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O repertorio e a prática do trombone em Campinas durante a segunda metade do século XIX

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Academic year: 2021

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Unicamp – Universidade Estadual de Campinas Instituto de Artes

Rodrigo Alexandre Soares Santos

O repertório e a prática do trombone em Campinas

durante a segunda metade do século XIX

Campinas

2017

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Rodrigo Alexandre Soares Santos

O repertório e a prática do trombone em Campinas

durante a segunda metade do século XIX

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Música, na Área de Música, Teoria, Criação e Prática.

ORIENTADOR: PROFA. DRA. HELENA JANK

CO-ORIENTADORA: PROFA. DRA. LENITA WALDIGE MENDES NOGUEIRA

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO RODRIGO ALEXANDRE SOARES SANTOS, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. HELENA JANK

Campinas

2017

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AGRADECIMENTOS

É certamente um desafio semelhante ao da escrita da tese reservar este pequeno espaço para agradecer às pessoas e às instituições que participaram e contribuíram para a concretização do texto final.

Inicialmente, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento da pesquisa.

Agradeço aos funcionários do Arquivo Edgard Leuenroth – Unicamp, pelo auxílio durante as consultas e pela conservação do acervo.

Agradeço também aos responsáveis pelo Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (CCLA) e pelo Museu Carlos Gomes, na pessoa da musicóloga e restauradora Mary Angela Biason, pela presteza e atenção de seus atendimentos durante minhas visitas para consulta de partituras.

Agradeço à profa. Dra. Lenita Nogueira, pelo pronto auxílio sempre que solicitado, tanto na forma de opiniões acerca da pesquisa, quanto na facilitação de contatos, e, por consequência, na troca de informações.

Devo ainda agradecer a todos aqueles que se abriram e dedicaram tempo para ouvir acerca da pesquisa e, ao oferecer seus pontos de vista, contribuíram para o desenvolvimento do trabalho. Como por exemplo, sinto a necessidade de mencionar professores como Paulo Castagna, que, por sua clareza e objetividade dos comentários, e o professor Alexandro Paixão, pela dedicação ao propor estudos dirigidos, determinaram os rumos da pesquisa.

Agradeço de forma especial à Zuley Jhojana, pela compreensão, ao permitir que eu dedicasse todo tempo necessário para a finalização desta tese e me ausentasse de sua companhia em importantes momentos.

Agradeço também à minha família pelo apoio, confiança e dedicação.

Por último, mas nem de longe menos importante, agradeço à minha orientadora Helena Jank que, desde o período do mestrado, me incentivou e cultivou meu gosto pela pesquisa, permitindo moldar esta tese e meus caminhos de vida.

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RESUMO

A cidade de Campinas revela ser uma importante fonte para a pesquisa. Seu desenvolvimento social e econômico no decorrer do século XIX propiciou a criação de um rico ambiente musical, em igrejas, espaços públicos e saraus particulares, além de promover alguns compositores, como por exemplo, os da família Gomes. Entre 1825 e 1900, a produção musical estava ainda inserida em dois grupos bem distintos: o primeiro, com peças orquestrais sacras, notadamente do compositor Manuel José Gomes e o segundo, cujo repertório concentra-se principalmente na segunda metade do século, com maior diversidade de estilos.

Nota-se, nesse período, a prática do trombone permeada pela utilização dos dois modelos de instrumento vigentes: o antigo, telescópico; e o novo, com válvulas. Essa prática, aliada ao contexto musical local, proporcionou ainda aos trombonistas familiaridade com repertório inovador, entre outros, nas partituras da família Gomes e nas de Azarias Dias de Mello.

Os argumentos defendidos nesta pesquisa baseiam-se em partituras encontradas no Museu Carlos Gomes e nos programas musicais, divulgados em jornais da época, o que demonstra a presença e a relevância desse instrumento desde muito cedo em Campinas no século XIX.

Palavras-chave: Repertório para trombone no século XIX; Trombone de válvulas; Trombone; Música em Campinas no século XIX

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ABSTRACT

The city of Campinas proves to be an important source for research. Its social and economic development in the course of the 19th century led to the development of a rich musical environment in churches, public spaces and private parties, as well as promoting some composers, such as the Gomes family. We note that between 1825 and 1900 the musical production was still inserted in two very distinct groups: the first, with sacred orchestral pieces, notably the composer Manuel José Gomes and the second, whose repertoire concentrates mainly in the second half of the century, with greater Diversity of styles.

We note in this period, the practice of the trombone by the use of two models of instruments in force: the old, telescopic, and the new, with valves. This practice, together with the local musical context, also gave the trombonists familiarity with an innovative repertoire, which we observe, among others, in the scores of the Gomes family and Azarias Dias de Mello.

The arguments defended in this research are based on scores found in the museum Carlos Gomes and in the musical programs published in newspapers of that time, demonstrating the presence and relevance of this instrument from very early in Campinas in Century XIX.

Keywords: 19th century trombone repertoire; Valve trombone; Trombone; 19th century music in Campinas

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Primeira Missa celebrada em Campinas. Óleo sobre tela de Salvador Caruso.

Acervo do CCLA ... 25

Figura 2: Mapa de Campinas de 1840 ... 31

Figura 3: Mapa de Campinas em 1878 ... 32

Figura 4: Dia da inauguração, em 1872, da estação. Quadro de Julles Martin ... 37

Figura 5: Anúncios do Teatro São Carlos: À esquerda, o anúncio da ópera Ernani, datado de janeiro de 1875; à direita, o programa do concerto de copofone, datado de janeiro de 1874 .. 38

Figura 6: Transportes urbanos da elite campineira ... 39

Figura 7: Jardim Público. Início do séc. XX ... 50

Figura 8: Capela provisória. Óleo sobre tela de Castro Mendes. Acervo do Museu da Cidade, Campinas ... 57

Figura 9: Matriz Velha - Desenho anônimo de 1781 ... 58

Figura 10: Desenho da construção da Matriz Nova por volta de 1869 ... 65

Figura 11: Detalhe do altar da Matriz da Conceição ... 66

Figura 12: Comparação das proporções das igrejas Matriz Velha e Matriz Nova. Desenho de Rosada (ROSADA; BORTOLUCCI, 2013, p. 3) ... 68

Figura 13: Sobre o baile de inauguração do Club Semanal ... 72

Figura 14: Quarteto na inauguração do piano Pleyel do Club Semanal ... 73

Figura 15: Sarau em favor da prima-dona M. Hassani com Azarias e Cantinho (oficleide e piston) ... 74

Figura 16: Demonstração do fonógrafo e gravação de piston ... 75

Figura 17: Comemoração de aniversário da Sociedade Carlos Gomes. Concerto com trombone e oficleide ... 76

Figura 18: Extinção Orquestra Sociedade Carlos Gomes ... 77

Figura 19: Última notícia de saraus pela Associação Carlos Gomes ... 77

Figura 20: Bandas de música no Rink em julho de 1878 ... 78

Figura 21: Demonstração do fonógrafo e uma gravação de piston no Rink ... 79

Figura 22: Sobre o Boulevard Campineiro ... 80

Figura 23: Banda do Sant'Anna Gomes no Boulevard Campineiro e na cervejaria Santa Cruz ... 80

Figura 24: Bandas no Bosque dos Jequitibás ... 81

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Figura 26: Sobre a inauguração do coreto do Jardim Público ... 83

Figura 27: Anúncio da récita de Ernani no Teatro São Carlos ... 85

Figura 28: Função da banda em um espetáculo no Teatro ... 86

Figura 29: Concerto de piston por Firmo no Teatro São Carlos ... 88

Figura 30: Piston e Sax-tromboni em um concerto em prol da Associação Artística Beneficente ... 90

Figura 31: Azarias em concerto de saxofonista no Teatro ... 91

Figura 32: Concertos com trombone e piston ... 92

Figura 33: Azarias no sarau em favor do Jardim Público... 93

Figura 34: Participação de Cornetim no concerto em prol da mãe de Casemiro de Abreu... 94

Figura 35: Variações para piston de G. Chaves... 95

Figura 36: Participação de A. Álvaro no concerto em prol da escola Corrêa de Melo ... 96

Figura 37: Anúncios das bandas Sant'Anna Gomes e União Artística no Rink. ... 102

Figura 38: Banda União Artística no saguão do Teatro São Carlos ... 103

Figura 39: Banda União Artística no Jardim Público ... 103

Figura 40: Da esquerda para direita: João César Bueno Bierrenbach, Azarias Dias de Mello e José Pedro Sant’Anna Gomes, por volta de 1900 ... 104

