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ANÁLISE DE FONTES HISTÓRICAS: O PRINCIPADO DO IMPERADOR CLÁUDIO SEGUNDO OS RELATOS DE SÊNECA, SUETONIO E TÁCITO (SÉCULO I D.C.)

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O PRINCIPADO DO IMPERADOR CLÁUDIO SEGUNDO OS

RELATOS DE SÊNECA, SUETONIO E TÁCITO (SÉCULO I D.C.)

CORRÊA, Luciano Prado – Colégio Madalena de Sofia / UFPR lupraco@gmail.com Eixo Temático: História da Educação Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Principado foi o modelo político estabelecido em Roma por Otávio Augusto. Tibério Cláudio Druso foi o quarto imperador romano e ascendeu ao governo do império aos cinquenta anos de idade. Exerceu anteriormente alguns poucos cargos públicos. Foi imperador durante catorze anos. Um homem dedicado aos estudos liberais e às questões de Estado. O imperador Cláudio marcou seu governo com empreendimentos que visavam a melhoria das condições de vida na capital e no restante do império. Construiu estradas, aquedutos e canais de escoamentos. Foi um administrador preocupado com a provisão de alimentos para a população. Foi um imperador criticado pelo excesso de influência de suas esposas durante seu governo. Seu matrimônio com Messalina foi marcado pelos escândalos promovidos pela esposa, uma mulher adúltera e corrupta. Posteriormente, Cláudio casou-se com sua sobrinha Agripina. Um casamento considerado por muitos como incestuoso e imoral. Esta imperatriz revelou-se uma mulher interesseira e corrupta. Dos três autores, em que foi pesquisada a vida de Cláudio, apenas o filósofo Sêneca, foi contemporâneo deste imperador. Os demais escritores, Tácito e Suetonio fizeram suas narrativas mais de meio século depois do governo de Cláudio. O diálogo com os autores que escreveram sobre a vida do imperador Cláudio permite conclusões, todavia faz-se necessária a compreensão de suas fontes, tempo histórico, ambiente político, interesses pessoais e método adotado em suas descrições. Este viés interpretativo nos remete a uma ideia de causalidade e efeito.

Palavras-chave: Principado. Adoção. Fontes. Pesquisa.

Introdução

Esta foi uma reflexão sobre o governo do imperador Cláudio, segundo os relatos de Suetonio em sua obra A vida dos Doze Césares, de Cornélio Tácito nos Anales e de Lucius Sêneca na Consolação a Políbio bem como na Apocoloquintose do Divino Cláudio.

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O imperador romano Tibério Cláudio Druso, sobrinho-neto de Augusto dirigiu o império entre os anos 41 d.C. e 54 d.C. Foi o quarto príncipe de Roma, pertencente a dinastia Julio-claudiana. Rodeados de intrigas os imperadores viviam o exercício de um poder praticamente ilimitado.

A produção historiográfica sobre os imperadores está pautada em especificidades intelectuais, sociais e temporais, bem como nos diferentes interesses dos que a produziram. As obras de Suetonio, Tácito e Sêneca nos apresentam elementos que proporcionam, sob diferentes olhares, uma compreensão do período histórico romano chamado principado, e particularmente sobre o governo de Cláudio.

A partir da compreensão das particularidades de cada uma das narrativas é possível obter uma melhor reflexão sobre os diferentes perfis, elaborados pelos autores, mesmo quando estes falam sobre o mesmo personagem. A importância de uma visão crítica sobre as fontes que nos apresentam o mundo antigo, e neste caso especial a Roma Imperial.

O Principado

Foi denominado como Principado, o sistema político e de governo estabelecido no mundo romano após o fim da República e seu modelo oligárquico de poder. A dissolução do último triunvirato, composto por Marco Antonio, Marco Lépido e Otávio, marcou a inauguração do novo governo em Roma, agora sob o comando de Otávio.

