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PROCESSO CONSULTA CFM N° 2501/92 PC/CFM/Nº 04/1993

INTERESSADO: Ministério Público Federal

ASSUNTO: Uso indevido de substâncias anfetamínicas no Brasil RELATOR: Cons. Tarcísio de Almeida Pimentel

1- RELATÓRIO

O presente expediente teve origem no ofício n° 1502/SECODID (Secretaria de Coordenação da Defesa dos Direitos Individuais e dos Interesses Difusos) do Ministério Público Federal, datado de 09 de setembro de 1992, que solicita deste Conselho informações a respeito do assunto constante em documento anexo ao referido ofício. O documento em apreço trata da análise do consumo de anfetaminas no Brasil e é de autoria de Solange Aparecida Nappo e E.A. Carline, do Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina.

No documento, os autores abordam os tópicos: consumo de drogas tipo-anfetaminas por estudantes, consumo de drogas tipo-anfetaminas pelas farmácias magistrais e indústrias farmacêuticas; as receitas magistrais e consumo de drogas tipo anfetaminas.

Na solicitação feita a este Conselho o Secretário da SECODID informa que, com base no documento em foco, foi instalado um processo no âmbito daquela secretaria, razão pela qual está solicitando informações sobre o assunto e enviando, também, tópicos de um parecer apresentado pelo Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.

2- PARECER

Inicialmente, teceremos comentários gerais sobre o tema: substâncias ansiolíticas e anfetamínicas para, depois, analisarmos e emitirmos opinião sobre o teor do documento em foco.

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I - Substâncias ansiolíticas

Todas as substâncias ansiolíticas podem gerar dependência física e/ou psíquica e tolerância.

-Dependência física: é o fenômeno caracterizado pelo surgimento de sintomas e sinais orgânicos, apresentados pelos usuários crônicos de substâncias químicas, quando seu uso ‚ suspenso abruptamente.

-Dependência psíquica: é o fenômeno caracterizado pelo desejo ou vontade incontroláveis de fazer uso da substância, apresentado pelos usuários crônicos de substâncias químicas, quando seu uso é suspenso bruscamente. -Tolerância: é o fenômeno caracterizado pela necessidade de uma quantidade cada vez maior da substância química, usada cronicamente, para sentir o mesmo efeito. Este é um fenômeno que pode levar o usuário a atingir a overdose.

No caso do uso do diazepam como ansiolítico, autores como Isac Guz estipulam uma dose diária de até 60 mg, enquanto Richard J. Shaders prevê uma dose máxima de 40 mg/dia. No entanto, são concordantes em que a dose mínima de 8 mg/dia e a máxima de 20 mg/dia são eficazes na grande maioria dos indivíduos.

O diazepam metaboliza-se lentamente num produto ativo e o seu metabólito desmetilado inativa-se em proporção ainda mais lenta. O emprego repetido do medicamento produz acumulação significativa do próprio produto e do seu derivado desmetilado.

Pela sua lipossolubilidade, o diazepam de quando em quando "enfraquece" (diminui o efeito imediato), mesmo em doses altas. Isto é devido à captação tissular e à distribuição extensas, dando uma falsa impressão de ação breve, levando à repetição de posologia elevada.

Quando se faz posologia repetida com ansiolíticos de ação prolongada, como é o caso do diazepam, se deve pensar na acumulação medicamentosa. Assim, se prescrevemos diazepam durante dias consecutivos, os níveis sangüíneos da droga e seus metabolitos desmetilados ativos subirão continuamente, alcançando um "plateau" após 05 a 07 dias.

Todas as substâncias ansiolíticas são depressoras do Sistema Nervoso Central; têm efeitos ansiolíticos em doses baixas, produzem sono em doses altas e causam estado comatosos ou semelhante à anestesia geral em doses muito elevadas. Todas estas substâncias são capazes de produzir alto grau de tolerância (necessita-se de doses cada vez maiores para produzir o mesmo efeito no organismo) e dependência, embora variem, neste particular, os potenciais das diversas substâncias. O potencial de dependência varia de substância para substância, por isto ‚ importante o controle da dosagem prescrita e da freqüência da sua administração.

Por estas características, a terapia com ansiolíticos deve ser cuidadosamente individualizada pelo médico que prescreve.

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II - Anfetaminas

São substâncias químicas sintéticas, sendo a d-anfetamina a primeira da série a ser sintetizada em 1928.

As anfetaminas interferem tanto nos neurônios dopaminérgicos (que funcionam à base de dopamina) como nos noradregérmicos (que funcionam por liberação de noradrenalina), isso acontece pela semelhança na estrutura química que há entre as anfetaminas e os neurotransmissores.

As anfetaminas também produzem tolerância e as pessoas que usam essas substâncias repetidamente começam a notar que os efeitos vão diminuindo, e para se obter a mesma sensação inicial ‚ preciso aumentar a dose.