Figura 41: Anúncio de Azarias Dias de Mello ... 105

Figura 42: Banda Azarias no Leilão da Sociedade Beneficência Portuguesa ... 106

Figura 43: Sobre a primeira apresentação da banda Amadores D'Oeste ... 107

Figura 44: Divertimento para piston no concerto da Banda Amadores D'Oeste ... 107

Figura 45: Programa da Exposição Regional de Campinas ... 108

Figura 46: Azarias vende um piston ... 108

Figura 47: Uma banda italiana na fábrica de cerveja Santa Cruz ... 109

Figura 48: Divertimento para bombardino por Pompeu di Tullio ... 110

Figura 49: Esquema do caminho da vibração no pistão de Stölzel ... 114

Figura 50: Modelo tradicional de válvula de Berlim utilizada no Basstuba em F de C. F. Zetsche Söhne ... 114

Figura 51: Pistão de Perinet Pistão de Perinet ... 115

Figura 52: Desenho do trombone com válvulas Viena, presente em Neueste Posaun-Schule de A. Nemetz ... 116

Figura 53: Desenhos de Sax para a patente de 1845 ... 118

Figura 54: Trombone de 4 pistões de A. Sax (c.1869) ... 119

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Figura 56: João Braz da Silva como vendedor de laranjinhas no carnaval de 1879 ... 133

Figura 57: Anúncio do comércio Kiehl & C. ... 134

Figura 58: Excerto da variação 2 da Cavatine de Beatrici di Tenda por Arban ... 135

Figura 59: Juízo de Sant'Anna Gomes sobre a banda do Colégio Culto a Ciência ... 136

Figura 60: Parte de trombone da antífona Tota Pulchra ... 139

Figura 61: Ecce Sacerdos - trombone ... 140

Figura 62: Tantum Ergo - parte de trombone ... 141

Figura 63: Ladainha em F (s/d) - trombone ... 142

Figura 64: Parte de trombone das Matinas do Senhor Bom Jesus ... 144

Figura 65: Parte compartilhada entre trombone e oficleide nas Matinas de Natal ... 145

Figura 66: Parte do trombone da Matina da Nossa Senhora das Dores ... 146

Figura 67: Parte do primeiro trombone da Matina da Ressureição ... 147

Figura 68: Parte do oficleide da Matina da Ressureição... 147

Figura 69: Parte do segundo trombone da Matina da Ressureição ... 148

Figura 70: Missa em G - 1853 - segunda página da parte de trombone ... 150

Figura 71: Credo em Dm - parte de trombone ... 150

Figura 72: Credo em Dm - Sanctus - parte do oficleide ... 151

Figura 73: Missa em G - parte do trombone - segunda página ... 151

Figura 74: Novena para Gloriosa Santa Cruz - parte de trombone ... 154

Figura 75: Novena para Gloriosa Santa Cruz - partes dos oficleides ... 154

Figura 76: Novena para o Espirito Santo (1841) - extrato de parte do trombone ... 155

Figura 77: Sequência Dies Irae - parte de trombone ... 156

Figura 78: Sequência Dies Irae - parte de trombone ou oficleide ... 156

Figura 79: Três Lições de Defunto - Lição 1 - trombone ... 158

Figura 80: Três Lições de Defunto - Lição 2 - trombone ... 158

Figura 81: Três Lições de Defunto - Lição 3 - trombone ... 159

Figura 82: Laudes para Semana Santa - trombone ... 160

Figura 83: Tractus 1 e 2 para o Sábado Santo - trombone ... 161

Figura 84: Tractus 3 e 4 para o Sábado Santo - trombone ... 162

Figura 85: Deus vos Salve - trombone ... 163

Figura 86: Trecho de Valsa Club Campineiro, exemplificando a diferença das linhas de trombone ... 165

Figura 87: Trecho de Valsa Club Campineiro... 166

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Figura 89: Trecho de Valsa Club Campineiro... 167

Figura 90: Introdução Polka sem Fim ... 168

Figura 91: Ritmo característico da Polka sem Fim... 168

Figura 92: Trecho do acompanhamento predominante - Polka Filuta ... 169

Figura 93: Introdução Polka Filuta ... 169

Figura 94: Polca Tico-tico - trombones ... 170

Figura 95: Comparação entre trombone e oficleide ... 171

Figura 96: Marcha da amizade - trombone ... 172

Figura 97: Galope Venâncio - Azarias D. de Mello ... 173

Figura 98: Marcha Fúnebre para banda - Emygdio Jr ... 174

Figura 99: Dobrado Coração Franco - partes de trombones e oficleide 2 ... 175

Figura 100: Tema e Variações para piston - Azarias D. de Mello ... 176

Figura 101: Fantasia Brilhante para oficleide - Maurício Jr ... 177

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Antífonas de Manuel José Gomes ... 138

Tabela 2: Hinos de Manuel José Gomes ... 140

Tabela 3: Ladainhas de Manuel José Gomes... 141

Tabela 4: Matinas de Manuel José Gomes ... 143

Tabela 5: Missas e Credo de Manuel José Gomes ... 148

Tabela 6: Novenas, trezenas e partes avulsas de Novenas de Manuel José Gomes ... 152

Tabela 7: Sequências de Manuel José Gomes ... 155

Tabela 8: Ofícios Fúnebres de Manuel José Gomes ... 157

Tabela 9: Obras para a Semana Santa de Manuel José Gomes ... 159

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LISTA DE ABREVIATURAS

A contralto B baixo vocal Bb Si bemol bbd bombardino bbdão bombardão bbo bumbo bx baixo instrumental

CCLA Centro de Ciências, Letras e

Artes de Campinas cor trompa ctb contrabaixo Fg fagote fl flauta Mz mezzo-soprano ob oboé of oficleide org. órgão Pe. Padre pist piston réb Ré bemol req requinta S soprano

SATB soprano, alto, tenor e baixo

T tenor tamb tambor tbn trombone timp tímpano tpt trompete vl I violino I vl I e II partes separadas vl II violino II

vl I-II ambos em uma só parte

vla viola

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SUMÁRIO

Introdução ... 16

Capitulo 1 - Campinas: do colonial ao urbano ... 22

1.1 A Campinas no tempo do Maneco ... 23

1.2 A Campinas no tempo do Juca ... 27

1.2.1 As visitas do Imperador ... 28

1.2.2 As ruas e os edifícios da cidade ... 30

1.2.3 Das ruas para as rodas ... 35

1.2.4 A iluminação pública ... 42

1.2.5 Espaços ao ar livre ... 45

Capitulo 2 – Os palcos e a música na cidade Campinas ... 52

2.1. Os primórdios da atividade musical em Campinas ... 55

2.2.1 Sobre a Matriz Provisória e a Matriz Velha ... 56

2.2.2 Sobre a Matriz Nova ... 63

2.2 O teatro, os saraus e os espaços públicos ... 70

2.2.1 O Teatro São Carlos ... 83

2.3 As bandas de música campineiras ... 97

Capitulo 3 - O trombone em Campinas na segunda metade do século XIX. ... 111

3.1 Breve histórico do trombone no século XIX: as válvulas ... 112

3.1.1 O trombone nas orquestras europeias ... 120

3.1.2 O trombone nas bandas europeias ... 125

Capitulo 4 - O repertório campineiro com trombone ... 131

4.1 Os trombonistas campineiros. ... 132

4.2 Sobre o repertório com trombone ... 137

4.3 O repertório de bandas ... 163

4.4 Musicas para orquestra e/ou bandas ... 175

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Referências ... 182

Apêndice A - Uma coletânea de trombonistas brasileiros do século XIX ... 186

Apêndice B - Uma combinação de dados sobre as bandas campineiras ... 187

Anexo 1 - Relação de Bandas Campineiras... 210

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Introdução

Atualmente é grande o número de projetos que focalizam os instrumentos da família de metal e, consequentemente, o trombone, concentrando-se prioritariamente, em questões de performance, análise e história desses instrumentos.

