A prática percussiva em conjunto: um relato de experiência
Isabelle Ascêncio Souza Universidade Estadual de Maringá – UEM Isabelle_ascencio@hotmail.com
Comunicação
Resumo: Este artigo trata-‐se de um relato de experiência realizado com os alunos do ensino
fundamental I, no Colégio Estadual Alberto Jackson Byington Junior, na cidade de Maringá -‐ PR. A proposta de ensino teve por objetivo desenvolver práticas musicais tendo como eixo a prática percussiva em conjunto por meio da música folclórica brasileira, da música regional carimbó e o gênero musical xote. Levando para a sala de aula os aspectos musicais como, a apreciação, altura, ritmo, prática em conjunto e o canto coletivo. A abordagem metodológica e a proposta de ensino visaram contribuir para o crescimento do ensino coletivo na educação básica, bem como para a realização de posteriores trabalhos que tornem o fazer musical significativo e enriquecedor no processo de ensino do educador musical.
Palavras chave: prática de conjunto, percussão, ensino fundamental I.
Introdução
O presente relato de experiência vincula-‐se a disciplina de Estágio Supervisionado III1 do curso de Licenciatura em Música da Universidade Estadual de Maringá -‐ UEM. A proposta de ensino visou desenvolver práticas percussivas em conjunto com a música folclórica brasileira, o estilo musical carimbó e o gênero musical nordestino xote. Tendo por objetivos levar para a sala de aula as manifestações culturais e musicais que representam os temas abordados, utilizando o ritmo, o canto, a prática em conjunto, a apreciação, a instrumentação e o fazer musical como fio condutor das atividades realizadas. O estágio foi desenvolvido no Colégio Estadual Alberto Jackson Byington Junior, com os alunos do ensino fundamental (7ª ano C) na cidade de Maringá -‐ PR. A turma foi composta por vinte e cinco alunos contendo em sua maioria meninos, tendo apenas quatro meninas, na qual, também continha dois alunos de inclusão (um menino e uma menina que possuem paralisia cerebral). Vale ressaltar que, apesar do Colégio estar localizado em um bairro nobre da cidade de Maringá, as crianças e jovens atendidos pelo Colégio vem de bairros mais carentes e periféricos afastados daquela região. As aulas foram ministradas todas as quartas-‐feiras das 13h15min horas às 14h55min horas.
Do tema: a prática percussiva em conjunto por meio da música folclórica brasileira, música regional carimbó e o gênero musical nordestino xote.
“No panorama musical, existe uma diversidade de estilos e de gêneros musicais, cada qual com suas funções correspondentes a épocas e regiões. Cada povo ou grupo cultural produz músicas diferentes ao longo de sua história; surgem, assim, diferentes gêneros musicais. Eles não são isolados; sofrem transformações com o tempo, por influência de outros estilos e movimentos musicais que se incorporam e adaptam-‐se aos costumes, à cultura, à tecnologia, aos músicos e aos instrumentos de cada povo e de cada época. A música popular, por sua vez, tem origem nas festas e rituais, compostas por melodias e canções de um povo, que passam de geração a geração e tem como característica marcante o ritmo. A música, então, é uma forma de representar o mundo, de relacionar-‐se com ele, de fazer compreender a imensa diversidade musical existente, que de uma forma direta ou indireta interfere na vida da humanidade”. (PCN, 2008, p.75)
Nesta ideologia, a escolha do tema foi pensada levando em consideração a riqueza cultural, musical e histórica presente na música folclórica brasileira, na música regional denominada Carimbó e no gênero musical nordestino Xote. Uma vez que, ambas possuem características semelhantes em suas letras, melodias, ritmos e no contexto histórico e cultural, no qual, possibilitam práticas musicais integradoras, vigentes para o ensino fundamental, estabelecidas no Plano Curricular Nacional PCN. Segundo o mesmo, os conteúdos básicos previstos para a série do 7º ano são: altura, duração, timbre, intensidade, densidade, ritmo, melodia, escalas, Gêneros musicais folclórico, indígena, popular e étnico. Música popular étnica ocidental e oriental”. (PCN, 2008, p. 90)
Com isso, o presente trabalho visou levar para a sala de aula as manifestações artísticas e musicais que permeiam nesse universo da música popular brasileira, tendo por objetivo tornar o ambiente de ensino um lugar aonde o conhecimento viesse a desenvolver o senso crítico dos alunos, sensibilizando-‐os por meio da prática percussiva em conjunto, da apreciação, do canto coletivo, do ritmo e da dança que caracterizam os estilos e gêneros musicais abordados na proposta metodológica realizada. A qual, esta prevista na abordagem pedagógica apresentada pelo PCN, que enfatiza:
Nesta série é importante relacionar o conhecimento de formas artísticas populares e o cotidiano do aluno. Percepção dos modos de fazer música, através de diferentes formas musicais. Teorias da música.