A característica principal do novo modelo de governo estava na sujeição da totalidade do império romano, províncias e instituições, a um único mandatário, neste caso o imperador. Um processo pautado em guerras internas foi empreendido conduzindo assim o império à transformação do poder oligárquico, onde alguns mandam, para um monárquico.

Para refletir sobre o Principado é preciso compreender os conceitos de poder e política que estavam estabelecidos na Roma republicana. Na república, os órgãos que dirigiam a vida política romana eram as magistraturas, o senado e as assembleias do povo. Estas instituições foram, gradativamente, sendo destituídas em suas alçadas deliberativas e transformadas em instâncias apenas simbólicas. O novo cenário político apresentado instituía órgãos de administração e burocráticos submissos ao príncipe.

Na estrutura republicana romana a base do poder estava sobre o corpo senatorial, composto essencialmente por cidadãos de uma superioridade política gerada no direito dos ancestrais e também em suas condições financeiras. O senado era vitalício e hereditário. A

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alçada senatorial possuía, por exemplo, o direito de conceder, por tempo limitado, poderes a cônsules para a defesa da ordem institucional.

As magistraturas estavam distribuídas em diferentes instâncias e atribuições. Os magistrados eram eleitos e seus mandatos não eram vitalícios. Possuíam o poder executivo na república, desde questões organizacionais, financeiras e também nas religiosas. Esta descentralização de alçadas e jurisdições apresenta um quadro político pautado na ausência de um poder central, de duração ilimitada e sucessão hereditária.

O Principado mudou a configuração política republicana, mas manteve a idealização de grandeza romana. Uma nova transição de poder a ser vivenciada por aquela sociedade e, conforme observa Claude Nicolet, “toda a história do povo romano descreve, talvez de forma exemplar e única, todas as hipóteses possíveis da política” (NICOLET, 1990, p. 21).

Esta afirmação está sustentada nas mutações vivenciadas, ao longo da história romana. O poder, durante a república, esteve nas mãos dos senadores, posteriormente em diferentes triunviratos, seguindo-se a isto houve a instauração da ditadura de Júlio César e finalmente, o principado.

Há algumas considerações importantes a serem consideradas para explicar a mudança de modelo político em Roma. Diferentes opiniões apontam que a ânsia popular pelo fim das guerras civis, a ausência de condições administrativas pelo modelo em vigor, enfim caminhos abertos para a inserção de um novo governo.

De acordo com Frighetto (2004), a instauração do Principado, com o fortalecimento de um poder pessoal, foi, também, fruto do desgaste das instituições políticas republicanas, preparadas para governar num território limitado, porém inviáveis para atuarem na complexidade estabelecida dentro de um território tão vasto, tanto nas questões culturais como também nas políticas.

Para se estabelecer a transformação de modelo governamental, da república ao principado, foi preciso semear e justificar motivos que legitimassem o poder nas mãos de um indivíduo e não mais num corpo burocrático composto de inúmeras funções e disposições. Otávio conseguiu catalisar em si estas causas, essencialmente sob a bandeira da ordenação social e da implantação da paz no império.

As fontes clássicas apresentam este primeiro imperador como seu modelo ideal de governante. É possível identificar tal fato, tanto nas biografias de Suetônio, quanto nos conceitos filosóficos de Sêneca ou nas crônicas de Tácito. O descendente legítimo de Julio

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César, Otávio Augusto é construído como referência para uma sociedade que deveria ser restituída de valores morais, jurídicos, econômicos e religiosos.

O poder exercido de forma pessoal e individual por Otávio, concomitante à presença de instituições outrora existentes era modelar. Um verdadeiro líder para os romanos, capaz de promover reformas que revitalizariam um ideal republicano. Um restaurador, por exemplo, do número de senadores e do papel desta instância de poder. Um poder personalista, mas altruísta. Somente alguém provido de tantas adjetivações virtuosas seria digno de tão elevada centralização para comandar o império.