Neste trabalho, a proposta é estudar parte do amplo campo da prática musical do século XIX no estado de São Paulo, visando particularmente à prática do trombone em Campinas. Primeiramente, a música sacra, exercida como parte dos ritos da Igreja, passou a fazer parte do cotidiano da cidade, proporcionando aos compositores importante campo para sua produção. Com a consolidação da economia, a elite começou a ostentar os hábitos musicais cortesãos, representados pela música dos teatros e as bandas, presente nas associações e nos clubes particulares, que surgiam para compor o ambiente musical da cidade. Campinas adquiriu, desde a sua fundação, um perfil estratégico no desenvolvimento da província e, com isso, atingiu certo protagonismo no cenário nacional. A delimitação do período determinado para a nossa pesquisa, que representa o momento de maior desenvolvimento econômico e social da cidade, coincide com a documentação disponível.

Sendo assim, formulamos a seguinte questão: “de que maneira o contexto histórico-social influenciou a prática e a produção de repertório para o trombone durante a segunda metade do século XIX em Campinas?”. A partir dessa premissa, estabelecemos como pilares da pesquisa: 1) a compreensão do contexto histórico campineiro no século XIX; 2) o estabelecimento de parâmetros que determinam o conceito sobre a prática do trombone; 3) a observação da produção musical campineira, a fim de observar as características do repertório produzido para trombone nessa época.

A questão formulada nos direciona a observar o trombone em uma perspectiva histórica, trabalhando assim com estudos historiográficos relacionados ao período, calcados no veio interpretativo de fontes documentais, as quais nos munem com ferramentas que nos permitem observar as transformações e a atuação do trombone nos diferentes contextos em que transitou.

No primeiro capítulo, abordamos o processo pelo qual Campinas passou desde sua fundação, observando detalhes acerca de sua urbanização e transformação social, por meio dos indicadores econômicos e demográficos disponíveis.

A cidade, desde sua fundação em 1774, manteve-se agrária e colonial até meados do século seguinte, assistindo, nesse período, a pequenos gestos de transformação social e

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cultural. A economia, com base no cultivo da cana de açúcar, facilitou o aparecimento de casarões, porém a urbanização e a vida cultural ainda eram precárias ali.

Nas últimas três décadas do século XIX, a cidade viveu um amplo processo de desenvolvimento econômico, que acabou potencializando uma intensa transformação social e cultural. Esse desenvolvimento elevou Campinas a uma significativa expressão de prosperidade econômica e cultural na província de São Paulo. O cultivo do café, consolidado como atividade essencial e rentável, propiciou investimentos em melhoramentos da infraestrutura urbana.

O poder econômico adquirido pelos cafeicultores se converteu também em poder político, tornando-os participantes das decisões sobre as diretrizes da administração pública, e, consequentemente, agentes influenciadores do desenvolvimento da cidade.

A criação da linha ferroviária, a partir de meados da década de 1870, foi um dos resultados dessa participação dos fazendeiros. A possibilidade de ligar Campinas a Jundiaí, e a São Paulo em 1872, ampliou os horizontes da cidade, já que, nos vagões, além do café, tranportavam-se ideias, artigos, pessoas, costumes, tradições, que eram assimilados, reelaborados e incorporados à vida da cidade.

A Companhia Campineira de Iluminação a Gás (1875) forneceu a luminosidade que o tempo e o espaço social da cidade necessitavam para se expandir, fazendo com que as pessoas pudessem circular melhor à noite, logo, incrementando as visitas aos clubes, aos espetáculos teatrais e aos espaços públicos.

Em 1879, com a criação da Companhia Campineira de Carris de Ferros, as ruas ganharam mais circularidade e novos personagens, incentivando a população a se deslocar com mais frequência e velocidade em busca das novas opções do comércio e do entretenimento que germinavam.

Foi também a partir de meados da década de 1870 que as opções de lazer e diversão fora dos salões e clubes institucionalmente restritos passaram a se espalhar pela cidade, como a visita de companhias líricas e circenses, companhias de excentricidades, corrida de cavalos, e eventos de atletismo, além do próprio carnaval, que transformava as ruas em passarelas da folia ao som de bandas de música. As praças e os largos, à medida que se urbanizavam, passaram a estimular uma nova relação de comunicação e convívio, tornando-se sensível às manifestações de sociabilidade e cultura.

O desenvolvimento da cidade continuou intenso até o final do século, fazendo com que Campinas fosse capaz de comportar orquestras, bandas, quartetos, pianistas, instrumentistas, cantores e compositores que se sobressaíam no cenário nacional e

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internacional. Tal trajetória foi freada apenas pela epidemia de febre amarela em 1889, que reduziu a população a menos da metade.

No segundo capítulo, dividimos nossa abordagem em três partes. Primeiramente, investigamos o histórico e a transformações da Igreja em Campinas e como isso influenciou a prática musical, para, em seguida, nos debruçamos sobre os espaços ao ar livre, clubes e teatros da cidade. Abordamos também traços do contraditório perfil da sociedade campineira de comportamento aristocrático, porém imbuída de ideais de modernidade, que caracterizaram uma elite intelectual e artística inusitada para uma cidade de interior.

Ao dissertar sobre o histórico da Igreja, não podemos deixar de citar o nome de Manuel José Gomes (1792-1868), que assumiu o cargo de mestre-capela em 1820 e produziu uma vasta obra para grupos vocais e orquestrais de variados tamanhos até praticamente o final de sua vida. Uma nova matriz foi inaugurada em 1883, porém com uma atividade musical reduzida, mantida basicamente com o órgão como sua trilha sonora. Nesse contexto, pudemos identificar o papel que foi delegado ao trombone no ambiente sacro, berço de seu desenvolvimento.

A fundação do Teatro São Carlos, em 1849, representou um marco para a consolidação da atividade cultural. A existência de uma orquestra residente, dirigida por José Pedro de Sant’Anna Gomes, foi fato preponderante para o sucesso do Teatro e também da vida musical de Campinas.

Para finalizar o capítulo, destacamos a importância das bandas, devido ao seu forte sentido simbólico, pois percorriam, como experiência cultural, o terreno do profano e do sagrado ao mesmo tempo, tocando em folias carnavalescas e em procissões. Elas eram de origem militar e também civil e transitaram pelos espaços públicos e privados, fazendo-se presentes em situações festivas e solenes.

Para nos apropriarmos dos conceitos da relação entre música e cultura, buscamos inspiração em Clifford Geertz, cujo livro A interpretação das culturas (1989) nos oferece um estudo sobre os significados criados entre as várias dimensões do social, subtraindo aquela visão que reduz a cultura a um conjunto já estabelecido de regras, compreendendo assim a cultura como um contexto intrincado de signos e sinais a serem interpretados.

No terceiro capítulo, demonstramos ao leitor o processo de desenvolvimento do trombone durante o século XIX, com o intuito de circunstanciar a criação do novo modelo de válvulas e os diferentes grupos em que esse foi utilizado. Por ser um processo que envolveu transformações tecnológicas e musicais, detalhamos também o contexto musical em que os trombones com válvulas foram empregados, para criar, assim, parâmetros de comparação

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entre a utilização do trombone no ambiente europeu e no campineiro. Como importante referencial, utilizamos alguns tratados para esclarecer questões acerca do julgamento estético, desenvolvido pelos compositores da época, além de relevantes aspectos técnicos.

Nesse capítulo, dedicamos ainda um espaço à revelação de informações preciosas sobre os trombonistas e instrumentistas de metal da cidade de Campinas, atendendo ao nosso objetivo de traçar um perfil da prática do trombone, especificamente nesta cidade.

O quarto e último capítulo destina-se à observação das partituras, com vistas aos aspectos técnicos recorrentes no repertório, bem como às características estilísticas do instrumento.

Para isso, foram consultadas 34 composições campineiras que utilizaram o trombone, distribuídas no período entre 1825 e 1900. O significado desse espaço de tempo para a prática do trombone é enorme, visto que, na data da primeira peça, ainda não se tinham notícias sobre a invenção do trombone com válvulas, o que iria acontecer tão somente na década de 1830. As peças consultadas podem ser divididas em duas categorias: as composições para igreja, predominantemente do compositor Manoel José Gomes, e as composições com maior diversidade de estilos, escritas, basicamente durante a segunda metade do século, por compositores como Azarias Dias de Mello e Sant’Anna Gomes.

Embora em menor número, as composições da segunda metade do século nos revelam ampla diversidade e consistência na utilização do trombone, o que contribui sobremaneira para o desenvolvimento deste trabalho e abre campo para futuras pesquisas na área.

1. Sobre os documentos consultados

Após levantamento e análise dos documentos disponíveis, decidimos concentrar nossa pesquisa nos tratados de instrumentação da época, nos jornais Gazeta e Diário de Campinas, e também nos almanaques e nas partituras do período entre 1825 e 1900.

