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Improvisação no baião a partir de Heraldo do Monte

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Artes

Igor Brasil Rocha

Improvisação no baião a partir de Heraldo do Monte

Campinas 2015

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Igor Brasil Rocha

Improvisação no baião a partir de Heraldo do Monte

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da UNICAMP, para obtenção do titulo de Mestre em Música na Área de Concentração, Música: Teoria, Criação e Prática.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELO ALUNO IGOR BRASIL ROCHA, E ORIENTADA PELO PROF. DR. HERMILSON GARCIA DO NASCIMENTO.

Campinas 2015

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Agradecimentos

Ao meu orientador Hermilson Garcia do Nascimento, pela orientação, confiança e amizade.

A José Alexandre Carvalho, Rafael dos Santos e Bruno Mangueira, por aceitarem fazer parte de meus exames e pelas valiosas contribuições à pesquisa.

A Paulo Ronqui, Jorge Schroeder e Marcelo Gomes por aceitarem ser suplentes em meus exames.

À Bruna Prado, que me ajudou imensamente na elaboração do trabalho, tendo lido, corrigido e revisado todos os textos.

A meus pais, Dante Rocha e Eliana Brasil, pelo apoio incondicional e por me darem a oportunidade de eu fazer o que bem quisesse da minha vida.

Aos meus irmãos Diogo, Liana, Rafael e Juliana, e a meu sobrinho Iago. A todos os parentes das famílias Brasil e Henriques Rocha.

Aos amigos Bruno Machado e Fábio Nolasco, que há muitos anos me incentivaram a entrar no mestrado e me ajudaram na confecção de meu primeiro projeto de pesquisa.

Aos colegas de mestrado Paola Albano, Vinicius Bastos, Vinicius Barros, Fernando Sagawa e Nath Calan, pelas caronas, conversas e ajudas em diversos momentos, especialmente os burocráticos.

Aos amigos Gustavo Boni, Mateus Alvisi, Luis André “Gigante”, Paulo Felício, Vanessa Medeiros, André Muniz, Luiz Spiga, Claudia Queiroz, Paulo Prado, Tiago Freire, Paulo Kishimoto, Tatiana Zapata, Airton Junior e Alexandre Piccini.

À CAPES, pela bolsa.

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Resumo:

O presente trabalho tem por objetivo trazer apontamentos analíticos sobre a maneira como o guitarrista Heraldo do Monte improvisa em músicas pertencentes ao gênero musical baião. Para tanto, levamos em consideração aspectos de sua biografia, carreira musical e execução instrumental. Através de cinco fonogramas selecionados dentro da discografia de Heraldo e das transcrições e análises dos mesmos, pudemos identificar alguns dos procedimentos utilizados pelo músico na construção de seu estilo de improvisação dentro do gênero em questão.

Palavras-chave: improvisação, guitarra elétrica, Heraldo do Monte, música

instrumental brasileira, baião.

Abstract:

The present work aims at bringing to light analitic insights into how guitar player Heraldo do Monde improvises in tunes belonging to 'baião' (a Brazilian music genre). In order to do so, we considered some aspects pertaining to his biography and musical career, and also aspects relating to his instrumental performance. Out of his discography we chose five phonograms, transcribed and analised them and thus we were able to identify some of the procedures employed by do Monte in the construction of his own improvisation style within the genre in question.

Keywords: improvisation, eletric guitar, Heraldo do Monte, brazilian instrumental

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Sumário

Introdução...1

Capitulo I: Heraldo do Monte 1.1 Perfil biográfico...7

1.2 Heraldo do Monte e o Nacional Popular...16

Capitulo II: O Baião 2.1 A improvisação e o baião...24

2.2 Características musicais do baião...27

Capitulo III: Análise dos improvisos 3.1 Forrozin...35

3.2 Coisa de Lá...44

3.3 Pau de Arara...54

3.4 Caboclo Elétrico...62

3.5 Bebê...72

Capítulo IV: Características do estilo de improvisação de Heraldo do Monte no baião ...83

Conclusão...95

Bibliografia...99

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Anexos:

1. Entrevistas com Heraldo do Monte...105 2. Transcrições das músicas e dos improvisos...121

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Introdução

O presente trabalho tem por objetivo entender e caracterizar o estilo de improvisação do músico Heraldo do Monte no baião. Para a realização destes propósitos, foram transcritas e analisadas cinco músicas pertencentes ao gênero, presentes nos discos “Heraldo do Monte” (1980) e “Cordas Vivas” (1983), com a finalidade de apreender e inventariar elementos que traduzam a maneira de improvisar do músico e sirvam de subsídio ao estudo da guitarra e da improvisação na música popular brasileira, mais especificamente no gênero em questão.

Por entendermos que elementos não diretamente ligados à linguagem musical (aspectos biográficos e históricos) podem fornecer subsídios importantíssimos para sua compreensão, elaboramos, além da análise musical, uma biografia do músico, baseada nas poucas publicações sobre ele e em três entrevistas realizadas por mim no decorrer da pesquisa. Foi feita, também, uma contextualização de sua música, levando-se em consideração os vários fatores que contribuíram para sua concepção, como o nacionalismo musical e as suas relações com o modernismo de Mário de Andrade, o projeto político de criação da identidade nacional na década de 1930 e a ideologia do nacional-popular dos anos 1960, quando se desenvolveram os Centros Populares de Cultura e a música de temática revolucionária, que influenciou o Quarteto Novo, grupo do qual Heraldo fez parte, a partir do contato com Geraldo Vandré.

Considerado pela crítica especializada como um dos mais importantes guitarristas brasileiros (ao lado de nomes como Hélio Delmiro, Olmir Stocker, Laurindo de Almeida e Zé Menezes), Heraldo do Monte domina, além da guitarra, o violão, o baixo, o banjo, o bandolim, o cavaquinho e a “viola nordestina”1. Seu interesse pelos diversos gêneros de música popular brasileira - como choro, samba, bossa nova e a música nordestina tradicional (maracatu, frevo e, principalmente, o baião) -, somado à influência que recebeu do jazz, resultou na criação de uma nova sonoridade para a guitarra elétrica e de um estilo de improvisação e composição únicos, associados às possibilidades e limitações dos instrumentos de cordas.

Apesar da importância de sua obra e da riqueza de sua trajetória profissional,

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poucas pesquisas foram realizadas sobre Heraldo. O único estudo acadêmico encontrado sobre ele é o de Visconti (2005) 2. Em outros meios de divulgação, mesmo na internet, é difícil encontrar informações sobre seu trabalho e, além disso, muitos de seus LPs não foram lançados no formato CD, o que dificulta, ainda mais, o acesso a grande parte de sua produção musical.

Visando diminuir tal lacuna, este trabalho se soma ao de Visconti com o propósito de: (i) Apresentar as bases da atuação criativa do guitarrista, servindo como meio, tanto para compreender a sua obra e registrar a sua importância, quanto para auxiliar os estudiosos da música e da guitarra elétrica brasileira; (ii) Atuar na documentação da música instrumental brasileira, gênero muito carente de divulgação e pesquisas em nosso país, onde se tem dado primazia ao estudo da canção, apesar do prestígio de que goza internacionalmente e; (iii) Realizar a transcrição e a editoração de partituras de parte da obra de Heraldo do Monte no período compreendido entre 1980 e 1986.

Quando se estuda música popular e, mais especificamente, improvisação no Brasil, surgem alguns problemas de ordem metodológica. O principal deles é a falta de modelos de análise que compreendam as especificidades colocadas por este campo de estudo, como, por exemplo, a inadequação da partitura para ilustrar figuras rítmicas que escapem a uma razão matemática, além de timbre, expressividade, entre outros elementos essenciais para se compreender uma execução musical. Estas dificuldades têm sido abordadas por estudos musicológicos e etnomusicológicos, como se pode ver no trabalho de Bastos (1999), Nettl (2005), Tagg (2003) e Wisnik (1989). Cabe-nos, portanto, como pesquisadores da área, desenvolver novos métodos e maneiras de traduzir a música que abarquem a performance em seus mais variados aspectos.

