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A reforma administrativa gerencial e a chamada publicização: aspectos críticos do contrato de gestão como instrumento de superação do modelo burocrático de administração pública

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO INTERINSTITUCIONAL UFSC/FLF

CARLOS FRANCISCO LOPES MELO

A REFORMA ADMINISTRATIVA GERENCIAL E A CHAMADA PUBLICIZAÇÃO: ASPECTOS CRÍTICOS DO CONTRATO DE GESTÃO COMO INSTRUMENTO DE SUPERAÇÃO DO MODELO BUROCRÁTICO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FLORIANÓPOLIS/SC 2017

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Carlos Francisco Lopes Melo

A REFORMA ADMINISTRATIVA GERENCIAL E A CHAMADA PUBLICIZAÇÃO: ASPECTOS CRÍTICOS DO CONTRATO DE GESTÃO COMO INSTRUMENTO DE SUPERAÇÃO DO MODELO BUROCRÁTICO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Dissertação submetida ao Departamento de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito essencial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori.

Florianópolis/SC 2017

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração

Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

MELO, CARLOS FRANCISCO LOPES MELO

A REFORMA ADMINISTRATIVA GERENCIAL E A CHAMADA PUBLICIZAÇÃO: ASPECTOS CRÍTICOS DO CONTRATO DE GESTÃO COMO INSTRUMENTO DE SUPERAÇÃO DO MODELO BUROCRÁTICO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA / Carlos Francisco Lopes Melo ; orientador, Luiz Henrique Urquhart Cademartori, 2017.

228 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2017.

Inclui referências.

1. Direito. 2. Reforma Administrativa. 3. Terceiro Setor. 4. Contrato de Gestão. 5. Organizações Sociais. I. Urquhart Cademartori, Luiz Henrique . II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

O desejo de fazer mestrado era um sentimento que sempre me visitava. Após a conclusão da graduação, enfrentei uma fase de estudos voltada para concursos, até a aprovação na AGU/Procurador Federal. Em seguida, retomei os planos de fazer mestrado e de ingressar na docência superior.

Após dois anos de especialização em Direito Público pela UNB/Escola da AGU, ingressei como professor de Direito Administrativo do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão-FLF, no ano de 2011. Durante a vivência em sala de aula, fiquei certo da necessidade de alcançar o título de mestre em direito.

Através desse Minter entre a UFSC e a FLF, tive a oportunidade de cursar mestrado em direito e de redigir essa dissertação. Foram dois anos de muita dedicação, aprendizado e troca de experiências, que muito me enriqueceram. Durante essa jornada, as aulas do curso e a convivência com os Professores e colegas de mestrado transformaram meu modo ser, pensar e agir como aluno, como professor e como cidadão.

Agradeço a todos os que estiveram direta e indiretamente relacionados com esse processo de aprendizado e crescimento intelectual, em especial ao Professor Luiz Henrique Urquhart Cademartori, por ter aceitado ser meu orientador e ter me ajudado a conduzir esse laborioso trabalho. Agradeço também à Professora Isabel Pontes, Diretora-Geral da FLF que, por seu empenho incansável e espírito empreendedor, conseguiu a celebração desse Minter, o qual certamente resultará em considerável melhoria na qualidade do ensino jurídico em Sobral.

Ressalto a importância do contato e das informações que obtive do Professor Licínio Lopes, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que me forneceu um exemplar de sua obra e outros valorosos subsídios para minha pesquisa.

Agradeço a minha mãe, a advogada Maria Cláutenes Lopes Melo (in memoriam) por ter me dado as primeiras noções de direito e ter me despertado para a beleza e para a riqueza do mundo jurídico.

Por fim, agradeço à minha esposa, Cybelle, e aos meus filhos, João Pedro e Valentina, por terem me apoiado e estimulado diuturnamente, desde a seleção para o curso até a redação final dessa dissertação. E agradeço ao meu pai, José Carlos, e aos meus irmãos, Cláudia e Cláudio, por compreenderem os dias ausentes e as faltas cometidas nesse período.

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RESUMO

O presente trabalho adota como linha de pesquisa Constituição, Cidadania e Direitos Humanos. Trata da análise crítica do modelo de parceria firmado entre a Administração Pública Federal e entidades privadas, sem fins lucrativos, integrantes do terceiro setor, qualificadas como organizações sociais, destinada ao fomento das atividades de carácter social. Aborda aspectos jurídicos do contrato de gestão previsto pela Lei Federal nº 9.637/98, que disciplina a relação jurídica entre o Poder Público e instituições privadas cuja atuação institucional se dirige ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, áreas predefinidas na legislação federal. O trabalho é desenvolvido a partir do contexto histórico da criação desse modelo de fomento público, relacionando-o como um dos pontos centrais da Reforma Administrativa Gerencial Brasileira, como uma tentativa de superar os entraves negativos decorrentes das práticas tradicionais, que se identificaram com o modelo de administração burocrático, para estabelecer novos valores a serem perseguidos para Administração Pública, especialmente a eficiência administrativa e a participação dos cidadãos nos assuntos administrativos. Esse modelo contratual é explorado, sendo destacada a sua natureza jurídica, os seus objetivos e caraterísticas. Ao longo do trabalho, é feito um paralelo com alguns dispositivos da Lei Federal nº 13.019/2014, que estabeleceu novas formas de cooperação entre o Estado e as organizações da sociedade civil, a fim de estabelecer aspectos que merecem aperfeiçoamento. Também são feitas críticas ao instituto do contrato de gestão e são demonstradas falhas na sua aplicação que podem levar a sua ineficácia como instrumento de melhoria da eficiência administrativa e aumento da participação popular.

Palavras-chave: Organizações Sociais, Contrato de Gestão, Reforma Administrativa Gerencial, Terceiro Setor.

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ABSTRACT

The present work belongs do the line of research Constituion, citizenship e human rights. It refers to the critical analysis of the partnership model signed between the Federal Public Administration and private entities of a social and non-profit nature that are part of the third sector, qualified as social organizations. The legal aspects of the management contract established by Federal Law 9,637 / 98, which governs the legal relationship between the Public Authorities and private institutions whose institutional activity is addressed to education, scientific research, technological development, protection and preservation the environment, culture and health, areas defined by federal legislation. The work is developed from the historical context of the creation of this model of public partnership, relating it as one of the central points of the Brazilian Management Administrative Reform, as an attempt to overcome the negative obstacles arising from the traditional practices identified with the model of bureaucratic administration, to establish new values such as administrative efficiency and citizen participation in administrative affairs. This contractual model is explored, highlighting its legal nature, its objectives and characteristics. Throughout the work, a parallel is made with some provisions of Federal Law 13,019 / 2014, which established new forms of cooperation between the State and civil society organizations, in order to establish aspects that deserve improvement. Criticism is also made of this model and failures in its application are demonstrated, which may lead to its ineffectiveness as an instrument for improving administrative efficiency and increasing popular participation. Keywords: Social Organizations, Management Contract, Administrative Management Reform, Third Sector.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 REFORMA ADMINISTRATIVA GERENCIAL E O

