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Deliberação proferida no Pº RP 46/2013 STJ-CC

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Deliberação proferida no Pº

RP 46/2013 STJ-CC

Recorrente: Ana ….., notária.

Recorrida: Conservatória do Registo Predial de …..

Ato impugnado: recusa do pedido de conversão do registo de aquisição – ap. .. de

24/03/2013 (prédio descrito na ficha 1…. da freguesia de S…., concelho de ……).

Sumário: escritura de justificação notarial – composse e posse in solidum –

sucessão na posse do compossuidor pelo respetivo cônjuge, com ele compossuidor

in solidum de quota ideal do prédio – usucapião de tal quota a favor do cônjuge

sobrevivo único sucessor.

Relatório

De acordo com os dados do registo, sobre o prédio misto descrito na ficha 1…. da

freguesia de S… , concelho de ……, incide uma situação de compropriedade integrada por

duas distintas quotas, a saber:

Uma quota de 1/3, inscrita em comum e sem determinação de parte ou direito

a favor de (i) Francisco ……, c.c. Maria da Luz ……. na c. geral, e (ii) Maria I…..,

casada na separação de bens, por sucessão hereditária de Alexandre D…… (ap. ..

de 04/08/1987); e

Uma quota de 2/3, estando esta inscrita a favor de Manuel L….., casado, por

compra aos anteriores titulares (ap. …. de 24/02/2012).

Em 22/10/2012, no cartório da recorrente, aquela Maria da Luz, no estado de

viúva, outorgou escritura de justificação na qual, entre o mais, declarou o seguinte:

Que é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, de 1/3 do

indicado prédio;

Que a referida parte indivisa veio à sua posse e de seu falecido marido por

partilha meramente verbal, feita com a outra herdeira de Alexandre D…., em

dia incerto do ano de 1988, não tendo nunca sido celebrada a competente

escritura de partilha;

Que é a única herdeira de seu marido, falecido em 19/06/2004, conforme

resulta da escritura de habilitação de herdeiros que identifica;

Que não tem possibilidade de reconstituir o trato sucessivo entre os titulares

inscritos da referida quota indivisa e ela justificante;

(2)

Que, primeiro enquanto membro do seu casal conjugal, e, depois da morte

de seu marido, isoladamente, possui ela a mencionada terça parte indivisa

há cerca de vinte e quatro anos;

Que, dado o modo de aquisição invocado, se encontra impossibilitada de

comprovar o seu direito de propriedade plena pelos meios extrajudiciais

normais.

Esta escritura (em rigor, cópia dela) serviu de suporte ao pedido de registo de

aquisição que em 21/01/2013, sob a ap. ….., a sra. notária submeteu por via eletrónica,

e de cuja apreciação foi incumbida a conservatória do registo predial de …...

Foi com caráter de provisoriedade por dúvidas que o registo (de aquisição de 1/3 a

favor da Maria da Luz, por usucapião) se acabou efetuando, o que a sra. conservadora,

no competente despacho, justificou nos termos que sintetizamos:

A) Que a invocação da usucapião, atendendo ao disposto nos arts. 1288.º

(retroatividade da usucapião) e 1255.º (sucessão na posse) do CC, deveria ser

a favor do dissolvido casal constituído pela justificante e seu falecido marido,

“dado que tendo a justificante sucedido na posse que o casal vinha exercendo

desde 1988 e retroagindo os efeitos da usucapião à data do início daquela posse

a aquisição por usucapião apenas pode ser invocada a favor daquele dissolvido

casal, de modo a permitir um ulterior registo de aquisição por liquidação e

partilha daquele património conjugal”, aduzindo-se que “pela morte do marido

da justificante não poderia ter ocorrido a transferência da posse por um

património (comunhão conjugal) para outro (património da justificante no

estado civil de viúva) pois na sucessão na posse a posse continua a ser a

antiga, não surgindo uma nova posse iniciada pela justificante enquanto viúva”,

sendo que, caso tivesse ocorrido uma nova posse pela justificante, iniciada no

estado de viúva, não se teria ainda completado o prazo da usucapião.

B) A justificante, arrogando-se a aquisição de 1/3 do prédio, todavia “não identifica

nem invoca a composse”, sendo que “para que um compossuidor possa adquirir

o seu direito, correspondente ao exercício da sua situação de facto, deverá

identificar todos os demais compossuidores e quantificar as respetivas

quotas-partes.”

Contra esta qualificação, assim sumariamente exposta, não se reagiu

oportunamente pelos meios próprios (art. 140.º/1 CRP).

