos quais é mencionado o IBAN dessa conta, e com o depoimento da testemunha N…, que afirmou, entre o mais, que nas faturas costumava vir indicado o referido IBAN. Atendendo a estes meios de prova, provou-se que, em relação ao lugar do pagamento que está conexo com a forma de pagamento, provou-se que a Autora e a Ré acordaram que o preço da venda das amêndoas seria entregue pela Ré à Autora em conta bancária titulada pela Autora; e que. até 28-12-2016, todos os pagamentos relativos à aquisição de produtos fornecidos pela Ré à Autora eram realizados para a conta com o IBAN: PT………...

A matéria fáctica das alíneas 7 a 32 foi alegada pela Ré no contexto da exceção perentória do pagamento, não tendo sido impugnada pela Autora, pelo que se considera admitida por acordo e, por isso, foi considerada provada (art. 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Acresce, ainda, que a matéria das alíneas 10 a 32 é confirmada pelos documentos juntos, respetivamente, a fls. 37v (tradução junta a fls. 89-89v), 38 (tradução junta a fls. 90), 41, 41v, 42, 42v-44, 44v, 45, 45v, 46-46v, 47, 48 e 48v, 49, 49v, 50 e 50v, 52, 52v e 53, 53v, 54-55, 55v, 56, 56v, 59-59v (tradução junta a fls. 106v-107) e 60-70. Nos seus depoimentos, as testemunhas O… e N… também confirmaram as mensagens de correio eletrónico recebidas e enviadas pela F….

A factualidade das alíneas 33 e 34 foi considerada não provada porque não foi produzida prova bastante da sua ocorrência. Trata-se de factualidade cujo ónus da prova incidia sobre a Ré (art. 342.º, n.º 2 do Código Civil). Relembre-se que «as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos» (art. 341.º do Código Civil); ora, no caso em análise, a prova produzida foi manifestamente insuficiente para demonstrar a ocorrência da factualidade considerada não provada. Refira-se que as mensagens de correio eletrónico recebidas pela F… em 09-12-2016 e em 14-12-2016 aparentavam ser provenientes de um endereço correio eletrónico ligado à Autora, que se encontra registado no domínio “www…..es” pertencente a uma das empresas do grupo da Autora (cfr. documentos juntos a fls. 38v e 39-40v). No entanto, quanto às comunicações eletrónicas que se seguiram verifica-se que as mesmas são manifestamente fraudulentas, como resulta do teor objetivo das próprias comunicações eletrónicas (aliás, a Ré admite o equívoco em que incorreu, cfr. arts. 58 e 59 da oposição): tratam-se de comunicações eletrónicas provenientes de endereços de correio eletrónico com domínio sito nos Estados Unidos da América como é o caso das comunicações provenientes de administracion@....us; e de mensagens de correio eletrónico com erros ortográficos

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grosseiros no repetivo endereço, considerando a designação social da autora, como sucede com os e-mails provenientes de administracion@....com. Como é sabido, na língua castelhana, as “amêndoas” na designação social da autora são “almendras” e não “almondras”. E a Ré, que se dedica à indústria e comércio de produtos alimentares e que comprou grandes quantidades de amêndoas em Espanha, por certo conhecia o vocábulo “almendras” e a sua ortografia em língua castelhana. O caráter fraudulento de todas as mensagens de correio eletrónico identificadas na alínea 33 foi explicado e confirmado pelos depoimentos das testemunhas E… e G…, técnicos de informática, bem como pelos documentos apresentados já no decurso da audiência final (fls. 217-258v). Também as testemunhas P… e Q… afirmaram nos seus depoimentos que as mensagens de correio eletrónico recebidas pela F… não eram provenientes da Autora. É ainda de referir que foi deduzida acusação contra S…, pelos crimes de acesso ilegítimo, falsidade informática e burla qualificada, quanto aos factos em discussão no presente processo (fls. 187-195). Relativamente à alínea 34 impõe-se mencionar que não foi produzido qualquer meio de prova tendo em vista demonstrar a ocorrência dessa matéria fáctica.”.

Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelo apelante.

Conforme já referimos, o Recorrente pretende a alteração da resposta ao facto dado como provado sob o n.º 11, por forma a constar que: “No dia 09-12-2016, a F…, S.A. rececionou, na sua caixa de correio eletrónico (…@....pt), uma mensagem com o teor que consta do documento junto a fls. 38, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido) enviado do correio eletrónico da administracion@....es;”.