PROGRAMA DE PUBLICIZAÇÃO ... .20 2.1 DO ESTADO PATRIMONIAL AO BUROCRÁTICO...20

2.1.1Caracterização do Modelo

Burocrático...23

2.1.2Formação da Burocracia Estatal

Brasileira...26

2.2 MOVIMENTOS EM BUSCA DA REFORMA DO ESTADO

BUROCRÁTICO ...30 2.2.1 Destruição do Mito da Autossuficiência do Estado Soberano e o

Reconhecimento do Déficit

Democrático...30 2.2.2A Nova Administração Pública...33 2.2.3 O Novo Serviço Público...35

2.3REFORMA A REFORMA GERENCIAL DO

BRASIL...37 2.3.1 A criação do espaço público não estatal...43 2.3.2 Publicização e o Contrato de Gestão na Reforma Gerencial...47 2.3.3 Publicização e a utilização do regime jurídico de direito privado pela Administração Pública ...52 2.3.4. Impacto da Reforma Gerencial no conceito de serviços públicos...55 3 O CONTRATO DE GESTÃO E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS ... ....61

3.1NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE

GESTÃO ...63 3.1.1 Contrato ou Convênio...65

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3.1.2 Delegação de Serviços Públicos ou Fomento Social ...71

3.2 QUESTÕES PRÉVIAS À CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE

GESTÃO...79

3.2.1 Qualificação como organizações sociais e efeitos

jurídicos...79

3.2.2 A Dispensa de Licitação para a Celebração de Contrato de

Gestão...94

3.2.3Desqualificação e seus

efeitos...10 0

3.3 PECULIARIDADES DA ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

...10 1

3.3.1O pessoal das organizações

sociais...10 1

3.3.2 Cessão especial de servidores públicos às organizações

sociais...107 3.3.3Permissão de uso de bens públicos...108 3.3.4 Procedimento de contratação pelas organizações sociais:

dispensa de processo

licitatório...113

3.3.5 Regime tributário das organizações

sociais...116

3.4 AS METAS, A FISCALIZAÇÃO DE RESULTADOS E O

CONTROLE DAS ORGANIZAÇÕES

SOCIAIS ...124

3.4.1 Mecanismos de controle interno do objeto do contrato gestão

pela organização

social...125

3.4.2 Mecanismos de controle do objeto do contrato de gestão pela

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3.4.3 O papel do Tribunal de Contas da União na fiscalização das Organizações Sociais...131 4ANÁLISE CRÍTICA DO CONTRATO DE GESTÃO COMO INSTRUMENTO DA ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL E OS RISCOS DESSE MODELO DO CONTRATUAL ... 137 4.1 ORIGEM HISTÓRICA DO “TERCEIRO SETOR” ENQUANTO ENTE ECONÔMICO E SOCIAL...137

4.2 O CONTRATO DE GESTÃO COMO INSTRUMENTO DE

AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE FOMENTO AO TERCEIRO SETOR...147 4.2.1 A superação da burocracia tradicional através do aumento da participação social...150 4.2.2 A participação da sociedade civil na Reforma Administrativa Britânica e Norte-Americana...156 4.2.3 Modelos de participação da sociedade civil no Brasil...162 4.2.4 Publicização e o contrato de gestão como instrumentos de participação social na administração pública...164 4.2.5 Contrato de gestão como instrumento de fomento público ao terceiro setor...171

4.3 RISCOS DA UTILIZAÇÃO ABUSIVA DO CONTRATO DE

GESTÃO ...181 4.3.1 Necessária fundamentação da decisão discricionária de publicizar...182 4.3.2 Ausência de “vocação natural” das entidades do terceiro setor para a prestação de serviços público e o papel do Estado no controle de resultados...187 4.3.3 Violação da complementariedade da contratação da rede privada dos serviços vinculados ao sus através do contrato de gestão...196 4.3.4 Riscos decorrentes da não contabilização das despesas efetuadas através de contratos de gestão nos limites de gastos de pessoal previstos na Lei Complementar nº 101/2000...202

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5 CONCLUSÃO ... ...207 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ... ....214

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15 1 INTRODUÇÃO

Na segunda metade da década de 1990, sob a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Governo Federal adotou uma série de medidas político-administrativas que objetivavam realizar ampla reforma do aparelho do Estado, com o objetivo de modernizar a máquina administrativa através da superação dos entraves administrativos característicos do modelo de administração burocrático.

A ideal fundamental da reforma era de dotar a Administração Pública de instrumentos jurídicos capazes de atender às novas demandas sociais decorrentes das contingências da pós-modernidade, para compatibilizar o funcionamento do Estado a realidade do mundo globalizado, de forma a viabilizar, mesmo diante de um cenário de permanente agravado das condições de financiamento público, a efetiva satisfação de direitos fundamentais amplamente reconhecidos na nova Carta Constitucional.

A eficiência administrativa passou a integrar a pauta das decisões administrativas na condição de princípio expresso no texto constitucional. A legitimidade das decisões administrativas passou a ser aferidas por critérios mais amplos, como a razoabilidade, a proporcionalidade e o alcance dos resultados, em lugar da simples verificação da legalidade formal.

Efeitos concretos e positivos da ação do Estado passaram a ser exigíveis pela consciência compartilhada dos cidadãos de que a escassez de recursos para atender à ampla gama de direitos sociais não se compatibiliza com desperdícios ou qualquer mau funcionamento do aparelho estatal. O cidadão vigilante e participativo é reconhecido como parte indispensável integrante do processo de tomada de decisão, para conferir-lhe legitimidade e melhoraria da governança administrativa.

Figurou como principal defensor dessa reforma administrativa o então gestor do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE, Luiz Carlos Bresser-Pereira, lançou as diretrizes da reforma através do programa denominado Reforma Gerencial, através do Plano

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16 iretor de Reforma de Aparelho do Estado12, inspirada em modelos de

reforma administrativa encampados por outras nações como os Estados Unidos e o Reino Unido.

Um dos pontos fundamentais do referido Plano Diretor identificava a atuação do Estado em quatro setores específicos, para os quais a reforma administrativa deveria estabelecer tratamentos específicos: o núcleo do governo ou estratégico, responsável pelas decisões políticas e de exercício dos três Poderes; o setor de atividades exclusivas, correspondente ao exercício de atividade estatais exclusivas e não delegáveis, como a fiscalização, tributação etc.; o setor de atividades de atividades não-exclusivas, que o Estado desenvolve em concorrência com organizações não-governamentais, sem intuito de lucros, como as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa etc.; e o setor de produção de bens e serviços para o mercado, em que embora haja o interesse das empresas privadas na exploração econômica, ainda permaneça sendo executada pelo Estado.

Quanto ao setor das atividades não-exclusivas, o Ministério, comandado por Bresser-Pereira3, estabeleceu as diretrizes de um

planejamento nacional de “publicização” que, através da celebração de contrato de gestão firmado entre o setor público e o privado, possibilitaria a transferência de atividades de interesse público, do Estado para entidades privadas não lucrativas, de forma gradativa, através do fomento público.

Nesse tipo de parceria entre o Estado e com essas entidades

1 BRASIL. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília, DF, 1995, p. 16. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=121>. Acesso em: 22 ago. 2013.

2 Trata-se de um documento político, elaborado pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, aprovado pela Câmara de Reforma do Estado e pelo então Presidente da República, que estabelecia as diretrizes da reforma administrativa.

3 Detalhado no Caderno de Reforma do Estado Brasil, vol. 2. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Organizações Sociais. Brasília.

