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o Chamado Do Fogo - r.a. Schwaller de Lubicz

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Academic year: 2021

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R. A. SCHWALLER DE LUBICZ

AOR

o chamado do fogo

Tradução do original francês "L'appel du feu" Editions Aquarius, Genève, Suisse, 1984.

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O TEMPLO CHAMA

O tempo dos santuários iniciáticos, que a fantasia e uma secreta esperança têm tanto ornado de lendas, passou para sempre sobre esta terra.

Porém, um artista anima a matéria e o engenheiro cria formas precisas e admiráveis, adaptadas a seu objetivo. Os dois exprimem, sem considerar a utilidade da coisa produzida, uma estética, em volumes, superfícies e cores, uma estética que descreve uma moral, expressão de um tempo.

A moral, Sentido do "Bem e do Mal". Ela é UM TODO para uma época. O artista e outros que dão forma são partes da expressão do Todo.

O Templo é a síntese dessas partes, o centro onde O TODO É EXPRESSO. O homem construiu muros em torno dele para abrigar nessa casa a sua pessoa, sua pequenina totalidade.

Desse modo podem-se construir muros em torno do "Centro do Todo". Os muros não são o Templo, não mais do que a casa não é o homem.

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PRÓLOGO

PRIMEIRA NOITE : A LINGUAGEM SEGUNDA NOITE : A SOCIEDADE

TERCEIRA NOITE: RELIGIÃO E MÍSTICA QUARTA NOITE : A VIDA

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AO GRANDE SOL

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PRÓLOGO

AOR!... O que quer dizer Aor?

Aor é Aquele que, uma noite, ao sol poente, do alto de um cume gelado e vermelho fogo, me disse:

-Escuta! E, para entender, torna-te ouvido.

Quando tu fores "ouvido" eu te direi a história das coisas criadas. Em seguida, olha! E, para ver, torna-te olho e pensamento. Eu te mostrarei então a origem das coisas criadas. Mas saiba isto:

Não te será permitido guardar para ti aquilo que tu aprendas. Isto tu o deverás transmitir, dizer e escrever. E isto não para tua satisfação, mas para o Eterno.

Tu deves transmitir esse ensinamento porque os homens entram agora na época do último julgamento. O fim do mundo está próximo para aqueles que vivem e iminente para aqueles que nascem. Todo ser vivente é, nessa vida, advertido pela última vez.

Tu proclamarás isso, mas tu não responderás nada àquele que te perguntar o que virá em seguida. Isto é muito difícil de compreender para os homens desta terra, que não crêem e só compreendem aquilo que toca seus sentidos. O perigo só existe para eles quando se dão conta de que vão perder alguma coisa que possuem: seus bens ou sua vida.

A advertência do fim do mundo se endereça ao ser que é, e não àquele que

pensa ser.

Que importa se acreditam em ti! Tu não tens nada a lhes provar, tua missão é especial.

Ouça:

Na origem, o homem é perfeito mas sem consciência.

A ciência total lhe foi ensinada pelos eleitos de sua raça. Estes a receberam de seres divinos.

Esta ciência foi gravada pelos grandes mestres do conhecimento de uma maneira misteriosa, em uma linguagem sutil.

A forma desse livro é acessível aos humanos. Nesta hora do crepúsculo do mundo, esse livro deve ser descoberto e alguns homens já tentaram abri-lo e folheá-lo. A grande Pirâmide tem tentado os curiosos. Desse modo, muitas coisas do passado vão despertar os que dormem e suscitar-lhes questões. Mas eles não podem ver mais do que a forma. O sentido secreto das palavras lhes escapa. No entanto esse sentido secreto está contido e guardado nessas pedras para ser revelado aos homens dignos de conhecê-lo.

Esta, no que diz respeito ao ensinamento do fim do mundo, será tua tarefa. Muitos pensamentos inquietos e vãos se agitam em torno dessas questões. Deixa passar esses turbilhões agitados por uma vulgarização que beira a blasfêmia em sua ignorância. Não te preocupes com isso nem te revoltes. Não há blasfêmia aí, já que esses homens nunca adoraram aquilo que jogam como pasto à multidão, fascinada demais pelas aparências para procurar mais adiante a verdade, na qual aliás ela não acredita mais.

A Pirâmide lhes revela números e medidas que os ofuscam a ponto de fazê-los duvidar da intenção do construtor. Repara como a inércia domina tudo. Procurar a origem de tal conhecimento seria sair do repouso: é preferível admitir uma coincidência ou...a fantasia de um autor!... E se, excepcionalmente, algum homem

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sai dessa inércia em uma busca, vê triângulos, quadrados e relações entre as medidas. Esses números, porém, são somente a forma exterior.

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Os sábios do antigo Egito possuíam o conhecimento total, que vai além das medidas cósmicas e além do conhecimento da matéria, seja o da astronomia ou da atomística, seja o das funções periódicas nos seres viventes.

Esses números são o mecanismo. Além do mecanismo há a energia motora, ela também com suas leis, mais estritas que as que dominam as engrenagens - ou Números-, de uma Mecânica Cósmica, ou seja, de uma constituição material. Ultrapassar essa física significa entrar em uma esfera onde a gravidade não é mais uma base, onde falta o ponto de apoio para a alavanca que poderia erguer o mundo. Os homens falam então de metafísica e isso lhes dá medo, porque esse é um campo no qual eles se sentem tão amedrontados e no qual eles, com sua mentalidade de cirurgiões, introduziram tanta especulação fantasista, que eles se

amedrontam a si mesmos, sem jamais ousar confessar o medo que sentem dessa

"meta"-física.

Eles não possuem os sentidos que são necessários para ver o eflúvio luminoso senão quando ele encontra um obstáculo. Somente quando o eflúvio é anulado por uma resistência é que eles ousam falar de luz.

No entanto, no espaço negro entre as estrelas, há um eflúvio luminoso...

Eu virei aqui te falar todas as noites e nós examinaremos juntos as principais questões, sem opiniões preconcebidas e sem objetivos... Eu estou além da humanidade e por isso eu posso lhe dizer a sua verdade.

Eu amo esta humanidade, porém amo-a com o amor que castiga, pois toda conseqüência de um ato é castigo. O ato da humanidade está em sua vontade e seu castigo é o sofrimento pois ele dá a luz. É pela luz que eu amo a humanidade e não por ela mesma.

A noite vem. A Lua se eleva à minha direita e o Sol se oculta à minha esquerda. Este é o vosso mundo. Nele, em seu centro, falamos do que ele parece ser. Depois, quando o Sol ressuscitar, eu te direi o que tu deves fazer para ensinar a alguns homens o conhecimento do qual decorrem todas as possibilidades e a

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PRIMEIRA NOITE

Entre ti e mim existe um abismo. Esse abismo é o mundo: É preciso estender uma ponte sobre esse abismo para nos comunicarmos? Essa questão tu pensas tê-la já resolvido, pois que não buscas mais resolvê-la.

O abismo que nos separa é o mundo porque eu sou uma personalidade completa com sua vida e tu és outra. O único laço que nos une através da natureza é o gênero, mas ele não é um laço efetivo já que precisamente este gênero constitui a possibilidade de nossas individualidades intelectuais, emotivas e físicas distintas. Nossos sentidos e nossa constituição fisiológica são de tal modo que percebemos as coisas em limites quase que iguais; mas ao passarmos à psique, as dessemelhanças se mostram mais acentuadamente e aumentam mais ainda no campo intelectual. Os mesmos fenômenos da natureza nos impressionam diferentemente como emoção, porém muito sensivelmente da mesma maneira no domínio físico. Aí está a ilusão da ponte que parece existir entre ti e mim posto que nós convencionamos designar por uma palavra o mesmo fenômeno. Entretanto essa palavra não convém mais, não pode mais ser idêntica visto que nós falamos de emoções. Nós somos obrigados, ti e mim, a apelar à "memória emotiva" no momento em que comunicamos, por exemplo, a palavra "medo". Tu tens medo de tempestade, eu não. Para entender tua comunicação: "tenho medo", eu devo colocar em paralelo uma sensação de medo que experimentei em alguma outra circunstância, diante de feras num matagal... Será que essas duas sensações de medo são idênticas?

Certamente que não, e no entanto eu não posso te compreender senão daquela maneira. É por isso que há um abismo entre ti e mim, abismo que é o

mundo, quer dizer, toda a natureza  visível ou não  toda a minha constituição e a de todos os seres, todas as minhas possibilidades e a de cada coisa. Esse abismo só existe para a nossa inteligência. Para o ser natural, simples, não há solução de continuidade entre sua individualidade e o mundo.

Cada coisa é uma parte do mundo e de novo o mundo total se reflete em todas as coisas, já que essas coisas existem e não podem existir senão depois que as causas de sua existência sejam dadas.

Assim, depois que tua inteligência cessa de supor uma cisão entre ti e mim, a natureza inteira intervém como um elo entre nós.