A escassez de métodos se deve ao fato de a pesquisa acadêmica na área de Música Popular ser recente no país, principalmente se a compararmos com a produção no âmbito da música erudita. O primeiro curso de Música Popular do Brasil foi fundado em 1989, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e somente no ano de 2015 foi realizado o primeiro congresso nacional específico para a área3.

2 Nesta dissertação, o autor transcreve e analisa oito solos de Heraldo, além de fazer uma síntese biográfica e um breve estudo sobre como o nacionalismo musical influenciou a música deste guitarrista.

3

I Encontro de Música Popular na Universidade. Realizado em maio de 2015, pela UFRGS, na cidade de Porto Alegre.

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Sendo assim, tomamos de empréstimo modelos de análise empregados no estudo e no ensino da improvisação no jazz e alguns conceitos utilizados na música de concerto europeia que, embora possam ser aplicados ao nosso objeto de estudo, não abarcam o fenômeno em sua totalidade, já que o meio em que se manifesta e a maneira como é produzido são completamente diversos. Além disso, os métodos de análise provenientes da música erudita, como o de Schoenberg (1991), se concentram na composição, a qual surge de processo inventivo bastante diverso da improvisação. O improvisador cria sua obra em tempo real, no momento da execução, sem possibilidade de revisá-la posteriormente. Assim, ele trabalha com estruturas musicais inconscientes, já internalizadas, que são resgatadas da memória durante o ato criativo, não tendo, como o compositor, a mesma possibilidade e tempo para a revisão, análise e reelaboração de ideias.

Considerando-se, ainda, os trabalhos publicados sobre música popular no Brasil, aqueles que tratam da improvisação são relativamente poucos e têm se concentrado, majoritariamente, nas análises das relações harmônico-intervalares entre melodia e harmonia presentes nos solos transcritos e na criação de métodos pedagógicos visando o desenvolvimento das habilidades necessárias a um improvisador jazz, embora em menor número tratem também de outros gêneros. Assim, além de ser muito reduzida a quantidade de obras que tratam da improvisação na música brasileira, muitos aspectos importantes, como sonoridade, timbre, dinâmicas, articulações, construção do discurso, fraseado, significados socioculturais, entre outros elementos, costumam não ser levados em consideração, embora constituam parte essencial do discurso musical.

Dadas as dificuldades, tratemos, então, da análise desenvolvida no presente trabalho. Escolhemos como objeto de estudo os álbuns “Heraldo do Monte” (1980) e “Cordas Vivas” (1983), LPs que, conforme demonstraremos, marcam a maturidade musical do guitarrista, conquistada através de vinte anos de apresentações e gravações e que, sobretudo, apresentam um trabalho orientado para a criação de uma identidade brasileira para o instrumento, que vinha sendo construída desde sua passagem pelo "Quarteto Novo". É bastante perceptível, na comparação entre estes dois álbuns e os anteriores, que suas concepções estéticas mudaram, mostrando uma influência jazzística e mercadológica bem menor. Marcam, também, a retomada, por Heraldo, das gravações próprias, após mais de dez anos sem entrar em estúdio para fazer um disco em seu nome e contendo, majoritariamente,

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composições de sua autoria. Por fim, esses LPs possuem uma quantidade significativa de baiões, sendo que todos os fonogramas pertencentes ao gênero contêm solos improvisados, o que parece indicar o gosto de Heraldo pelo estilo4. As músicas escolhidas para transcrição e análise foram “Pau-de-Arara”, “Forrozin” e “Bebê” - do LP “Heraldo do Monte” (1980) - e “Coisa de Lá” e “Caboclo Elétrico” - do LP “Cordas Vivas" (1983).

A fundamentação teórica para a análise das transcrições é encontrada nos trabalhos de: (i) Schoenberg (1991), que define termos, essenciais para a análise, como forma, melodia, motivo, tema e frase; (ii) Levine (1995), que desenvolve uma metodologia de análise de improviso aplicada à música popular, notadamente, o jazz e; (iii) Tagg (1982), que aborda outros aspectos musicais, como expressividade, geralmente ausentes no instrumental analítico da musicologia tradicional, que utiliza a transcrição em partitura.

Nas entrevistas com o guitarrista, buscamos compreender as suas próprias formulações – mais ou menos conscientes – sobre os procedimentos técnicos e musicais que utiliza nas improvisações5, informações que serão levadas em conta na análise, a fim de não nos restringirmos às metodologias já citadas e que, conforme apontamos anteriormente, são insuficientes para a compreensão da tradição musical abordada.

Para analisarmos os improvisos foi necessário, primeiramente, recorrermos à compreensão harmônica e estrutural das composições, já que eles foram desenvolvidos sobre o enunciado da peça, na “forma”6

da música, ou sobre harmonias estáticas de caráter modal7. Assim, antes de nos atermos à análise das improvisações, buscamos compreender forma, melodia, sonoridade e harmonia de cada composição. O solo da música “Bebê” é executado sobre a forma do tema, já os solos das faixas “Pau de Arara”, “Forrozin”, “Caboclo Elétrico” e “Coisa de Lá” são feitos sobre apenas um acorde. Assim, a escolha do repertório nos permite abordar a improvisação de Heraldo, tanto sobre harmonias tonais, quanto modais.

4 Apesar de ser reconhecido como um grande improvisador, em trabalhos próprios Heraldo nem sempre improvisa. O CD "Viola Nordestina", por exemplo, que tem o baião como base para grande parte de suas músicas, quase não tem solos improvisados. Nos LPs escolhidos, diversos fonogramas não possuem, igualmente, improvisos, aparecendo eles somente nos baiões.

5 Fui aluno de Heraldo no período compreendido entre fevereiro de 2013 e agosto de 2014.

6 Forma é o elemento construtivo e organizador na música, governando a apresentação, desenvolvimento e a inter-relação das ideias. O conceito compreende não somente a estrutura básica de um trabalho, mas também as técnicas e procedimentos usados para desenvolver as ideias dentro da estrutura (SADIE, 2001).

7 Os improvisos que acontecem sobre harmonias modais, nos quais são usados, notadamente, os modos mixolídio, mixolídio com quarta aumentada e dórico, são os que mais evidenciam a influência da música nordestina em Heraldo do Monte.

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O referencial teórico adotado como base para a análise harmônica foi o trabalho de Freitas (1995) devido ao fato de se voltar para as práticas harmônicas da música popular, deixando de lado a questão da condução de vozes8.

Partimos, então, para a análise dos improvisos, onde buscamos identificar: (i) motivos, frases e grupos de frases; (ii) padrões rítmicos e melódicos, considerando-se que o motivo é criado pela composição entre ambos, e suas variações; (iii) escalas, modos, arpejos e acordes; (iv) técnicas e articulações e; (v) sonoridade, tanto no potencial elétrico da guitarra, quanto na estilização de recursos característicos dos instrumentos de cordas acústicos, a fim de perceber o papel desses elementos na sua formulação de um estilo brasileiro de improvisação no instrumento.

O trabalho está dividido em quatro capítulos, sendo o primeiro subdividido em dois tópicos: O primeiro traçando o perfil biográfico de Heraldo, com enfoque em suas realizações musicais de maior destaque; e o segundo contextualizando a sua obra, levando-se em consideração a relação que manteve com o projeto nacional-popular e a canção de protesto dos anos 1960.

O segundo capítulo trata do estabelecimento das características definidoras do gênero musical baião, com o intuito de destacar, posteriormente, sua influência nos improvisos de Heraldo.

O terceiro capítulo contém as análises musicais e está subdividido em cinco partes, uma para cada música estudada.

O quarto capítulo trata da caracterização do estilo de Heraldo ao improvisar no baião, apresentando uma lista com a descrição e explicação dos procedimentos utilizados pelo músico e mostrando quais destes processos são provenientes do gênero nordestino e quais provêm de outras matrizes.

Por último, seguem as considerações finais sobre a pesquisa, no item "Conclusão".