Produção de trabalhos, músicas com características populares e composição de sons da paisagem sonora. (BRASIL, 2008, p. 90)
Nesta perspectiva, Cruvinel (2008, p.5), salienta que “o Ensino Coletivo de Instrumento Musical pode ser uma importante ferramenta para o processo de socialização do ensino musical, democratizando o acesso do cidadão à formação musical. Com isso a prática percussiva em conjunto foi utilizada como uma abordagem metodológica nas aulas, buscando a interação dos alunos para com a proposta de ensino, de maneira que se sentissem motivados para aprender. Compartilhando dessa ideologia, Paiva (2005) enfatiza que sem a prática em conjunto a aplicação dos conceitos estudados em situações coletivas de prática musical deixa de ser proporcionada, não havendo a troca de experiências e a interação com outros alunos.
A prática musical usualmente requer algum tipo de interação, seja entre músicos, entre o músico e uma platéia ou entre o músico e aparatos tecnológicos. O sujeito que não possui as habilidades interpessoais necessárias terá dificuldades em estabelecer e conviver com essas interações. (Gohn apud PAIVA, p.1189, 2005).
Neste sentido, a escolha do tema para a realização das atividades em sala de aula, buscou ampliar o universo musical dos alunos, mostrando a diversidade presente em cada estilo e gênero musical estudado, no qual, o fazer musical por meio da prática de conjunto se tornasse instrumento de inclusão enriquecendo o trabalho musical da turma ao estudar a música folclórica brasileira, o estilo musical regional carimbó e o gênero musical nordestino xote.
Análise das aulas
As aulas aconteceram no salão nobre do colégio, assim denominado pelos alunos e professores. A sala é considerada como sendo um anfiteatro do colégio, no qual, possui um palco para as apresentações e desenvolvimentos de atividades artísticas e musicais. Contendo também um quadro negro, caixa de som e o data show que geralmente fica conectado a um computador que dispõe de internet, o que dinamiza e facilita o trabalho do professor em caso de pesquisa e apresentação de exemplos como: grupos de danças, grupos instrumentais, bandas, orquestras sinfônicas ou corais e etc. Contribuindo assim, para o momento de apreciação acerca do conteúdo que o professor escolhe para levar à turma.
Embora o colégio atenda os alunos das comunidades carentes e periféricas, a escola possui boa estrutura e instrumentos musicais alternativos (galões azuis, ganzás de arroz e latinhas) confeccionados por outros alunos juntamente com a professora de artes Vânia Malagutti. Devido ao trabalho realizado pela educadora musical, ao longo dos anos que trabalhou na instituição de ensino, o colégio adquiriu instrumentos percussivos para a viabilização da aula de música como: caixas, bumbo, pandeiros, baquetas, violão, teclado e flautas doces. Conquista essa que, a mesma valoriza cuidando dos instrumentos adquiridos e do espaço conquistado. Afirmo, pois presenciei ao longo do estágio, a maneira como a educadora orienta os alunos a terem cuidado com os instrumentos musicais do colégio.
Neste contexto, realizei a proposta de ensino aqui apresentada, iniciando a primeira e segunda aula (lembrando que são duas aulas consecutivas por semana) com o enfoque na música folclórica brasileira utilizando a prática de conjunto como eixo das aulas. Ressalto que, antes de iniciar o conteúdo musical a classe de alunos não havia trabalhado música neste ano letivo, com isso, era a primeira abordagem musical que eles teriam. A escolha da música folclórica brasileira como ponto de partida do estágio, aconteceu, pois notei nas observações que antecedem o inicio do mesmo, que os alunos prestavam muita atenção e se mostrava interessados toda vez que a professora da turma falava que iria contar uma história para eles. Tal fato me chamou a atenção, levando em consideração que as lendas são uma das grandes características das músicas folclóricas, resolvi começar por esse legado.
Dessa maneira, foram trabalhados os aspectos e características musicais e históricas da música folclórica brasileira. Busquei envolver os alunos contando ás lendas que cercam as canções folclóricas como a do “boto cor de rosa”, deixando um suspense sem entregar a qual lenda se tratava. Assim, os alunos ao final da história descobriam sozinhos quais eram as lendas.