Quando dois indivíduos olham uma mesma estrela, cada um a vê à sua maneira e existe uma separação insondável entre esses indivíduos no momento em que eles se entreolham para trocarem a impressão recebida, quer dizer, depois que suas inteligências definiram, circunscreveram, como que envolvendo suas impressões com uma concha. Mas não há nenhuma separação entre esses indivíduos se eles olharem juntos uma estrela e se reunirem nessa estrela sem atentar para uma impressão própria e pessoal. Toda a personalidade é dessa forma feita de conchas muito duras. Então, os homens se surpreendem por não se entenderem e, no entanto, tudo fazem para isso, já que seu isolamento individual é unicamente o resultado de sua vontade inteligente.

Na estrela, porém, como objeto, como objetivo ideal onde sua individualidade se encontra, todas as diferenças de natureza, de possibilidades e finalmente de classe social, se apagam.

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Há uma ação de monopolização, de apropriação, que preside toda observação e toda consideração das coisas por parte dos homens. Eles não vão em direção ao objeto e sim puxam o objeto para si. Disso resulta uma mentalidade inteiramente falsa, que necessita uma fórmula convencional chamada LINGUAGEM, cujo objetivo é uma suposta interpretação pela troca de impressões recebidas. Contudo, a cada vez que dois homens se compreendem, ocorre, de modo mais ou menos consciente, uma maior ou menor concessão de um deles, se não for da parte dos dois em conjunto.

Isto é uma abdicação da individualidade, que deve acabar  e isso sem exceção  para atenuar todas as impressões e criar finalmente uma sociedade medíocre pois, lá onde nenhuma impressão mais é forte, uma vitalidade total é impossível.

Se uma impressão recebida pede uma expressão, e que esta seja o som, o ruído, este som será alegre ou triste, etc... Mas pouco importa que o vizinho compreenda aquilo da mesma maneira, ou que ele não compreenda absolutamente nada. É inegável que essa expressão seria a linguagem pura, mesmo se ela não servisse de comunicação entre os homens. Essa seria uma linguagem musical e como tal entraria nas possibilidades de uma harmonia, seja do som musical, seja da gama de emoções. Seria então a língua perfeita, unicamente limitada pelas leis de harmonia, verdadeira portanto, porque ela entraria desse modo na lógica da natureza. Sem dúvida nenhuma a origem pura da linguagem pura seria desse modo uma música natural.

Porém essa expressão não se importa de servir de comunicação entre dois seres. Ao contrário, esses dois seres se encontram no objeto conjuntamente observado.

Que isto te baste para entender o que eu desejo te dizer da linguagem.

É verdade que toda a humanidade à qual tu pertences está mais longe desta verdade do que os pólos opostos da Via Láctea estão entre si. Uma profunda deformação, resultante da falsa mentalidade, ela mesma resultante do egoísmo, das "conchas" mentais, impede hoje os homens de entender a verdadeira harmonia. Vós vos combateis por assuntos ilusórios, por idéias que, sem exceção, são falsas, porque elas decorrem todas de noções restritas em vós, restritas por vós, por causa da apropriação de vossas impressões diante das coisas.

Vós procurais vosso terreno de compreensão sobre as idéias, no qual cada uma deseja predominar sobre a outra porque está encerrada em uma concha pessoal. As concessões que vós podeis polidamente fazer a vós mesmos sempre são novamente as causas de vossas futuras dissensões. Vós sabeis disso e por isso vós vos espionais como animais selvagens para não serdes pegos à traição por vossos semelhantes... o que na verdade nenhum de vós hesitais em fazer com vosso irmão. Nada é mais feio e mais tolo do que a discussão; é por isso também que nada é mais feio e estúpido que a política e, finalmente, a luta social e a guerra, porque esse é necessariamente o encadeamento que decorre dessa mentalidade degenerada.

Quando duas crianças se encontram ou, mais precisamente, são postas juntas, elas se colocam uma frente à outra e se olham, se olham sem nada dizer. Os adultos que as observam ficam pouco à vontade. Instintivamente, essas crianças se recusam a acreditar no abismo que existe entre elas, mas uma obscura consciência inata lhes impõe essa idéia. Todavia, em pouco tempo elas brincam

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juntas. Por um instante, a natureza verdadeira domina e elas se encontram na flor para a qual elas correm juntas para colher. Cada uma desejaria tê-la para si: de novo o abismo se abre. Vós todos nascestes com uma consciência defeituosa e durante toda a vossa vida, vós dormis achando que vosso sonho é a realidade!

Vós acreditais? A linguagem, a linguagem mal compreendida, é a origem desse mal insondável.

Eu vivenciei esse instante em que, colocado frente a um homem, tive, por causa dele e de sua concha pessoal, a sensação de abismo infinitamente profundo. Vivenciei isso e tive medo, medo de tremer. Mim, tu: dois mundos, dois universos que não podem se encontrar, que não podem se unir e serão eternamente afastados um do outro... Mas eu possuo um anel e ele outro. Tu, tu desejas este anel. Eu dou o anel a ti, porque eu, eu não desejo este anel, tome-o! Pronto, não há mais abismo. Tu, tu não és mais que um amontoado de células que apodrecem debaixo da terra; teu universo não passou de uma ilusão de teu cérebro. Tu não és mais! Aquele que tu acreditavas ser está morto, e aquele que tu foste de verdade, sem o saberes, está aqui dentro de meu coração, em meu sangue, em todo meu eu, que não deseja nada.

Tu procuras a origem da linguagem, a língua fundamental da qual saíram todas as línguas. A flor do campo tem sua linguagem assim como o pássaro na floresta. É a expressão de seu desejo natural e profundo, desejo e alta tensão em direção à total expressão de sua vida. Essa linguagem é uma forma, e se a forma não responde mais a um desejo imenso de vida o apelo é feito ao Sol. Este dá sua luz e as cores se tornam a linguagem mais sutil. Quando a vida se torna pássaro da floresta, o som, o canto e a harmonia se tornam a linguagem. Mas nenhum desses seres sequer sonha em se expressar, sequer imagina “fazer-se compreender”. A vida se expressa pela imensidão do desejo contido na semente, que se soma e, assim, se multiplica até a forma perfeita de sua espécie. E é esse mesmo desejo que faz morrer essa forma. Mas que bela morte: morrer do desejo de se superar! Eis aí a expressão mais alta, eis a origem da linguagem.

Eu não sou poeta, mas falo da fonte de toda verdadeira poesia. Procures nesse espírito e tu compreenderás a origem desse incrível fato verdadeiro: que a natureza une os pólos do mundo e que a origem da linguagem sagrada é a expressão viva, crescente e transmutadora de todas as coisas da natureza, ao passo que sua linguagem, feita de palavras, não é mais que um miserável balbuciar de uma criança raquítica. Toda a natureza fala, ninguém se exprime para se fazer compreender e todos se compreendem maravilhosamente. A neve das montanhas fala aos rochedos. Nem a neve nem o rochedo querem se fazer entender um para o outro e os dois se compreendem perfeitamente. E isto é assim em tudo, até o animal que busca, na primavera, a erva que vai lhe purgar. Eu te digo que a ultima célula do interior do intestino desse animal compreende a linguagem da erva comida. Assim, cada parte de seu corpo entende e compreende a linguagem das plantas que crescem em seu caminho e sabe perfeitamente se elas são pró ou contra sua expressão vital.

A vida natural? Não; a consciência: eis aí o intérprete. É por isso que tu, homem, é a mais elevada criatura. E a consciência é o ensinamento, o fruto da observação e da experiência. Se tu colocas o SABER no lugar da consciência, é como se tu colocasses tua língua falada no lugar da língua sagrada da natureza. O saber e a palavra não te dão nada de verdadeiro. Não te iludas, não há

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necessidade de se comunicar, mas há a necessidade de exprimir a vida. Se tu esgotas tua vida através da palavra insensata de tua linguagem aprendida, tu não podes mais exprimi-la na língua sagrada de teu ser.

Tu crês aprender, quer dizer, acumular conhecimentos em tua memória, mas tu não fazes senão obstruir os canais de tua expressão vital, e teus conhecimentos servem apenas para criar para ti uma vida artificial, a qual faz morrer toda tua expressão ou que o deixa cansado e enfastiado. Essas coisas, enquanto respondem à uma necessidade verdadeira, essas mesmas coisas criadas pela pretensa inteligência humana, podem nascer da vida verdadeira sem esses meios ilusórios, meios esses tais como a linguagem e a escrita, que são tolerados por essa falsa inteligência para se dar uma importante razão de ser. A invenção é o clarão da sensação exata de um instante; ele mesmo é a cristalização natural de um conjunto de observações. O gênio não é outra coisa. Mas a multidão também quer participar do gênio humano. Todos querem alguma coisa, todos querem qualquer parte da inteligência da natureza, enquanto que a natureza não quer nada e, por isso, tem tudo. Nela, cada coisa impulsiona, com toda a tensão de seu ser, até a realização de todas as possibilidades do instante, até à destruição, por explosão interna, do seu excesso de vida. É por isso que cada coisa natural torna-se a assinatura perfeita de sua natureza. Cada talo de relva é o gênio de torna-seu gênero e cada rochedo o gênio dos rochedos.