1997. Disponível em <

http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/cadernosmare/caderno02.pdf

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17 lucrativas foi primeiramente regulado pela Lei nº 9.637/984, a Lei das

Organizações Sociais, que estabeleceu, dentre outras exigências para a contratação, os requisitos para a qualificação das entidades privadas como Organizações Sociais.

O contrato de gestão é um novo instrumento de contratualização entre o Estado e o setor privado não-lucrativo, semelhante aos convênios tradicionalmente utilizados na praxis administrativa, mas com a vantagem de possibilitar o estabelecimento de metas a serem cumpridas pelas entidades privadas e instituir mecanismos de controle de resultados fixados de modo mais eficiente do que as modalidades de contratuais até então existentes.

A Lei das Organizações Sociais dispôs sobre a qualificação das entidades privadas como organizações sociais, sobre as regras de celebração de gestão e sobre a criação do Programa Nacional de Publicização de atividades relacionadas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

Os defensores desse modelo contratual alegam que a substituição do aparelho estatal por organizações privadas possibilita o ganho de eficiência na prestação de serviços públicos, em razão da flexibilidade que o regime de direito privado confere a essas entidades e do controle estratégico sobre os resultados que o Estado passa a exerce sobre os objetivos contratados, através do estabelecimento de metas e estímulos ao desempenho.

Sob o influxo desse modelo, se observou o crescimento da participação das organizações não governamentais, através de criação de novos meios de interação entre essas entidades e o estado, com o objetivo de ampliar a participação da sociedade civil no processo democrático e de suprir a impotência dos Estados em concretizarem de modo satisfatório as demandas públicas.

O problema enfrentado no presente trabalho foi analisar se o contrato de gestão apresenta-se como um instrumento jurídico adequado para atender aos objetivos vislumbrados no plano de reforma gerencial do Estado e superação dos entraves do modelo burocrático de administração, assim como de proporcionar ganho de eficiência administrativa e nos resultados da atuação estatal, bem como o aumento da participação social

4 BRASIL. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9637.htm> Acesso em: 25 jul. 2017.

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18 no controle da administração pública.

A importância de se revisitar as bases teóricas do programa de publicização se renova pois, passados cerca de 20 anos da vigência da Lei Federal nº 9.637/98, observa-se que o modelo foi replicado por outros entes federativos estaduais e municipais. Ademais, o Supremo Tribunal Federal referendou a constitucionalidade da Lei, através do julgamento da ADI nº 1.923/20155. Portanto, é oportuno é verificar se o modelo de

“publicização” das atividades não-exclusivas, através do contrato de gestão cumpre as expectativas previstas no plano de reforma gerencial, especialmente no tocante ao ganho de eficiência administrativa e resultados, bem como ao aumento da participação social no controle da administração pública.

O objetivo geral dessa dissertação é analisar, de forma crítica, as teorias que influenciaram o modelo e enfrentar seus principais aforismos. Para tanto, a obra foi dividida em três capítulos.

O primeiro capítulo contém um estudo histórico da evolução dos modelos de administração, patrimonial, burocrática e gerencial, bem como das teorias que impulsionaram o início do ciclo de reformas administrativas. Ademais, apresenta o contexto teórico que, a partir de meados da década de 1990, fundamentou as diversas mudanças na engenharia do aparelho do Estado, promovendo seu redimensionamento, a partir do desenvolvimento de novas relações de colaboração entre o Estado e as organizações privadas não-lucrativas, reformulando a tradicional definição dos espaços público/privado.

O capítulo segundo trata da abordagem dos aspectos relevantes da Lei das Organizações Sociais, iniciando-se pela identificação da natureza jurídica do contrato de gestão, bem como pela definição da sua finalidade principal, diferenciando-o de outras relações contratuais típicas do direito administrativo. Esse capítulo também trata dos requisitos legais para a qualificação das entidades privadas como organizações sociais e para a celebração do contrato de gestão. Por fim, são analisadas as peculiaridades da atuação das entidades privadas relacionadas a sua

5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1923. Acórdão de 16 de abril de 2015. Requerente: Partido dos Trabalhadores – PT e Partido Democrático Trabalhista – PDT Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional

Relator. Min. Ayres Britto: Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Voto__ADI1923LF. pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016.

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19 estrutura organizacional, ao seu funcionamento e às formas de fiscalização e controle.

O capítulo terceiro apresenta uma visão crítica do contrato de gestão, a partir da análise dos principais aforismos lançados pelos teóricos da administração gerencial, em defesa do modelo de fomento público ao “terceiro setor”, que apontam para a justificação do modelo propugnado como ideal para enfrentar os entraves da burocracia estatal. Por outro lado, esse capítulo trata das possíveis distorções práticas do contrato de gestão e dos potenciais riscos decorrentes da utilização não refletida e abusiva dessa modalidade contratual.

Portanto, são apresentadas conclusões que permitem ao leitor cotejar os fundamentos teóricos que fundamentaram o ideal reformista, que deu sustentáculo à implantação do contrato de gestão, com os desdobramentos práticos da má utilização desse instituto jurídico.

Para o desenvolvimento desse trabalho, foi utilizado o método hipotético-dedutivo. A metodologia de pesquisa utilizada foi a investigação e a análise da bibliografia apresentada através de livros, revistas e de trabalhos acadêmicos, assim como de fontes documentais.

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2 REFORMA ADMINISTRATIVA GERENCIAL E O

PROGRAMA DE PUBLICIZAÇÃO

No Brasil, a partir de meados dos anos de 1990, iniciou-se uma intensa reforma administrativa, conhecida como “Reforma Gerencial”, que teve por objetivo, dentre outros, fomentar as entidades privadas não lucrativas que desempenham ações de interesse público ou de relevância pública. Operou-se uma verdadeira reforma na estrutura da própria administração pública para acolher um novo ator, não integrante nem do Estado nem do mercado, que passou a fazer parte da discussão como a sociedade deve ser organizada para atender às demandas sociais.

Trata-se da ressignificação do papel das entidades do “terceiro setor”6 passaram ter uma importância significativa na promoção de serviços públicos, em colaboração com o Estado, através de parcerias e outros estímulos. Apesar de já existir anteriormente, antes da década de 1990, não era tratado como um setor autônomo, nem tinha uma atenção especial do Estado no desenvolvimento das ações no campo social.

O presente capítulo visa apresentar o contexto histórico das reformas administrativas experimentadas pelo Brasil, a partir da instauração da República, desde o modelo patrimonial e oligárquico de administração, passando pela formação do modelo de administração burocrático brasileiro, para chegar até a reforma gerencial.

São também analisadas as teorias de base da reforma gerencial, bem como o impacto dessas teorias no direito administrativo, a partir da redefinição dos espaços público/privado e da formação desse campo do direito administrativo responsável por estabelecer novas formas de relacionamento entre o Estado e essas organizações privadas, que atuam paralelemente no desenvolvimento de atividades de interesse coletivo. 2.1 DO ESTADO PATRIMONIAL AO BUROCRÁTICO

Com a Proclamação da República, em 1889, o modelo político herdado do Brasil-Império era fundado na perenização do relacionamento entre as elites agrárias e o Poder Público, comumente denominado de

6 A expressão “terceiro setor” é usada em destaque para enfatizar que seu significado não é uníssono na literatura nacional e nesse trabalho será utilizado com o sentido próprio apresentado ao longo do texto.