O mais recente dos tratados pesquisados é o Traite D’instrumentation et d’orchestration (1898), de Gabriel Parès. Parès propõe uma divisão em três grupos: L’Orchestre symphonique, L’Orchestre d’harmonie (ou banda de infantaria), e L’Orchestre de Fanfarre (ou banda de metais de cavalaria). Do ponto de vista da instrumentação, o autor escreve que a Orchestre symphonique é a mais ampla e variada, enquanto L’Orchestre d’harmonie, por atuar ao ar livre, deve ter por qualidades principais: a sonoridade, a variedade de timbres e a potência sonora. A orquestração desses grupos não deve favorecer só a potência sonora, mas também induzir ao ouvinte a sensação de estar presenciando uma orquestra de cordas. A Orchestre de Fanfarre é o grupo que possui maior unidade timbrística

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entre os citados, e sua orquestração deve causar efeito semelhante à Orchestre d’harmonie. O autor ressalta, no entanto, que, nesse grupo, o naipe de saxhorn adquire o papel de protagonista.

Quanto à instrumentação, o autor descreve as funções dos trombones como semelhantes na Orchestre symphonique e na Orchestre d’harmonie, porém recomenda que, caso não seja possível utilizar uma tuba, utilize-se, no segundo grupo, um trombone baixo, configurando-se assim um naipe com quatro trombones.

Parès destaca ainda a existência de uma família completa de trombones, incluindo nela tanto os trombones de válvulas quanto os telescópicos. Sobre o trombone com válvulas, afirma que ele não possui uma sonoridade comparável em nobreza à do trombone telescópico, mas seu sistema com válvulas o torna mais fácil de tocar.

Stanislao Gallo divide a banda em duas formações básicas: a Banda Sinfônica e a Banda Militar. Subdividindo as formações, acrescenta ainda mais três aspectos: pequeno, médio e grande, baseadas na quantidade de integrantes. A Banda Sinfônica pode contar com 25, 50 e 75 instrumentistas; a Banda Militar, com 22, 35 e 50 instrumentistas.

Ao descrever o uso dos trombones, o autor sugere que a formação básica do naipe seja com quatro trombones, sendo que o quarto deve realizar as linhas de baixo. As instruções técnicas sobre o trombone de válvulas fornecidas por Gallo estão associadas ao trompete. Nelas, o autor expõe os problemas que o sistema com três pistões traz à execução, já que não é possível corrigir de maneira adequada os desvios naturais de afinação da série harmônica.

Charles Mandel (1800-1899), em seu tratado de 1859, descreve o trombone de pistões de forma semelhante aos outros autores citados. No entanto, afirma que a estreita tessitura utilizada pelos compositores (entre as notas mi 1 e fá 3) é a principal responsável pela dominação dos trombones tenor. Aparentemente essa não é uma situação de seu agrado, pois, em seguida, diz que isso prejudica o caráter do naipe, pois perde o colorido sonoro.

Diferentemente de Gallo, esse tratado traz apenas informações do que ele chamou de Military Reed Band (composta por instrumentos da família das madeiras, metais e percussão). Nessa formação, o autor afirma que, para ser efetivo, o naipe de trombones deve utilizar as três vozes (alto, tenor e baixo). Para buscar novos timbres, Mandel recomenda que alguns músicos utilizem, na tessitura de alto, um trombone tenor de menor calibre, para tornar a voz aguda mais clara. No entanto, destaca a sua preferência por utilizar trombones tenore com diferentes afinações, utilizando um trombone 1 em dó ou réb; um trombone 2 em Bb e um trombone 3, um tenor-baixo dobrado por um trombone baixo. Desse modo, Mandel trata

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o naipe de modo semelhante ao feito nas orquestras, podendo utilizar o trombone tenor como solista em substituição ao baryton ou baixo.

A utilização desses tratados como referência da utilização do trombone fornece a esta pesquisa subsídios para compor um cenário sobre a condição do trombone durante o século XIX. Para aprofundarmos isso, utilizaremos também fontes locais, como o jornal Gazeta de Campinas, que é o mais antigo que consultamos, já que sua primeira edição surgiu em 31 de outubro de 1869, tendo como redatores, entre outros, Campos Salles e Francisco Quirino dos Santos, além de colaboradores do órgão republicano, como Francisco Glicério e Júlio Mesquita. Conseguimos acessar as edições entre 1870 e 1887, nas quais encontramos informações sobre concertos, programas de música e notícias em geral a respeito da atividade musical da cidade.

O Diário de Campinas foi o primeiro jornal diário da cidade, viabilizado graças à breve existência de duas outras publicações, o jornal A mocidade, criado em 1874, que se extinguiu, dando lugar, no ano seguinte, ao Atualidade, que também deixaria de existir dois meses depois para dar lugar ao Diário de Campinas.

Os almanaques campineiros foram importantes fontes para nosso trabalho e, segundo Galzerani (2003), podem ser vistos como ferramentas de difusão das ideias de seus editores, que basicamente eram jornalistas republicanos. Henrique de Barcellos, Carlos Ferreira, Hipólito da Silva, redatores do jornal Gazeta de Campinas e descendentes da elite cafeicultora, também foram organizadores dos almanaques consultados. Entre esses estão: Almanak de Campinas para 1871; Almanak de Campinas para 1872; Almanak de Campinas para 1873; Almanach Popular para o Anno de 1878; Almanach Popular para o Anno de 1879; Almanach Campinense para 1881; Almanach do Correio de Campinas para 1886. Os almanaques foram fonte privilegiada para esta pesquisa, ao permitir o acesso a informações tais como a formação dos grupos e as profissões vigentes na época.

Como último conjunto de documentos consultados, destacamos as partituras encontradas no acervo do Museu Carlos Gomes, que representam um patrimônio musical importantíssimo para o Brasil. Existem diversos títulos disponíveis, que pertenceram à família Gomes. Entre esses levamos em consideração para a nossa pesquisa as composições dos campineiros que, de alguma maneira, contribuíram para o estabelecimento de um perfil para a prática do trombone na cidade.

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Capitulo 1 - Campinas: do colonial ao urbano

A cidade de Campinas é atualmente uma das mais importantes do estado de São Paulo, o que pode ser justificado por sua história, já que, segundo Antônio da Costa Santos (2002), desde o princípio, a fundação da cidade estava ligada a uma estratégia de povoamento e controle do fluxo comercial na capitania. Portanto, Campinas nasceu com vocação para o acúmulo de capital e desenvolvimento econômico.

Surgindo no século XVIII como um bairro distante da Vila de Jundiaí, a então Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso começou a se consolidar e a se expandir durante o século XIX. Passando de uma economia baseada na exploração do ciclo do açúcar para a cultura cafeeira, foram promovidas em Campinas diversas transformações urbanas e comerciais, principalmente durante a segunda metade do século XIX, alcançando a cidade, assim, certo protagonismo no estado. Ao observarmos a trajetória de suas transformações, podemos dizer que a cidade imperial sucedeu a colonial e, mais tarde, foi suplantada, sem esperar a completa modificação social (liquidação da escravidão e mudança de regime político) pela cidade burguesa (LAPA, 2008).

Sendo assim, as transformações sociais não acompanharam o desenvolvimento econômico, pois, segundo Lapa (2008), o comportamento social ainda cultivava os antigos rituais senhoriais. Desse modo, estabelece-se um cotidiano contraditório, onde estava presente a modernização urbana, capitalista e burguesa a serviço de um estilo de vida estamental (LAPA, 2008).

Esse cotidiano contraditório pode ainda ter sido reforçado, segundo Lapa (2008), pelas visitas do imperador D. Pedro II (principalmente a primeira em 26 de março de 1846) e sua comitiva, pois essa presença:

Deve ter contribuído para a introdução, na então sociedade colonial campineira, de comportamentos, indumentárias, e etiqueta que lhe eram desconhecidas, pois a aristocracia agrária que se formara com o açúcar não mantinha a assiduidade de contatos com a capital da província e a corte, que o café estimularia. De certa maneira, constituiu mais um passo decisivo para marcar a transição da ordem social colonial para a ordem social senhorial. (LAPA, 2008, p.87)

Para termos uma ideia do perfil social de Campinas, podemos destacar que, a partir da década de 1850, quando se iniciou a consolidação da transição do açúcar para o café, a população, tanto livre quanto a de escravos, atingiu elevados números para os padrões da época. A quantidade de escravos presentes na cidade entre os anos de 1854 e 1886 se tornou a

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maior da província. A população livre alcançou o maior número em 1874 com 31.397 habitantes (13.685 escravos). Além disso, segundo Baeninger (1993), a partir da década de 1880, Campinas recebeu grande fluxo de imigrantes, sendo que, entre 1882 e 1900, 10.631 imigrantes ingressaram na cidade, distribuídos em sua maioria de italianos (75%), e seguidos de portugueses (11,3%), alemães (3,9%), espanhóis (1,9%), e 1,8% de outras nacionalidades (BAENINGER, 1993).