Não procures o segredo da linguagem nem no Egito, nem entre os hebreus, nem em lugar nenhum. Lá estão os símbolos para os olhos e para o cérebro, símbolos para as verdades descobertas pelos sábios de todos os tempos. O símbolo é um livro para aquele que nele procura a verdade, um livro que fala ao cérebro, enquanto que a verdade meditada pelos sábios fala a cada fibra de teu ser e à cada célula de teu sistema nervoso, pela linguagem sagrada de todas as coisas.

Não fale: medite! Não escute: ouça! Não olhe: veja! Assim tu ouvirás a linguagem de toda natureza através de teus ouvidos e através de teus olhos. Tu ouvirás através de todos teus sentidos e de todo teu ser.

Chegou a noite. O que deseja o sol dorme. O que deseja a lua despertou. Cada coisa cumpre o movimento essencial que responde à tensão de seu desejo. Anula tua vontade e teu braço se estenderá para colher a planta que te curará. Anula teu saber e tudo em ti se abrirá para receber o conhecimento.

Assim te falei da linguagem sagrada, como em um sonho, sem lógica, sem ciência, mas com a lógica e a ciência do sonho, porque eu sou e tu és, porque eu me dirijo para ti e tu em direção à verdade. Se tu traduzes em linguagem vulgar essas verdades, desconfia! Não busques transmitir teu pensamento e tua consciência: contenta-te em cantar segundo teu ritmo e conforme tua harmonia. O que for “verdadeiro” te ouvirá.

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SEGUNDA NOITE

Tu estás só diante de ti mesmo. Quando tua alma viaja através do Universo durante a meditação, essa solidão não se apresenta mais. Mas quando tu olhas teu corpo, e que os desejos desse corpo te recordam tua origem humana, tu te lembras dos homens, parecidos contigo tendo os mesmos desejos. Parece-te então que seria mais fácil levar essa vida do corpo se tu compartilhasses tuas preocupações com teus semelhantes. Compartilhar tuas preocupações? Não, tu sabes bem que isto não é possível. O desejo de comunicar? Sim, mas olhe de perto e tu verás que esse desejo nasceu ainda de uma outra necessidade. Comunicar, do modo como o entendem os homens, é o resultado de um desvio da natureza, como tu agora sabes, e a origem deste desvio vem da falsa compreensão da necessidade primordial, aquela que te faz buscar a companhia de um ser semelhante a ti e que é para ti o complemento mais universal; complemento porque recebe tua expressão, assim como o espaço cósmico recebe a irradiação dos astros ou como a maleabilidade de teu ser plástico recebe as impressões físicas.

A cor vermelha é condicionada pela cor verde, e toda forma é condicionada pelo espaço que ela ocupa.

O aspecto provém de um volume e o volume é uma relação de dois estados do espaço. Uma coisa é sempre tripla na natureza. Ela é ela mesma enquanto aparência e além disso ela é causada pela complementação de dois estados de mesma natureza.

Assim tu és tu mesmo, enquanto homem, em teu princípio, resultado da complementação de dois estados de uma mesma natureza: aquele que afirma e aquele que nega, aquele que dá e aquele que recebe, aquele que exprime e aquele que é “impresso” ou seja, aquele que recebeu a impressão. Esse estado duplo é teu androginato primordial, teu androginato espiritual, e tu te lembras dessa dualidade em um. Tu podes dizer que a luz branca é composta de luz verde e vermelha? Não, ainda que a sua refração te dê as duas cores complementares. Mas então a luz branca não existe mais. As cores são uma transformação da luz branca, transformação que dá diferentes vibrações a uma mesma substância. As diferenças de vibração não mudam a luz, mas aparecem ao olhar sob impressões diferentes bem como de cores dessemelhantes, sempre duas a duas, complementares. Ora, lembra-te que tu és luz, luz branca, e tu encontrarás teu androginato do qual tu te lembras obscuramente. Tu és luz, mas luz refratada através do prisma da vida, isto é, das experiências a das necessidades.

Eis-te homem e, como tal, uma vibração definida, particular, que somente pode existir pela vibração complementar de igual natureza. Tu buscas o complemento de tua natureza, pois tu és inexistente sem essa luz vermelha, tu que és hoje luz verde. Ao cessar de ser luz branca, deixando o paraíso, tu estavas acompanhado de teu complemento. Em meio às tuas lutas tu perdeste Eva. Agora, tua alma não encontra mais repouso antes de reencontrar aquela que te escuta, que recebe teu ser, aquela que é tua definição e tua medida.

Entenda-me bem! A mulher não é tua razão de ser, nem teu objetivo. Ela não tem nada a te dar e tu não podes compreendê-la. Ela é teu complemento simplesmente por existir. Ela é o sangue branco, complemento para teu sangue

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vermelho. Ela é a cavidade de tua boca na qual tu és tu mesmo a língua. Modula os sons de tuas cordas vocais e a boca as fará ressoar, lhes dará a força e a pureza. Tu, a língua, não te preocupes com a boca. Ela tem sua força por sua existência. Ela é inerte, rígida, aparentemente sem possibilidades, e no entanto, sem ela tua música não existiria. Que teu complemento esteja aí, perto de ti. Ela não pede mais que isso. Ela sabe o quanto ela te é necessária e isso lhe basta. Tu buscas esse complemento porque tu és incompleto. Entretanto, não cometas o erro de tentar a união com ela sobre a terra. Ela pode ser tua companhia mas ela não será jamais Um contigo, posto que ela tem um corpo e tu também.

Quando a luz verde se une efetivamente à luz vermelha, não há mais duas luzes, mas somente uma luz branca, e esta é invisível até o momento em que um obstáculo venha dividi-la. A reunião de Adão e Eva, do homem e da mulher, somente será feita na luz única, invisível ao corpo, única com a origem pura e inviolada. É por isso que a união buscada na terra é união no “céu”, quer dizer no estado puro. O casamento é uma necessidade no sentido em que o homem e a mulher são seres incompletos, não dispondo de descanso senão quando Adão reencontra Eva. Nenhum dos dois é independente. Eles dependem um do outro e nenhum dos dois tem direito sobre o outro, mas o homem é o agente, “expressor”, e a mulher é passiva e receptiva.

Desse modo, o casamento completo na terra, ou seja fisicamente, é impossível. Ele somente é possível na luz. Qualquer tentativa de realizar essa Unidade fisicamente leva a desordens psíquicas e também físicas. No entanto, o acordo é possível com a condição de que a consciência do fato real não escape nem a um nem a outro. Quanta desgraça seria evitada no mundo se os homens compreendessem isso. Para que exista justiça cada coisa deve servir aquilo para que ela foi feita; que ela sirva então até se ultrapassar; que seu serviço se torne seu culto: desse modo, existe uma mística para cada coisa.

Que a mulher seja fêmea para o homem que é macho, que a mulher que é companheira seja dócil e submissa à amizade do Companheiro. Quando não se olha para trás, é preciso olhar para frente, porém jamais querer ser as duas coisas olhando alternativamente para frente e para trás. Que coisa triste essas mulheres que querem, em seu esforço, ser como o homem e imitá-lo em sua situação social.

Querer! Para querer como quer a natureza, é preciso ser simples, forte e

exuberante como ela. Querer para impor uma violência à natureza é decair, é combater moinhos de vento, mais que isso! É um absurdo pois a natureza sempre conduz novamente à harmonia aquilo que nela foi violentado. Mas não creia que a mulher deva ser unicamente mãe. Este é um dom, uma vocação, pois se toda mulher foi construída para procriar, nem toda mulher tem o dom para ser mãe. Existem flores cuja parte feminina permanece inerte à recepção do pólen. Elas geram a nova semente sem alegria, simplesmente porque é sua função natural. Há outras flores que ejaculam, quer dizer que a parte feminina secreta um líquido viscoso, assim que aí são incitadas por um contato qualquer. Estas não se preocupam com a semente.

Isso quer dizer que somente a questão sexual importa no problema humano? Sem dúvida nenhuma ela é a base de toda questão vital e social. Aqueles que negam esse fato ignoram a vida, seja por inexperiência seja por atrofia de alguma parte de seu organismo, atrofia que pode freqüentemente ser uma hipertrofia do cérebro ou de algum outro órgão. Mas isto faz parte de uma ciência da qual não te

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falarei aqui, não mais do que do segredo da verdadeira via e da relação entre Adão e Eva.

Sim! Há um segredo, segredo de um tesouro onde está enterrada a verdadeira ciência da vida... a não ser que ele seja o fruto dourado de uma árvore no centro do lugar da quietude. Um e outro são verdadeiros.

Quem quer que o descubra pode dele colher a vida ou a morte.