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21 “coronelismo”, tão bem retratado por Victor Nunes Leal7. Consistia na

distribuição do poder político entre aqueles que detinham maior influência, especialmente os latifundiários. Estes se comprometiam reciprocamente com a classe política a direcionar os votos dos seus comandados, ou seja, do seu “rebanho eleitoral”, em geral composto por trabalhadores rurais, para atingir os resultados eleitorais pactuados com os governadores, prática de fisiologismo que se convencionou chamar de “voto de cabresto.”8

A confusão entre o patrimônio público e o privado e a utilização do uso dos poderes públicos em favor dos interesses particulares, de proprietários rurais e de comerciantes, e de agentes estatais resultou em um considerado modelo administrativo oligárquico e patrimonial. 9 Oligárquico, porque as decisões estatais decorriam diretamente da influência que a elite econômica exercia sobre a classe política. Patrimonial10, posto que era caracterizado pelo aparelhamento do Estado,

por essas mesmas elites, que faziam as instituições públicas funcionarem como extensão dos seus domínios privados, como expressão de direito subjetivo legitimado pela aquisição do poder, semelhante ao poder dos pais de família, que controlam a vida dos familiares que vivem sob sua dependência, e aos proprietários rurais que têm poder sobre aqueles que utilizam suas terras.11

7 LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime

representativo no Brasil. São Paulo: Passim, 1975.

8 NOHARA, Irene Patrícia. Reforma Administrativa e Burocrática: Impacto da

Eficiência na Configuração do Direito Administrativo Brasileiro. SÃO PAULO

: ATLAS, 2012. p. 14.

9 BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. In:

Brasil: Um Século de Transformações, por Wilheim e Sachs (orgs). São Paulo:

Cia. das Letras, 2001. Disponível em:<

http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/00-73estadopatrimonial-gerencial.pdf>. Acesso em 13 jan 2017.

10 É relevante a observação de Bernardo Wildi Lins, que afirma que “o termo

patrimonialismo não designa propriamente um modelo de gestão pública. Refere-se à situação em que o aparato estatal é dominado por elites sociais, políticas e/ou econômicas...”. LINS, Bernando Wildi. As organizações sociais:

uma análise sob a perspectiva constitucional. Dissertação de Mestrado em Direito, Universidade de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.

11 Max Weber desenvolveu uma ampla teoria em que analisa as relações de poder com base no patrimonialismo e outras formas de domínio político. Weber, Max.

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22 O clientelismo faz parte do vocabulário que caracterizava o estado patrimonial, que consiste na prática de distribuir “favores”, como cargos públicos e direcionar outros benefícios estatais aos “clientes” da classe política, especialmente aos “coronéis” e outros agentes capazes converter a apoio do aparelho estatal em voto.12

Além os proprietários rurais e da classe política, outra classe dominante é integrante do cenário do Estado Patrimonial, que perdurou durante a Primeira República (1889-1930). Trata-se da classe burocrática formada por membros da nobreza decadente do império, cujos integrantes passaram a ocupar relevantes funções públicas na nova estrutura estatal da República, cuja gênese é explicada por Bresser-Pereira:

[...] um estamento originalmente aristocrático, formado pela nobreza decadente que perde as rendas da terra, e, depois, vai se tornando cada vez mais burocrático, sem perder, todavia seu caráter aristocrático. Este estamento não é mais senhorial, porque não deriva sua renda da terra, mas é patrimonial, porque a deriva do patrimônio do Estado, que em parte se confunde com o patrimônio de cada um de seus membros. O Estado arrecada impostos das classes, particularmente da burguesia mercantil, que são usados para sustentar o estamento dominante e o grande corpo de funcionários de nível médio a ele ligados por laços de toda ordem.

[...]

É essa elite política letrada e conservadora que manda de forma autoritária ou oligárquica. Não há democracia. As eleições são uma farsa. A distância educacional e social entre a elite política e o restante da população, imensa. E no meio dela

Economia e sociedade: fundamento da sociologia. Tradução: Regis Barbosa e

Karen Elsabe Barbosa. Vol. II. 2 vols. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 1999.

12 CUNHA, Alexandre Mendes. Patronagem, clientelismo e redes clientelares: a

aparente duração alargada de um mesmo conceito na história política brasileira. História, Franca, v. 25, n. 1, p. 226-247, 2006 . Disponível em

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742006000100011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 04 Feb. 2017.

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temos uma camada de funcionários públicos, donos antes de sinecuras do que de funções, dada a função do Estado patrimonial de lhes garantir emprego e sobrevivência.

[...]

Pode-se, imaginar, que os critérios administrativos eram pessoais, e a preocupação com a eficiência da máquina estatal, era nula.13

Com visto, a escolha desses funcionários públicos era orientada pelo interesse pessoal, sem obediência a qualquer critério legal ou objetivo. Longe do compromisso com o interesse coletivo, a atuação desses agentes era voltada exclusivamente para a satisfação dos interesses privados, especialmente dos responsáveis por sua indicação ao cargo público. O acesso a essas funções públicas é reservado ao brasileiro que se distingue e se dá através de um “curriculum vitae aprovado de cima para baixo.”14

Esse modelo de ocupação de cargos públicos por meio de critérios meramente pessoais “evidenciava o sistema de privilégios no início da formação da sociedade brasileira”. No estado patrimonial destaca-se, portanto, essa classe social elitizada e letrada, que vive a expensas do Estado, mas sem qualquer compromisso com o interesse público ou com os valores democráticos.

Era a continuidade do procedimento de distribuições de terras, o sistema de capitanias, pelo qual a Coroa portuguesa concedia direitos de exploração a pessoas vinculadas diretamente à realeza, “com o único intuito de manter-se vigilante do aparelhamento estatal e manter o sistema de privilégios que imperava na sociedade.” 15

2.1.1 Caracterização do Modelo Burocrático

O exercício de poder através do patrimonialismo, que já comprovadamente insuficiente no florescer da modernidade, ficou

13 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. 2001. p. 4.

14 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político

brasileiro. 3. São Paulo: Globo, 2001. p. 735

15 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urqhart, e SIMÕES, Raísa Carvalho. A

sobrevivência do modelo patrimonialista na reforma administrativa gerencial do Estado brasileiro. Panópica, ano 3 março-junho 2010.

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24 evidente também ao logo das primeiras décadas da República. A industrialização do País, a formação da classe média urbana, a imposição de alteração da estrutura de poder diversa política oligárquica, instaurada por Getúlio Vargas, a articulação política com o capitalismo nacional e a assunção do papel do Estado como regulador da atividade econômica foram elementos determinantes para forçar a substituição do Estado Patrimonial por critérios diversos de exercício da prática administrativa.16

No campo teórico, pensadores do campo da sociologia e da administração procuraram identificar regularidades no comportamento humano, de modo a aproximar o estudo do funcionamento das organizações públicas e privadas, a partir da concepção de semelhanças em ambos os campos, seja no processo de tomada de decisão, liderança, motivação etc.17. Portanto, teóricos da administração acreditavam poder estabelecer um padrão do comportamento humano, que justificaria o tratamento uniforme das instituições, dentro ou fora do aparelho estatal. Por isso, as reformas administrativas do Século XX procuraram seguir um modelo de administração pública consolidado no mundo ocidental e capitalista, durante o século XX, conhecido como “administração burocrática”, que tem como um dos seus principais teóricos Max Weber.