(3)

justificação com o seguinte conteúdo:

“Suprida a omissão de: 1) aquando do início da posse – 1988 – serem compossuidores os titulares

inscritos, Nuno..; Pedro… e Tiago…, na proporção de 2/3, em comum e partes iguais e Francisco… e mulher Maria da Luz… da restante terça parte; 2) em 20 de julho de 1993, por virtude do óbito de Nuno…, do qual foram declarados seus únicos herdeiros, seus irmãos germanos, passaram a ser compossuidores: Pedro… e Tiago… (…), na proporção de (…) e, ainda, Francisco… e mulher Maria da Luz… (…); 3) em 19 de junho de 2004, por virtude do óbito de Francisco…, do qual foi declarada sua única herdeira, sua esposa, passaram a ser compossuidores Pedro… e Tiago… (…), na proporção de (…) e, ainda, Maria da Luz (…); 4) em 15 de fevereiro de 2012, Pedro… e Tiago… venderam a Manuel…, pelo que passaram a ser compossuidores: Manuel… e mulher (…), na proporção de 2/3 e Maria da Luz… dos restantes 1/3.”

Pela ap. .. do dia 24/03/2013, tendo por base a escritura de justificação aditada do

transcrito averbamento, requisitou a sra. notária a conversão da mencionada inscrição

provisória.

A qual, porém, aquela mesma conservatória de … recusou com fundamento em não

se mostrarem superadas as dúvidas determinantes da provisoriedade, questionando-se

por outro lado a legalidade do averbamento entretanto efetuado ao título inicial, posto

que, defende-se, não se enquadra esse averbamento em nenhuma das hipóteses de

suprimento e retificação de omissões e inexatidões previstas no art. 132.º CN.

Reagiu em tempo a sra. notária interpondo o presente recurso hierárquico, nos

termos que aqui damos por reproduzidos.

Exarado o despacho previsto no art. 142.º-A CRP, nele sustentou a sra.

conservadora a recusa, nos termos que outrossim damos por reproduzidos.

*****

Expostas as posições em confronto, verificados que estão os necessários

requisitos processuais e não se suscitando questões prévias ou prejudiciais

1

cuja

1 Como questão prévia ou prejudicial, perante a impugnação dos motivos da provisoriedade por dúvidas do registo de aquisição, só in extremis deduzida diante da recusa da conversão, motivos esses contra os quais, na imediata sequência da notificação da provisoriedade, oportunamente se não reagiu dentro do “espaço de impugnação” então aberto, suscita a sra. conservadora a da inadmissibilidade, agora, duma tal impugnação, por intempestiva. Outro vem porém sendo o entendimento de há muito seguido pelo órgão consultivo dos serviços de registo; com efeito, já no parecer emitido no processo RP 94/99 DSJ-CT, in Boletim dos R. e do Notariado, II caderno, dezembro 1999, p. 16 e ss., se defendeu a admissibilidade da utilização do recurso hierárquico interposto contra a recusa da conversão do registo provisório como simultâneo meio de impugnação das razões primitivamente invocadas como fundamento da feitura do registo nesses mesmos

(4)

apreciação se imponha, cumpre conhecer do mérito.

O que fazemos mediante a adoção da seguinte

Deliberação

I.

Recorrendo-se a escritura de justificação para o fim de se obter título que permita

estabelecer novo trato sucessivo relativamente à titularidade de determinada quota

parte ou quota ideal de prédio, exige-se do justificante, na caracterização da

composse em que se funda a usucapião que invoca, que concretize (que declare na

escritura) as restantes quotas e bem assim a identidade dos compossuidores.

2

termos (é dizer, de provisoriedade).

2 A justificante afirma-se proprietária exclusiva de uma terça parte indivisa da propriedade do prédio – e duma terça parte que se encontra inscrita, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de seu pré-falecido marido (com quem a justificante foi casada na c. geral) e duma outra pessoa, na qualidade de concorrentes únicos a uma certa massa hereditária. Trata-se, portanto, de justificação para estabelecimento de novo trato (arts. 116.º/2 e 3 CRP, e 91.º CN), mediante invocação da usucapio contra tabulas, “ou seja, a

usucapião que se sobrepõe ao registo fundiário - «usucapião contra o registo» ou (…) «usucapião extratabular»” [cfr. ABÍLIO VASSALO ABREU, Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliária versus

Usucapião (“Adverse Possession”), 2013, p. 20]. É certo que em vão se procurará localizar, no texto da

escritura, o emprego da palavra usucapião; mas o conteúdo global das declarações produzidas não permite pôr em dúvida, residualmente que fosse, ser seu único sentido (verbal e teleológico) o de fazer documentar, para efeitos de registo, o acionamento desse particular modo de aquisição originária do direito.