Entenda bem isso: a questão sexual é a chave de toda a verdadeira história da humanidade e a chave de toda a questão social. Ela rege as raças, ela rege as nações e ela rege os indivíduos. Às raças, ela dá o organismo, as possibilidades físicas, psíquicas e mentais, bem como os meios e a meta evolutiva. Às nações, ela dá as necessidades e os apetites, a força ou a fraqueza. Aos indivíduos, ela dá o ritmo de suas vidas e a cor de suas almas. Desse modo, o homem e a mulher, que carregam consigo seus organismos físicos e nestes seus órgãos sexuais dos quais eles ainda ignoram os segredos, as reais funções e constituição fisiológica; o homem e a mulher, por causa dessa ignorância, buscam a vida fora deles mesmos. Imaginam encontrá-la em uma organização intelectual, a ordem social, e lutam na escuridão, por nada, como um esquilo em sua gaiola. Mas nunca mais esqueças isto: um casal é qualquer coisa de perfeito. Entretanto é melhor para Adão e para Eva irem sós no mundo do que buscarem juntos o caminho da verdade, enquanto não estiverem harmonizados conforme seus ritmos, conforme sua origem. E se seus ritmos forem complementares, que eles não procurem se compreender! Um não compreenderá o outro nunca. Um e outro têm cada um possibilidades que eles não podem nem trocar nem compartilhar. Nenhum deles é superior ao outro se cada um permanece inteiro em seu domínio, mas se eles querem medir-se em um único domínio, um deles sucumbirá, pois cada um agirá com seu órgão dominante e um dos órgãos será mais adequado que o outro na ação empreendida. A mulher sucumbirá no pensamento, pois ela pensa com o útero e o homem pensa com o cérebro, e é o cérebro o centro e o órgão do pensamento. Na emotividade e na sensibilidade emotiva, que freqüentemente se equipara à lógica cerebral, o homem é que sucumbirá, pois a mulher sente com o ventre e o homem com o cérebro. Ora, o centro da emotividade está no plexo solar. Desse modo, cada coisa está no seu devido lugar, destinada pela sua origem a um determinado fim.

Apesar disso, cada um deles, homem e mulher, tem as mesmas possibilidades finais, mas eles têm sua assinatura no androginato do início, assinatura que determina cada ato da vida daquele que porta a décima terceira costela, isso até o casamento, em que sim e não, as duas coisas que são apenas uma, se unem para a afirmação única, para a qual sim é apenas a negação de não. Desse casamento não nasce criança, “terceiro” ser, distinto dos dois pais coexistentes. A criança desse casamento é o próprio casamento: uma luz branca, total, contendo as luzes verde e vermelha. Que isso seja ensinado aos dois viventes que se esposam afim de que cada um saiba que não há direitos, mas somente um dever. Para Ishia: o dever de sua feminilidade; para Adam: o dever de sua masculinidade. E posto que são carne, que seu filho, se houver, seja para eles ainda um dever: o dever de ensinar a verdade, para evitar à próxima geração essas misérias lamentáveis que desonram a humanidade e colocam-na mais baixo que as hordas lêmures ainda vivas, pois elas são a realização do que elas poderiam ser, enquanto que essa

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humanidade recusa tornar-se aquilo para o que é chamada: ser a coroa da evolução humanidade diante do fim do mundo.

Essa humanidade é orgulhosa de sua civilização. Do alto do meu cume, eu vejo longe; o horizonte que eu apercebo é muito distante para teus olhos, mas por isso mesmo é bom que eu te assinale os fatos principais de uma história na qual tua humanidade não representa senão uma pequenina parte. Vossos sábios perdem-se facilmente na confusão, inextrincável para eles, de povos e de línguas, que se encontra ao longo do Níger e do Nilo, até na Abissínia e na Arábia, em torno do Eufrates. Da Índia, não falemos. Não é uma lição de história que eu quero te dar aqui, mas eu vejo, dezesseis milhões de anos antes de nossa era, entre cidades majestosas sobre o Níger, vejo populações vindas da Atlântida que soçobra, fixarem-se no Senegal, no centro saariano, na Núbia, no Sudão, na Abissínia. Impérios nascem, ma o único império por excelência, aquele que é dirigido por verdadeiros reis divinos, os sábios que trouxeram o conhecimento sagrado com a missão de transmiti-lo, apenas o Egito sobreviveu, cresceu até seu apogeu, mais de nove mil anos antes do Cristo. Em seguida, começará seu declínio. Os reis o sabem e se apressam em traçar na pedra a ciência que não deve ser perdida. Mas o mais sábio de todos, conhecendo a hora precisa do perigo e também sua natureza, um Souphis2, construiu o monumento que durará até o fim do mundo, e no qual está escrita a ciência dos astros, de seus movimentos, a ciência da terra, ― desde o seu peso até seu destino, ― a ciência dos homens desde a fundação desta raça até o Cristo e até o fim do mundo. Um templo de Tentyris3 é o lugar onde está escrita a ciência da harmonia. Tantos são os monumentos desse tempo de há sessenta séculos, tantas as revelações. Mas não há senão os homens que se enganam; os sábios sabiam que apenas uma iniciação especial permitiria ler esses livros e essa iniciação não é para o povo, em meio ao qual tu podes contar a maior parte dos vossos eruditos. Eu te digo que essa iniciação comporta uma palavra. Uma única palavra! E eis que tudo se ilumina de uma estranha luz; a pedra morta fala, os astros cantam, os cubos e triângulos tornam-se arcanjos vivos; toda a simbólica cessa para dar lugar a um poema cantado por toda a natureza, em que cada ritmo é uma lei cósmica, cada palavra um ser vivo.

O Egito está enterrado em suas tumbas. Os afrescos e inscrições são os fios de Ariadne que conduzem Ka para o corpo mumificado.

A Grécia cresce, e os homens vivos vão buscar no Egito a ciência ocultada. Mas o tempo não é chegado. Apenas, a inscrição visível aos olhos deve ser lida, e dela um Pitágoras relata a ciência dos números, o jogo das formas e das proporções. Uma tradição vaga, obscura, sai dele para seus discípulos e deixa uma nota ainda mais forte em Platão. Sabe-se vagamente na Grécia que há um diâmetro, um círculo e um número “pi”. Com isso, um Euclides fabrica uma geometria acessível ao cérebro, um Demócrito constrói uma atomística muito erudita. Finalmente, vem também um Aristóteles. Sou inexato do ponto de vista cronológico? Que importa, tudo isso fervilha sob meus olhos, com um imenso esforço para sair alguma coisa de inteligente, porque esse formigueiro sente bem

2 N. do T. : Ou Suphis: nome dado por Manetho a alguns faraós, entre eles Quéops e Quéfren. 3 N. do T. : Nome grego da cidade de Denderah.

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acima desse intelectualismo uma força que ainda dorme lá embaixo, ao longo do Nilo, uma força que sabe, que pode...mas ela dorme até o tempo do fim do mundo.

É dessa Grécia que sai vossa civilização, a Grécia que havia emprestado sua ciência do Egito. Não importa quão pobre seja essa ciência, ela carrega consigo o sopro da ciência divina.

Mas a Grécia não vos trouxe sua ciência diretamente, nem mesmo através da antiga Roma; não são os brutos legionários, nem o materialismo romano que poderiam vos legar uma ciência grega. São os árabes que, sob os califas, se abeberaram na Grécia para vos trazer a arte de comer com colheres e garfos. A catolicidade não gosta de ouvir isso; no entanto, é verdade que toda a vossa Idade Média ia se instruir nas universidades mouras da Espanha que não deve seu antigo esplendor senão a esse povo hoje desprezado, subjugado talvez...

Acrescente a essa linhagem Atlântida-Egito-Grécia e árabe uma outra linhagem passando pelo norte das Índias, pela Rússia Branca, os países germânicos e escandinavos, e tu começarás a compreender o papel da França, em que essas duas ondas sempre se chocaram, em que uma junção estava predestinada a se fazer entre uma ciência positiva, intelectual, e uma ciência abstrata, metafísica. Campo de batalha da crença com a ciência, entre a adoração e a paixão bruta, entre a negligência e a mais alta preocupação com as inquietações imediatas.

De toda essa história traçada em traços largos, sai vossa civilização. Ela não foi construída sobre bases bem sólidas, ela é mais hábito que poder, mais

tormento que ciência.

É essa civilização sobre a qual vós vos apoiais para submeter povos que, em sua primitividade, têm com freqüência guardado mais de verdade e de bom senso que vós não puderam adquirir por meio de vossas pesquisas pelos métodos científicos.

É em nome dessa civilização que todos vossos povos de hoje se batem, e é ainda em nome dessa civilização que vós tentais todas as teorias de governo, todas as organizações sociais. Será que nunca sereis clarividentes o bastante para vos aperceberdes de que apenas um sábio pode governar, e que o povo deixa de ser povo se ele mesmo é que governa?

O egoísmo e o espírito de açambarcamento é o que na verdade vos governa, e isso porque estais distanciados da única ciência verdadeira, a natureza. Ora, vos foi legada, pelos sábios do passado, a palavra do enigma; mas por meio da vossa mesquinha inteligência que entronizastes como Deus no lugar do verdadeiro Deus, destruístes em vós as forças naturais que apenas uma cultura séria pode conservar... No lugar dessa cultura, vós colocastes, como ciência, matemáticas; como sociologia, argumentos; como religião, a superstição; como economia, o desejo e a especulação; e na educação de vossos filhos, o exame e o forçamento cerebral.