Max Weber estabeleceu o elo entre o modelo burocrático, fundado no funcionamento institucional racional e previsível, e as necessidades do modo de produção capitalista:

Este poder principesco, no entanto - abstraindo-se por agora de outras peculiaridades deste tipo de capitalismo privilegiado -, já tinha uma estrutura burocrático-racional. Em regra, porém, aparece no primeiro plano o aspecto negativo da arbitrariedade, pois falta ali - e este é o fator principal - a calculabilidade do funcionamento da ordem estatal, indispensável para o desenvolvimento do capitalismo e que lhe oferece as regras racionais da administração burocrática moderna. Em lugar desta, reinam a

16 NOHARA, Irene Patrícia. Reforma administrativa e burocrática: impacto da

eficiência na configuração do direito administrativo brasileiro. São Paulo: Atlas,

2012. p. 19. 17 Ibidem. p. 69.

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imprevisibilidade e a arbitrariedade inconstante de funcionários cortesãos ou locais e a clemência e inclemência do senhor e de seus servidores. Nestas condições, um homem particular isolado pode muito bem chegar a ocupar, mediante o aproveitamento hábil das circunstâncias e de suas relações pessoais, uma posição privilegiada que lhe oferece oportunidades de aquisição quase ilimitadas. Mas evidentemente essas condições dificultam em grau extraordinário a realização de um sistema econômico capitalista, pois as diversas tendências evolucionárias do capitalismo apresentam, diante de tais formas de incalculabilidade, graus de sensibilidade diferentes. 18

Um novo padrão de comportamento do Estado deveria tomar lugar, pois a administração deveria estar privada de critérios arbitrários e privilegiar a atuação por meio de regras racionais que permitissem a previsibilidade das ações administrativas. O primado da eficiência administrativa e a busca pelo lucro, em um contexto de crescente complexidade da modernidade, fizeram com que esse modelo burocrático se expandisse fortemente no mundo capitalista, sendo usado como referência de profissionalização das instituições públicas e instituições privadas, durante longas décadas do século XX, como explica Mark Benvir:

Uma justificativa importante para a criação de uma burocracia crescentemente insulada e centralizada foi a necessidade de lidar com abusos e irracionalidades nos processos democráticos. Cientistas sociais modernistas, como Mosei Ostrogrorski, Graham Wallas e W. F. Willoughby, escreveram a respeito do facciosismo, da doutrinação política e das extravagâncias financeiras a que os governos democráticos estão predispostos. Muitos acreditavam que uma

18 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamento da sociologia. Tradução: Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Vol. II. 2 vols. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 310.

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burocracia insulada e centralizada poderia tanto preservar a democracia quanto remover seus piores aspectos – a instabilidade, a irracionalidade e o sectarismo – das atividades diárias do governo. O corporativismo e o Estado de Bem-Estar Social surgiram em parte como arranjos burocráticos para superar o facciosismo e a irracionalidade.19

Com efeito, o modelo burocrático era adequado para ser utilizado na modernidade pois, na base das organizações administrativas, se encontrava a ideia de garantir um comportamento racional e estruturado para a redução das complexidades enfrentadas pelo administrador no processo cotidiano de tomada de decisões.

O enquadramento do indivíduo dentro das instituições burocráticas e normativamente controlada são entendidas como formas necessárias para atingir a eficiência administrativa. Como explica Denhardt, “nas organizações encontramos um modo de moldar o comportamento humano em padrões racionais para alcançar nossos objetivos.”20

2.1.2 Formação da Burocracia Estatal Brasileira

Como visto, o ambiente político-administrativo que prevalecia nas primeiras décadas da República era muito distante do ideal democrático e liberal que orientou o fim do período imperial.

Paralelamente, o Brasil sofria as consequências da chamada “crise do liberalismo”, que durou de 1880 a 1930, provocadas por graves distorções sociais provadas pelo dogma liberal do “laissez-faire” e não do intervencionismo estatal. Com efeito, no contexto mundial, essas práticas liberais resultaram em um problema de governabilidade para os governos liberais, como descrevem Dardot e Laval:

19 MARK Benvir, trad. Gustavo Biscaia de Lacerda. Governança democrátiva:

uma genealogia. Revista Sociologia Política, junho 2011: 103-114. Disponível

em < http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v19n39/a08v19n39.pdf>. Acesso em: 30 ju.. 2017

20 DENHART, Robert B. Teorias da Administração Pública. São Paulo: Cengage Learing, 2012. p 76.

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Na realidade, o que se costuma chamar de ‘crise do capitalismo’, é uma crise da governabilidade liberal, segundo o termo de Michel Foucault, isto é, uma crise que apresenta essencialmente um problema prático da intervenção política em matéria econômica e social e o da justificação doutrinal dessa intervenção.21

O Brasil não ficou imune a essa crise. Na década de 1930, a instabilidade política brasileira, agravada pela crise econômica mundial, resultou em um golpe militar que pôs fim ao período conhecido como República Velha (1889-1930) e instaurou um Estado burocrático e autoritário, sob a égide da Constituição Federal 1937, outorgada por Getúlio Vargas.

Nesse período, teve início a primeira reforma administrativa brasileira, denominada por Beatriz Wahrlich22, pelo título da sua obra, de “A Reforma Administrativa da Era de Vargas”, que se destacou pela criação do Conselho Federal de Serviço Público, previsto na Lei nº 284/1936, posteriormente substituído pelo Departamento Administrativo do Serviço Público-DASP, com previsão no artigo 67 da Constituição Federal de 1937, e estruturado pelo Decreto-lei nº 579/1938, que tinha como objetivos a organização do acesso às funções públicas, a estruturação das carreiras públicas, a execução do contencioso administrativo relacionado aos funcionários públicos, a normatização para a racionalização do serviço público, padronização das compras do estado, dentre outras.

Esta “nova ordem” de valores administrativos, orientada pela racionalidade, padronização e eficiência, refletiu-se na necessidade de profissionalização do serviço público, especialmente através da

21 DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian. A Nova Razão do Mundo: Ensaio sobre

a sociedade Neoliberal. Tradução: Mariana Echalar. São Paulo: Boi Tempo,

2016. p. 36

BRESSER-PEREIRA, LUIZ CARLOS. 2001. p. 166.

22 Segundo Bresser-Pereira, “Beatriz Wahrlich (1915-1994), foi uma das fundadoras da EBAP (Escola Brasileira de Administração Pública) da Fundação Getúlio Vargas. Pela qualidade de seus estudos, de sua pesquisa e de seu ensino, merece o título de patrona da Administração Pública no Brasil. Foi a principal teórica da Reforma Desenvolvimentista dos anos 60 e 70 (Wahrlich, 1970, `1983, 1984).” Idem.