À regulação da usucapião consagra o Código Civil os arts. 1287.º a 1301.º, a partir de cujo dispositivo é possível defini-la, sinteticamente, “como a constituição, facultada ao possuidor, do direito real correspondente

à sua posse, desde que esta assuma certas caraterísticas e se tenha mantido pelo lapso de tempo determinado na lei.” (A.MENEZES CORDEIRO, A Posse: Perspetivas Dogmáticas Atuais, 3.ª ed., 2005, p. 129). A usucapião pressupõe o exercício e manutenção duma certa posse, da qual ela constitui um efeito volitivo (i.é, dependente duma manifestação de vontade a isso especificamente dirigida). Quanto à posse, a lei (art. 1251.º CC) define-a como “o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de

propriedade ou de outro direito real”. Para boa parte da doutrina, acompanhada da generalidade da

jurisprudência, a formulação evidencia o alinhamento do nosso ordenamento dominial pelo sistema subjetivo da posse (por contraposição ao denominado sistema objetivo) – de acordo com cujos parâmetros não poderá falar-se de situação posfalar-sessória falar-sem que no agente falar-se dê a confluência do corpus e do animus, consistindo aquele elemento no exercício (na atuação) do poder de facto ou empírico sobre a coisa, e o segundo na intenção de que o poder de facto ou empírico se exerça nos moldes correspondentes ao conteúdo dum certo direito real,

maxime de gozo. Sendo que, como adverte ORLANDO DE CARVALHO, in Introdução à Posse, RLJ, ano 122.º, n.º 3780, p. 68, entre animus e corpus há uma relação biunívoca, posto que reciprocamente se postulam – não existe um sem o outro elemento: “Corpus é o exercício de poderes de facto que intende uma vontade de

domínio, de poder jurídico-real.” (Nas incisivas palavras de RUI PINTO DUARTE, Curso de Direitos Reais, 2.ª ed., 2007, p. 283, a posição de ORLANDO DE CARVALHO, acabada de referir, “mata a querela” que tem dividido a

(5)

II.

O cônjuge meeiro e herdeiro único do pré-falecido cônjuge sucede na posse in

solidum que este consigo exercesse sobre a quota ideal do prédio, podendo ele

prevalecer-se de todo o prazo dessa mesma posse para efeitos de invocação, a seu

favor, da usucapião de tal quota.

3

doutrina a propósito da catalogação do sistema possessório português como objetivista ou subjetivista.)

No que respeita ao prédio possuído, a posse que a justificante declara vir exercendo em nome próprio (juntamente com seu marido, enquanto foi vivo) não é uma posse exclusiva e esgotante, à imagem fáctica da propriedade singular sobre a totalidade da coisa, mas a participação numa situação de composse, a qual se traduz na “situação de facto correspondente ou correlativa à compropriedade (a «communio pro indiviso»),

entendida esta na aceção tradicional”, e que “se verifica quando coexistem várias posses idênticas sobre quotas-partes da mesma coisa indivisa, idealmente consideradas” [cfr. A.VASSALO DE ABREU, Uma Relectio Sobre

a Acessão da Posse (Artigo 1256.º do Código Civil), in Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais –

Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, vol. II, 2007, p. 122)]. Ora, vistas as coisas pelo lado do peculiar animus que necessariamente tem que estar presente no espírito do possuidor compossuidor – a qualificada intenção jurídico-real que o anima de agir como se fosse titular de uma quota de compropriedade –, afigura-se imperativo que o justificante, nas declarações que emite

na escritura, proceda à caracterização plena da relação de contitularidade possessória de que participa, quer

determinando quantitativamente as demais quotas, quer identificando os sujeitos em quem as mesmas se encabeçam. (Já neste mesmo sentido, cfr. pareceres emitidos nos Prcs. RP 48/2006 DSJ-CT, RP 260 e 261-2008 DSJ-CT, RP 60/2012 SJC-CT e RP 90/2012 SJC-CT.)