Atualmente, não há consenso se as anfetaminas produzem dependência física. Embora não ocorra uma síndrome de abstinência típica, sabe-se que indivíduos que tomam anfetaminas de maneira crônica e param abruptamente são tomadas de um estado de grande depressão. A reação tardia ao uso de anfetaminas pode ocorrer a qualquer momento, dias ou meses após a ingestão da substância. Pode desenvolver-se uma psicose anfetamínica insidiosamente, consequente ao uso prolongado de anfetaminas. Ocorre esta reação pela exposição continuada, duradoura, à droga.

II - Iatrogenia em Psicofarmacologia

"Iatrogenia ‚ a alteração patológica provocada no paciente por tratamento médico errôneo ou inadivertido". É, pois, iatrogenia uma manifestação mórbida provocada pela medicina ou não. Dizemos manifestação mórbida, e não doença, porque doença implica um estado mórbido definido, ao passo que manifestação mórbida significa, apenas, alteração funcional ou simples sintoma. Dizemos, também, da medicina e não do médico, porque nem sempre o responsável pela ação morbígena é o médico, podendo sê-lo o farmacêutico, o técnico de laboratório, a enfermeira, e outros mais relacionados à profissão médica e à atenção à saúde.

Aspectos particulares da iatrogenia em farmacologia.

Quanto à iatrogenia provocada por uso de substância ansiolíticas, como o diazepam, por exemplo, observamos:

1- O aparecimento de reações paradoxais - excitação em vez de sedação. Alguns indivíduos, medicados com diazepam, entram em estado de excitação e inquietude.

2- Problemas oriundos da tolerância ao medicamento e o estabelecimento de dependência física e/ou psíquica. Esse fato não é novo com relação aos ansiolíticos. Hoje, todavia, sua evidência é gritante, sobretudo em razão do uso indevido da substância.

3- É o conhecimento da farmacodinâmica das substâncias psicoativas, por parte de quem as prescreve, que dá a oportunidade de avaliar seus riscos e benefícios e optar ou não pelo seu emprego.

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4- A associação medicamentosa dos ansiolíticos com outras substâncias pode potencializar os efeitos daqueles, além de determinar efeitos colaterais indesejáveis.

IV- Análise do documento denúncia

Antes, devemos lembrar que este Conselho tem se preocupado com o problema do uso indevido de substâncias anfetamínicas. E, inclusive, em conjunto com outras entidades, lançou uma campanha nacional alertando aos profissionais médicos e farmacêuticos, bem como à população em geral sobre os riscos do uso indiscriminado de fórmulas magistrais ou medicamentos para emagrecimento, alertando, ainda, aos profissionais da área, que não há respaldo científico comprovando a utilidade de muitas das associações medicamentosas utilizadas em tais fórmulas magistrais para emagrecimento, podendo sua prescrição ser considerada um erro técnico.

Do documento em análise destacamos:

1- Pelos levantamentos sobre consumo de drogas psicotrópicas no Brasil, realizados em 1987 e 1989, podemos ver que o consumo de substâncias tipo-anfetaminas aumentou de 2,8% para 3,9%, passando a ocupar o terceiro lugar entre as mais usadas por estudantes.

2- Que os produtos comerciais mais comumente usados foram Moderex, Reactivan, Pervintin, Inibex, Dasten-Plus e Hipofagin, os quais são medicamentos prescritos nos tratamentos para emagrecimento, por terem ação anorexígena, sendo todos compostos de substâncias tipo-anfetaminas em suas formulações.

3- Que cerca de 500 farmácias de manipulação autorizadas a aviar fórmulas magistrais com psicotrópicos consumiram 42,8% do total de substâncias tipo-anfetaminas, ficando o restante a cargo das indústrias farmacêuticas para abastecer cerca de 40.000 farmácias e drogarias no país.

4- Que houve um aumento de 36,7% no consumo destas substâncias, passando de 7.783 kg em 1988 para 10.637 kg em 1989.

5- São impróprias e aéticas as condutas verificadas, através de levantamento feito em João Pessoa, Recife e São Paulo, com médicos auto-denominados "obesologistas", relacionadas às receitas magistrais e consumo de substâncias tipo-anfetaminas.

5.1- As receitas magistrais são passadas por praticamente 100% dos médicos consultados, esteja o "paciente" com excesso de peso ou não.

5.2- O tempo de consulta varia bastante, indo de (03) três minutos até o máximo de 60 minutos; o preço da mesma também sofre amplas variações.

5.3- Via de regra, poucos são os profissionais que fazem ou exigem qualquer exame prévio ou que dão conselhos sobre os possíveis efeitos adversos s‚rios das drogas receitadas.