O panorama de ocupação territorial, aliado ao desenvolvimento econômico durante o século XIX, fez com que Campinas aspirasse à modernidade, principalmente durante a segunda metade do século, o que, segundo Lapa (2008), “significava ser republicano e abolicionista, imigrantista e amante do progresso, higiênico e sintonizado com o que ia para Europa e EUA”. Tal aspiração também acabou se demonstrando, no entanto, contraditória, à medida que observamos a quantidade de escravos e os hábitos sociais presentes na cidade, desde a década de 1850. No entanto, são esses hábitos vão influenciar o fazer musical da cidade, como veremos adiante, originando-se assim um rico material de estudos.

A trajetória pujante da cidade só foi interrompida pela devastação que a febre amarela causou. O ano de 1889 ficou marcado pelo imenso impacto que a doença representou para a cidade, reduzindo a população a menos da metade. Desse modo, a importante cidade que chegou a ser cotada para capital do estado durante o século XIX teve que se recuperar e retomar sua rotina a partir de então.

1.1 A Campinas no tempo do Maneco1

Ao observar as transformações sociais e históricas de Campinas ao longo do tempo, encontraremos claros momentos que contribuíram para o desenvolvimento e o crescimento da cidade. O desenvolvimento econômico propiciado pelo cultivo e beneficiamento da cana de açúcar e, posteriormente, pelo cultivo do café impulsionou a antiga freguesia a se urbanizar, transformando-se em cidade e com intensa vida cultural. Escolher esse título para a seção significa, portanto, identificar um recorte do cenário econômico e social, e concentrar-se principalmente no período em que Manoel José Gomes (1792-1868) pôde produzir o núcleo de sua obra musical, localizada no que denominaremos de primeira fase da música em Campinas.

1 Maneco Músico foi como ficou conhecido Manoel José Gomes (1792-1868), ao chegar à cidade de Campinas e

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Ao chegar à região cerca de 40 anos após a fundação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso, em 1774, e 18 anos após o povoado ter atingido o status de Vila de São Carlos, Manoel José Gomes (1792-1868) encontrou uma cidade com baixa urbanização, uma igreja e uma intensa atividade agrícola.

A fundação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso, segundo Antônio da Costa Santos (2002), fez parte de uma elaboração estratégica de exploração e controle do fluxo comercial regional da capitania de São Paulo. Localizada meticulosamente entre as vilas de Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçu e Jundiaí, a Freguesia era um interposto importante, no que Maria Theresa Schorer Petrone (1968) chamou de “quadrilátero do açúcar” (PETRONE, 1968 apud SANTOS, 2002).

A posição estratégica de Campinas se devia não somente à sua localização em relação ao quadrilátero do açúcar, mas também à proximidade ao “Caminho dos Goyases”, por onde passavam os produtos da mineração até o porto de Santos.

As obras promovidas pelo capitão-general Bernardo José de Lorena foram essenciais para o aprimoramento do Caminho do Mar e o consequente trânsito de tropeiros até o Porto de Santos, o que acentuou o valor estratégico de Campinas e transformou a capitania de São Paulo em palco de intenso comércio de muares, principalmente na Vila de Sorocaba (SANTOS, 2002).

Sobre a fundação e a ocupação do território de Campinas, diz Belotto (1979):

Foi estabelecido que Francisco Barreto Leme fundasse uma povoação, entre Jundiaí e São João de Atibaia. Na mesma data, o governador expedia um bando para que se povoasse Campinas do Mato Grosso, oferecendo-se aos povoadores os habituais privilégios: concessão de terras, ferramentas e isenção de serviço militar. (apud SANTOS, 2002, p. 76)

A fundação da cidade foi marcada por uma missa rezada pelo frei Antônio de Pádua em uma igrejinha de taipa coberta com sapé, chamada de Matriz de Nossa Senhora da Conceição. No dia da primeira Missa, também aconteceu o primeiro batizado, conforme os relatos de Pró Aris et focis (1939):

O primeiro assentamento de Frei Antonio de Padua, como Vigario, dizrespeito ao baptisado de uma criança do sexo masculino, a qual recebeu na pia batismal o nome de Domingos. Seu pae, portuguez de origem, chamavase Domingos da Costa Machado. Era casado com D. Maria Barbosa, filha de Barreto Leme. Neto do fundador de Campinas, o pequeno Domingos da Costa Machado, como o pae, teve numerosa descendência, na qual figura o Coronel Manoel de Moraes, seu neto e portanto tetraneto de

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Barreto Leme (DIAS, 2016, p. 97 apud Pró aris et focis: da matriz velha da Conceição à nova matriz do Carmo - 1739-1939, 1986, p. 19)

Figura 1: Primeira Missa celebrada em Campinas. Óleo sobre tela de Salvador Caruso2. Acervo do CCLA

Extraído de: DIAS, Clayton Junior Dias. Música sacra em campinas de 1772 a 1870: levantamento histórico e

contribuição da família Gomes. 2016. 187 f. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas,

Campinas, 2016.

A igreja de Nossa Senhora da Conceição, que mais tarde ficou conhecida como Matriz Velha, serviu como Matriz até 1781 até ser substituída por uma nova construção, descrita assim pelo viajante e naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que visitou Campinas, em 1819 “a igreja paroquial pequena e mesquinha, eleva-se numa praça que forma um quadrado” (SAINT-HILAIRE, 1972). Benedito Octávio, por sua vez, nos mostra em seu livro Campinas e a Independência, referido por Nogueira (1997a, p. 28) que a Matriz da Nossa Senhora da Conceição era “modestíssima nas linhas rudimentares de sua construção, tendo como ornato apenas dois altares laterais, junto ao arco do presbítero e o altar da padroeira com frisos dourados”.

A concessão de terras e ferramentas impulsionou o cultivo de cana de açúcar na cidade e, posteriormente, a instalação de engenhos. Isso contribuiu sobremaneira com o desenvolvimento econômico da cidade, permitindo assim a sua consolidação no espaço

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A pintura em óleo sobre tela de Salvador Caruso (1905-1951), segundo Dias (2016), foi inspirada na pintura de José de Castro Mendes, elaborando a partir dessa, uma alegoria da primeira Missa celebrada em Campinas na Matriz provisória (DIAS, 2016).

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geográfico do estado. Porém, por ser essencialmente agrária, pouco se via de urbanização, e a população se marcava pela quantidade de escravos. Em 1800, havia um total de 3.620 habitantes, dos quais 29% eram escravos. Em 1829, esses números se modificaram para: 8.395 habitantes, sendo 56,7% escravos.

O centro da cidade, como nos descreve Benedito Octávio, referido por Nogueira (1997a, p. 28), possuía à frente da matriz, o prédio da cadeia, onde funcionava em “um velho edifício com grades de pau e huma grossa estaca de madeira, toscamente lavrada, com a Era em que fôra erecta a villa formava o pelourinho fincada ao centro do largo da Matriz”.

Além disso, esse viajante francês ainda nos oferece uma interessante descrição sobre o que seria a cidade naquele momento, como nos mostra Jolumá Brito em seu livro História da Cidade de Campinas (1959) e compartilhado por Nogueira (1997a):

[...] Numa extensão de cerca de oito léguas o termo de Campinas compreendia em 1819 mais ou menos 6.000 indivíduos [...] esse termo, encerrado em limites estreitos já estava muito povoado em 1819, não mais admitia imigrações importantes. [...] A cidade de Campinas é cercada de mato por todos os lados. As ruas não em muita largura; as casas são novas, próximas umas das outras, cobertas de telhas e construídas, na maior parte com terra socada; várias dentre elas podem passar por muito bonitas. A igreja paroquial pequena e mesquinha ergue-se numa praça que forma um quadrado longo [...]. (SAINT-HILAIRE, 1972, p. 148-149)

A paisagem urbana de Campinas, ainda em desenvolvimento, apresentava uma malha rodoviária com traçado indefinido e pouco extenso, e com casas próximas umas das outras, semelhante a uma grande comunidade.