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28 necessidade de concurso público para o ingresso nas carreiras públicas, e da criação das comissões de eficiência administrativa, previstas para cada um dos Ministérios, conforme previsão da Lei nº 284/1936.23

Essa reforma pode ser considerada como responsável pelo surgimento de uma nova burocracia estatal, diversa da burocracia patrimonial, e consentânea com o período de industrialização e urbanização do País, que exigia a atuação racional da atividade administrativa, de modo a servir de instrumento apropriado ao desenvolvimento do capitalismo, como se observa das palavras de Bresser-Pereira:

A República fora descentralizadora e oligárquica. O novo Estado fundado pela Revolução de 1930, ainda que conserve elementos da velha aristocracia, será um Estado antes do que qualquer coisa autoritário e burocrático no seio de uma sociedade em que o capitalismo industrial se torna afinal dominante. Vargas tinha origem nos criadores de gado do Sul, fazia parte da “oligarquia substituidora de importações”, na expressão de Ignácio Rangel, mas as duas classes que ele vai presidir são classes novas: a burguesia industrial e a nova classe média tecnoburocrática. Ambas eram originárias de classes ou estamentos antigos: a burguesia industrial originava-se da burguesia mercantil; a moderna burocracia evoluiu do estamento burocrático patrimonialista. Diferentemente da sua antecessora, a burocracia não tinha caráter aristocrático, nem estava

23 Esses valores ficam evidentes especial’mente na disposição do art. 17 da Lei nº 284/36, que estabelece a competências das Comissões de Eficiência: Art. 17. Compete á Commissão de Efficiencia, de Ministerio: a) estudar permanentemente a organização dos serviços affectos ao respectivo Ministerio, afim de identificar as causas que lhes diminuem o rendimento; b) propor ao Ministro as modificações que julgar necessarias á racionalização progressiva dos serviços; c) Propor as alterações que julgar convenientes na lotação ou relotação do pessoal das repartições, serviços ou estabelecimentos; d) propor as promoções e transferencias dos funccionarios na fórma desta lei; d) habilitar o C.F.S.P.C. a apreciar a procedencia improcedencia das reclamações apresentadas pelos funccionarios.”

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circunscrita ao Estado, nos termos da interpretação de Faoro. Além da clássica tarefa política e administrativa, a nova burocracia passava a ter uma função econômica essencial: a coordenação das grandes empresas produtoras de bens e serviços, fossem elas estatais ou privadas. 24

Na década de 1960, também sob um novo regime de ditatorial, nova importante reforma administrativa foi concretizada através do disciplinamento da estrutura da administração direta e indireta, sistematizada por meio de Decreto-Lei nº 200/67, que dispunha, dentre outros assuntos, sobre o planejamento e coordenação administrativos, descentralização e autonomia das entidades da administração indireta, o controle ministerial sobre os órgãos e entidades administrativas etc.

Referido dispositivo legal foi responsável por introduzir novos elementos para a melhoria do funcionamento do aparelho estatal, através da incorporação de valores como, a preocupação com o respeito ao interesse público, com a eficiência administrativa, com o crescimento da máquina administrativa, estabeleceu a divisão das tarefas de planejamento, supervisão, coordenação e controle das atividades relacionadas à execução, que passaram a ser preferencialmente executadas de forma indireta, por outros entes federativos ou por terceiro, através de contratos administrativos.

Essa reforma administrativa, tratada por muitos como “reforma desenvolvimentista”, proporcionou alguns avanços na tentativa de superação do modelo burocrático, que podem ser representados pelo aumento da autonomia administrativa das entidades da administração indireta, em especial, a criação das fundações de direito privado do Estado, voltadas para os serviços sociais e científicos, bem como pelas relevantes funções confiadas ao Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, especialmente relacionadas aos planejamento dos recursos humanos e dos sistema de contabilidade e auditoria interna.25

A reforma administrativa da década de 1960 teve por objetivo dar mais dinamismo à função administrativa, em face convicção de que os processos rígidos da administração pública burocrática representavam

24 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. loc. cit. 2001. p. 10.

25 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado Para a Cidadania. 2. São Paulo: ENAP, 2011. p. 167.

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30 certos obstáculos aos novos desafios da pós-modernidade, mas não resultou em grande alteração da estrutura e da práxis burocrática estatal e “não foi capaz de extirpar o patrimonialismo, que sempre a vitimou”, assim, como não foi suficiente para estabelecer “serviço civil profissional no país, por meio da redefinição das carreiras e de um processo sistemático de abertura de concursos públicos, para a alta administração.”

26

2.2 MOVIMENTOS EM BUSCA DA REFORMA DO ESTADO BUROCRÁTICO

O paradigma na modernidade, que conduziu ao reducionismo do interesse público às ações realizadas pelo Estado, revelou a sua limitada capacidade de atendimento das diversificadas demandas sociais. A centralização dos serviços públicos no aparato burocrático estatual expôs a sua insuficiência e o evidente descompasso entre a capacidade da máquina administrativa e a magnitude dos problemas da atualidade. Nesse contexto, surgiram movimentos teóricos que procuraram superar as distorções do modelo burocrático de administração.

2.2.1 Destruição do Mito da Autossuficiência do Estado Soberano e o Reconhecimento do Déficit Democrático

A formação dos Estados Modernos decorreu da consolidação de ideais que fundamentaram a legitimação das estruturas de poder integrantes do Estado. Como centro único do poder político, a nova organização social estaria legitimada pelo consenso de renúncia de parcela da liberdade dos indivíduos, em favor da uma instituição política que tivesse por dever a defesa e a promoção dos interesses comuns.

Por outro lado, a essa instituição política foram reconhecidas prerrogativas para agir em nome da coletividade, mas os poderes de atuação deveriam respeitar determinadas limitações, como os direitos fundamentais e a defesa do interesse público. No modelo de estado moderno, consolidado ao longo do Século XVIII, todo o poder político decorreria da própria sociedade, enquanto que os governantes e legisladores seriam apenas mandatários do verdadeiro titular do poder político.

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31 O regime democrático, fundamentado nessas premissas, estabeleceu procedimento para escolha daqueles que devem decidir em nome do povo, regras que cuidam da forma como as decisões devem ser tomadas, assim como do compromisso com o conteúdo ético das decisões, geralmente identificado como “interesse público”.

Ocorre que a história da experiência democrática tem revelado um déficit de qualidade democrática, ou seja, o ideal democrático não se traduziu em uma prática voltada para a efetiva realização do interesse coletivo. Por outro lado, o estado moderno contém o artifício que omite o verdadeiro titular o interesse público, que é a sociedade, subjugando sua capacidade de se organizar, participar e decidir fora das instâncias administrativas do estado e além dos representantes eleitos pelo voto.

Tradicionalmente, o ideal de participação popular ficou atrelado a escolha de representantes do poder legislativo e, eventualmente, no sistema presidencialista, de representantes do poder executivo. Fora essas situações próprias do princípio da representação popular, o modelo burocrático reservou pouco para proporcionar uma efetiva interação entre o cidadão e a Administração Pública.

Por outro lado, a concepção do monismo jurídico e a monopolização das decisões políticas, inclusive aquelas relacionadas à concretização dos direitos sociais, inicialmente assumida como um dever e como uma potestade pública, no decorrer do Século XX, passou a sofrer abalos em seus elementos essenciais.

Esse modelo ocultava determinadas anomalias, como, por exemplo, a não contemplação de outros valores que reclamavam por espaço no funcionamento do Estado, nem a condição dos indivíduos no processo de tomada de decisão dentro das instituições públicas.27

Evidenciou-se, portanto, a destruição do mito da autossuficiência do Estado soberano e do sistema representativo.28

27PESTOFF, Victor. The Thir Sector, Citizen Participation an Co-Production of

Personal Social Services en Sweden - towards a new paradigm. Stockholm:

Institute for Civil Society Studies, 2009. Disponível em: <

http://www.euricse.eu/sites/default/files/db_uploads/documents/1257525669_n2 67.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2017.