Nos anexos, disponibilizamos as transcrições das músicas e dos improvisos estudados, além de três entrevistas semiestruturadas com Heraldo do Monte na íntegra, realizadas pelo autor do presente trabalho, em maio de 2014. Estas conversas contêm

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O estudo formal da harmonia na música popular tem enfocado as funções harmônicas, não levando em consideração os movimentos melódicos que ocorrem entre as vozes dos acordes em uma sequência harmônica.

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informações detalhadas sobre sua vida e obra, trazendo pistas para a compreensão de seu estilo.

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Capítulo I: Heraldo do Monte

1.1 Perfil biográfico

Heraldo do Monte, filho de Maria de Lourdes do Monte e Joaquim Neves, nasceu na cidade de Recife (PE), no dia 1° de maio de 1935, na maternidade do Derby. Não conheceu o pai, que abandonou a família quando ele tinha mais ou menos um ano de idade. É o mais velho de seis filhos: além dele, Michael, Cessa, Bel, Nanda e Rosa. É casado com Lurdes desde meados dos anos 1960 e possui cinco filhos, sendo um deles já falecido.

Apesar de seu pai ter sido músico militar, a família de Heraldo não era afeita à arte, não sendo músicos nenhum de seus parentes mais próximos. O primeiro contato com um instrumento musical se deu, no entanto, ainda na infância, quando conseguiu uma gaita diatônica:

Eu comecei a tocar uma gaitinha lá em casa, para desespero das pessoas. Eu tocava uma gaitinha, moleque, menino mesmo, lá em casa. Eu arranjei, não sei como, uma gaitinha. Chamava “do, ré, mi” o tipo da gaitinha, não era cromática, era diatônica mesmo, com duas oitavas, sei lá, e eu vivia assim: "toca 'Oh Suzana' na guitarra", só isso o tempo todo, e "toca 'Asa Branca' ". Só essas musiquinhas, eu já sentia um prazer danado em ficar fazendo isso!9

Embora seu primeiro contato com um instrumento musical tenha sido através da gaita, foi somente quando ingressou no curso ginasial na Escola Industrial de Pernambuco10 que Heraldo começou a estudar música formalmente. Nesta instituição, ele se iniciou no clarinete, teve aulas de teoria musical e solfejo e tocava na orquestra da escola, cujo repertório era composto por algumas peças eruditas, como “Tannhauser” (Wagner) e “O Guarani” (Carlos Gomes), e dobrados militares11. Esta experiência, somada às aulas de música que teve ainda adolescente, deu a Heraldo uma formação musical de base sólida, que posteriormente contribuiu para o seu desenvolvimento nos instrumentos de corda, hoje em dia seus principais, especialmente a guitarra elétrica.

9

Heraldo do Monte, em entrevista concedida ao autor, no dia 07/05/2014.

10 Escola Industrial de Pernambuco, que em 1952 passou a se chamar Escola Industrial Agamêmnon Magalhães e, atualmente, Escola Técnica Estadual Professor Agamenon Magalhães. Link com informações: http://www.etepam.pe.gov.br/Home.aspx

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Com o passar do tempo e em meio à convivência com colegas que também tocavam instrumentos de sopro nas orquestras da Escola Industrial de Pernambuco e do Liceu, Heraldo começou a escutar jazz, notadamente a orquestra de Stan Kenton, o quinteto do George Shearing e os guitarristas Tarl Farlow e Chuck Wayne. Foi quando começou a se sentir insatisfeito com as limitações que o clarinete lhe impunha, já que é este um instrumento que executa somente melodias, não servindo para fazer acompanhamento harmônico. O contato com o jazz havia, no entanto, despertado o interesse do músico para os sons simultâneos e, então, ele comprou um violão, que começou a estudar por conta própria:

Então eu comprei um violão, que não era elétrico, mas tinha aqueles “f-zinhos”, e comecei a estudar. Não sabia nada, só sabia que a afinação era essa e comecei a ver a onde estavam as notas no instrumento e depois comecei a tocar alguns exercícios de clarinete. Mas sem contato com ninguém, sozinho, por conta do que eu sabia do clarinete e do solfejo cantado12.

Assim, de maneira autodidata, Heraldo foi se aperfeiçoando no instrumento e, pouco tempo depois, ainda adolescente, começou a estudar, também, bandolim e cavaquinho13, o que lhe abriu portas para frequentar as rodas de choro de seu bairro, o “Mustardinha”14

, que se caracterizavam como encontros informais, entre músicos amadores. Heraldo estudou estes instrumentos, no início, também de maneira autodidata, usando sua experiência como clarinetista, aplicando os métodos para o seu antigo instrumento nos novos, e assim foi indo até chegar na guitarra:

Eu peguei o bandolim: "mi, lá, ré, sol", e comecei a estudar as escalas no bandolim, a mesma coisa de quando eu comecei com o violão. Pegava o bandolim e começava a estudar os métodos de clarinete no bandolim, já afinado em quintas. Depois eu peguei o cavaquinho e, a princípio, eu comecei a tocar como a guitarra: "ré, sol, si, mi", naquelas cordas agudas, mas as músicas do Waldir Azevedo soavam melhor, eram feitas pra tocar em "ré, sol, si, ré", com a primeira corda em ré. Então eu aprendi o repertório do Waldir Azevedo tocando o cavaquinho em "ré, sol, si, ré", mas depois, pra ler esse tipo de coisa, eu me atrapalho, o "rezinho", aí, eu afinei em mi15.

Devido à grande quantidade de empregos para músicos naquela época, combinada à escassez de profissionais, Heraldo começou a atuar profissionalmente quando era, ainda,

12 Em entrevista concedida ao autor no dia 07/05/2014.

13 Heraldo toca, atualmente, guitarra, violão, baixo, banjo, bandolim, cavaquinho e viola nordestina. 14

Bairro da cidade de Recife – PE. Integra a quinta Região Político-administrativa da cidade.

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menor de idade. Ele narra que ser músico não era um sonho, que a carreira foi acontecendo naturalmente, visto que ele começou a ganhar dinheiro tocando. No início dos anos 50, ele já se apresentava como guitarrista nos bailes e bares de sua cidade. Seu primeiro emprego fixo foi em um estabelecimento chamado Cassino Flutuante, a convite do cantor Edilton Lopes. Neste local ele logo percebeu que não ia se desenvolver musicalmente devido ao repertório que tocava, que ele considerava de mau gosto, incomodando-se muito com o fato de o dono do bar obrigá-lo a tocar "Brasileirinho" (Waldir Azevedo) todas as noites: “Hoje eu não consigo tocar mais ‘Brasileirinho’ porque fiquei traumatizado, com raiva da música, né! Toco tudo de Waldir [Azevedo], quase tudo, menos ‘Brasileirinho’! Eu não gosto e tinha que tocar toda noite"16.

Após esta primeira experiência profissional, Heraldo recebeu convite para tocar com Walter Wanderley17 nas boates de classe média do Recife, localizadas nos bairros de Piedade e Boa Viagem - a exemplo da boate Delfim Verde -, onde se escutava jazz. Walter foi o primeiro pianista que Heraldo conheceu tocando na noite, tendo trabalhado com ele, durante muito tempo, naquela cidade e, posteriormente, em São Paulo. A estética musical do grupo que integravam - composto, também, por Saci (baixo) e Inaldo (bateria) - era bastante influenciada pelo quinteto do jazzista George Shearing18.

Com a ida de Walter Wanderley, que se casou com a cantora Isaurinha Garcia, para São Paulo, o quarteto, que então se transformava em trio, tornou-se banda-base19 da boate Delfim Verde, contratando pianistas convidados para fazerem os shows. Certo dia, tendo o pianista que a banda convidou desmarcado, de última hora, a sua participação no show, teve Heraldo a ideia de convidar um músico que ele havia ouvido tocar sanfona no regional20 da rádio Jornal do Comércio. Era Hermeto Pascoal que, recebendo o convite,

16 Ibidem.

17 Pianista e organista brasileiro (12/05/1932, Recife/PE - 04/09/1986), famoso no Brasil entre o final dos anos 1950 e início dos 60, tendo lançado diversos LPs neste período. Se mudou para os EUA em meados de 1965, onde consolidou sua carreira e obteve bastante sucesso.