5.4- Sem exceção, todas as dezenas de receitas conseguidas contém na fórmula: uma ou duas drogas tipo-anfetamina-mazendol, dietilpropiona (ou anfepramona) e/ou fenproporex; um benzodiazepínico, sendo o mais comum o diazepam; vários outros ingredientes, sendo comuns os purgativos e os diuréticos.

5.5- As receitas preconizam o uso crônico dos medicamentos aviados, com uma dose de diazepam que pode chegar a 20 mg/dia.

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Finalmente, o documento analisado destaca que a composição de produtos comerciais existentes, como o Dualid, Hipofagin, Inibex etc., também apresentam, além das substâncias anfetamínicas, 10 mg de diazepam por comprimido, constando na bula a tomada de 1 (um) a 2 (dois) comprimidos/dia.

3 - CONCLUSÕES

Com base nas considerações gerais sobre o tema, apresentadas inicialmente e na análise do documento, podemos afirmar que:

I - a denúncia é séria e grave.

II - deverão ser responsabilizados todos os praticantes de tais delitos quer seja do ponto de vista da ética profissional, quer sob a égide dos Códigos Penal e Cívil, para se garantir os direitos dos cidadãos, direitos estes abrigados, de forma inequívoca, no Código da Ética Profissional, Código da Defesa do Consumidor e Códigos Civil e Penal.

Concluindo nossa análise, enfocaremos alguns aspectos da denúncia, à luz do Código de Ética Médica em seus artigos a seguir transcritos:

Art. 2°: O alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual dever agir com o máximo de zêlo e o melhor de sua capacidade profissional.

É vedado ao médico:

Art. 29: praticar atos profissionais danosos ao paciente que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência.

Art. 59: deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.

Portanto:

I- Não age com zêlo nem está usando o melhor de sua capacidade profissional aquele que prescreve tratamentos cientificamente comprovados como produtores de efeitos maléficos para os usuários, ou, ainda, quem prescreve tratamento sem comprovação de sua eficácia, como é o caso das associações de laxativos e diuréticos, nas fórmulas magistrais para emagrecimento.

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II- A prescrição do uso crônico de substâncias, como diazepam e anfetaminas ou outras substâncias, que produzem tolerância e dependência pode levar a uma iatrogenia psicofarmacológica. E a iatrogenia tanto pode caracterizar falta de zêlo profissional como imperícia (carência de conhecimento técnico), pois é somente pelo conhecimento da farmacodinâmica das substâncias psicoativas que podemos avaliar seus riscos e benefícios.

III- Também, se o profissional conhece a farmacodinâmica das substâncias psicoativas e não informa aos seus pacientes os riscos e os objetivos do tratamento, está incorrendo em falta ética.

IV- Com relação aos aspectos pontuados no documento denúncia, referentes aos médicos "obesologistas", destacamos os pontos seguintes, por constituírem, em nossa avaliação, deslizes éticos graves:

- as receitas magistrais são passadas estando o "paciente" com excesso de peso ou não (artigos 2° e 29 do CEM). - o tempo de consulta varia bastante, indo de três minutos até o máximo de 60 minutos; o preço da mesma também sofre amplas variações (artigos 2° e 29 do CEM)

- poucos são os profissionais que fazem ou exigem qualquer exame prévio ou que dão conselhos sobre os possíveis efeitos adversos sérios das drogas receitadas (artigos 59 e 62 do CEM)

- prescrever associações medicamentosas de anfetaminas e benzodiazepínicos para uso crônico pode levar à dependência e tolerância. Prescrever associações de purgativos, diuréticos e outros, nas fórmulas magistrais para emagrecimento, constitui erro técnico, porque não há respaldo científico que comprove a utilidade de tais associações. (artigos 2° e 29 do CEM).

Por último, sugiro que este Conselho adote as seguintes providências:

1- Oficiar ao Ministério Público Federal, remetendo sua posição com relação ao documento.

2- Oficiar aos Conselhos Regionais de Medicina, informando-lhes os fatos denunciados ao Ministério Público Federal pelo Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina e CEBRID e solicitando-lhes providências pertinentes.

3- Solicitar ao Ministério da Saúde que analise a conveniência de manter-se ou não os anorexígenos industrializados ou como formulação magistral.

4- Esclarecer os médicos brasileiros sobre a importância dos fatores sociais como determinantes de ansiedade, recomendando moderação e obediência a critérios técnicos-científicos na prescrição de substâncias ansiolíticas e outros psicotrópicos.

5- Alertar os médicos brasileiros que o Código de Ética Médica em seu artigo 39 veda RECEITAR ou atestar de forma secreta.

Brasília, 19 de fevereiro de 1993.

TARCISIO DE ALMEIDA PIMENTEL

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Aprovado em Sessão Plenária Dia 10/03/93

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