28 PILATI, José Issac. Propriedade e Função Social na Pós-modernidade. 3ª. Rio de Janeiro: Lumen Juis, 2013. p. 67.

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32 Alguns fatores históricos podem ser relacionados ao surgimento da preocupação com a busca de novos caminhos para o envolvimento do cidadão e de organizações da sociedade civil na prestação de serviços sociais. A globalização, o envelhecimento da população, o crescimento do “déficit democrático”29

, a austeridade fiscal decorrente da crise financeira mundial, o rápido crescimento do welfare state do pós-guerra e a incapacidade do Estado de resolver os problemas diários dos cidadãos comuns foram fatores relevantes para essa mudança de paradigma.30

Bresser-Pereira descreve esse ambiente como o período de crise do Estado, “A Grande Crise”, gerada pela incapacidade do Estado de neutralização dos efeitos globalizantes da redução da poupança pública, agravada por uma de crise fiscal que levou à imobilização e a sua captura por interesses privados e ao desequilíbrio entre as demandas da população e capacidade de atendê-las.31

Estudos iniciados na década de 196032, no campo da administração

pública, que procuraram questionar a hegemonia do modelo de administração burocrático. É nesse contexto que de desenvolve uma nova teoria acerca do funcionamento do aparelho estatal, denominada de Nova Administração Pública – NAP.

29 Nessa perspectiva, Bobbio se ocupa de analisar o que chamou de “promessas não cumpridas da democracia”, ou seja, apresenta “o contraste entre o que foi prometido pelo ideal democrático e o que foi efetivamente realizado”, e aborda a questão sob o rótulo das “promessas não cumpridas da democracia”. BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade - para uma teoria geral da política. 10. Tradução: M. A. NOGUEIRA. São Paulo: Paz e Guerra, 2003. p. 40.

30 Um dos problemas causados pela expansão dos serviços sociais foi o declínio da responsabilidade dos serviços públicos, porque o Welfare State moderno tornou-se um estado de prestação de serviços em massa, que causou a necessidade de crescimento do estado, tanto em escala como em complexidade, assim como passou a ser dependente especializado da profissionalização na prestação de serviços. A estrutura da administração pública não estaria preparada para levar em frente, com destreza, essas atividades, além do seu corpo funcional não se encontrar preparado para envolver os clientes. (FERLIE et al. 1999, p. 58 e 318) 31 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. op. cit. 2011. p. 35-36.

32 Denhardt identifica o surgimento da “Nova Administração Pública” com a realização de um simpósio acadêmico realizado, no final de 1968, no Centro de Convenções de Minnowbrook, na Universidade de Syracuse, em Nova York, que teve a participação um grande número de promissores jovens cientistas no campo da administração pública. DENHARDT, Robert B. op. cit. p. 104.

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2.2.2 A Nova Administração Pública

Uma corrente desses estudos, baseada na defesa do conjunto de princípios administrativos e em ideias sobre como o setor público deve ser organizado para alcançar seus objetivos, era pautada principalmente na adaptação das práticas gerenciais de mercado para o interior da administração pública. Esse movimento, compartilhado por teóricos de várias áreas do conhecimento, assim como por profissionais da administração e políticos, foi denominado de Nova Administração Pública-NAP, ou a “New Public Management-NPM”.

Dentre as medidas a serem aplicadas para melhorar a eficiência administrativa, os teóricos da Nova Administração Pública defendiam medidas normativas como “cortar o desperdício” do governo, por meio do desmantelamento dos sistemas de corrupção e cartelização, a introdução de regulamentos externos, o downsizing3334, a terceirização e

a criação de incentivos mais fortes para o desempenho dos agentes públicos.” 35

Segundo Denhardt, umas das primeiras mudanças provocadas pela Nova Administração Pública - NAP foi a superação da ultrapassada divisão entre política e administração, uma vez que os estudiosos apresentavam uma perspectiva em que os administradores públicos também deveriam desempenhar a função política, como meio de solucionar satisfatoriamente questões como pobreza, racismo, guerra e outras questões sociais e não apenas em se comportar como mero executores de decisões políticas tomadas pelos representantes do executivo e do legislativo.36

O paradigma da eficiência administrativa, segundo os critérios da iniciativa privada, levou a uma crescente despersonalização e objetivação

33 FERLIE, Ewan, Lynn ASBURNER, FITZGERALD Luoise, e PETTIGREW Andrew. A nova administração pública em ação. Tradução: Sara Regane de Freitas Oliveira. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999. p. 25 34 Conforme nota explicativa extraída do editor “o termo downsizing tem sido utilizado na literatura organizacional para caracterizar processos de reestruturação organizacionais associados à redução da diferenciação vertical e de quadros.” Ibidem. p. 34

35 Ibidem. p. 104.

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34 da atividade estatal. Por isso, as organizações públicas e as atividades administrativas deveriam incorporar outros valores alternativos ou complementares, que poderiam ser centralizados no conceito de “equidade social”, através da atividade administrativa que privilegiasse a realização de benefícios aos mais desfavorecidos, além da responsabilidade e do envolvimento do cidadão.37

Outro ponto relevante da NAP foi a defesa da terceirização de certas atividades e a descentralização das funções das instituições públicas e privadas, associadas a uma ampliação da autonomia das unidades descentralizadas, por um lado e, correlatamente, à imposição de regras mais rígidas de qualidade e mecanismos de avaliação de resultados.

As instituições deveriam passar a agir através de missões, cujos responsáveis são cobrados pelos resultados individuais alcançados e seu desempenho é comparado com o dos demais integrantes da instituição:

Nesse novo modelo de gestão, a avaliação torna-se a chave da nova organização, o que acaba por cristalizar tensões de todos os tipos, ainda que seja a que diz respeito à contradição entre a injunção à criatividade e à tomada de riscos e o julgamento social que surja como lembrete das relações efetivas de poder dentro da empresa. 38

A NAP opera uma mudança ideológica nas atenções das organizações públicas, alterando o foco da atuação administrativa, que anteriormente era voltado para o controle centralizado da máquina administrativa, para fazê-lo incidir sobre o compromisso com a realização da justiça social e concretização dos valores fundamentais através dos serviços públicos.