18

Pianista de jazz inglês nascido em Londres em 13/08/1919 e falecido em Nova York em 14/02/2011. A primeira formação de seu quinteto é de 1949 e participaram do grupo os músicos Margie Hyams (vibrafone), Chuck Wayne (guitarra), John Levy (baixo acústico) e Denzil Best (bateria), além do próprio Shearing ao piano. 19

Banda contratada do estabelecimento, tocando nele com certa frequência. 20 Regional: formação instrumental dos conjuntos de choro.

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afirmou não ter "mão esquerda de pianista"21, ao que Heraldo respondeu: “não tem nada, você toca a mão direita, faz as melodias e eu faço a harmonia, eu preencho lá e ninguém vai notar que você não tem mão esquerda”22

. Hermeto, então, fez o show, tendo Heraldo cumprido a promessa de "encobrir" a mão esquerda do mais novo pianista. Esta foi a primeira vez em que tocaram juntos.

Após este episódio, Hermeto resolveu aperfeiçoar a mão esquerda no piano, indo todas estudar na boate todas as tardes, já que não tinha o instrumento em casa, desenvolvendo, em pouco tempo, grande habilidade: “afinal, ele é o Hermeto Pascoal, ele nasceu já Hermeto Pascoal e ficou cobra com as duas mãos”23

.

Walter Wanderley, que já estava há um tempo em São Paulo, convidou, então, Heraldo a se mudar, também, para a cidade e tocar com ele na boate Michel, que ficava na Rua Major Sertório, no bairro Vila Buarque. Heraldo diz não saber se o convite ocorreu porque Walter não havia gostado de nenhum dos guitarristas com quem trabalhou em São Paulo ou por saudades do amigo. Em 1956, aos vinte e um anos de idade, ia ele tentar a vida na "terra da garoa".

No início, Heraldo não apresentou muitas dificuldades em se acostumar à nova cidade, visto que trabalhava muito. Existiam poucos guitarristas profissionais e, entre estes, eram raros os que tinham domínio da leitura da partitura: segundo ele, eram apenas Poly24 e Boneka25 que sabiam ler música. Em oposição à escassez de músicos profissionais, havia na cidade um mercado fonográfico bastante consolidado, no qual ele logo se inseriu, tanto por suas qualidades e habilidades musicais (timbre, boa leitura, musicalidade), quanto por seu profissionalismo (pontualidade e bom comportamento) e pela boa relação que travou com alguns dos mais importantes arregimentadores de músicos da época, a exemplo de Corisco26, de quem ficou amigo.

21 No piano, a mão esquerda tem, geralmente, a função de fazer o acompanhamento harmônico, ficando a cargo da mão direita a execução das melodias. Este é o procedimento usualmente empregado na execução no instrumento, embora inversões possam ser feitas.

22 Em entrevista concedida ao autor, no dia 07/05/2014. 23

Ibidem.

24 Ângelo Apolônio (08/08/1920, São Paulo - 10/-4/1985, mesma cidade) era multi-instrumentista de

cordas e compositor.

25

Nome: Luís Andrade (não encontramos maiores informações sobre o músico). 26 Waldemar Marchetti, pandeirista e arregimentador musical.

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No início dos anos 1960, gravou uma série de discos como solista, os quais apresentam um apelo mercadológico bastante evidente e concepções estéticas diversas daquelas que o caracterizam atualmente. Fazem parte deste período os discos “Batida Diferente” (1960), “Dançando Com o Sucesso” (1961) e “Dançando Com o Sucesso Nº 2” (1962) - lançados pela RCA - e “O Violão de Heraldo do Monte” (1968) - pela EMI. Ambas as gravadoras tinham grande importância no mercado fonográfico, sendo responsáveis, na época, pela manutenção de um forte mercado de música instrumental comercial:

Houve uma época que a música instrumental, ela competia com a música cantada. Porque é... você via. Primeiro lugar, Nelson Gonçalves com música tal. Segundo lugar, Waldir Azevedo. Porque não existia essa gaveta estanque que o mercado colocou depois, música cantada, não sei quê, música instrumental. Isso de música instrumental talvez fez as pessoas acordarem de que talvez existisse uma diferença e parou de vender no mesmo nível que a música popular. Poly fazia muito sucesso, vendia muito disco com essa guitarra havaiana27.

Possuindo, portanto, grande verba para sua produção, os LPs gravados neste contexto contavam, muitas vezes, com formações instrumentais amplas, que incluíam orquestras e coros. A duração das músicas raramente ultrapassava três minutos e o repertório incluía gêneros muito variados, como samba, bolero, bossa nova, jazz e canções internacionais de sucesso (músicas de filmes de faroeste e rocks dos anos 50). Não havia espaço para a improvisação e não aparecem os gêneros musicais nordestinos, pelos quais Heraldo é atualmente conhecido. O timbre da guitarra era, também, bastante diferente, muito agudo, tendo “escurecido” com o passar dos anos:

Eu fazia para ganhar dinheiro de royalty, mas eu não compraria. O engraçado é que a verba que você tinha pra esses discos, porque a gravadora tinha, eu chegava lá pra gravar e tinha uma orquestra completa. Tinha um coralzinho lá, a Eloá, que era a esposa do maestro Décio Alvares, estava lá fazendo coral, e não sei o que, e eu digo “meu deus, quanto dinheiro tá gastando aqui pro meu disco!”. Só que era meu nome, mas eu não mandava nada né, chegava lá tinha que ler o que estava escrito como qualquer um deles, só que era o solista. Esses foram os discos dessa época28.

O único disco deste período em que Heraldo teve maior liberdade artística, não se submetendo tanto às imposições da indústria fonográfica, foi “O Violão de Heraldo do

27

Heraldo do Monte em entrevista concedida ao autor, no dia 07/05/2014. 28 Heraldo do Monte em entrevista concedida ao autor, no dia 15/05/2014.

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12 Monte” (1968), produzido por J.T. Meirelles29

. Neste LP aparecem alguns improvisos e ele pôde opinar um pouco a respeito dos arranjos: "É um disco comercial, mas não tem nada a ver com os do começo, ‘Dançando com o Sucesso’, que era o máximo em breguice”30. Ainda sobre este tempo, Heraldo relata:

Naquela época que eu gravei aquela série “Dançando com o Sucesso”, aquelas coisas meio bregas, não existia ficha técnica. Tinha só meu nome e talvez o do maestro, geralmente nessas coisas bregas é um cara que escreve bem pra caramba, mas ele tinha que bregar pra fazer, pra entrar no clima da produção, e até o timbre da minha guitarra tinha que piorar bastante porque o produtor [Júlio Nagib] queria um negócio bem agudinho, o cara falava “eu quero que pareça um sino”. O maestro era o Chiquinho de Moraes, grande maestro31.

Em meados de 1966, Geraldo Vandré convida Heraldo, Airto Moreira, Hermeto Pascoal e Theo de Barros para acompanhá-lo numa série de apresentações para a Rhodia, empresa de tecidos que estava desenvolvendo uma linha de moda brasileira e a apresentaria numa série de desfiles pelo Brasil, com os músicos tocando no palco. A participação de Hermeto foi vetada por Lívio Rangan, diretor de marketing da empresa, por achá-lo muito feio. Assim, durante a turnê, o quarteto se transformou em trio, reincorporando o pianista após o término, nomeando-se o grupo como “Quarteto Novo”.

Ainda durante as viagens, os músicos começaram a elaborar a proposta estética da nova banda. Com o fim da turnê, Vandré passou a pagar um ordenado mensal para que os instrumentistas se dedicassem exclusivamente a este trabalho, passando eles a ensaiar todas as tardes, por um período de um ano. Disto resultou a gravação de um disco, os shows em acompanhamento do cantor e compositor citado e uma turnê na França com Edu Lobo.