Alcança-se, todavia, do relatório junto pela recorrida em sede de audiência e julgamento que “Este correio é uma resposta, enviada no dia 14 de dezembro de 2016 da conta administracion@....es, a uma mensagem anterior de …@....pt, na qual já vem inscrita a conta "administración ….es" …@gmail.com.

É importante referir que "administración ….es" não é um correio eletrónico, mas sim um identificador associado ao verdadeiro correio. Isto é: colerichmen@gmail.com.

Sabe-se que é uma resposta a uma mensagem de correio eletrónico anterior porque, no assunto da mensagem, refere "RE: PAGAMENTOS O termo "RE:" é inserido de forma pré-determinada pelos programas de correio electrónico quando se responde a uma mensagem anterior. Em qualquer caso, e como temos acesso às contas de correio eletrónico de ….es, vamos tentar descobrir qual era o correio original e o que continha.

Isto significa, sem margem para dúvidas, que, ao responder tanto a …@....pt como a …@gmail.com, esta última conta "já teria de vir explicitamente na hipotética primeira mensagem que foi enviada da conta … @....pt, uma vez que, quando se responde a uma mensagem de correio eletrónico, por predefinição responde-se a todos os intervenientes no envio, exceto se estes forem incluídos naquilo que se denomina "cópia oculta".

No entanto, não conseguimos localizar nenhum indício da conta …@gmail.com no gestor de correio eletrónico de "….es".

(11)

engenharia social para aquela que foi realmente eficaz: o ….”

Tal conclusão é, ainda, confirmada pelo depoimento prestado pela testemunha E….

De resto, a mesma análise foi, igualmente, extraída da prova produzida pelo Sr. Juiz a quo quando refere na sentença recorrida: “Refira-se que as mensagens de correio eletrónico recebidas pela F… em 09-12-2016 e em 14-12-09-12-2016 aparentavam ser provenientes de um endereço correio eletrónico ligado à Autora, que se encontra registado no domínio “www…..es” pertencente a uma das empresas do grupo da Autora.”. Ademais, a testemunha E… confirmou que analisou o correio electrónico datado de 14 de Dezembro, cujo remetente era administracion@....es e que o mesmo era falso, estando mascarado, sendo o verdadeiro remetente …@gmail.com.

De resto, o remetente visível era em tudo aparentemente idêntico ao do correio electrónico datado de 09 de Dezembro, pelo que não poderia, perante a factualidade provada, considerar-se assente que tal email tenha provindo da Autora.

Afigura-se-nos, por isso, que não, merece censura a resposta à matéria de facto em causa.

Note-se que a Apelante apenas requer a alteração do facto provado 11, não requerendo a alteração do facto não provado 33: “As mensagens de correio eletrónico supra referidas em 11), 13), 14), 17), 19), 22) 25), 27) e 30), foram remetidas pela Autora.”

Assim, ainda que se entendesse que o facto provado 11 deveria ser alterado no sentido pretendido pela recorrente, isto é, que o correio electrónico datado de 09/12/2016, foi enviado o correio electrónico administracion@....es, tal conclusão não significaria que a referida mensagem tenha sido enviada pela autora/recorrida, considerando que a própria apelante aceita, não impugnando o facto considerado não provado sob o n.º 33, que tal comunicação não foi enviada pela apelada.

Como bem se refere na sentença recorrida, “O caráter fraudulento de todas as mensagens de correio eletrónico identificadas na alínea 33 foi explicado e confirmado pelos depoimentos das testemunhas E… e G…, técnicos de informática, bem como pelos documentos apresentados já no decurso da audiência final (fls. 217-258v).”

Assim, o facto de se considerar provado que o email datado de 09/12/2016 provém de admnistracion@....es não é suficiente para se considerar que o mesmo tenha sido remetido pela autora, já que o correio datado de 14/12/2016 tem exactamente o mesmo remetente e foi provado que o mesmo era “mascarado”, com ocultação do verdadeiro remetente.