Essa geografia da cidade permitiu o desenvolvimento de uma teia social semelhante a uma família, marcada pela pessoalidade dos moradores, que se viam e se conversavam frequentemente. Por isso, também não se percebe a necessidade de nomear as ruas, o que pode ser percebido até meados do século XIX. O episódio a seguir, relatado por Hilário Magro Junior, ilustra bem esse perfil.

Em 1869, foi fundada a Gazeta de Campinas e seu gerente, José Maria Lisboa, estava preocupado como o entregador analfabeto, Luiz José de Almeida (o Luiz Corneta), iria entregar os 500 exemplares, e foi questioná-lo:

— Fique sossegado, seu Lisboa. Eu entrego a foia

— Olhe — eu conheço toda a gente de Campinas até mesmo no escuro! João...

— Ah!... esse é o João dos Oclos. — João Morato...

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— Esse é o Dr. João Verde. — João...

— Conheço. É o João Barulho! Manoel de Oliveira...

— Espera... Ah! É o Mané Toicinho! — Manoel Alves...

— É o Mané Cabeça! — Francisco...

— Chico Amarelo, sei Francisco... É o Chico Pingurra — Joaquim...

— Esse... esse... ora... quem é? ... Ah já sei. É o tio Joaquim sem meias (apud LAPA, 2008, p. 40)

E assim nenhum assinante deixou de receber seus exemplares, duas vezes por semana, pois o entregador conhecia todos eles.

A vida urbana da cidade de Campinas começou a se alterar a partir de meados do século XIX, e esse caráter pessoal, quase como se a cidade fosse uma grande aldeia, foi desvanecendo, perdendo espaço para a modernidade que estava por vir.

Na próxima seção, observaremos esse período, na tentativa de preparar o terreno para as futuras considerações sobre o cenário musical. Para isso, deter-nos-emos um pouco na transformação do cenário urbano e também nos hábitos da sociedade.

1.2 A Campinas no tempo do Juca

José Pedro de Sant’Anna Gomes (1834-1908), irmão de Carlos Gomes, ficou conhecido como Juca Músico, por ser filho de Manoel José Gomes (o Maneco Músico). Sua mãe, Fabiana Maria Jaguary Cardoso, foi protagonista de um dramático episódio da família Gomes, ao ter sido encontrada morta (assassinada) no Largo Jorumbeval, em 1844.

A proximidade entre os irmãos era uma constante na vida de ambos, desde os primeiros ensaios na banda do pai até a maturidade. Sant’Anna apoiava o irmão em momentos decisivos da vida.

A importância de Carlos Gomes para a música brasileira pode ser comparada à de Sant’Anna Gomes para o cenário musical campineiro. Sant’Anna também foi muito participativo na vida social da cidade e, por isso, a história de sua música se confunde com a própria história de Campinas, tendo sido ele um marco de fundamental importância, por suas realizações tanto musicais quanto sociais.

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Quando Sant’Anna Gomes nasceu, a cidade ainda estava no inicio de seu processo de urbanização, como vimos anteriormente, porém, a partir de sua juventude importantes traços de mudanças começaram a se fazer visíveis.

Primeiramente, a organização do espaço, notada pela valorização da funcionalidade e pelas características das edificações evidencia um claro indicador da urbanização da cidade. Há registros de uma documentação específica sobre isso, expedida pela Câmara Municipal em diferentes épocas, os chamados Códigos de Posturas. Segundo a pesquisa realizada por Lapa (2008), eram quatro os Códigos de Posturas, emitidos durante a segunda metade do século XIX, que disciplinavam significativamente o traçado das ruas e as edificações: o primeiro publicado em 1858, em seguida o de 1864, depois o de 1866 e por ultimo o de 1880. Esses documentos se mostram importantes, pois se apresentam como fonte primária de pesquisa e também como instrumentos reguladores da vida urbana em momentos que, supostamente, a mudança e a evolução da sociedade exigiam respostas.

A cidade de Campinas, ao aspirar à modernidade, deparava-se com desafios estruturais como, por exemplo, a construção de ruas e novas edificações, a organização do transporte e a implantação de iluminação pública, fatos que tiveram influência sobre a música na cidade e sobre o papel desempenhado pelo trombone.

1.2.1 As visitas do Imperador

Entre os anos de 1846 e 1886, o Imperador D. Pedro II visitou a cidade de Campinas em cinco ocasiões. Os relatos sobre a primeira e a última visitas nos fornecem dados importantes a respeito da prática musical e da capacidade da cidade em realizar grandes eventos.

Pelo relato da primeira visita de D. Pedro II, sabemos um pouco mais sobre a “Banda do Maneco”, na qual, ainda meninos, Carlos Gomes tocava seu “ferrinho” (triângulo) e Sant’Anna Gomes sua clarineta. Já quando da última visita, podemos inferir, pela maior quantidade de bandas, que Campinas passou, de 1846 a 1886, por uma ampla expansão em sua atividade musical (NOGUEIRA, 1997a).

A primeira vez que D. Pedro II visitou Campinas, em 1846, encontrou, segundo Lapa (2008), uma cidade colonial com um estilo de vida ainda não europeizado e com dificuldades para mobilizar os recursos para realizar a recepção à altura do visitante.

Naquela ocasião, a cidade foi remodelada às pressas. Alguns moradores caiaram os muros no trajeto por onde o imperador passaria. As ruas receberam algumas obras de revitalização e limpeza. Além disso, a casa escolhida para alojamento, visando atender às

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necessidades do visitante, precisou ser equipada com novos móveis, emprestados do vereador J. Polycarpo Aranha, e com um trono recém-fabricado especialmente para a ocasião, por Antônio Monteiro de Carvalho e Silva. A cidade ainda teve que acomodar os inúmeros visitantes, que, por falta de hospedagem, tiveram que dormir ao relento. Depois dos preparativos, finalmente, nos dias 28 e 29 de março, realizaram-se as cavalhadas assistidas por 10.000 espectadores, segundo crônica da época (LAPA, 2008).

O imperador ainda visitou a cidade nos anos 1875, para a inauguração da linha da Companhia Mojiana de Estradas de Ferro de Campinas a Moji-Mirim, quando já encontrou uma cidade mais moderna, porém ainda com certa hesitação entre permanecer aristocrática ou assumir seu porte burguês (LAPA, 2008). As visitas posteriores ocorreram em 1876, 1878, e 1886 a passeio, sempre visitando hospitais, fábricas, escolas e fazendas do município.

Além da primeira visita, que foi cuidadosamente descrita em uma crônica de Benedito Octavio, apenas a última teve atenção semelhante. Porém os dados recolhidos por Lapa (2008) estão em diferentes jornais da época, e o mais rico em suas descrições é o Diário de Pernambuco. Nesses relatos consta que o imperador foi muito bem acolhido em sua chegada e acompanhado em cortejo até o local de sua hospedagem, na casa do Conde e depois Marquês de Três Rios, Joaquim Egidio de Souza Aranha. Segundo o jornalista, “a residência do Sr. Conde de Três Rios estava deslumbrante de luxo e riqueza, e o ilustre paulista ofereceu a Suas Magestades regia hospedagem” (LAPA, 2008)

Nessa visita, o imperador foi recebido com bandas na estação da estrada de ferro e, em seguida, seguiu em comitiva entre as alas formadas pela Banda Italiana, Sociedade 14 de Juillet, Hespanhola Mendez Nunez, Alemã Concordia, Beneficente Lindgerwood, Oito de Julho, Clube Mac-Hardy, entre outras. Após um ligeiro descanso, foi visitar a Matriz Nova, parando para ouvir o órgão tocado por Antônio Carlos de Sampaio Peixoto. Em seguida, foi visitar o Bosque dos Jequitibás e o Passeio Público. À noite, assistiu na matriz profusamente iluminada um Te Deum. A população se manteve na praça até às 22h, onde uma banda tocava no coreto (LAPA, 2008).

Os dias seguintes se mantiveram com muitas atividades e visitas. Destacamos ainda a presença de duas bandas, a banda dos operários da fábrica Lindgerwood e a banda dos colonos da Fazenda Sete Quedas que, no fim de uma das jornadas diárias, tocaram o Hino Nacional para receber o imperador na residência em que estava hospedado (LAPA, 2008).