Essa nova ordem de valores deveria substituir a política ultrapassada, ou seja, fundada no Estado do Bem-Estar Social, através da redução da burocracia estatal em todos os níveis, para permitir que o Estado, em vez de “remar”, mantivesse o “controle do leme”.39

Pressupunha-se que os agentes públicos “não ajam mais por simples

37 Idem.

38DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian.. A Nova Razão do Mundo: Ensaio sobre

a sociedade Neoliberal. Tradução: Mariana Echalar. São Paulo: Boi Tempo,

2016. P. 228. 39 Ibidem p. 236-237.

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35 conformidade com as regras burocráticas, mas procurem maximar os resultados e respeitar as expectativas dos clientes”.40

Muitos críticos também identificam a NAP como decorrente da influência ideológica das regras de mercado para dentro das organizações públicas. Contudo, não é possível consolidar as diretrizes da NAP em um modelo único, pois as fórmulas utilizadas para implementá-la variavam em categorias diversas, por isso, é possível afirmar que ela “teve um impacto internacional altamente variável e que diferentes variantes surgiram em diferentes países, dependendo da história local, da cultura e da liderança política e administrativa.”41

É comum se associar o influxo dessas ideias com o impulso na redução do Estado através do aumento das privatizações e das descentralizações contratuais dos serviços públicos, pois onde não fosse possível a privatização, seria necessário tornar o público mais parecido possível com o privado, através da transferência de conceitos, modelos, política de pessoal, assim como “aumento da ênfase sobre o controle financeiro, como garantia da eficiência, da efetividade e do valor do dinheiro”.42

Outro consenso, dentre as várias teorias que foram a NAP, é a participação da sociedade na administração pública, seja nas instâncias de formulações de decisões políticas e sua execução, que passa a ser indispensável para a realização desses novos valores administrativos, até mesmo como meio de garantir o controle social sobre a atuação administrativa e a eficácia das políticas públicas.

2.2.3 O Novo Serviço Público

Concomitantemente à teoria da Nova Administração Pública-NAP, outra corrente teórica denominada de “Novo Serviço Público” também buscou alternativas para o modelo de administração burocrática. Esse novo movimento teórico teve como fundamento promover a dignidade do serviço público e resgatar “os valores da democracia, da cidadania e do interesse público como valores proeminentes da administração pública.”43

40 Ibidem, p. 302.

41 FERLIE, et al. op. cit. p. 35 42 Idem.

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36 Diferentemente da NAP, em que os cidadãos são vistos como consumidores e o funcionamento do aparelho estatal deve se dar através de incentivos que levam os servidores públicos melhorar o seu desempenho, por meio de uma atuação mais eficiente e menos cara, o Novo Serviço Público defende que a administração pública deve ver o usuário, não como um consumidor, mas como um cidadão que deve estar engajado e participar democraticamente no processo de tomada de decisão e na execução dos serviços, por que os cidadãos são concomitantemente os donos do governo e os destinatários de sua atuação.

Para o Novo Serviço Público, as ações prestacionais do Estado não são apenas mais uma das atividades administrativas, mas sim uma face da expressão da cidadania, ou seja, são meios para a realização da justiça social. Portanto, o governo deve estar preparado para ouvir a opinião do cidadão, quem personaliza o interesse público.

Um ponto relevante da visão do Novo Serviço Público corresponde a implementação de mecanismo de co-produção de serviços públicos, a partir do conceito de comunidade, ou seja, pela corresponsabilidade entre os cidadãos e os servidores públicos na identificação de problemas e na busca de soluções.

Com efeito, teóricos da NAP não haviam caminhado no sentido de construção da uma cidadania ativa através da participação efetiva do cidadão nos assuntos administrativos. Na verdade, os mecanismos de estímulos aos servidores públicos não foram suficientes para operar uma verdadeira mudança no funcionamento da administração pública, no sentido da realização do interesse público. O mito do profissionalismo, da busca pela eficiência e da administração gerencial não se traduziram em mais equidade.44

O Novo Serviço Público estabeleceu, portanto, a adoção de um novo paradigma diferente do modelo racional de administração, a partir de uma visão ativa da natureza humana que pressupõe “que os indivíduos interagem com seu ambiente numa relação recíproca”, e não são simplesmente produto do meio. Portanto, a legitimidade das ações públicas passa necessariamente pelo processo de tomada de decisão, que considera as coletividades sociais como parte. Desse paradigma, emerge um ator importante na construção da cidadania, a sociedade civil, como explica Denhardt:

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37

Outro tema de relevância para restaurar a cidadania democrática e estabelecer um Novo Serviço Público está ligado ao termo sociedade civil. Como demonstraram muitas pessoas, em algum lugar entre os cidadãos e seu governo deve existir um conjunto saudável e ativo de ‘instituições mediadoras’, que sirvam ao mesmo tempo para dar foco aos desejos e interesses dos cidadãos e para proporcionar experiências que preparem melhor esses cidadãos para sua ação no sistema político mais amplo. As famílias, os grupos de trabalho, as igrejas, as associações cívicas, os grupos de vizinhança, as organizações de voluntários, os clubes e grupos sociais e até as equipes desportivas ajudam a estabelecer conexões entre o indivíduo e a sociedade mais ampla. Os grupos menores que, coletivamente, poderiam ser referidos como ‘sociedade civil’, são importantes, porque as pessoas precisam trabalhar ativamente seus interesses pessoais dentro do contexto dos interesses da comunidade. Somente aqui podem os cidadãos se envolver no tipo de deliberação e diálogo pessoal que é a essência, não apenas da construção da comunidade, mas da própria democracia. 45

O Novo Serviço Público procura superar a divisão dialética que separa o Estado e a sociedade civil, responsável por consolidar o mito do isolamento dos interesses públicos dentro das estruturas políticas e burocráticas no Estado Soberano. Novas formas de contratação surgiram como ampliação das possibilidades da participação de instituições privadas não lucrativas na atividade prestacional do Estado, a pretexto de aproximar a práxis administrativa dos destinatários da ação do estatal. 2.3 REFORMA A REFORMA GERENCIAL DO BRASIL

No Brasil, a teoria da Nova Administração Pública - NAP foi adotada sob a denominação de Reforma Gerencial e implementada em

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38 meados dos anos de 1990. O Ministério da Administração Federal de Reforma do Estado-MARE, sob a gestão do ex-ministro Luís Carlos Bresser Pereira, elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado-PDRA46. Nesse documento foram apresentados os argumentos para a defesa de uma Reforma do Estado que proporcionasse um novo modelo administrativo “mais compatível com os avanços tecnológicos, mais ágil, descentralizada, mais voltada para o controle de resultados do que o controle de procedimentos, e aberta a uma participação cada vez mais direta da sociedade na gestão pública”.

A reforma gerencial objetivou tornar a máquina estatal mais eficiente, sendo necessária a redução de custos e melhoria na qualidade dos serviços prestados, como explica Bresser-Pereira:

A Reforma Gerencial melhora a governança do Estado, entendendo-se governança como a capacidade do Estado de transformar em realidade, de forma eficiente e efetiva, as decisões tomadas. Uma governança forte é resultado de um Estado sadio no plano fiscal e financeiro e competente no plano administrativo. E tem um papel na melhoria da governabilidade, na medida em que pressupõe e procura aprofundar os mecanismos democráticos de responsabilização e de transparência.47

O Estado mudou sua perspectiva de atuação, passando a privilegiar o alcance dos resultados, em vez do controle através da rigidez dos procedimentos administrativos. O Estado passou ainda a se preocupar com o estabelecimento de metas e com os meios de atingi-las, de modo que passaram a ser utilizadas estratégias baseadas no setor privado.

A Reforma Administrativa Gerencial pretendeu provocar uma alteração na estrutura administrativa para torna-la apta, não apenas ao cumprimento das atividades administrativas rotineiras e à condução da própria estrutura estatal, mas também capacitada para o reconhecimento das novas demandas sociais e para o desenvolvimento e implementação de políticas públicas capazes de atendê-las. Para isso, na atividade

46 BRASIL. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília, DF, 1995. loc. cit.

47 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado Para a Cidadania. 2. São Paulo: ENAP, 2011. p. 108.

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