Ademais, não pode a recorrente pretender que se conclua que a alegada burla teve origem nos servidores da autora, dizendo que o correio electrónico “foi ilicitamente intercetado através do domínio da Autora e consequentemente por sua culpa e sempre por motivos alheios à Recorrente e para os quais esta em nada contribuiu”, uma vez que a referida conclusão encontra-se em oposição com o depoimento prestado pela testemunha E….

Assim, a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revela.

Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração, devendo manter-se a resposta dada ao referido ponto da matéria de facto provada.

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*

A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é assim fixada em 1ª instância. *

4.2 Do mérito da acção

A presente acção diz respeito a um contrato de compra e venda de mercadorias, em que o vendedor (a Autora/recorrida) é uma sociedade com sede em Espanha e o comprador (a Ré/recorrente) é uma sociedade com sede em Portugal.

Como Portugal e Espanha são Estados membros da União Europeia, para determinar a lei aplicável importa ter em consideração o estabelecido no Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I).

De acordo com o disposto no art. 4.º, n.º 1, alínea a), do citado Regulamento, quando as partes não tiverem convencionado qual a lei aplicável, “o contrato de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual.”.

No caso em análise, não tendo as partes escolhido qual a lei que regularia o contrato de compra e venda que celebraram, é aplicável a lei espanhola, o que, aliás, é aceite pelas partes.

Ao contrato de compra e venda celebrado entre Autora e Ré é aplicável, designadamente, o regime do contrato de compra e venda estabelecido nos artigos 1445.º e segs. do Código Civil espanhol, o regime do direito das obrigações, regulado nos artigos 1088.º e segs. do mesmo diploma, bem como o regime do contrato de compra e venda comercial, previsto nos artigos 325.º e segs. do Código de Comércio espanhol. O referido contrato de compra e venda celebrado que se rege, designadamente, pelo regime do contrato de compra e venda previsto nos artigos 1445.º e ss., do Código Civil Espanhol, disponível na Agencia Estatal Boletin Oficial del Estado, no site: https://www.boe.es/buscar/pdf/1889/BOE-A-1889-4763-consolidado.pdf. tem como obrigações principais as seguintes:

- O vendedor está obrigado a entregar o objecto da venda (cfr. artigo 1461.º, do Código Civil espanhol); - O comprador está obrigado a pagar o preço da coisa vendida no tempo e lugar ficxado no contrato (cfr. artigo 1500.º, do Código Civil espanhol).

No caso concreto, encontra-se em causa a obrigação de pagar o preço (regulada nos artigos 1157.º e ss. do CCE), cuja forma deve respeitar os requisitos de identidade (cfr. artigo 1166.º do CCE), integridade (cfr. artigo 1157.º do CCE) e indivisibidade (cfr. artigo 1169.º do CCE), bem como, deve atender-se ainda ao tempo (cfr. artigo 1118.º do CCE) e lugar (cfr. artigo 1171.º do CCE), acordados para pagamento.

Importa salientar que o pagamento tem de ser feito no lugar acordado e, se nada tiver sido estipulado, o pagamento tem de ser feito no domicílio do devedor (cfr. artigo 1171.º do CCE), sendo que, no caso em apreço, o lugar estipulado para pagar o preço é no lugar para onde deve ser realizada a transferência bancária, ou seja, a conta identificada pela credora, (ora Autora/apelada) na respectiva factura (junta aos autos pela própria Ré/apelante na oposição): “Forma de pago: Transferência Bancária a la Descarga de la Mercancia a Nuestra Cuenta de K… Évora Portugal Swift Code: K…PT…… CODE: PT ……….”.

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diverso do credor.

É certo que a apelante invoca a aplicabilidade do disposto no artigo 1164.º do Código Civil Espanhol, interpretando/traduzindo este preceito no seguinte sentido: “o pagamento efectuado de boa fé a quem se apresente como credor, liberta o devedor.”.

Nos termos do citado preceito, “El pago hecho de buena fe al que estuviere en posesión del crédito, liberará el deudor”, ou seja, o pagamento feito de boa-fé àquele que estiver na posse do crédito, libertará o devedor.

Afigura-se-nos, porém, que a conduta da Ré/apelante, à luz da factualidade provada, não preenche o prescrito no referido preceito.