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1.2.2 As ruas e os edifícios da cidade

No período que Lapa (2008) chama de colonial, a cidade possuía ainda poucas ruas, que ainda eram desorganizadas e semelhantes a um depósito de lixo. Entre 1840 e 1850, iniciou-se a pavimentação, quando foram criados trechos então conhecidos como calçadas3. Nesse intervalo de tempo, havia, no entanto, apenas quatro calçadas na cidade, que cobriam:

1. parte da quadra da atual rua Dr. Quirino (rua do Meio) entre a rua Barreto Leme (rua da Matriz Velha) e a atual Benjamin Constant (beco do Roso, depois da rua Caracol); 2. Atual rua Barreto Leme (rua da Matriz Velha) entre a atual rua Dr. Quirino (rua do Meio) e a atual rua Lusitana (rua de Baixo); 3. Atual Francisco Glicério (rua do Rosário) entre os atuais largos do Rosário e da Catedral (Largo da Matriz Nova); e a última cobria a atual rua Barão de Jaguara (rua do Bairro Alto, depois rua Direita) no trecho que vai das atuais Cezar Bierrenbach (travessa do Góes) e Ferreira Penteado (rua do Pórtico). (LAPA, 2008)

Essas quatro calçadas estavam longe de preencher os anseios da população com relação à urbanização da cidade e de demonstrar a dedicação do poder público com a manutenção de suas vias. Um panorama traçado por Henrique Barcelos, cronista e um dos pioneiros da imprensa campineira (fundador e diretor do Correio de Campinas), informa-nos a condições das vias campineiras na década de 1860:

A cidade era uma mesquinha aldeia, não havia calçamento. As ruas eram atoleiros. Na rua Direita, apenas algumas tiras de pedras bicudas, temor dos calos e alegria dos sapateiros, fingiam de calçamento. Na rua do Comercio, havia buracos enormes, onde cabia um homem dentro. [...] No Largo do Rosário, da Cadeia e do Teatro, a erva crescia [...]. (PÁTEO, 1997, p.47 apud MATOS; RICCI, 1985, p.70)

3 Diferentemente do sentido atual de Calçadas – um caminho reservado para pedestres –, nesse contexto o termo

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Figura 2: Mapa de Campinas de 1840

Extraído de: PUPO, Celso Maria de Mello. Campinas, seu berço e juventude. Campinas: Academia Campinense de Letras, 1969. p. 114.

O processo de ampliação da malha viária campineira seguiu constantemente ao longo do tempo, ainda que seu calçamento não acompanhasse a mesma velocidade. À medida que o desenvolvimento econômico aumentava, maior também era a necessidade de se remodelar a cidade. Em 1869, a cidade já possuía 25 ruas grandes, 16 ruas pequenas, 6 praças com edifícios e 4 praças sem edifícios. Em 1872, esses números apontavam para a existência de 34 ruas, sendo 19 longitudinais e 15 transversais, 5 becos e 9 praças (LAPA, 2008).

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Figura 3: Mapa de Campinas em 1878

Extraído de: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2010/02/curiosidades-iluminacao-gas.html

Havia certa indistinção na precariedade do calçamento das ruas, até mesmo locais de maior movimento ou ruas comerciais sofriam com o mau estado de conservação das vias. Um comerciante de “secos e molhados”, desesperado com as condições da rua de seu estabelecimento (rua de Baixo, atual rua Luzitana), dirigiu ao jornal um intenso apelo, pedindo providências urgentes para sua rua, pois, segundo ele, seu comércio estava sendo prejudicado pela dificuldade de acesso (PÁTEO, 1997):

Sr. Redactor. As últimas chuvas pozeram a minha Rua de Baixo - tão por baixo - que muito de meus fregueses ameaçam-me de não voltarem à minha loja, se eu não dér providências. É boa esta os meus fregueses! Pois eu heide (sic) calçar a rua? Sabe Deos que sacrifícios faço para calçar os meus pes, e mais uso tamancos que é obra barata e de duração! V.S. é quem póde me salvar, se não eu quebro e não assigno mais a “Gazeta”. V.S. pois, póde com palavras bonitas e peitorais fazer vêr a ilustríssima Camara, os meus prejuízos e talvez ella, condoída de tanta magua, mande fazer o calçamento de toda a rua. V.S. arranje isso e eu lhe prometo de vender-lhe só toucinho gordo e ainda arranjo com os colegas para darmos a V.S. um presunto de Natal. A Camara também pode contar com a gratidão dos da Rua de Baixo. (Gazeta de Campinas, n.o 89: 15/09/1870)

As reclamações parecem não ter sido eficazes. Um ano depois, cansados dos mesmos problemas, alguns moradores resolveram calçar a rua às próprias custas, pois, além do movimento dela ter aumentado, passou a ser trajeto obrigatório de procissões (PÁTEO, 1997).

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Acrescido ao problema dos calçamentos, o desenvolvimento da cidade começava a não comportar mais as antigas estruturas informais, meramente topológicas, em que as relações sociais eram ainda personalizadas. Nessa busca da cidade por uma identidade, as ruas, os becos e os largos deviam espelhar, se possível, os novos tempos que se anunciavam. Em 1874, um projeto enviado à Câmara sugeria que o nome de algumas ruas e largos fossem alterados:

Largo do Chafariz Velho --- Largo Carlos Gomes Largo do Tanquinho --- Praça dos Andradas Largo da Capellinha --- Largo Riachuelo Rua do Campo da Estação --- Rua Andrade Neves Beco sem saída acima de Campinas Velha --- 24 de maio Campinas Velhas --- Rua de São Carlos Rua acima que sae na casa do Barreto --- Rua Aquidaban

Becco sem saída da esquina de José Ribas --- Gal. Câmara (PÁTEO, 1997, p. 48)

Em 1886, a cidade tinha alcançado proporções que tornavam inviável uma visão homogênea de sua paisagem urbana, o que obrigou a Câmara Municipal a delimitar um perímetro urbano, o que foi feito em 1886, por meio de um edital. Desse modo, começaram a surgir em Campinas os bairros (chamados subúrbios), como por exemplo, Guanabara, Bonfim, Botafogo, Ponte Preta, Taquaral, Bosque dos Jequitibás, Fundão, iniciando-se assim a regionalização da cidade.

A criação dessas ruas e o traçado da cidade foi uma tarefa desempenhada graças à criação de dois cargos: o arruador e o fiscal. O cargo de arruador, que, inicialmente, era exercido, por construtores locais, passou a exigir profissionais como engenheiros e arquitetos. A ele competia o trabalho de alinhar as ruas e becos da cidade, que deviam ter respectivamente 50 e 30 palmos de largura. Ao fiscal, competia aplicar as sanções, que podiam variar de multas até encarceramento, tanto dos moradores quanto do próprio arruador (LAPA, 2008).

A retificação do cenário urbano de Campinas se deu de forma sequencial com o ordenamento funcional, econômico, social e estético, em dois momentos-chave da história: o primeiro, enquanto a cidade deixava de ser colonial e passava a ser senhorial; o segundo, enquanto a cidade passava a ser burguesa (LAPA, 2008).

As transformações observadas no traçado das ruas podem também ser observadas nas edificações, como já mencionado. Novamente os Códigos de Posturas representam instrumentos fundamentais para elucidar o caráter dinâmico da cidade.

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As palavras de Lapa (2008, p. 58) mais uma vez descortinam o cenário das construções na Campinas colonial:

“[...] os materiais e técnicas de construção - taipa, pedra, adobe e tijolos - são utilizados indiscriminadamente [...]. Predomina ainda no patrimônio arquitetônico a horizontalidade de suas formas, quebrada apenas pelos templos e possivelmente por um ou outro sobrado residencial, pela Câmara e pela Cadeia, construções que apresentavam mais de um pavimento além do térreo”.