Vandré teve grande importância na formação do grupo, não somente na atuação como uma espécie de mecenas, mas na influência que provavelmente exerceu sobre as suas opções estéticas. Ligado ao Centro Popular de Cultura (CPC)32, este compositor, militante de esquerda, teve muitas de suas ideias incorporadas pelo Quarteto, embora não descartemos a

29 J.T. Meirelles (10/11/1940, Rio de Janeiro - 03/06/2008, mesma cidade) era saxofonista, arranjador e compositor.

30 Heraldo do Monte em entrevista concedida ao autor, no dia 15/05/2014. 31 Ibidem.

32

Organização associada à União Nacional dos Estudantes (UNE), criada em 1961, no Rio de Janeiro, com o objetivo de criar e divulgar uma "arte popular revolucionária".

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possibilidade de que os demais músicos já tivessem uma inclinação para o nacionalismo musical que, conforme demonstraremos mais adiante, compunha o projeto do CPC33.

A nossa hipótese é de que este grupo tenha sido, pois, um “divisor de águas” na carreira de Heraldo, pois é a partir da atuação no Quarteto Novo que ele se assume como artista, ou seja, como um músico com estilo e que faz opções estéticas, atuando em prol delas e abandonando a profissão de "operário da música", que provia, até então, o seu sustento e que se caracterizava pela arbitrariedade do repertório e estilo. Neste momento ele acaba, então, “vestindo a roupa de violeiro”, resgatando a sua “nordestinidade” de origem para a guitarra. Assim, consideramos a produção fonográfica do Heraldo solista como sendo dividida em duas fases: A primeira, que compreende os anos 1960, sendo caracterizada pelo apelo comercial e pela falta de definição estética e a segunda, que se inicia nos anos 1980, de criação de um estilo próprio e, portanto, de maturidade artística.

O Quarteto Novo, por sua vez, ficou conhecido na historiografia da música brasileira instrumental por ter sido um dos primeiros grupos a formularam uma linguagem de improvisação com base na música nacional, diferenciando-se dos trios de bossa-nova e conjuntos de samba-jazz da época, que se caracterizaram pela influência marcante do jazz nos improvisos. O único LP produzido pelo grupo, homônimo, foi lançado pela Odeon, em 1967.

No ano seguinte, Heraldo gravaria o LP “O Violão de Heraldo do Monte” que, apesar de lançado após a passagem do músico pelo "Quarteto Novo", ainda pertence, esteticamente, ao período anterior à consolidação de seu estilo. Voltaria a gravar um disco em seu nome somente em 1980.

Com o fim do Quarteto Novo, Airto se mudou para os Estados Unidos e entrou em contato com diversos músicos famosos de jazz, entre eles Wayne Shorter, que nessa época pretendia montar um grupo que fugisse dos paradigmas do bebop, buscando uma linguagem de improvisação fora do jazz, projeto semelhante ao do Quarteto em solo nacional. Ambos montaram juntos, então, a banda Weather Report, tendo sido Heraldo convidado a compô-la. Este, que já havia recusado uma proposta de Walter Wanderley para morar naquele país

33 Neste contexto, a bossa nova assimilava a influência estrangeira, convertendo-se em samba-jazz, nascia o samba-rock de Jorge Ben e o rock brasileiro da Jovem Guarda. Aos olhos dos intelectuais do CPC estas incorporações, pelos artistas, de elementos provindos da música norte-americana representava uma "ameaça aos valores nacionais" e, portanto, à liberdade e autonomia cultural do país e, consequentemente, econômica.

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14 alguns anos antes, manteve sua posição34.

Logo após este convite, foi contratado para tocar na orquestra da TV Tupi, onde trabalhou durante sete anos, como contratado. Fazia de um a dois programas semanais, somente, sobrando-lhe tempo, pois, para fazer shows e gravar. Neste período tocou com diversos artistas reconhecidos, como Michel Legrand, Dominguinhos, Sivuca, Zimbo Trio e Elomar.

No decorrer dos anos 1970, atuou bastante em estúdio, gravando música comercial, ao lado de Claudio Bertrami, Amilson Godoy e Chico Medori. Estando, após algum tempo, fartos deste tipo de trabalho, resolveram os músicos, montar o grupo Medusa35, com o fim de se realizarem artisticamente. Ensaiavam todos os fins de semana. Heraldo permaneceu no grupo por volta de um ano e participou da gravação de seu primeiro disco, sendo posteriormente substituído por Olmir Stocker.

Em 1980, foi uma das atrações do II Festival Internacional de Jazz de São Paulo, onde tocou em duo com Claudio Bertrami, apresentando algumas das músicas que seriam lançadas em seu disco solo, gravado no mesmo ano. Cabe ressaltar, aqui, que a crítica musical tende a considerar qualquer gênero musical popular urbano, instrumental e que possua improvisação como uma vertente do jazz. Assim, é comum vermos bossa-nova, música cubana e outros gêneros latinos serem rotulados como latin jazz, integrando festivas especializados no estilo norte-americano. Heraldo grava, então, como solista - e desta vez com total liberdade artística -, os LPs “Heraldo do Monte” (1980), “Cordas Vivas” (1983) e “Cordas Mágicas” (1986); e o LP “Consertão” (1982) em parceria com Arthur Moreira Lima (piano), Elomar (voz) e Paulo Moura (clarinete).

Estes trabalhos marcam a maturidade musical - técnica e estética - do guitarrista, conquistada em uma trajetória de mais de vinte anos e na passagem pelo Quarteto Novo. Trazem à tona, também, o seu talento como compositor, multi-instrumentista de cordas e o se ecletismo, mostrando familiaridade com o frevo, o baião, o samba, o choro, a bossa-nova, a valsa, a balada, entre outros gêneros populares.

Em 1988, Heraldo tocou no Festival Internacional de Jazz de Montreal. Em 1989,

34

Heraldo afirmou, em entrevista ao autor, não ter aceito os convites em virtude do apego ao Brasil e por não querer ficar longe dos familiares e da cidade natal.

35 Grupo formado em São Paulo por: Amilson Godoy (piano), Cláudio Bertrami (baixo), Heraldo Do Monte (guitarra, violão, bandolim) e Chico Medori (bateria). O primeiro LP, "Grupo Medusa", lançado em 1981, inaugurou a gravadora Som da Gente, especializada em discos de música instrumental brasileira

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foi convidado para ser professor da Universidade Livre de Música de São Paulo (ULM) e guitarrista da Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo, onde trabalhou com Cyro Pereira e Luís Arruda Paes (com quem já tinha trabalhado na orquestra da TV Tupi).

Foi vencedor do prêmio Sharp na categoria ‘melhor arranjador regional’, em 1995 e 1996, pelos arranjos escritos para os CDs “Dominguinhos é Tradição” (1995) e “Pé de Poeira” (1996), de Dominguinhos. Em 1998, participou da gravação do CD lançado pela revista Guitar Player Brasil - com a música "Na pisada", de sua autoria -, que elegeu os melhores guitarristas do país naquele ano.

Nos anos 2000, lançou os CDs “Viola Nordestina” (2001) - como solista -, "Teca Calazans e Heraldo do Monte" (2003) - um duo com a musicista referida - e “Guitarra Brasileira” (2004). Participou, ainda, como convidado, de uma série de shows com o guitarrista brasileiro de blues André Christovam e do projeto “Trilogia da Guitarra Brasileira” - organizado pelo SescTv -, do qual participaram também Olmir Stocker e Hélio Delmiro.

Sobre os períodos em que ficou sem lançar discos próprios (de 1968 a 1980 e de 1986 a 2001), Heraldo não terem sido nenhuma estratégia de marketing ou frutos de uma insatisfação artístico-profissional:

Eu sempre fui de ‘deixar a vida me levar’, eu tenho essa sorte, eu pensava assim: eu tenho meu telefone aí, todo mundo tem meu telefone, então não vou ficar ‘olha meu, tem gravação pra mim? Tem não sei o que pra mim? Tem show pra mim?’ Eu nunca fiz isso 36.