Com efeito, no caso vertente, no que concerne às mensagens electrónicas posteriores, resulta dos autos que a recorrente aceitou como provenientes da autora/recorrida, comunicações provenientes de endereços de correio electrónico com domínio sito nos Estados Unidos da América (administracion@....us) ou com evidentes erros ortográficos grosseiros no respectivo endereço, considerando a designação social da autora administracion@....com, apesar de na língua Castelhana, as “amêndoas” na designação social da autora se escrever “almendras” e não “almondras”.

Ademais, quanto ao pedido de transferência para beneficiários que não correspondiam ao fornecedor e aqui recorrida: expressamente se refere que o beneficiário é “T…, S.A.” e não a autora/recorrida “B…, S.A.”, pelo que não pode a apelante entender que “pagou o montante constante da fatura emitida pela Autora segundo os ditames da boa-fé e convencida de que lhe estaria a pagar a ela.”.

Acresce que a recorrente solicitou directamente a quem a burlou o envio de um documento bancário comprovativo da alegada nova conta da recorrida, sendo que estranhamente bastou-se com um documento falso e forjado pelos burlões alegadamente pertencente à recorrida, não assinado, em vez do documento bancário que havia solicitado.

E apesar de pedir um documento bancário e ter recebido uma resposta com documento diferente, a apelante, aparentemente, terá achado normal, o que representa, desde logo, um enorme descuido, tendo resolvido fazer a transferência para uma conta que bem sabia não pertencer à recorrida, mas sim à sociedade T…, S.A..

Ou seja, a apelante aceitou transferir verbas que alegadamente pretendia destinar à recorrida, mas que transferiu para um titular diferente, a referida T…, S.A..

Assim, a transferência efectuada, para além de não poder ser oposta à recorrida, não tem justificação para ter ocorrido, sendo certo que a recorrente sabia ou tinha que saber que estava a efectuar a transferência a uma sociedade diferente da credora, tendo “pago” mal e com negligência.

E se “pagou” mal, deverá mesmo “pagar” duas vezes, já que as transferências que realizou para a T…, S.A. com consciência do destinatário daquelas verbas, não podem liquidar as facturas dos fornecimentos efectuadas pela recorrida.

Afigura-se-nos, por isso, que as transferências bancárias realizadas pela recorrente, não liquidam as facturas em divida, e não são liberatórias, uma vez que não foram efectuados no domicílio do credor ou na sua conta bancária atento o disposto nos artigos 762.º, 769.º, 770.º, 772.º e 774.º todos do Código Civil Português e no artigo 1500.º do Código Civil Espanhol.

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Parece-nos, assim, que o pedido formulado na acção pela recorrida, não configura qualquer “repetição de pagamento”, nem o não recebimento das avultadas quantias que a recorrente entendeu transferir para terceiros, com o conhecimento de que não se tratava da autora/recorrida, pode ser imputável à autora que nenhuma intervenção teve, motivo pelo qual o pedido formulado pela autora/apelada no pagamento dos fornecimentos que efectuou à ré/apelante e que esta aceita, não é abusivo, antes correspondendo ao exercício legitimo do direito ao recebimento do preço convencionado pelos produtos que forneceu e que a ré/apelante não pagou.

Como de forma arguta o Sr. Juiz a quo se refere na sentença recorrida:

“Desde logo, pode afirmar-se que, no presente caso, não está em causa o pagamento da Ré a um terceiro que estivesse na posse de qualquer crédito, mas antes está em causa um pagamento feito pela Ré em lugar diferente do acordado, por isso ineficaz em 2relação à Autora, o que prejudica a aplicabilidade do art. 1164.º do Código Civil espanhol. Repare-se que este artigo diz respeito à questão de saber a quem pode ser feita a prestação, que é questão distinta do lugar da prestação. Além disso, impõe-se referir que a aplicação do art. 1164.º do Código Civil espanhol não se pode bastar com uma interpretação meramente literal do preceito, sem densificar, nomeadamente, o conceito de boa fé do devedor; ou, dito de outro modo, sem atender aos vários elementos relevantes para a interpretação das normas (fatores hermenêuticos).

A boa fé do devedor que realiza a prestação ao credor aparente refere-se ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações, segundo o qual, tanto no cumprimento da obrigação, como no exercício do direito correspondente, o devedor e o credor devem agir de boa fé. Este princípio está actualmente consagrado no ordenamento jurídico espanhol (cfr., por exemplo, os arts. 7.º, n.º 1 e art. 1258.º do Código Civil espanhol. Segundos estas normas: «Los derechos deberán ejercitarse conforme a las exigencias de la buena fe» (art. 7.º, n.º 1); «Los contratos se perfeccionan por el mero consentimiento, y desde entonces obligan, no sólo al cumplimiento de lo expresamente pactado, sino también a todas las consecuencias que, según su naturaleza, sean conformes a la buena fe, al uso y a la ley» (art. 1258.º).”