Para aquele que olha do alto, para aquele que se lembra dos iniciadores do respeitabilíssimo, grande, antigo Egito, vós vos pareceis, vós, modernos, a uma humanidade cretinizada. Esse é o resultado da cultura de vosso intelecto às expensas de vosso coração.

Não há hoje crises sociais, nem econômicas, nem dificuldades internacionais; há o cumprimento de uma longa degenerescência por meio de uma ciência intelectual e uma religião de exploração; há unicamente – no sentido do que eu

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dizia quando da primeira noite, portanto no sentido espiritual, - uma formidável crise religiosa.

Eis aí! Uma noite passou; agora, abre os olhos, pois tu deves olhar de frente o sol que se eleva.

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TERCEIRA NOITE

É sem interesse que te falo das religiões, quer dizer, de sua forma e culto exteriores. Disso e de muitas reflexões relativas às semelhanças das religiões, muitas coisas estúpidas ou inteligentes foram escritas. Por que eu estaria situado sobre a montanha se eu devia te dar ensinamentos que estão ao alcance de todas as inteligências? O que religa uma quantidade de homens é um termo comum, acessível a todos. Se, num tempo, os homens puderam aceitar uma fórmula definindo seu ideal, sua vida e sua aspiração, nada lhes dá o direito de impor essa religião a um povo cujas faculdades não correspondem a essa definição. Isso é de tal modo evidente, que todas as religiões fazem concessões, quanto à forma e aos ritos, aos povos primitivos que os missionários pregam entre os povos negros. Assim nascem a idolatria e a superstição, colocadas no lugar de palavras cujo sentido abstrato não penetra o entendimento. Mesmo entre vós, essas deformações se produziram e a idolatria não precisa ser buscada mais longe que em vossas igrejas.

A verdadeira religião não é aquela exprimida por uma fórmula qualquer; ela tem sua fonte na mais profunda consciência do homem, no obscuro instinto de uma Unidade primordial. Um elo deve existir que religa toda coisa e todo ser um ao outro; então a inteligência busca a palavra desse enigma e finalmente o traduz pela hipótese da criação, a hipótese de uma fonte única, primeiro verbo e, em seguda, prima matéria. Toda religião tem, pois, por base e objetivo da pesquisa do elo que religa o começo ao fim, a afirmação do ciclo do mundo, isso desde a Lemúria até o... “Monismo”. Religamur! Unamo-nos em torno dessa palavra. Essa palavra convém ou não convém. Quanto as palavras são enganosas, e mesmo expressas por aquele que tem o Conhecimento. Enquanto palavras traduzirem a mística dessa criação, haverá lugar para o erro. Talvez a única e simples afirmação do Islã: La illah il Allah. “Deus é, e não há senão um Deus”, ela é ainda a fórmula a mais verdadeira, a mais pura, aquela que pode servir de apoio à mística própria a cada um. Lá onde muitos argumentos devem provar, não há nem grande fé, nem grande certeza. Quanto as palavras simples e puras do Cristo foram desse modo apoiadas pelo catolicismo! Desse modo se construiu sobre muitos pilares a abóbada de uma catedral, mas a mais bela dentre elas não vale o mundo, seja qual for a ilusão que se tenha criado. A inteligência soube aniquilar, exterminar todo sentido místico, todo sentido religioso verdadeiro. No entanto, a lógica é verdadeira, absoluta; mas ela exige uma premissa, um dado fundamental estável, e nós não vemos do mundo senão fatos acabados, sem nenhum começo.

Essa é a conseqüência dessa aberração que dá a inteligência lógica que incita o homem a buscar fora de si a base de sua observação. Ver, quer dizer: olhar em torno de si; ouvir, quer dizer, escutar os ruídos! Mas na verdadeira ciência, todos os sentidos devem se tornar ouvido, para escutar em nós mesmos, os ruídos de nossa vida.

A mística não é um sonho vago, ela é a consciência da conjunção dos complementos. Será que nunca os amadores de simbólica compreenderão o quadrado?

Ser e não ser! Essa fórmula define a quantidade. Entre ser e não ser há todas as formas, todas as possibilidades fenomenais mensuráveis. São os estados

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extremos das coisas, mas eles não são complementares. Os complementos situam-se sempre no meio da vida e são funções da lei de harmonia. Os números são os denominadores mais puros da harmonia. Assim os complementos são resultados das funções dos números. Isso te parecerá bem vago ou misterioso e no entanto será muito simples quando o entendimento se der em ti quanto ao sentido dessa palavra Número. Saiba apenas que os números três e quatro são complementos, assim como são complementares as cores vermelho e verde. Elas também se situam numa manifestação que se estande bem longe além e aquém das duas cores no espectro. No entanto esse espectro de luz comporta ainda outras cores complementares, e cada conjunção de dois complementares dá a luz branca por emissão, a obscuridade negra por absorção. Assim toda a vida é feita de complementares cujas funções são uma exaltação mútua ou, se há conjunção, são a afirmação ou a negação do ciclo inteiro da manifestação vital do fenômeno ao qual eles pertencem. Ora, conjugar os complementos é o esforço mais “anti-mental” que existe. Na verdade vossa inteligência pela comparação dos complementos. Vossos próprios olhos não podem ver a cor senão pela oposição da complementar na retina. Assim os sentidos e a inteligência não existem senão graças à separação dos complementos, graças à oposição de um estado em vós que tem seu complemento fora de vós. No entanto a natureza quer a conjunção e não é senão graças a esse fenômeno que ela pode nascer, crescer, desenvolver-se e finalmente morrer.

Aqui está a fonte oculta, o combate interno que está na origem de toda crise mística no mundo. A inteligência atingiu o máximo das possibilidades funcionais e isso é a negação do impulso da natureza. Lá onde a natureza quer juntar, a inteligência a isso se recusa porque lhe falta o elemento de apoio que só a divisão pode lhe dar. Sem dúvida os complementos existem de todo modo, mas lá onde a inteligência não pode senão criar conjuntos mortos e estéreis, um mondo de elementos esterilizados, ilusão fantástica, na natureza une, casa, faz germinar, ultrapassar-se, o conjunto vivo nascido da conjunção. Desse modo, se encadeia na natureza um sistema complementado num outro, formando novos complementos que, finalmente, após o esgotamento das possibilidades da harmonia, dá no casamento último e místico dos elementos supremos da criação.

Há um certo encadeamento desde a pedra até o homem; mas, se tu queres separar os elementos constitutivos e complementares nas diferentes etapas, tu irás constatar apenas fatos sem junção entre eles, e a forma intermediária que liga as fases sempre escapará à tua inteligência.

No entanto, existe no homem um sentido ainda bem obscuro, primitivo, que permite ver os complementos conjuntos e, provavelmente, todo homem que não é um bruto conheceu, num instante de sua vida, a sensação em que se crê, num piscar de olhos, tudo compreender, ser o que envolve, contém, onde as coisas são ligadas entre si, solidárias, mas também onde se está perto de perder conhecimento, a se desvanecer – e então esse homem tem medo de perder esse estado que ele chama conhecimento, consciência, e que é apenas a isca da humanidade, a ilusão do mundo. Esse estado, se tu me compreendes bem, não é outra coisa senão o êxtase místico, e a “cultura” mística não é outra coisa senão a cultura desse sentido no homem, que permite a consciência da conjunção dos complementos, mas exige o fechamento das portas da inteligência, para adormecer esse organismo que divide.

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Se os homens deste mundo são tão torturados, e muito freqüentemente entediados com a luta, procuram o suicídio mais ou menos brutal, a causa profunda e nessa contradição entre uma vida estéril e a consciência obscura da possibilidade de uma vida fértil.

Toda a humanidade da raça ariana que, há dez séculos, sofreu com o flagelo do catolicismo, sofreu particularmente a atrofia mística dada pelo intelectualismo das percepções místicas, simplistas e grandiosas do Cristo. “Deixai tudo e segui-me”; cada um que compreenda e viva conforme sua consciência, mas a ninguém é dado escrever a esse respeito um parágrafo administrativo definido e exclusivo.

Seguir quem ou o que? Aí está onde a fórmula intelectual da religião interveio para colocar no lugar do ideal ou da hipótese total, a palavra, a fórmula fria e rígida, isso até a revolta do bom sentido do povo. A ciência veio em seguida e, em seu orgulho insondável, demoliu o resto da supersticiosa crença, para...não colocar nada em seu lugar. A crença supersticiosa era melhor que nada. Aos corações ressequidos pelo fogo incendiário da inteligência, não há remédio a ser dado porque o único remédio, um ideal a adotar, eles só o entendem sob a forma de uma doutrina, de uma ilusão mental nova...