Posteriormente, ouvimos a música que representava a lenda, discutimos os aspectos históricos e musicais da mesma, as influências do gênero musical em questão bem como sua origem. Para o fazer musical nessas aulas, utilizei a prática de conjunto por meio da percussão com os instrumentos alternativos (galões azuis) e baquetas, com o objetivo de iniciar as noções de pulso, compasso quaternário, binário e ternário, para posteriormente fazermos o ritmo de algumas canções folclóricas, visando trabalhar o básico da base percussiva para que os alunos fossem se desenvolvendo ritmicamente para as demais práticas musicais ao longo do estágio.
Notei que as atividades desenvolvidas nas práticas de conjunto, como o conceito de compassos, improvisos, noção de timbre e alturas (grave e agudo) foram bem absorvidos pelos alunos, visto que, em seguida eles respondiam aos meus questionamentos utilizando a linguagem musical ensinada. Também realizei momentos de apreciações musicais, atentando os alunos para não se prenderem aos seus gostos musicais e que procurassem ouvir com um ouvido mais crítico prestando atenção nos ritmos, timbres, letra e melodia das músicas.
Ao terminar o conteúdo da música folclórica, fiz uma ponte para o estilo musical regional carimbó, tema que tomou grande parte das aulas do estágio rendendo até mais do que o esperado. Uma vez que, ouve grande interação dos alunos tanto na prática em conjunto quanto na participação em sala de aula, pois adotaram a idéia, sugerida por mim e pela professora da turma, de realizar um intercambio com o educador musical Luiz Lins (especialista na música regional) de Belém do Pará. Com isso, foi possível aprofundarmos os conhecimentos acerca do tema conhecendo a história de origem do carimbó, suas influências, manifestações artísticas culturais, bem como os materiais que compõem os instrumentos musicais que caracterizam o estilo musical e a dança, que é um dos símbolos artísticos que marcam essa cultura da música regional.
De maneira que o fazer musical e artístico esteve bem presentes nas práticas de conjunto, percebi por parte dos alunos a valorização da cultura. Exemplo dessa afirmação foi quando pedi para escrevem no papel o que aprenderam ao estudarmos a música regional carimbó, surgiram respostas como: aluno A, “bom eu gostei muito do estilo das musicas, elas são bem divertidas e quando dança é tudo muito mágico as coisas ficam muito mais alegres por causa do conteúdo que elas trazem e também os vídeos do Luiz respondendo as nossas perguntas”. Aluno B, “eu gostei muito desse ritmo, pois é diferente e nunca tinha visto ele. E também gostei muito de tocar novos instrumentos e adquiri novos conhecimentos”. Aluno C, “foi muito top vimos vídeos do Luizinho, aprendemos sobre o carimbó, tocamos vários instrumentos, eu toquei o bumbo e o ganzá”. Aluno D,“eu adorei as aulas aprendi a tocar tambor aprendi como é feito o curimbó (pele etc). Cantei, aprendi, dancei, brinquei e me diverti e foi cada aula mais legal que a outra. O carimbó foi feito no Pará, na cidade de Belém do Pará. Aprendi músicas novas, ‘Ai menina’ e toquei ganzá, carimbó e tambor azul”.2
2 Tambor azul é um galão reciclável que foi transformado em tambor percussivo, por outra classe de alunos, em um
Se por um lado, a prática de conjunto por meio da música popular brasileira propiciou momentos de discussões e reflexões, a mesma prática proporcionou momentos de interação e inclusão. Um reflexo disso ficou presente na fala do aluno com paralisia cerebral que expôs suas considerações acerca das atividades desenvolvidas ao seu professor de apoio. O professor escreveu no papel a fala do aluno: “segundo o aluno, a música favoreceu a sua interação com os colegas de sala, a música ai menina é bonita e foi muito bem cantada pelos seus colegas. “O aluno disse ter gostado, pois inventou uma paródia referente à música ‘Xô Passarinho’”.
Analisando as falas e o resultado das atividades em sala de aula, percebi que a prática percussiva em conjunto se torna rica quando a um envolvimento de todos que compõem o processo de ensino (aluno, professor da turma, estagiária e educadores convidados). Sendo uma característica dessa proposta de ensino, a participação de outros professores, como o professor Luiz Lins, de Belém do Pará, a educadora musical Paula, que ministrou a oficina de dança carimbo, e também a estudante Carol Navarro do curso de licenciatura em música pela Universidade Estadual Maringá -‐ UEM. Visto que a convidei para ministrar uma oficina de percussão realizando um trabalho em conjunto, no qual, ensinamos o ritmo do xote para os alunos utilizando instrumentos percussivos como pandeiro, bumbo, triângulo e agogô.