Cônsul, procônsul sobre o Ocidente, direito de vida e de morte, direitos tribunícios e por conseqüência intocável. No campo religioso foi Pontifex Maximus. Recebeu também o título excepcional de princeps, o primeiro cidadão, designação que o constitui como Senhor do Estado. É ainda intitulado como pai da pátria, príncipe do Senado, Imperator que agora deixa de ser um general vencedor e passa a governante do império e Augustus, que quer dizer acima de todos os homens, alguém de natureza sagrada.

A descrição das fontes revela que César Augusto recebeu títulos republicanos para o exercício de um poder que não possuía características republicanas. O Principado foi consolidando-se e Otávio, munido de tantos poderes passa a reorganização do império. Foram implantadas novas funções e estas munidas de um poder totalmente vinculado ao príncipe.

O imperador Otávio Augusto impõe ao seu governo características de cunho retificador e com vistas ao controle social. Ordenou as finanças do império, restituiu o padrão religioso politeísta romano, promoveu reformas administrativas que atingiram tanto a cidade quanto as províncias. No campo externo teve uma postura defensiva, valendo-se da diplomacia e do reforço junto às fronteiras. Desconsiderou os escravos e diminuiu as libertações, atendeu as camadas populares da cidade através da distribuição de comida e promoção de espetáculos. Apoiou-se nos ricos associando-os à administração do Estado, principalmente privilegiando os senadores e os membros da ordem equestre. Cuidou da justiça, propondo e restabelecendo leis. Tratava pessoalmente dos negócios das províncias e outorgando aos procônsules o governo de algumas das mais importantes.

Todo este poder impunha ao imperador um papel de domínio e responsabilidade. Houve em Augusto o estabelecimento do que seria o poder de um imperador, todavia não foram propostos limites a esta centralização. Cada novo imperador impunha o ambiente político e social de acordo com suas ideias e interesses.

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Embora o poder imperial romano tenha sido marcado pela presença de diferentes dinastias, a sucessão imperial não estava, necessariamente, pautada na hereditariedade, ou num processo dinástico, mas na adoção (adoptio), nos títulos excepcionais ou ainda a aclamação das tropas legionárias (aclamatio). Cada imperador poderia adotar um afilhado político e esta adoção tinha um poder simbólico fundamental na decisão de quem seria o futuro imperador de Roma.

Os sucessores de César Augusto intercalaram ações que, ora concentravam e ora descentralizavam o poder. Os imperadores são apresentados, principalmente na obra de Suetônio, A Vida dos Doze Césares, como indivíduos que, aparentemente, começavam bem seus governos, mas com o exacerbado poder nas mãos acabavam ultrapassando todas as referências de limites e perdiam os valores esperados em um princeps.

Tibério Nero César, sucessor de Otavio, chegou ao poder imperial através da adoção do imperador. Suetônio (1992) defende que tal adoção ocorreu devido à falta de opções para Augusto, que também adotara a Germânico, e este detinha o apoio de suas legiões para tornar-se o novo imperador. Tácito, embora trabalhe num método diferente de Suetônio, também revela que havia mais apoio a Germânico para a sucessão imperial que a Tibério.

É possível resumir a história dos imperadores romanos, anteriores a ascensão de Cláudio ao poder, principalmente conforme as idealizações de Suetonio da seguinte maneira, César Augusto como o líder ideal, pacificador e realizador de obras. Tibério como fruto da ausência de alguém melhor para a sucessão de Otávio. Caio Calígula, um governante que iniciou sua carreira como um verdadeiro príncipe e que se transformou em um completo insano, megalomaníaco e imoral.

As experiências iniciais do Principado parecem ter deixado um legado ambíguo para justificar-se a manutenção deste modelo político. Após a morte de Calígula, certamente, os políticos que almejavam um retorno à oligarquia senatorial viam neste vazio de poder uma excelente oportunidade para uma radical mudança na estrutura do Estado.