Há vários anos, bem no meio da guerra européia, eu te dei, numa noite, o fogo. Desde então tu não o deixaste mais apagar. Tu o tens levado longe contigo para chamar em torno dele os homens que ainda têm um coração. Eu te dei esse fogo como sinal de uma promessa: a de agora te falar e, com o fogo, dar-te também a luz. Na seqüência, no mundo inteiro, aqui e ali, fogos eternos foram acesos para dar ao povo uma nova base mística. Opostos àquele que tu guardas, esses fogos se apóiam no culto dos mortos, enquanto que aquele que brilha sob tua guarda é a promessa da vida.

Lembro-te disso porque esses fogos dos mortos, acesos em todo lugar, são o sinal do cumprimento de tua obra, porque uma força queria fazer nascer uma nova mística, sinal da necessidade que há de pôr no lugar do conceito mental,

atrofiante, estéril, o culto de um ideal apoiado num sentimento humano de abnegação e de impessoalidade.

Mas lá onde reina o medo da morte, não há possibilidade de vida eterna e chegou a hora em que tu deves falar da vida eterna e da Eternidade.

Eis aí em algumas palavras a história de uma noite bem longa. Eu te falarei de uma outra noite: a da ciência.

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QUARTA NOITE

Olha-te com teus olhos! Tu não te podes ver senão em parte, tu não podes ver a ti mesmo. Tu não podes. Poder!... Que problema medonho colocado ao homem! Poder!... Cruel tormento para a humanidade!... Não poder, é a cessação absoluta de um estado, é a morte... Poder é: viver!

Não poder andar porque as pernas estão paralisadas, não poder pegar porque as mãos estão mortas, não ver porque os olhos estão cegos, não poder mais se agarrar na borda do abismo porque os dedos adormecem – eis aí instantes em que poder significa lei inelutável; eis também momentos em que toda a vida do homem se concentra para a suprema submissão ou a suprema cólera da revolta. Poucos sabem se submeter. Assim a humanidade concentrou toda a sua vida na absurda revolta contra a lei da natureza e para poder quis saber porque saber é conhecer as forças e suas conseqüências, e então “poder” quer dizer: subjugá-los, desviá-los de seu efeito nocivo. Mas aquele que, no supremo instante, aceita, se submete, esse não quer saber. Então a força age segundo sua natureza, quebra e reconstrói.

Saiba que há duas maneiras de saber. Uma é destrutiva, a outra é verdadeira e construtiva. Disseca um homem; tu encontrarás desde a célula da epiderme até a matéria cinzenta, sempre e apenas a célula. Os agrupamentos divididos não falam senão aos teus sentidos; tu nem mesmo conhecerás o complexo físico do homem e permanecerás estupefato diante da transmutação do pão em sangue. No entanto o Egito, e mesmo a Grécia conhecem o corpo humano perfeitamente, sem para isso fazer dissecações.

Era o caso dessa Grécia ainda sábia o bastante para escrever na entrada do templo de Delfos esse ensinamento fundamental: “Homem, conhece-te tu mesmo”. Sabe como o egoísmo deste mundo traduziu aquilo? É preciso conhecer-se a si mesmo! Ora, conhecer-se a si mesmo absolutamente não quer dizer a mesma coisa. Medita sobre isso e te dá conta também de que, nessa fórmula, é empregada a única palavra que convém ao verdadeiro saber, ao saber construtivo, a palavra: conhecer.

O que é que tu chamas poder? Quebra uma pedra, tu podes ainda reconstituí-la, mas tu não podes mais constituí-reconstituí-la, fazê-la tal como ela era, nascida da terra. Poder significa para vós: dar a aparência de... Poder para vós significa ainda: canalizar as forças da natureza ou mesmo transformá-las. Como sois orgulhosos de transformar uma queda d’água em luz, calor e força! Mas para quê vos servem essas belas coisas? Para melhorar vossa vida? Ela é verdadeiramente mais agradável e melhor que o quê? Vós estais de tal modo atolados em vossa civilização que não tendes mais um só valor real para medir vosso estado atual. Todo o poder, resultado do saber, não soube tornar a vida mais verdadeira, nem mesmo soube prolongá-la. No entanto são o temor da morte e o temor dos desgostos que têm motivado vosso esforço de saber para atingir o Poder, pois em vós, no mais profundo do vosso coração, existe sempre uma esperança ilusória de vencer a morte. Saída de uma religião que reinava pela aterrorização da morte, vossa ciência está baseada na vontade de poder – vencê-la. Vós rides das lendas de um Nicolas Flamel que, graças à pedra filosofal não estaria morto, mas vós ainda amais ouvi-las. Vós tremeis, pois, seja qual for vossa ciência, para cada um

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de vós vem o terrível instante da morte, da cessação de vossa vida cerebral, do apodrecimento do vosso belo corpo.

Ora, eu venho te ensinar que não há morte, para aquele que sabe negar o

saber e aceitar o Conhecimento. Se tu temes a morte, não busques o

conhecimento, se tu amas tua morte, a morte de toda a tua ilusão mental, então vem buscar o conhecimento, vem sinceramente, a sol aberto, que não teme brilhar desde o pico mais elevado até o menor buraco de rato na planície e que não hesita em iluminar desde o ouro até a podridão da terra.

A ciência não é uma pessoa, mas esteja certo de que todo erudito acredita um pouco ser a ciência. Pois então saiba bem que: a ciência é a mais astuta dos jesuítas. Ela não teme prosseguir sua pesquisa do Por quê e sempre sabe muito habilmente fazer crer que ela não quer o Como.

Entre os homens, nunca houve pessoas mais ingratas e mais perigosas que os homens de ciência. Sempre convencidos de sua sinceridade, eles descobrem lentamente verdades velhas como o mundo e se glorificam de suas descobertas: eles esquecem dos sábios. Sempre convencidos de levar um novo remédio ao mal da humanidade, eles fazem dos homens as cobaias da grande causa humanitária, os mártires da inquisição cerebral.

Desde Demócrito até o... Rádio, eles giram em círculos para encontrar a palavra do enigma da matéria. Quão complexo se tornou um átomo, que deveria no entanto significar: a-tomo, indivisível. A palavra subsiste; a coisa é um sistema solar. Há uma ironia formidável para quem olha daqui, do alto da montanha, o jogo da humanidade. Um Ptolomeu fala de um sistema geocêntrico que um Galileu retifica: não é preciso acreditar nessa ilusão! E toda a ciência se apóia lá em cima. Porém o átomo se torna um sistema solar.

Reverencia largamente esses homens que, com tanto esforço, têm buscado; reverencia-os pela sua resignação, seu trabalho, mas não os leve a sério. Se, amanhã, tu lhes ensinas o conhecimento, verás que por nada no mundo eles iriam querer deixar sua ciência, sua lógica, sua mentalidade de hipótese tão fácil, pelo “olhar em si mesmo” a meditação, a única hipótese, a afirmação da Eternidade. Seria preciso, para tanto, deixar a personalidade, a pequena glória ou simplesmente a satisfação de si mesmo.

Para a ciência, é preciso aprender muito, registrar uma montanha de fatos, comparar, verificar pela experiência, esquematizar e formular; para o conhecimento, é preciso negar-se a si mesmo, a fim de conhecer – o homem. É tudo e, por mais simples que pareça, é tão mais difícil que aprender!

A ciência dessa humanidade é feita do espírito de destruição, analisar, dissecar, fazer em peças. Sua síntese, sua construção, é feita de fragmentos, de pedaços.

A hipótese prepara a teoria, a teoria substitui o artigo de fé. É o único caminho aberto a uma mentalidade cerebral, quebra-cabeça de conceitos dos quais cada um permanece vitalmente isolado do outro, coloca-se uma pedra sobre a outra, sem cimento. Essa é uma casa, assim construída, bem insegura, cujo teto é mais pesado que as paredes. O teto não se chama Rádio, Emanação, atomística não resolvida, enunciados matemáticos de dados fundamentais, fantasmagoria de fórmulas? E não se conhece sequer o circuito real do sangue humano no corpo!

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Concluir, do fim, pela irradiação da matéria ao átomo constitutivo do começo, denota uma aberração do pensamento a partir do qual é permitido deduzir a necessidade da inversão de todo o edifício. É o fim da ciência mental.

Porém a fé não pode substituir a experiência. Mas a experiência pode ser feita com outros dados que não os dos sentidos.

O mais erudito buscador, o mais fechado em seus estudos abstratos, é obrigado a estar submetido à vida com seus múltiplos apelos. Ele passa por isso como uma necessidade inelutável e passa ao lado da experiência verdadeira, a que lhe oferece fama, o amor, o nascimento e a morte.

Ver os fatos é ver as folhas mortas caídas da árvore no outono. É preciso aprender a olhar a seiva da árvore; a folha morta não tem mais importância para permitir concluir pela vida. Do químico ao médico, todos se deixam enganar pelas aparências. O alquimista e o curador são imagens de lendas de um tempo enevoado. Mas os alquimistas modernos que falam da transformação molecular e os hipnotizadores, sugestionadores, homeopatas modernos apóiam sua ciência numa ciência racional, experimental...!...?