O Código de Posturas, de 1858, divulgado amplamente, inclusive pelo primeiro jornal da cidade, o Aurora Campineira, aparece como o primeiro documento dessa natureza durante a segunda metade do século. Ele determina uma ampla e sistemática disciplina com relação ao patrimônio arquitetônico. Sendo assim:

por motivos de ordem econômica, sanitária, estética, de segurança, funcionalidade, etc., o legislador procura regular da altura mínima da frente das casas térreas (20 palmos = 4,4m) e dos sobrados (36 palmos = 7,92m) em construção até o detalhamento da largura e altura mínima do vão das portas (cinco palmos [= 1,1m] de largo e doze palmos [= 2,64m] de alto) e janelas (cinco palmos [= 1,1m] de largo e oito palmos [=1,76m] de alto). (LAPA, 2008)

A disciplina com relação às edificações sofreu algumas alterações a cada nova edição de um código, chegando, em 1881, a determinar portas com medidas de 2m de altura por 1,10m de largura, além de janelas 2,20m de altura e 1,10m de largura. A partir desse ano, também começaram exigências estéticas como pintura e tipo de cobertura (LAPA, 2008).

É interessante notar ainda que, ao final do século XIX, grande parte da população não tinha poder aquisitivo para ter uma casa própria, por isso viviam de aluguel em cortiços, os quais, a partir 1895, também passaram a ser disciplinados pelos Códigos de Posturas (LAPA, 2008).

De um vilarejo com ruas de terra e vida pacata, Campinas tornava-se, ao ritmo das transformações por que passava no último quartel do século XIX, uma cidade que, apesar de muito arraigada ainda na tradição de alguns costumes, adquiria uma faceta mais moderna. Mesmo com seu traçado irregular de ruas, incorporava-se a elas outro sentido, que passava de mera superfície de locomoção a um espaço de sociabilidade, de germinação de cultura (PÁTEO, 1997).

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1.2.3 Das ruas para as rodas

O calçamento das ruas e a disciplina das edificações foram sistematizações urbanas que a cidade tentava implementar de acordo com o crescimento econômico e populacional.

Paralelo a isso, a ampliação da malha viária a carregou consigo o problema de mobilidade urbana, pois as distâncias aumentavam. Sendo assim, a Campinas do último quartel do século XIX precisava pensar numa melhor locomoção de seus habitantes por seu espaço urbano.

O transporte, até os anos iniciais da década, encontrava-se em condições precárias e rudimentares. No cenário campineiro, predominavam troles, carroças, berlindas, charretes, carros de boi, etc., o que tornava a locomoção, além de lenta (e na maioria das vezes desconfortável), pouco acessível para toda a população.

Quem não possuísse uma carroça, ou mesmo apenas o lombo de um animal que o transportasse, não tinha muita alternativa a não ser andar a pé. Diante disso, iniciou-se a oferta de serviços de aluguel, tanto para circulação local, como para locomoção intermunicipal. Essa situação pode ser observada no anúncio a seguir, em que o empresário José Cazes, dono de alguns hotéis da região e proprietário de vários troles e diligências, oferecia seus serviços:

José Cazes, empresário das diligencias na estrada de Jundiahy a Campinas, faz sciente aos fregueses que frequentam os seus hotéis, sitos nestes pontos, que tem de haver grande abatimento nos preços de seus trolys e diligencias para o transito destas duas cidades [...]. (Gazeta de Campinas, n.o3 de 07/11/1869)

Jundiaí era a cidade mais próxima e próspera da região e estava ligada a São Paulo pela São Paulo Railway. Por essa conexão, a cidade de Campinas tinha acesso às novidades e aos acontecimentos da província. Desde para gêneros alimentícios, vestuário e mercadorias diversas, até a visita de grandes personalidades, companhias líricas, Jundiaí era o ponto final dos trilhos. Para quem pretendia chegar a Campinas, no entanto, o caminho deveria ser percorrido por estradas ruins, no lombo de um cavalo ou nos bancos não tão confortáveis dos troles e carroças, o que era uma aventura árdua. Relatos da época podem nos oferecer uma ideia dessa viagem, como por exemplo, o de J. A. van Hale, quando, em viagem, passou pela cidade no ano de 1871:

Mas que caminho horrível entre estas duas cidades. Nunca em minhas viagens passadas encontrei tão perigoso quebra cabeças, lama e água a inundarem o caminho; precipícios ocasionados pelas grandes massas de água estagnadas;

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pontes quebradas (nenhuma em bom estado). Por 2 vezes, o nosso pobre veículo atolou-se e graças a alguns bravos carroceiros e seus bois, fomos salvos desse inferno. Mais tarde e apenas a 3 léguas da cidade o troly virou em um morro e ei-nos viajantes, cocheiro, bestas, malas, armas e bagagem precipitados em confusão na água e lama. E isto , repito: na única estrada que vem de Jundhiai a Campinas. (PÁTEO, 1997 apud Castro Mendes, recorte publicado na Gazeta de

Campinas, 1871)

A travessia problemática, relatada por van Hale, acabou se tornando sensivelmente mais acessível com a consolidação do comércio do café. A exigência do escoamento da produção impulsionou a necessária implementação de ferrovias na cidade de Campinas, como apontou Emilio Zaluar, viajante português que passou pela cidade em 1860. Disse ele em seus relatos:

[...] Estes elementos de grandeza que ora prometem um tão risonho provir aos campineiros dependem de um auxilio que se lhes for negado, fará estacionar o seu desenvolvimento e até comprometer seu futuro. Sabeis qual é este auxilio? É a estrada de ferro! [...] A estrada de ferro de Santos a Campinas abrirá por encanto novos e fecundos mananciais de riqueza pública e é sem dúvida, a única e real garantia do futuro que corre aos lavradores do sul da província de São Paulo. (PÁTEO, 1997, p. 34 apud ZALUAR, 1975, p.135)

Esse “desenvolvimento”, segundo ele, não era apenas para melhorar e agilizar o escoamento do café na região, mas também incrementaria a vida politico-cultural da cidade, o que, no início, pouca gente percebeu. Ele visitou muitas fazendas e conversou com vários fazendeiros de nome e poder na cidade. Influenciados ou não pelos conselhos e pelas conversas de “um homem viajado e procedente de um país moderno e desenvolvido” (o que, na época, se considerava muito), alguns fazendeiros da cidade e da região, primeiramente mais interessados em escoar mais rapidamente a sua produção com destino ao porto de Santos, resolveram constituir, em 1867, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro (PÁTEO, 1997).

A inauguração do trecho ligando Campinas a Jundiaí se deu em 1872, com a participação, na Estação, de duas bandas de música: a Banda da Fazenda Santa Maria, composta apenas por escravos, e a banda Euterpe Comercial, composta por comerciantes. À noite, na casa de Jorge Murande, onde estava hospedado Saldanha Marinho (idealizador da extensão dessa linha férrea de Jundiaí a Campinas), a Banda Santa Maria novamente se apresentou, animando a festa para um selecionado grupo de pessoas. Em homenagem àquele momento, o maestro Sant’Anna Gomes compôs uma peça intitulada “A estrada de ferro” a

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qual, segundo relatos da época, foi “efusivamente executada.” (PÁTEO, 1997 apud Álbum, 1937, p.48).

Figura 4: Dia da inauguração, em 1872, da estação. Quadro de Julles Martin

Extraído de: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2007_02_01_archive.html

O café foi, portanto, a mola propulsora da expansão ferroviária em Campinas. Inicialmente a São Paulo Railway, que fazia a linha Jundiaí-São Paulo-Santos, não se interessou em estender seus ramais para além de Jundiaí rumo a outras regiões cafeeiras do interior, preferindo privilegiar o litoral, zona direta de exportação/importação. Em Campinas, foi a iniciativa de alguns fazendeiros da cidade e da região em formar companhias e expandir os caminhos de ferro pelo interior que cumpriu esse papel.

É inegável que a construção das ferrovias facilitou o escoamento da produção do café de forma mais eficiente, mais ágil e, inclusive, mais rentável. É evidente, também, que a Companhia Paulista estruturou uma rede ferroviária regional, conferindo a Campinas, que já possuía uma posição estratégica desde a sua fundação, grande expansão econômica na época e protagonismo regional, interligando a cidade, a partir de 1872, a vários municípios do Estado.

Mas é preciso olhar para além de seu sentido meramente utilitário e econômico. Os trilhos do trem abriam espaço para o transporte não só de mercadorias, mas também de pessoas, costumes, tradições, ideias, objetos, contatos, relações, moda, etc. Isso representou mais do que uma melhoria de comunicação física entre as cidades, ampliou seu universo econômico e seu horizonte social e cultural.

Observando a programação dos espetáculos do Teatro São Carlos a partir de 1869, é possível constatar que, principalmente a partir dos anos de 1873, houve um incremento significativo na programação cultural da cidade: espetáculos líricos, dramáticos, musicais,

Referências

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