A sucessão de Caio Calígula foi arquitetada e realizada com a participação das legiões romanas. A aclamatio, que significa a aclamação das tropas, ocorreu de forma rápida e surpreendente, principalmente pelo imperador escolhido. O sucessor de Caio Calígula foi seu tio Tibério Cláudio Druso.

A sucessão imperial foi construída mediante um conjunto de fatores expostos por Suetonio, entre eles a ausência de agilidade por parte do senado e dos cônsules, bem como um

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pretenso clamor popular, ansiando por um novo soberano. Destaca-se também a fidelidade das legiões, adquirida a peso de ouro por Cláudio. A ascensão do novo imperador tornou-se irrevogável.

Cláudio ascendeu ao governo do império aos cinquenta anos de idade, após o exercício de alguns poucos cargos públicos. Foi imperador durante catorze anos. Revelou-se um governante de características bastante paradoxais, alguns o consideravam fraco, face às influências de auxiliares que o cercavam, principalmente alguns libertos, todavia a forma como este exterminava seus adversários revelam uma firmeza bastante contundente.

Administrou de modo centralizador e ampliou o império com uma capacidade não prevista. Possuía características de alguém honesto e zeloso no cumprimento de suas funções. Um homem dedicado aos estudos liberais e das questões do Estado. Eloquente e dado à erudição. Dominava também o grego e neste idioma escreveu diversas obras históricas.

As Fontes

Dos três autores que escreveram sobre a vida de Cláudio e compuseram o arcabouço de fontes para esta pesquisa, Sêneca, Tácito e Suetonio, apenas o filósofo Sêneca foi contemporâneo do imperador. Os demais fizeram suas narrativas mais de meio século depois do governo de Cláudio. Certamente a presença de Sêneca nos desdobramentos do império sob Cláudio torna sua descrição biográfica mais ampla e detalhada.

Caio Suetonio Tranquilo nasceu aproximadamente no ano 69 da era cristã, o local de seu nascimento é impreciso, mas há indicações que tenha sido Roma, embora sua família seja originária do norte da África. As poucas informações sobre a vida de Suetonio revelam que seu pai foi um oficial do exército e pertencente à ordem dos cavaleiros. Aqueles que pertenciam à ordem equestre estavam constituídos como um grupo de acesso às camadas sociais mais elevadas no contexto social romano e às funções burocráticas dentro do império.

Suetonio tornou-se advogado e no ambiente senatorial adquiriu grande destaque. Ingressou na carreira militar para servir como tribuno junto das legiões na Britânia, mas permaneceu pouco tempo na função. Foi um interessado estudioso da história romana e dos costumes deste povo.

Como escritor produziu uma grande quantidade de obras, a maioria delas foi perdida. Seus textos abrangiam biografias pitorescas, observações sobre costumes da vida cotidiana

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em Roma, desde vestuário, passando pelos espetáculos, até questões específicas da vida burocrática do império, além do registro de especificidades de outras culturas.

Exerceu cargos de proximidade a dois imperadores, Trajano e posteriormente Adriano. Durante o principado de Trajano foi o auxiliar que encaminhava as leituras que o imperador precisava para compor sua política administrativa, uma espécie de conselheiro cultural. Foi também o responsável pelas bibliotecas imperiais. Serviu na corte do imperador Adriano como secretário das correspondências do imperador.

Sua participação no ambiente restrito da corte do imperador Adriano foi encerrada devido a um pretenso desagrado do príncipe pela forma como seu secretário e também um dos comandantes da guarda pretoriana, Septício Claro se relacionavam e tratavam a imperatriz Sabina. Não há registros conhecidos sobre a data e contexto da morte do biógrafo.

Lucio Aneu Sêneca, natural de Córdoba na Espanha, nascido entre os anos 4 a 13 da era cristã, durante o reinado de César Augusto. Seu pai era pertencente à ordem dos cavaleiros. A carreira intelectual de Sêneca teve início ao migrar para Roma com a família, a partir de seu gosto pela filosofia, acabou se inserindo, inicialmente no estoicismo 1. Posteriormente fez uma viagem ao Egito e adquiriu conhecimentos físicos que fizeram parte de seu tratado Questões Naturais.