E continua esclarecendo que “A ratio legis do art. 1164.º do Código Civil espanhol é acautelar situações limite, consagrando proteção ao devedor que tenha agido de boa fé ao realizar a prestação que sobre si impendia. Tendo presente a teleologia da norma, vejamos se a atuação da Ré foi conforme com os ditames da fé. A Ré defende que ficou exonerada de proceder a qualquer pagamento à Autora porque o pagamento que fez a terceiro não resultou de culpa sua. Todavia, a atuação da Ré foi uma atuação displicente, não tendo a Ré procedido de boa fé, como lhe era exigível; nas circunstâncias do presente caso, a Ré poderia e deveria ter agido de outro modo. Desde logo, importa ter em consideração, o afirmado pelo diretor financeiro do Grupo J… quanto à dimensão do relacionamento comercial mantido entre a C… (ora Ré) e a F… (que, tal como a Ré, pertence ao Grupo J…), por um lado, e a Autora, por outro lado. Segundo declarou, a Autora é cliente comum à C… e à F… desde 2012, sendo um cliente com algum volume, tendo sido comprados, no total, durante o tempo em que mantiveram relações comerciais, cerca de €2.000.000,00 de amêndoas. Como é evidente a Ré sabia que mantinha uma relação comercial relevante com a Autora, o que implicava a movimentação de quantias consideráveis de dinheiro - na presente ação está em causa a quantia de €81.827,17, que era a contrapartida pecuniária/preço pelo fornecimento de 15 toneladas de

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amêndoas. Por isso, era exigível da Ré um cuidado acrescido ao proceder à movimentação dessas quantias. Também resultou de toda a prova produzida, nomeadamente do depoimento do director financeiro do Grupo J…, que todos os pagamentos de fornecimentos feitos pela Autora eram realizados por transferência bancária, sempre para a mesma conta. Por isso, era exigível da Ré um cuidado acrescido face a uma solicitação de alteração da conta para onde deveriam ser efetuados os pagamentos. Tanto mais que, como explicou a testemunha O…, a alteração da conta bancária conexa com a Autora na plataforma do Banco U… valeria para todos os pagamentos ulteriores relativos a fornecimentos realizados pela Autora. Quer dizer, ao alterar a conta bancária para onde seriam feitos os pagamentos dos fornecimentos realizados pela Autora, a Ré estava a praticar um ato relevante no âmbito do cumprimento da prestação que sobre si incidia por força do contrato de compra e venda celebrado com a Autora. Além disso, é do conhecimento geral, particularmente no mundo empresarial e no âmbito do comércio internacional, que apesar da implementação de mecanismos de segurança nos sistemas informáticos e de telecomunicações, as fraudes e burlas informáticas acontecem com alguma frequência, sendo alvos preferenciais dessas atividades ilícitas empresas que movimentem quantias de dinheiro relativamente avultadas, como é o caso.

Fazendo incidir a nossa atenção sobre o caso sub judice, verificamos que, ainda que as mensagens de correio eletrónico remetidas à F… em 09-12-2016 e em 14-12-2016 tenham a aparência de serem provenientes de um endereço de correio eletrónico ligado à Autora (embora não se tenha provado que foram remetidas pela Autora), as comunicações eletrónicas que se seguiram são nitidamente fraudulentas, como resulta do teor objetivo das próprias comunicações eletrónicas, tendo sido enviadas não pela Autora, mas por terceiras pessoas. Aliás, a própria Ré admite o equívoco em que incorreu (independentemente de ter sido enganada por terceiros e de poder ter sido praticado algum crime). Decorre, nomeadamente, dos factos alegados pela Ré e dos documentos juntos que as comunicações eletrónicas em causa são provenientes de endereços de correio eletrónico com domínio sito nos Estados Unidos da América como é o caso das comunicações provenientes de: administracion@....us. Acresce que a Ré considerou como normais mensagens de correio eletrónico com erros ortográficos grosseiros no repectivo endereço, considerando a designação social da autora, como sucede com os e-mails provenientes de: administracion@....com.