Atualmente, Heraldo mora com a esposa no bairro de Santana, na zona Norte de São Paulo, onde ministra aulas particulares de música. Faz shows pelo Brasil e, entre seus projetos mais recentes, estão o grupo “Quinteto à Brasileira” - com André Marques, Nenê, Arismar do Espirito Santo e Vinícius Dorin - e o show “Choro de Viola”.

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1.2 – Heraldo do Monte e o Nacional Popular.

Este item tem por objetivo discutir a forma com que a ideologia do nacional-popular se articulou na canção de protesto dos anos 1960, traçando um paralelo com o movimento modernista dos anos 1920 e com o projeto de construção da identidade nacional dos anos 30. Assim, traçamos um breve histórico do nacionalismo nas artes brasileiras, apontando para suas possíveis influências sobre Heraldo do Monte.

A) Influências Estrangeiras

A questão da influência estrangeira é bastante recorrente nas discussões a respeito da música brasileira37. Na Semana de Arte Moderna de 1922, criticava-se a influência europeia em nossa música erudita, considerada pelos modernistas como mera transposição da música clássica e romântica. Pelo discurso do antropofagismo, desenvolvido por Oswald de Andrade, o músico brasileiro deveria assimilar as diversas influências musicais recebidas em sua vivência cotidiana - do folclore rural à música europeia - de maneira crítica e criativa.

Na década de 1930, uma nova corrente de intelectuais, formada, notadamente, por sociólogos e antropólogos, dá início a um processo de valorização ideológica da mestiçagem e de toda música resultante desta cultura híbrida que, em contraste com a concepção modernista, não é composta de elementos provindos de uma etnia brasileira nata - indígena, rual - somada a elementos trazidos da África e da Europa, mas de uma cultura que nasce da mistura de todas as raças em solo brasileiro, nos centros urbanos, e que caracterizaria a nação como um todo. É quando o samba - mais especificamente o carioca - passa a representar a identidade do Brasil, exportado nas vozes de Carmen Miranda, Orlando Silva, Francisco Alves, entre outros expoentes do rádio, coincidindo o projeto dos intelectuais com o do presidente Getúlio Vargas, que visava o fortalecimento da ideia de nação em um país bastante dividido em culturas regionais e caracterizado pelo localismo político38.

O nacionalismo musical tinha, no entanto, que enfrentar a Indústria Cultural, que

37

Cf. Andrade (1962,1975), Contier (1998), Napolitano (2001), Ortiz (1994, 1995) et Ridenti (2000). 38 Cf. Ortiz (1994), Prado (2013), Sandroni (2001), Siqueira (2012), Vianna (2010) et. Wisnik (1983).

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se impunha com força no país39: Com o advento do cinema falado (1920), do rádio (1930) e, posteriormente, da televisão (1950), a música internacional foi cada vez mais incorporada ao nosso cotidiano. Gêneros como foxtrote, dixieland, swing, tango, habanera, bebop, cool jazz,

bolero e outros dividiam espaço, nos meios de comunicação de massa, com sambas, maxixes,

baiões e outros de origem nacional, somando-se, ainda, aos ritmos trazidos, em períodos anteriores, por italianos, espanhóis, alemães, portugueses, africanos, etc. Era difícil, pois, diferenciar entre uma música genuinamente brasileira e aquela que teria incorporando influências estrangeiras, constituindo-se a identidade e a tradição nacional como processos de escolhas ideológicas.

Na década de 1950, surgem importantes revistas especializadas no debate, como a Revista de Música Popular, editada por Lúcio Rangel e Pérsio de Moraes, "que aglutinou um determinado pensamento estético e ideológico fundamental na invenção da tradição musical brasileira” (NAPOLITANO, 2010, p. 60). É no final deste período que aparece a bossa-nova, representando, no plano musical, o auge da modernidade musical brasileira e o otimismo que caracterizou os anos de desenvolvimento urbano-industrial do país, sob o governo de Juscelino Kubitschek.

Este período foi sucedido pelo agravamento das crises políticas que culminaram no golpe militar de 1964. Os intelectuais de esquerda, críticos do desenvolvimento capitalista, adotam, então, uma postura revolucionária, que englobou o campo artístico: “a conjunção entre o nacional e o popular na arte visa a criação de um espaço estratégico onde o projeto de autonomia nacional contém uma posição defensiva contra o avanço da modernidade capitalista” (WISNIK, 1983, p.134). Novas formulações sobre a música brasileira vão aparecer, com o objetivo de que ela seja, ao mesmo tempo, apreciada pelo povo e politicamente engajada.

Assim, longe de se restringir a um período histórico específico, o embate entre intelectuais acerca do nacional versus estrangeiro na música brasileira se manteve presente ao longo de toda a sua trajetória, ganhando, a cada década, novas roupagens, que pretendemos detalhar a seguir.

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B) Modernismo e Folclore

Em 1928, Mário de Andrade escreve o “Ensaio Sobre a Música Brasileira”, definindo as bases do modernismo musical no Brasil. Os intelectuais que compunham este movimento objetivavam a criação de uma música erudita com raízes brasileiras, que fosse capaz de atuar na consolidação de um ethos nacional. Considerando o folclore uma manifestação “autêntica” do povo brasileiro, defendiam que nele deveriam ser colhidos os materiais de base para que o compositor desenvolvesse sua obra, que resultaria numa arte erudita com matéria-prima reconhecida pelo povo. Assim, nas décadas de 1920 e 1930, influenciados pelos modernistas europeus, os daqui procuraram construir uma teia de significantes representativos de uma música brasileira através da pesquisa temática e técnica da cultura popular, visando a construção de uma identidade nacional. Esta pesquisa, porém, centrando-se nas culturas de tradição oral, rurais, excluiu a música popular urbana, vista como produto da Indústria Cultura e considerada por demais impregnada da música estrangeira.

Indo, portanto, na contramão de uma nova corrente de intelectuais - entre eles Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda - que valorizava a música popular urbana como representante da verdadeira brasilidade - mestiça40 -, o projeto modernista negou “a cultura popular emergente, a dos negros da cidade, em nome da estilização das fontes da cultura popular rural” (WISNIK, 1983, p.133), defendendo uma ideia de pureza. Além disto, cabe ressaltar que a arte popular é aceita somente como matéria-prima, mas jamais em sua forma original, como é produzida pelo povo.

C) A década de 1960

Nos anos 1960, o nacionalismo retorna sob nova ótica, a da esquerda política. A situação econômica, política e social do país, analisada pelo PCB41 e pelo CPC de um ponto de vista marxista, levou estes intelectuais a defenderem a importância da conscientização do povo brasileiro de sua condição de exploração e atraso, através de uma arte que com ele se

40

Cf. Vianna (2010).

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identificasse, incentivando-o a realizar a revolução comunista42.

Nasce a canção de protesto que, deixando de lado a exaltação da mulher, da natureza e do Rio de Janeiro, temáticas tão presentes no samba e na bossa nova, passa a exaltar as qualidades e o sofrimento do povo brasileiro que compõe a classe trabalhadora. Os artistas envolvidos com os Centros Populares de Cultura, se engajam nos festivais de canção e no teatro musical, produzido por grupos como o Arena e o Opinião. Para conseguirem dialogar com o povo vão em busca, como os modernistas, de uma linguagem “genuinamente nacional”, visando recuperar a memória de uma tradição oral e rompendo com as influências externas consideradas por eles como alienantes. A diferença deste novo movimento se dá no fato de que, ao contrário do anteriormente exposto, estes artistas valorizaram a música popular urbana, notadamente o samba nascido nos bairros operários e favelas do Rio de Janeiro.