Na escalada rumo à celebridade foi inserido, ainda no governo de Tibério, a oratória. Sua capacidade e eloquência o fizeram se distinguir no fórum romano. Durante o principado de Calígula, a carreira e o próprio Sêneca, passaram a sofrer perigos. Plutarco chega a afirmar que o imperador “teve inveja da glória literária de Sêneca” 2. Por conta desta situação com o príncipe Sêneca abandonou o uso da tribuna.

Ao longo de sua carreira, além de filósofo e senador, foi também dramaturgo e exerceu o cargo de questor durante o primeiro ano do principado de Cláudio. Tal função exigia do servidor a probidade suficiente para lidar com o erário público. Foi um pensador voltado a escrever sobre o ideal de conduta para os governantes.

Sêneca encarou o exílio, afastamento de suas funções públicas, sob concepções estoicas, de caráter universal. Nesta linha o filosofo preconiza que toda a lamentação não passa de inutilidade, afinal todas as coisas seriam dirigidas pela natureza e tudo chega a um

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O estoicismo foi uma escola filosófica helenística, fundada por Zenao de Cicium (336-263 a.C.) e se propunha a oferecer um modo de vida pautada na austeridade física e moral, bem como a resistência humana frente aos males e sofrimentos do mundo.

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fim. O estoicismo atendia aos anseios da aristocracia romana, que almejava a implantação da república romana como uma Cosmópolis.

Sua volta a Roma aconteceu através da ação da nova esposa de Cláudio, a imperatriz Agripina. Com o especial interesse em alçar seu filho Nero à condição de sucessor de Cláudio, a princesa percebeu que deveria vencer obstáculos e preparar o filho para tal missão. Além de destituir Britânico, filho de Cláudio seria também preciso dar a Nero a devida educação para que este chegasse ao poder.

Sêneca é então convocado de volta a Roma para assumir as funções de pretor 3. A função pública dada a Sêneca era apenas o pano de fundo para a verdadeira intenção de Agripina, dar-lhe a missão especial de cuidar pessoalmente da educação do jovem Domício Nero, transferindo-lhe conceitos filosóficos e de Estado.

Sêneca acompanhou Nero desde que este tinha onze anos de idade. De professor, tornou-se parte do corpo diretivo do império quando o aluno foi feito imperador e ao longo de oito anos foi o condutor dos negócios de gabinete do príncipe. Possuía um amplo leque de responsabilidades nas questões burocráticas imperiais. Redigia os discursos que seriam lidos pelo príncipe no senado, cartas circulares, nomeações, éditos e mantinha sob sua alçada toda ordenação da casa imperial.

A vida de Sêneca esteve pautada nas funções de Estado e no preço que isto custava. Sua eloquência e capacidade literária que o fizeram tão admirável também lhe causaram grandes sofrimentos, tanto no exílio quanto em Roma. Nascido durante o governo de Augusto, sua vida transitou pelo reinado de quatro imperadores, ora por sua capacidade filosófica, ora por sua eloquência, ou ainda pela capacidade de cuidar dos negócios do Estado. Cornélio Tácito nasceu no inicio do principado de Nero entre os anos 55 e 57 d.C. Começou a efetivamente desenvolver seus talentos literários e sua carreira política após o fim dos quinze anos do principado do Domiciano, no ano 96 d.C. último imperador da dinastia dos Flávios. Foi um jurista de alta capacidade e destacado por sua oratória. Na burocracia imperial exerceu as funções que compunham a magistratura, foi questor, pretor, e também senador. Chegou a ser cônsul e proconsul na província da Ásia entre os anos 112 e 114 d.C.