Como é sabido, na língua castelhana, as “amêndoas” na designação social da autora são “almendras” e não “almondras”. E a Ré, que se dedica à indústria e comércio de produtos alimentares e que comprou grandes quantidades de amêndoas em Espanha, por certo conhecia o vocábulo “almendras” e a sua ortografia em língua castelhana. Acresce ainda que a Ré, sem nada questionar, aceitou um pedido expresso de alteração da conta para a realização das transferências bancárias relativas aos fornecimentos realizados pela Autora para uma conta bancária de que não era titular a Autora. Nos e-mails que a Ré juntou aos autos e dos quais consta o pedido de transferência para a alegada e fraudulenta nova conta do fornecedor está expresso o nome de um beneficiário que não era o fornecedor, ou seja, que não era a Autora. Nesses e-mails é referido, expressis verbis, que o beneficiário é “T…, S.A.” e não “B…, S.A.”, sendo esta a sociedade com quem a Ré contratou e que realizava os fornecimentos. Dir-se-á: há semelhanças entre os nomes “T…, S.A.” e “B…, S.A.”. É certo que há semelhanças, mas é igualmente verdade que há

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diferenças nesses nomes, daí resultando que são sociedades distintas. E, apesar de serem nomes distintos, a Ré aceitou, sem nada questionar, que os pagamentos (pagamentos de quantias avultadas, não é demais repeti-lo) passassem a ser feitos a uma sociedade com a qual não tinha qualquer relação comercial. Não obstante a dimensão considerável do relacionamento comercial existente entre a Autora, por um lado, e a Ré e a F… (empresa pertencente ao mesmo grupo económico da Ré), por outro lado, e apesar de as quantias movimentadas da Ré e da F… para a Autora serem quantias avultadas, perante a solicitação de alteração da conta bancária (pedido esse realizado em moldes que deveriam ter suscitado oposição por parte da Ré, devido às situações acima expostas), a Ré limitou-se a solicitar «um documento emitido pelo v/ banco, sem ele não alteramos os dados bancários» (cfr. email de 16-12-2017, documento n.º 11 apresentado com a oposição, fls. 45v do processo), através do mesmo canal de comunicação pelo qual recebeu o pedido de alteração da conta bancária. E, tendo recebido o email com o teor do documento junto a fls. 46 (documento n.º 12 apresentado com a oposição), ao qual vinha anexo o documento com o teor de fls. 46 (documento n.º 13 apresentado com a oposição), de imediato, sem qualquer confirmação ulterior, procedeu à alteração da conta bancária para onde iriam ser realizados os pagamentos relativos aos fornecimentos feitos pela Autora.

E termina “Ora, nas circunstâncias do caso, entendemos que era exigível da Ré um comportamento mais diligente, que estava ao seu alcance adotar, pois, para além do já referido quanto às avultadas quantias movimentadas e à dimensão do relacionamento comercial com a Autora”

Temos tal argumentação, a que aderimos, como boa e judiciosa parecendo-nos, assim, que a decisão recorrida não merece censura.

Assim, ao contrário do que a recorrente alega, não tem aplicação conforme vimos defendendo, no caso vertente, o artigo 1164.º do Código Civil Espanhol.

Com efeito, este artigo prevê que a boa fé do devedor o exonera do pagamento, caso o tenha feito a um credor aparente, sendo necessário, tal como a recorrente defende, a demonstração do direito de crédito. No caso vertente, o pagamento não foi feito a um credor aparente: o terceiro, totalmente alheio à recorrida, e a quem a recorrente efectuou o pagamento, não é credor aparente, não é titular de qualquer direito de crédito, nem com ele pode ser, de boa-fé e legitimamente, confundido.

Conforme se decidiu no Recurso de Apelação n.º 396/2018, Audiencia Provincial de Tarragona, Civil -Secção 1, citado pela recorrida: “Os artigos 1164 e 1527 do Código Civil não condicionam a eficácia da atribuição ao conhecimento do devedor designado, mas protegem a boa fé do devedor; devedor que paga ao credor original porque ele considera que ele ainda está na posse do empréstimo, isto é, protege o devedor em frente à aparência de propriedade de quem recebe o pagamento, no qual ele poderia legitimamente confiar.”.