Nessas aulas os alunos experimentaram todos os instrumentos, ensinei o triângulo e o agogô, e a professora Carol Navarro ensinou o pandeiro e o bumbo, assim dividimos a turma em dois grupos para que os alunos passassem por cada instrumento compreendo suas características técnicas e de timbre. O resultado da oficina propiciou uma prática em conjunto enriquecedora, pois os alunos interagiram uns com os outros percebendo como cada instrumento compunha o ritmo do xote, dando um elemento rítmico diferente para a música ‘Xote das Meninas’ de Luiz Gonzava.
A empolgação dos alunos para com a prática em conjunto foi tamanha, que eles próprios decidiram realizar uma apresentação das músicas que aprenderam neste primeiro semestre de aula para as demais turmas da escola. A apresentação foi marcada como sendo um grande encerramento da proposta de ensino que teve como foco as práticas percussivas realizadas por meio das músicas folclóricas, música regional carimbó e o gênero musical nordestino xote.
Considerações finais
Observando o processo de ensino, os objetivos propostos bem como os conteúdos trabalhados, fiquei muito satisfeita com os resultados alcançados. Pois, busquei levar para a sala de aula as manifestações artísticas e culturais que não fizessem parte do cotidiano do aluno. De maneira que a turma tivesse contato com outras culturas, o fazer artístico e musicais presentes nas músicas folclóricas, na música regional carimbó e no gênero musical nordestino xote.
Durante as aulas procurei estar sempre aberta para ouvir as opiniões dos alunos, sobre como eles enxergavam os conteúdos, avaliando como eles recebiam a minha metodologia e realizavam as propostas das atividades práticas. Refletindo assim, sobre cada aula e sobre os resultados positivos e negativos das mesmas, buscando mudar minha didática e ter uma maior interação com os alunos, pois, no início do estágio, eles me viam como uma estagiária e isso se faziam presente nas falas deles sendo um tanto quanto hostis às vezes.
Todavia, isso se modificou com o decorrer das aulas e eles começaram a demonstrar carinho e respeito que acredito que tenham sido adquiridos por meio das práticas percussivas em conjunto que realizamos. Além disso, houve um crescimento e desenvolvimento musical, pois, inicialmente, era notória a dificuldade de alguns alunos para com a execução dos ritmos no inicio do processo de aprendizagem, conseguindo ao final do estágio executar os ritmos com uma maior facilidade. Paralelamente, no final do estágio, também conseguiram a apreciar músicas que não fazem parte do seu dia a dia sem reclamar ou rir, o que demonstra um amadurecimento e abertura para outras experiências musicais.
Sobre o trabalho em conjunto com professores convidados, foi algo que até então não havia desenvolvido em nenhuma das minhas práticas no campo de estágio. Acredito que, a experiência foi valiosa para meu aprendizado, a troca de conhecimentos que obtive por meio do intercâmbio e ao observar a metodologia de cada educador frente a minha classe de alunos me deu referência e idéias para ir desenvolvendo as práticas em conjunto e os planos de aulas. Junto com isso, destaco o apoio da professora da turma, que sempre se mostrou aberta para me orientar e auxiliar dentro e fora da sala de aula.
Neste contexto, houve uma grande inclusão e interação por parte de todos que participaram da proposta de ensino aqui apresentada. Assim, acredito que as práticas
percussivas em conjunto são um eixo que viabilizam o ensino de música coletiva e potencializa o ensino na educação básica.
Visando também que, a prática percussiva pode abordar outros temas, como o rap, a música erudita e outros gêneros da música popular brasileira de acordo com o que o professor almeja para trabalhar. Na qual, também facilitam a integração de outras áreas como a artes cênicas e visuais. Em suma, a prática percussiva em conjunto mostrou-‐se como uma possibilidade viável para ensino da música na educação básica.
Referências
PAIVA, Rodrigo. PERCUSSÃO: uma abordagem integradora nos processos de ensino e
aprendizagem desses instrumentos. 2005/ ANPPOM – Décimo Quinto Congresso.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Brasileiro. Mec. 2008.
CRUVINEL, Flavia Maria. O Ensino Coletivo de Instrumentos musicais na Educação Básica:
compromisso com a escola a partir de propostas significativas de Ensino Musical.VIII Encontro
Regional Centro-‐Oeste da Associação Brasileira de Educação Musical, 1º Simpósio sobre o Ensino e a Aprendizagem da Música Popular e III Encontro Nacional de Ensino Coletivo de Instrumento Musical, Brasília, 2008.