Era um político inserido no círculo de relacionamentos do imperador Trajano, apoiava o poder centralizado, todavia possuía características próprias de um defensor da república. Avesso à idéia de tirania, era um crítico aos devaneios cometidos pelos imperadores.

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Defendia que o principado poderia ser compatível com a preservação da liberdade, bem como com o modelo de sucessão não pautado na hereditariedade. Um escritor que, embora cívico e aplicado à idealizações morais, era pouco interessado em narrar acontecimentos bélicos e de cunho expansionista, dedica sua atenção a questões relacionadas a vida na capital do império.

Tácito possuía características de alguém que acredita firmemente na superioridade romana frente a outros povos. Sua postura no que se refere às camadas populares, escravos e libertos é pautada num discurso depreciativo. Sua especial dedicação é com os povos oriundos das províncias que foram integrados ao senado romano.

Fontes dos Autores

As fontes são as ferramentas fundamentais para o exercício do historiador. Para se discutir de forma eficaz as descrições que cada autor fez sobre o mesmo personagem é preciso analisar as fontes dos autores. A partir desta análise é possível compreender, por exemplo, o motivo de alguns temas não serem abordados por todos.

Tácito e Suetonio promoveram suas pesquisas em fontes variadas, inclusive orais. Suetonio, por exemplo, em alguns momentos, apresentam suas fontes de forma bastante evasiva, com expressões como: “através de pessoas antigas tomei conhecimento” (SUETÔNIO, 1992a), diz também “de acordo com o que se conta” (SUETÔNIO, 1992b), ou ainda “outros narram” (SUETÔNIO, 1992c), em todas estas citações o autor omite o nome dos que lhes contaram os fatos.

Inicialmente, podemos compreender estas fontes como pessoas que foram contemporâneas a determinados fatos abordados pelo biógrafo, Tácito também faz uso de testemunhos anônimos, todavia há que se perceber certo clima de prevaricação nestas menções a terceiros, bem como a pretensão de lançar mais dúvidas que certezas sobre os eventos narrados.

Documentos oficiais como, atas senatoriais, correspondências e arquivos imperiais, também fazem parte do arcabouço de fontes de Tácito e Suetonio. A perspectiva da documentação histórica pertencente ao senado está vinculada às ações de cada príncipe em relação a esta instituição. Sob este olhar é fica possível compreender as razões para que um quadro tão negativo fosse elaborado para alguns imperadores e positivo para outros.

Calígula, certamente, não ficou para as crônicas históricas do senado como um bom imperador, suas atitudes para com os senadores foram vexatórias e de profundo escárnio, um

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bom exemplo ocorreu quando este intentou fazer de seu cavalo um membro do corpo senatorial. Em contrapartida, a figura de Augusto ficou idealizada como alguém que reconhecia a importância do senado romano e seus membros.

Sêneca é um caso bastante distinto em relação ao uso de fontes, afinal, em certa medida, ele é a própria fonte de suas obras. Partes de seus relatos foram inspiradas naquilo que o próprio filósofo vivera, mas é inegável que muitas de suas asseverações foram frutos de suas interações no ambiente da corte e, principalmente, senatorial após o seu retorno do exílio. Ouvia e certamente registrava que melhor se encaixava a suas em questões pessoais.

A reconquista da Britânia, por Cláudio, foi um evento histórico narrado pelos Suetonio e Sêneca, infelizmente em Tácito a narração deste acontecimento deve estar contida nos volumes perdidos da obra. Especificamente, em Suetonio esta expedição de Cláudio é retratada como um jogo teatral e de vaidades do imperador, ele diz: “Somente uma única expedição foi realizada por ele e, assim mesmo, de pouca importância” (SUETÔNIO, 1992d). As fontes de Suetonio, certamente assim retrataram campanha militar do príncipe.

Sêneca, em contrapartida, aborda tal evento como um grande êxito para Roma. O filósofo descreve ainda do exílio este fato histórico em uma de suas consolações (SENECA, 1992). Ouvira falar deste empreendimento de Cláudio e seus resultados, estava distante da capital do império, mas estava vivenciando o ambiente criado em torno da vitória de Cláudio.