Na mesma linha, a decisão do STS, Civil seção 1 de 28 de novembro, 2013 (ROJ: STS 5821/2013) - Recurso de Apelação n.º 920/2016, Audiencia Provincial de Valencia - Secção 8, também citado pela recorrida: “Além disso, os art. 1164 e 1527 do Código Civil nem sequer condicionam a eficácia da atribuição ao conhecimento do devedor garantido, mas proteger a boa fé do devedor que paga o credor original, porque considera que permanece na posse do crédito, isto é, protege o devedor contra a aparência de propriedade da pessoa que recebe o pagamento, em que ele poderia legitimamente confiar.”.

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Ora, como se percebe dos textos transcritos, a previsão do artigo 1164.º do Código Civil Espanhol não tem no seu espírito a protecção de um devedor que paga voluntariamente a um terceiro, totalmente alheio à relação comercial entre a devedor e o credor. Tem que haver, no mínimo, a aparência do crédito e, no caso vertente, afigura-se-nos que a mesma não existe.

Com efeito, no caso em apreço, as instruções para pagamento chegaram ao conhecimento da recorrente, através de comunicações electrónicas evidentemente fraudulentas, acrescendo que, mesmo quando foi solicitado o envio de documento bancário que comprovasse a “nova conta bancária”, tal documento não foi remetido.

Ainda assim, perante estas evidências, que deveriam no mínimo ter suscitado a dúvida à recorrente, a mesma efectuou a transferência para a conta bancária indicada nos falsos e-mails da titularidade de terceiros sem qualquer relação com a autora e sem qualquer titularidade do crédito que se pretende liquidar.

Parece-nos que não é este descuido e incúria que o citado artigo 1164.º do Código Civil Espanhol pretende proteger, pelo que não pode ter aplicação ao caso vertente.

Ademais, para que fique melhor esclarecido o alcance do princípio da boa fé, requisito essencial à aplicação do artigo 1164.º do Código Civil Espanhol, clarifica o doutrinado espanhol Alberto Trabucchi, in Instituiciones de Derecho Civil, Vol.1. Revista de De Derecho Privado, pág. 208:

“Confianza no quiere decir que se supervalore La aparência, sino más bien protrcción de La buena Fe. Hoy, El principio de La buena Fe há llegado a se general em El derecho; ES um requisito próprio Del obrar humano, como se há dicho; el que obra de buena Fe, fiándose de cuanto aparece según lãs manifestaciones de outro, debe ser protegido. Pero buena Fe no es supina ignorância, así como confianza no es ciega entrega. Dichos principos, persiguen únicamente La salvaguardia Del tercero que hay sido diligente em el conocimento Del negocio y sus circunstancias.”.

Traduzindo:

“Confiança não significa que se sobrevaloriza a aparência, mas sim a proteção da Boa Fé. Hoje, o princípio da Boa Fé passou a ser geral na lei; É uma exigência adequada da atividade humana, como já foi dito; Aquele que age de boa fé, confiando no que aparece de acordo com as manifestações do outro, deve ser protegido. Mas a boa fé não é suposta ignorância, assim como a confiança não é entrega cega. Estes princípios perseguem apenas a salvaguarda do terceiro que tenha sido diligente no conhecimento do negócio e suas circunstâncias.”.

No caso vertente, tendo em consideração a factualidade provada e tudo já exposto parece-nos que a recorrente não foi diligente, já que, como supra exposto, as comunicações electrónicas provinham de endereços manifestamente fraudulentos, e nem sequer foi (como não podia ser) enviado o documento bancário solicitado pela recorrente.

Mas ainda assim, a recorrente decidiu fazer uma transferência, de valor avultado, para uma conta bancária que bem sabia não pertencer à recorrida, o que não pode exonerá-la do pagamento à recorrida, pois a sua actuação manifestamente negligente, é contrária ao princípio da boa fé, consagrado no artigo 1164.º do Código Civil Espanhol.

(18)

Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação. *

Sumariando em jeito de síntese conclusiva:

... ... ... *

5. Decisão

Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.

*

Custas a cargo da apelante. *

Notifique. *

Porto, 28 de Janeiro de 2021 Paulo Dias da Silva

João Venade

Paulo Duarte Teixeira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)

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