Na poética, os compositores criaram mitos sobre o que se denominou de “novos lugares da memória" (CONTIER, 1998, p. 20): o morro (favela, miséria, periferia, proletariado), o sertão (fome, seca, religião, cultura afro, sertanejo) e o meio rural. Era preciso denunciar a situação de miséria do povo e fazer com que este se reconhecesse na arte produzida pelos intelectuais. O uso de instrumentos como a viola caipira, o violão e o pandeiro e de gêneros como frevo, baião, moda de viola, entre outros considerados como autenticamente brasileiros, foram os principais elementos das criações musicais.

Criou-se um conjunto de padrões dogmáticos, tidos como inquestionáveis - estética e politicamente -, sendo criticado todo produto que não se alinhasse aos mesmos. Muitos músicos, de forma consciente ou não, assimilaram estas normas impostas pelo CPC: “Nunca se acreditou tanto na arte como força política no mundo” (CONTIER, id, ibid.).

O manifesto do CPC foi escrito por Carlos Estevam Martins43, em 1962 (MARTINS, 1979), e defendia uma arte revolucionária destinada à conscientização política das massas, criticava concepções artísticas estético-formalistas, artistas despolitizados e pensava a arte como reflexo das relações sociais de produção e de um determinado estágio de evolução econômica de uma nação. O artista deveria ser um militante político engajado na luta de classes e, ao mesmo tempo, porta-voz do novo. O artista despolitizado, ou defensor da

42 Percebemos aqui que a postura dos intelectuais do CPC em relação ao povo assume o mesmo caráter hierárquico dos modernistas, ou seja, de utilizar o povo para a propagação e realização de seus ideais políticos. . 43

Carlos Estevam Martins (1934-2009) era Doutor em Ciências Sociais e professor do Departamento de Ciência Política da USP. Foi um dos fundadores (1961) e primeiro diretor do Centro Popular de Cultura da UNE.

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arte pela arte, era rejeitado e criticado como instrumento da classe dominante, sendo suas obras vistas como perpetuadoras do status quo. O manifesto ainda dividia os intelectuais-artistas em três tipos: "1°) conformistas (agentes da ideologia da dominação); 2°) os inconformistas (agentes que se autoproclamavam neutros ou independentes [...], 3°) os partidários de uma atitude revolucionária consequente” (CONTIER, 1998, p. 23), sendo este último o exemplo a ser seguido. Já a arte se dividia nas categorias: 1) Arte do Povo: expressão das comunidades pré-industriais, de caráter anônimo e coletivo (folclore); 2) Arte popular: produzida para consumo das massas e; 3) Arte popular revolucionária: engajada no processo de conscientização das massas.

A visão que o CPC tinha dos meios de comunicação de massa e da Indústria Cultural era, também, bastante diversa da dos modernista: enquanto que para estes a Indústria Cultural exercia influência negativa sobre a música, para o CPC os meios de comunicação de massa poderiam atuar na divulgação do ideário revolucionário. A televisão, até então considerada pelos intelectuais como o lugar da alienação, foi ressignificada.

A recepção da canção de protesto pelo público variava bastante de acordo com a forma e o grau em que o conteúdo político era apresentado. Músicas com conteúdo mais explícito atingiam setores sociais mais politizados e, portanto, mais restritos. Já as canções de conteúdo metafórico atingiam todos os tipos de público.

Para alguns críticos da canção de protesto, o didatismo que visava a conscientização política das massas, acabou por gerar o rebaixamento estético da música brasileira, um “sufocamento da aura da obra de arte” (CONTIER, 1998, p. 27), sendo a estética desprivilegiada em prol do panfletarismo. Este fato incomodou, notadamente, os compositores que tiveram origem na bossa-nova44. Assim, buscando manter suas influências estéticas, porém combinando-as ao discurso revolucionário, músicos como Carlos Lyra e Edu Lobo, elaboraram uma linguagem que acabou por influenciar os intelectuais, amenizando a dicotomia nacional versus estrangeiro., representada pelas oposições entre jazz e samba, violão e guitarra, entre outras. Para eles, a forma tinha um papel tão decisivo na conscientização política do povo quanto o conteúdo.

Outros compositores, no entanto, acabaram por optar pelo abandono de

44

Por conter elementos que apontam para uma influência do jazz, a bossa-nova foi muitas vezes vista com desconfiança pelos intelectuais de esquerda, que não a consideravam como música “autenticamente” brasileira.

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linguagens musicais mais modernas, indo em busca das raízes folclóricas brasileiras e, assim, o período se caracterizou pela riqueza de expressões advindas das variadas posições políticas e estéticas.

D) Heraldo do Monte

Percebemos indícios, conforme demonstraremos nas análises das obras escolhidas, da incorporação, por Heraldo do Monte, de algumas das ideias apresentadas, relativas ao nacionalismo musical. Apesar de não ter sido militante político, ele apresenta em sua obra características estéticas que remetem ao projeto esquerdista, que podem ter sido incorporadas de maneira consciente ou não, embora o nacionalismo tenha sido praticado de maneira declarada: Heraldo e os demais integrantes do Quarteto Novo passaram por uma fase de produção ultranacionalista na qual trabalharam no sentido de tentar eliminar de sua música qualquer influência estrangeira.

Este período foi seguido de uma re-incorporação da influência do jazz e outros gêneros estrangeiros, tendo sido a criação posterior de Heraldo orientada no sentido de construir uma linguagem musical moderna - cosmopolita -, mas que fosse percebida e classificada como brasileira.

Deste modo, levantamos a hipótese de que a afinidade entre as concepções estéticas de Heraldo e as ideias CPCistas foi desenvolvida de forma menos programática, apesar do contato que teve com Geraldo Vandré, militante assumido. Seu profundo conhecimento técnico-musical, o ouvido apuradíssimo, a fluência na execução de gêneros musicais diversos, além da consciência que tinha do contexto social que vivenciou nos anos 1960 são elementos que, combinados, guiaram suas escolhas estéticas. Até este período, quando passa pelo Quarteto Novo, Heraldo era conhecido como um músico de muita técnica e competência, porém sem identidade. Tocava diversos gêneros e possuía uma autoimagem de guitarrista de jazz. Ele próprio afirma que, assim como Hermeto, não dava muita atenção ao folclore nordestino, pois, embora esta tradição tivesse sido parte do cotidiano dos músicos, não estava presente no repertório que eles tocavam nas boates e estúdios, cujos repertórios eram compostos, majoritariamente, de jazz e bossa nova. Ele próprio afirmou que, até então, atuava como um “operário” da música, topando trabalhos que lhe provessem sustento,

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gravando discos em que, apesar de atuar como solista, não tinha nenhum poder de decisão. Participou ativamente das produções do mercado fonográfico nos anos 60 e 70, gravando centenas de discos, muitos deles de música comercial45 mas, também, de trabalhos de música instrumental e canção que possuíam um cunho mais “artístico”, conciliado as necessidades financeiras à importância que dava à música "de qualidade".

Assim, levantamos a hipótese de que o Quarteto Novo foi um marco na trajetória de Heraldo, que a partir daí se colocou como artista e fez as escolhas estéticas que o acompanham até hoje. Com a formação do grupo e o contato com Geraldo Vandré, os integrantes passaram a amadurecer ideias na tentativa de formular a sonoridade do conjunto. Os músicos já tinham uma predisposição para criar, já pesquisavam novas sonoridades, mas ainda de forma intuitiva. Vandré, no entanto, possuía formação político-intelectual de esquerda, era filiado ao CPC e estava tentando colocar o ideário desta instituição em prática na sua música. Assim, supomos que, juntos, este compositor e os músicos integrantes do Quarteto criaram as concepções estéticas que nortearam o conjunto - Vandré de forma intelectualizada e os músicos de forma intuitiva, baseados no conhecimento que tinham de música pela prática. Nenhum dos músicos que acompanhou Vandré se declarou politicamente engajado e Heraldo, inclusive, fez muitas vezes piadas e críticas ao comportamento da esquerda nacionalista. A vivência, porém, do contexto político dos anos 1960 foi, acreditamos, transpostas à sua música.