Para compreender isso seria preciso uma cultura tão austera de uma vida toda, uma cultura que lhes permitiria “sentir”, experimentar os mínimos detalhes de suas próprias vidas, as mínimas funções de seus corpos; seria preciso guiá-los tão severamente nessa via da qual nasce o despertar místico, que faltaria tempo.

E o que importa! É o fim do mundo!

Se alguns homens raros, prontos e escolhidos, podem desse modo ser guiados, não é mais para construir estradas de ferro ou aviões, mas para levantar o Templo do qual se irradiará o benefício que ajudará os que não têm mais tempo. O conhecimento quer a verdade e a verdade está na Eternidade; mas a Eternidade é para os sentidos do espírito, não para os sentidos do corpo.

Até o presente, a história da ciência é sempre parte dessa convicção: a supremacia da inteligência. Desse fato, ela sempre constituiu o elogio dos tempos atuais durante os quais a inteligência humana adquiriu o ápice de sua potência. Eu não poderia, eu que não reconheço essa inteligência senão como um fenômeno secundário da vida, não poderia fazer senão uma história da ciência que seria uma censura para o vosso mundo, uma prova de vossa inferioridade diante desses povos que, com uma inteligência, não inferior, mas menos corrompida, têm sabido escutar a linguagem da natureza e, assim, viver e não apenas “compreender” a transmutação, função da qual resulta toda vida.

Se algum discípulo convicto da ciência do cérebro quiser, diante de ti, defender, contra a ciência do coração, essa ciência exata, experimental, apenas lógica e fundada em dados controláveis nem um pouco especulativos, diz-lhe o seguinte: Uma ciência exata exige elementos reais exatos de medidas. Mas, curiosamente, é justamente esse o domínio do qual a ciência tem se ocupado menos. As medidas modernas de extensão, volume e duração substituíram unidades e conjuntos decimais lógicos, as fantasmagóricas medidas transmitidas pelos costumes. Isso diz muito mais respeito a um espírito claro, mas é provável que o contrário se dê: vosso espírito não é claro o bastante para compreender essas medidas apocalípticas da velha tradição. É quase um acaso que a jornada conte ainda vinte e quatro horas, já que em geometria os 360 graus são bem substituídos pelos 400 grados. Os antigos conheciam também 300 grados, mas eles não se enganavam a respeito da sua significação em relação aos 360 graus

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do círculo. Ora, não tendo senão medidas factícias, nada do que resulta experimentalmente, isto é, do emprego dessas medidas, pode ser exato. Tudo sendo relativo aos vossos olhos, essa relatividade absolutamente não exclui o fenômeno efetivo do qual partis para construir a relatividade. Admitindo que esse fenômeno seja ele mesmo relativo, permanecereis no entanto diante de uma incógnita, a das suas causas vitais originais. Sem ir tão longe, deveríeis ao menos, para ser verdadeiramente positivos e exatos, admitir as medidas que são efetivamente relativas enquanto definição de uma relação em toda essa ilusão natural. Uma medida naturalmente definida pela relatividade natural será uma medida exata em relação aos fenômenos relativos.

Ora, nada nesse mundo, salvo em vosso cérebro, nasce cresce e morre segundo o sistema decimal.

E todas as vossas medidas são nascidas desse cérebro “decimal”. Já que vossas medidas são arbitrárias quanto à sua unidade e seu sistema, os dados de vossa ciência podem ser chamados de falsos.

Se me estendo um pouco sobre a questão é porque ela é importante e, no entanto, é a menor das preocupações de uma ciência para a qual o sistema CGS responde a todas as necessidades, e também porque apenas uns raros filósofos “metafísicos” estão ocupados com esse problema, e o mundo sabe dele pouco ou nada, enquanto que uma ciência enganosa enfeitiça e doma o povo de uma maneira quase pior que uma religião papal temporal.

Nestes dias de grande crise moral do mundo em que as consciências são assediadas por um problema não formulado de justiça, de liberdade, de direito, é perigoso deixar uma ciência cerebral assassinar os últimos lampejos de uma moral inata; e todo homem de coração deveria, por todo o mundo, dar a mão aos outros homens de coração para lutar contra esse mal fundamental, em vez de perder sua força e seu próprio último lampejo de bem e mal numa luta de classes ou política.

O mal do mundo está na consciência dos homens que não encontram mais ponto de apoio, para seu julgamento, num sentido natural do bem e do mal. Desde há muito tempo o materialismo está morto para a ciência, mas o povo o ignora e constrói sua moral sobre doutrinas cujos primeiros argumentos não se mantêm um nem um instante diante do cientista sincero, se houver. No entanto, são doutrinas que matam a consciência e fazem uma vida humana parecer menos importante que a menor valor em dinheiro, esse valor que uma especulação nascida do inferno e da danação colocou como Deus no trono do mundo.

Para o homem que procurou o problema da vida, que soube enfrentar a miséria de seu mundo, não será demais dizer que a ciência moderna é um veneno que mata o mundo, porque, sozinha, essa educação pôde atrofiar a consciência do povo ao ponto de lhe fazer admitir, mesmo além dos seus interesses imediatos, o valor material, mais que o valor moral.

No lugar dessa ciência factícia, deveria haver para os homens: o conhecimento.

Esse conhecimento que estava guardado nos templos do Egito, esse conhecimento do qual apenas uma fração soube dar à luz a antiga Grécia da qual todo o ocidente se nutriu, esse conhecimento que era também a força da jovem e potente igreja, construída sobre os ensinamentos do Cristo e que, sozinhos, uma série de papas desavergonhados e os arranjos intelectuais de um clero ávido de poder conseguiram demolir.

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Disse-te o que deveria ser e te darei também os meios de fazer compreender isso.

Mas eis aí uma noite de lua nova!... Nunca a noite foi mais negra, pois as nuvens pesadas escondem inclusive a face dessas almas que vós chamais: estrelas!

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QUINTA NOITE

Eis a quinta noite, que como essa quinta raça humana após a qual vem o abismo sem luz ou a luz sem sombra. Eu ouvi a tua prece. Uma vez tu disseste: me o conhecimento! Eis agora que tu pronuncias tua última prece na terra: Dá-me a verdade! Tu viveste uma vez na água e, em seguida, sobre três terras: uma é consumida pelo fogo de baixo, a segunda é engolida pela água; a terceira espera o furacão e te queima os pés, a tu que queres a Eternidade.

Tua vida foi uma cadeia do espírito ao corpo e um laço de sangue; e em ti ainda gira a roda dos teus deveres e necessidades, a roda do teu destino. Desliga a cadeia e quebra o sangue; de outro modo tu retornarás à duração de um mundo para reviver a experiência que a consciência quer. Então, aprende o seguinte:

Tudo passa, menos a consciência.

Não confunda! Há esse estado de vigília que é função do cérebro e dos sentidos e que tu também chamas de Consciência. Essa é a consciência do corpo. Ela morre com ele. Há também a consciência freqüentemente desconhecida da inteligência, que é como uma fusão da tua vida com a vida. Essa consciência não morre. Ela não se inscreve em parte alguma. Ela é um poder, O ÚNICO VERDADEIRO PODER.

Sou misterioso? Não, falo apenas de coisas para as quais é preciso, durante muitas noites, muita conversas e muitas experiências que, com freqüência, são só sofrimento.

Sou abstrato? Se eu pudesse em apenas algumas palavras te comunicar o entendimento desse conhecimento, minha tarefa estaria terminada e tu poderias por tua vez instruir.

Entre os homens, pega um, não importa qual: ele tem uma forma, semelhante à tua; seu corpo é construído segundo um sistema que define todas as partes psicológicas e, desse modo, situa esse corpo como gênero, e raça, numa categoria especial, diferente de todas as outras coisas da terra. Não há nenhum acidente fortuito na construção desse corpo, podes estar certo disso; tudo é expressão de uma lei cósmica que em outros lugares também se exprime na mesma natureza mas sob outras denominações.

Esse corpo é uma maravilha... banal. Por causa de árvores os homens não vêem mais a floresta! Esse corpo é um livro no qual tu poderás ler todas as leis do mundo.

Esta é uma questão. Eis agora que esse homem se exprime, e isso de diferentes maneiras: inicialmente por seu movimento, sua ação, sua força muscular, sua mímica; em seguida ele se exprime por sua inteligência, suas obras, sua palavra, sua memória, e assim por diante; finalmente ele se exprime por suas necessidades, impulsões, intuições, que não são nem movimento nem inteligência. Aí está um homem como o encontramos no dia-a-dia. Ele na verdade ainda não é completo, mas é assim que ele irá aparecer comumente.

Esse “homem-rebanho” viverá com outros homens semelhantes; para viver ele fabricou para si leis que constituem o que ele chama sua civilização, graças à qual ele pôde ordenar sua vida, trabalhar a natureza, e dominá-la. A parte dessas leis que, sem ser escrita, regula suas relações íntimas com seus semelhantes, constitui sua moral. Seu “Bem e Mal” é definido unicamente “em relação aos seus semelhantes”.