Estas diferentes abordagens não significam, necessariamente, ausência de um mínimo rigor histórico, mas simplesmente perspectivas pessoais de cada autor. Tácito é um autor que tem por característica a seleção de seus temas, com vistas a imprimir, também a sua opinião, desta forma o procedimento de seleção de fontes seguia a mesma lógica.

Considerações Finais

As pesquisas sobre mundo clássico e, essencialmente sobre o Império Romano, têm se mostrado bastante interessantes, principalmente pela condição de transformar um trabalho, que poderia ser apenas biográfico, em uma discussão profunda sobre aquela sociedade e suas compreensões de mundo.

É uma reflexão elaborada, essencialmente, na leitura e interpretação das fontes. Ficou patente nestes documentos o espaço para o contraditório e para novos questionamentos sobre o imperador Cláudio. A ideia simplista de um príncipe tolo e até imbecil é vencida quando há uma análise depurada dos diferentes contextos que inspiravam as narrativas de cada escritor.

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Mesmo inserido num recorte temporal pequeno, o principado de Cláudio apresentou uma ampla gama de possibilidades de estudos e aprofundamentos. As relações interpessoais, por exemplo, são deveras instigantes e podem ser pesquisadas em diferentes perspectivas. A imagem de um Cláudio tolo e insignificante ao longo da pesquisa das fontes foi gradativamente sendo substituída por um governante conciliador, culto e interessado em cumprir suas funções como senhor de Roma. Um imperador que contrariou os interesses de donos de escravos e se rodeou de libertos para gerir a burocracia imperial.

Evidentemente, Cláudio não foi apenas um homem injustiçado por aqueles que construíram sua história. Há indícios nas fontes que tornam pertinentes as suspeitas de pouca perspicácia na postura do príncipe. Sua lentidão em resolver a situação de Messalina e também sua falta de atitude para com os desmandos obstinados de Agripina afetam sua reputação.

Uma ambiguidade se apresenta na biografia deste imperador. Foi inteligente e capaz nas questões administrativas, promovendo peculiares e relevantes obras para o império. Esta compreensão só é possível quando nos propomos a lançar novos olhares e questionamentos sobre as fontes históricas. A crítica às fontes permite ao pesquisador uma percepção mais ampla sobre uma temática e um recorte temporal.

REFERÊNCIAS

FRIGHETTO, Renan. Algumas considerações sobre o poder político na Antiguidade

Clássica e na Antiguidade Tardia. Buenos Aires, 2004

NICOLET, Claude. O cidadão e o político. In:______ O homem romano: Editorial Presença, 1990. p. 21

SÊNECA. Consolação a Políbio. Tradução Cleonice F. M. Van Raij. Campinas: Editora Pontes, 1992.

SÊNECA. A Apoloquintose do Divino Cláudio. Tradução: Giulio Davide Leoni. Campinas: Editora Pontes, 1992.

SÊNECA. Consolação a Políbio. Tradução Cleonice F. M. Van Raij. Campinas: Editora Pontes, 1992.

SUETONIO. Vidas de los Doce Césares. Tradução: Rosa M. Cubas. Editorial Gredos, Madri, 1992.

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SUETÔNIO. Claudius. In: Vida de los Doce Césares. Editorial Gredos, Madri, 1992. V, 37b SUETÔNIO. Claudius. In: Vida de los Doce Césares. Editorial Gredos, Madri, 1992. V, 44.c SUETÔNIO. Claudius. In: Vida de los Doce Césares. Editorial Gredos, Madri, 1992. V, 17 d SUETÔNIO. Augustus. In: Vida de los Doce Césares. Editorial Gredos, Madri, 1992. III TÁCITO. Anales. Tradução: José Moralejo. Editorial Gredos, Madri, 1992.

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