Para a gravação de seu primeiro LP, os músicos do Quarteto Novo fizeram um estudo dos gêneros populares brasileiros, especialmente os nordestinos, o que significava, para Heraldo e Hermeto, um resgate de suas raízes culturais. Passaram, então, a trabalhar no sentido de eliminar qualquer resquício de influências musicais estrangeiras - pelo menos naquele momento inicial -, não se permitindo ouvir ou tocá-las. Para que esta imersão no projeto fosse possível, Vandré pagou salário para que os músicos se dedicassem exclusivamente ao projeto, ensaiando eles todas as tardes durante um período de aproximadamente um ano46.

Houve primeiro uma espécie de disciplina, logo no começo do Quarteto Novo, pra

45 Por não considerar estes discos como significativos em sua carreira, ele sequer os possui. 46

Notamos aqui, que apesar de não serem ligados a esquerda, eles passaram a ter uma atitude radical quanto à questão da influência da música estrangeira.

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gente poder criar a linguagem. Porque, você sabe, que improvisação não é uma coisa de fora pra dentro, só vale quando você interioriza, quando ela vem de dentro pra fora. Então a gente começou, além de escutar essa coisa de folclore, começou a um policiar o outro nos ensaios, né, quando começava a improvisar; só naquela época, depois a gente relaxou um pouco, ou bastante. Quando começava a sair do esquema um já dizia " ih, tá muito bebop", e aí voltava a fazer. Então houve uma certa disciplina e até uma falta de liberdade no começo. Foi estudado mesmo, foi47.

O grupo chegou à conclusão de que o seu diferencial seria a criação de uma maneira de improvisar brasileira, pois, até então, as formas conhecidas e utilizadas pelos músicos nacionais derivavam, em sua maior parte, da linguagem jazzística.Segundo Heraldo, existiam muitos grupos de música brasileira naquele período, que tocavam repertório, melodias e harmonias brasileiras, mas que, no momento da improvisação, utilizavam o vocabulário provindo do jazz. Foi aí que se deu, segundo seus integrantes, a originalidade do Quarteto Novo, na medida em que propôs uma linguagem de improvisação que rompesse com este padrão. A construção desta, no entanto, não foi nada simples. A improvisação é uma atividade que exige alto grau de musicalidade, domínio técnico do instrumento e conhecimento do estilo musical no qual se vai improvisar. É preciso, pois, ter vivência deste para que os solos soem como "naturais", vindos de “dentro para fora”. Foi este um dos motivos pelo qual os músicos se dedicaram, por um tempo, exclusivamente aos gêneros com os quais pretendiam se familiarizar.

Foi somente após esta experiência, em cotidiano fortemente influenciado pelo ideário nacional-popular, que Heraldo do Monte iniciou o seu projeto de construção de uma “brasilidade” na guitarra, a qual passou a ser sua principal característica.

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Capitulo II: O Baião

2.1 A improvisação e o baião

Tradicionalmente, o baião não é um gênero musical que tem a improvisação como característica principal, como o jazz e os diversos gêneros de música instrumental brasileira. Na música de Luiz Gonzaga, seu maior expoente - tendo recebido o epíteto “Rei do baião" -, cuja obra é considerada como definidora das características musicais do estilo tal como o conhecemos hoje, não encontramos muitas seções improvisadas, muito menos aquelas “no formato chorus” (CORTES, 2012 p.47), bastante utilizado no repertório da música instrumental brasileira, na qual a obra de Heraldo se insere. São os músicos pertencentes a este ramo que, influenciados por outros gêneros musicais - como o choro, o samba, a bossa nova e o jazz -, introduzirão, a partir da década de 1960, a estrutura do chorus no baião, a exemplo de Sivuca, Dominguinhos e Oswaldinho do Acordeon.

Esta adoção do baião pelos instrumentistas brasileiros em seu repertório após a década de 1960 se deu, entre outros motivos, por considerarem eles a música nordestina de tradição oral “genuinamente brasileira”, mais “folclórica” e "verdadeira" do que os gêneros que eram propagados pelos meios de comunicação de massa, como o samba carioca. No caso específico do Quarteto Novo, o baião era considerado pelos seus componentes como estilo bastante distinto do jazz, ao contrário de gêneros como o samba - que já recebia influência desta música a partir dos grupos de samba-jazz - e a bossa-nova, sendo, pois, mais fácil criar a partir dele a sonoridade brasileira que buscavam.

Se a improvisação não ocorreu, tradicionalmente, no baião estilizado por Gonzaga, há indícios, no entanto, de que ela ocorria nos encontros musicais anteriores a ele, embora não o possamos comprovar. Os forrós, festas em que tocavam gêneros nordestinos variados de música para a dança - como o xote, o arrasta-pé e o xaxado -, duravam muitas horas, o que nos leva supor que os músicos, por via da improvisação, prolongassem o tempo de execução das músicas. Além disso, entre músicos proficientes em um determinado gênero ou instrumento, caso daqueles que vivenciam cotidianamente uma tradição musical, “existe uma tendência para a criação espontânea de variações sobre melodias que são repetidas

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exaustivamente. Tais variações podem se tornar cada vez mais ousadas e se distanciar quase por completo da melodia original” (CORTES, 2012, p. 49).

O nascimento de padrões musicais estruturados a partir da variedade de estilos que eram executados em festas populares, onde geralmente ocorria a improvisação, foi comum a diversos gêneros musicais brasileiros, a exemplo do samba. Até os anos 1930, época em que passa a fazer o papel de representante da identidade musical brasileira, o termo samba, proveniente de "semba" (que significa umbigo, em banto), significava, no Brasil, festa ou batuque dos pretos. Estes encontros eram caracterizados pela realização de todo tipo de batuque, cujo nome variava de acordo com a região - samba de roda, partido alto, maxixe, lundu, entre outros. Somente na Era do Rádio passou a haver uma disputa em torno do termo samba, quando a palavra passa a ter grande importância no processo de construção de uma identidade musical autenticamente brasileira, mestiça48. Cabe ressaltar, ainda, que, antes do advento dos meios de comunicação de massa, a prática musical era uma forma de diversão, onde o improviso servia como meio de interação entre os músicos. Era natural, pois, que no momento da gravação, os improvisos fossem excluídos, permanecendo somente a composição de autoria individual.

É provável que processo semelhante tenha ocorrido com o baião. No repertório de Gonzaga estudado por Cortes (2012), com o intuito de definir as características musicais do estilo, não foram encontradas improvisações, muito menos no formato chorus. Aparecem, somente, alguns trechos instrumentais em que a sanfona toca, ora a melodia principal da música, ora melodias introdutórias, além de breves improvisos vocais, o que nos leva a considerar que a improvisação não é definidora do gênero. Ela não é estranha, no entanto, à música nordestina anterior a Gonzaga, estando presente no campo sociocultural que se relaciona e influencia o gênero que estamos estudando, como o repente - que Heraldo cita como uma de suas principais fontes na construção de sua linguagem de improvisação no baião - e a embolada49. Nestas duas formas de expressão artística, uma dupla de cantores improvisa linhas melódicas em conjunto com versos poéticos. A diferença entre ambos está no fato de o primeiro ser acompanhado das violas nordestinas, ter uma temática baseada na vida cotidiana

48

Cf. Lopes (2008), Moura (2004), Sandroni (2001), Siqueira (2012), Sodré (1998) et. Vianna (2010). 49 Também chamada coco de embolada, coco de improviso ou coco de repente.

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do sertanejo e andamentos mais lentos e o segundo pelo pandeiro, andamentos mais rápidos e duelo entre os músicos, no qual um tenta ‘injuriar’ o outro.

Assim, consideramos a improvisação no baião como tendo surgido da influência desta cultura onde o ritmo nasceu e dos músicos que compuseram a geração da música instrumental brasileira pós-60. Entre estes, o gênero se tornou uma das principais fontes utilizadas como base para a improvisação, conforme podemos observar no repertório de seus mais famosos intérpretes, entre eles, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Hélio Delmiro, Vitor Assis Brasil, Zimbo Trio e o próprio Heraldo do Monte.

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