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Por seu lado, a Religião disse ao homem que existe um “Bem e Mal” diante de si mesmo: o Bem dá o paraíso, o Mal dá a punição que é o inferno. Enquanto existe uma lei ingênua que permite a esse homem representar para si ao menos a dor do fogo do inferno, tudo vai bem. Quando essa ingenuidade cessa graças às célebres explicações da inteligência, esse homem terá rapidamente que organizar sua vida íntima do modo mais fácil. São questões que se resolvem diretamente com o bom Deus e quase não são incômodas de imediato. Eis o tipo normal dos homens tal como se pode julgá-lo em geral, tal como aparece na história da humanidade.

Tomei como exemplo um tipo bem bruto, não é? Há também outros homens, muito sutis, muito inteligentes. Não te deixes iludir por eles: eles não são diferentes do primeiro salvo por sua faculdade de enganar a si mesmos e aos outros. Eles não são diferentes, eles têm a mesma consciência real que o homem bruto e, nem mais nem menos que ele, não sabem onde se aloja essa consciência que nem uns nem outros conhecem. No entanto, trata-se da única coisa que pode, efetivamente, elevar o homem, fazê-lo sair do rebanho, mostrar-lhe como essa consciência pode se tornar,... “consciente” à inteligência e lhe abrir assim o caminho da Eternidade.

O homem bruto tem sua vida cotidiana, ele trabalha, come, dorme. Ele também sem dúvida chegou a experimentar o amor por uma mulher. Ele a desposou e, de tempo em tempos, segundo suas necessidades, ele satisfaz “as exigências conjugais”. Ele tem filhos, nutre-os e faz o necessário para criá-los para que, finalmente, alguém dedicado à coisa, os instrua. É o homem da sociedade burguesa que, com maior ou menor refinamento, se parece com os outros homens, desde o camponês até o rico industrial. Mas procura bem! Tu encontrarás quase sempre na vida desse homem uma pequena esquisitice ou um vício. Um se afoga no vício; outro, ao contrário, encontra nessa esquisitice íntima o motivo de todos os seus esforços, de seu trabalho, para ganhar os meios de satisfazer essa coisa excêntrica. Enquanto essa extravagância ou desejo especial não for, na sua opinião, de expressão sexual pura, teu homem geralmente não temerá vê-la nos outros homens entre os quais ele encontra pessoas semelhantes a ele. Assim que essa esquisitice toca mais ou menos de perto a questão sexual, isso se torna um mistério, uma coisa que se oculta, que corrói ou exalta e faz parte dos segredos que às vezes o melhor amigo não conhece. Aqui, com freqüência, a mulher se torna a confidente, porque raramente o homem torna-se confidente para a mulher, pois que ela experimenta com freqüência muito menor essas coisas e porque por princípio ela gosta de enganar. Olha então teu homem-rebanho! A ele lhe agrada comer bastante e, afinal de contas, ele não está sozinho. Então, nenhum mistério; ele não sai falando isso aos quatro ventos, mas enfim, não há nenhuma razão de esconder isso. Isso faz parte das fraquezas do rebanho; ele passa por cima e os homens que buscam fazem o mesmo. Observando bem todo homem, tu verás que, justamente, aquele tem ainda uma outra fraqueza: ele se excita com a visão dos pés e das pernas de mulher. Quanto mais isso for forte nele, mais ele o esconderá, e mais será irritado diante desse espetáculo; a própria psicanálise não explica porquê exatamente a visão dessas coisas originalmente produziu esse efeito sobre ele. Salvo no que diz respeito aos estudos patológicos, a análise dos complexos que estão em jogo em circunstâncias de despertar sexual não dá em nada quanto à razão pela qual essa irritação genesíaca foi despertada nesse homem, precisamente pela visão dos pés da mulher.

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Não tenho mais a te dizer sobre esse assunto, que te parece ser uma longa história comum. Acrescentarei para a tua compreensão apenas o seguinte: todo mundo classificará esse “desvio” nesse homem como um caso de patologia nervosa ou psíquica. Isso será no mínimo uma aberração. Aberração de quê? Eu te digo: o único instante verdadeiramente consciente nesse homem do rebanho é precisamente essa “aberração” e eu chamarei com muito prazer de aberração todo o resto da sua vida. Se esse homem tivesse sabido despertar nele o jogo incessante dessa consciência graças à qual todas as coisas poderiam lhe produzir

esse efeito vivificante, esse homem seria somente consciência e não morreria

mais. Compreende-me bem! Eros é, num certo aspecto de sua natureza, também a Mística, mas esse aspecto requer que seja revelado por uma profunda educação e uma instrução que mostram o que é belo e puro.

O complexo homem é o resultado de uma encarnação do Espírito, quer dizer, da expressão física do Espírito no corpo. A relação do Espírito ao corpo é a Alma, a qual tem cinco aspectos, que resultam de sete fatores, eles mesmos afeitos de um determinado número de funções. A origem está na Eternidade inconsciente e o fim está nessa mesma Eternidade consciente. A Eternidade não tem começo nem fim, tu não podes compreendê-la, mas tu podes vivê-la, pois tudo é, na Eternidade, consciência e inconsciência, assim como uma laçada no fio dessa duração, fora do tempo, laçada que é devir e retorno. Esse círculo aberto do devir e do retorno é o mundo inteiro e também tua alma.

Não confundas esse Devir e Retorno com o anel imaginário de filósofo-poeta. Este não conhece o segredo.

Essa alma é o lugar onde se realizam todas as experiências verdadeiras cujo efeito é a consciência. Essas experiências chamam a alma para a origem ou para o corpo. Se o corpo tem necessidades, e a alma responde, é a morte, se a alma não responde é a vida sem morte. Isso em seu sentido absoluto. Em todos os casos intermediários em que um desejo do corpo chama a alma, há ciclos determinados, reencarnações.

Tudo está unido no mundo por uma única lei da qual saem todas as leis. A experiência deve ser total, para que a consciência seja total, o que requer reencarnações. Essas são as cadeias. O corpo é perpetuado pela semente. Ele herda de seus pais suas cadeias, que não são as suas enquanto corpo de uma nova encarnação. Esse é o sangue. As necessidades de tua experiência, que é causa e efeito, constituem a roda do teu destino. Tuas necessidades são motivadas pelo estado de tua verdadeira consciência.

A mulher é um corpo que carrega a décima terceira costela.

Mas eu te ensinarei a nova lei que fala do casamento místico, o qual não é outra coisa senão a animação do corpo e tua libertação.

Oh! Mar insondável que devolveu o membro de Osíris! Oh Virgem, mãe do Cristo!

A noite toca a aurora. Oculta tua face si não podes ver o Sol que cega os que ainda crêem, em seu orgulho, em sua persona, mas olha!... se tu não temes morrer tu mesmo e se tu desejas viver sem fim.

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AO GRANDE SOL Neste dia que nasce, a plena luz, Aor, diga-me:

Transmite ao mundo algumas palavras essenciais do que aprendi de ti durante as cinco noites, para que os homens que erram e podem te ouvir, venham ajudar-te a construir o Templo, no qual eu ajudar-te ensinarei, pelas formas, proporções e letras, o que deve ser guardado do ensinamento secreto.

Essa ciência guardada portanto não servirá senão “aos que permanecem sobre esta terra” para lhes ser a chave do último instante, para ler os livros secretos dos sábios do passado.

Se, entre aqueles aos quais tu mesmo ensinarás essa chave, há alguns que

ousam morrer para seu egoísmo, eles viverão na Eternidade graças a eterna

justiça que abre a porta àquele que bate, quer dizer, àquele que tem a coragem de deixar tudo pela verdade absoluta.

Recusa quem quer que venha mendigar, esses são pobres cujo descaramento merece apenas uma esmola.

Recusa quem quer que não seja da raça que passará ao outro mundo. Todos os homens carregam visivelmente sua assinatura.

Não temas ser enganado por patifes, eles não saberão nada do que está ocultado se são patifes e não poderão viver diante da luz.

Tu dirás ainda o seguinte: A terra é vossa necessidade.

Não a deixem com desprezo ou desgosto, porque ela é bela e contém todo o desejo e toda a vontade da Origem; vós estais aqui para aprendê-la.

Não a deixem com arrependimento, porque a ela permaneceríeis ancorados e não poderíeis vos libertar nessa fusão.

O melhor Além, não o busques senão em vós mesmos, na centelha divina que vos anima.

Não fecheis os olhos ao “Aqui” pelo ilusório “Lá”, vosso dever é aqui, é por isso que estais aqui vivos.

Mas não renegueis a Eternidade, por medo ou ignorância, ou por um materialismo inexistente.

Quanto vos pareceria difícil religar tudo aquilo!

São covardes os que abreviam sua vida por desgosto. São também estúpidos. São ignorantes os que dão mais consideração à terra que à Eternidade. Eles não têm ainda os olhos que mostram a Eternidade em cada coisa.

Não creiam que eu prego a abstinência, mas eles merecem as cadeias da prisão, os que esgotam sua vida por um gozo.

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