Essa caracterização plena da relação de composse, que reputamos de indispensável, é certo que

intentou a sra. notária realizá-la por meio do averbamento que apôs na escritura em 18/03/2013, e que

tivemos ensejo de transcrever. Método que manifestamente não pode admitir-se: um tal averbamento não vale mais do que valeria uma qualquer declaração complementar de idêntico conteúdo de que se tivesse feito acompanhar o pedido de conversão (ou o inicial pedido de registo de aquisição) – é dizer, de nada vale. Desde logo, e como bem nota a sra. conservadora, porque se não mostra um tal averbamento reconduzível a qualquer das hipóteses de suprimento e retificação de omissões e inexatidões previstas no art. 132.º do CN; depois, e mais substantivamente, porque tudo quanto no averbamento se declara tem que ser a própria justificante a

declará-lo e os declarantes (art. 96.º CN) a confirmá-lo, posto fazer isso parte da essência do conteúdo

declarativo do ato de justificação. Cuja omissão, a esse respeito, não pode pois ser suprida senão por meio de adicional escritura (complementar ou retificativa da primeira), sujeita a idênticos requisitos de publicidade. Salta de resto à vista que um averbamento como o que se fez, a ser eficaz, envolveria a assunção, pela sua autora, do bizarro papel de superveniente cooutorgante da escritura. E sempre se advertirá, por fim, que importa não confundir a circulação da posse com a circulação do direito; há aquisição de direito sem aquisição de posse, assim como há aquisição de posse sem aquisição de direito – de modo que é errado inferir das ocorridas vicissitudes translativas do direito, devidamente tituladas, a existência duma paralela e replicante linha transmissiva no plano fáctico da posse.

3 Declara a justificante que a terça parte indivisa cuja aquisição pretende ver inscrita em seu exclusivo nome “veio à sua posse e de seu falecido marido por partilha meramente verbal, feita com a outra herdeira de

Alexandre D… (…), no ano de 1988.” Começaremos por observar que este modo de dizer, que adquiriu estatuto

de verdadeira fórmula ritual das escrituras de justificação (“veio à sua posse por partilha verbal”; “veio à sua posse por doação meramente verbal”; “veio à sua posse por compra meramente verbal”; etc. ), só muito

(6)

imperfeitamente nos dá a conhecer a verdadeira causa aquisitiva da posse. Esta tem com efeito modalidades próprias de aquisição (originária e derivada), inconfundíveis com as causas aquisitivas do direito (cfr. art. 1263.º CC). Na verdade, mesmo quando a posse seja titulada (art. 1259.º CC), “isso não significa que a posse

proceda geneticamente desse título, que é causa de atribuição do direito mas não causa de atribuição ou aquisição da posse” (ORLANDO DE CARVALHO, in Introdução…, cit., RLJ, n.º 3786, p. 263). Nomeadamente, no que toca à aquisição derivada da posse, ela ocorre “sempre, e apenas, através da tradição ou entrega da coisa,

qualquer que seja a modalidade que esta revista, não bastando, por conseguinte, a realização de um ato jurídico para que a posse se transfira do anterior para o novo possuidor.” (VASSALO DE ABREU, Uma Relectio…, cit., p. 138, nota 127; no mesmo sentido, cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, com a colaboração de M. HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., 1987, p. 67).

Vamos de qualquer modo dar por assente que a posse sobre a qual se funda a invocada usucapião remonta pelo menos à data da partilha verbal a que a justificante faz referência, ou seja, a 1988 [sobre a problemática da posse “adquirida” por partilha, cfr. DURVAL FERREIRA, Posse e Usucapião, 3.ª ed., 2008, p. 239 e ss., onde o A. defende que a origem última da posse do herdeiro encabeçado na partilha reside na aceitação da herança; no que toca à posse de que comungue o cônjuge do possuidor herdeiro, porém, cremos nós que a explicação genética terá que ser outra; sem esquecer que não falta jurisprudência defendendo a ocorrência, na partilha verbal ou de facto, de um fenómeno de aquisição originária de posse, por inversão do título (art. 1265.º CC); cfr., nesse sentido, o Ac. do STJ de 02/12/2004, proferido no Proc. 04B3817, in www.dgsi.pt (http://bit.ly/stj2122004)].

Esta posse, no que em particular à titularidade da quota adquirenda respeita, foi durante cerca de 16 anos – até à morte do cônjuge da justificante, verificada em 2004 – uma posse exercida in solidum, “que é

uma situação homóloga, no plano factual ou empírico em que se situa a posse, à da comunhão” (V. DE ABREU, Uma Relectio…, cit., p. 122). Temos assim uma situação de posse in solidum imbrincada numa situação de composse. Que se trata de posse com uma tal fisionomia aquela que se diz ter começado na data indicada (1988) é o que muito transparentemente resulta, cremos, de a justificante a atribuir, na origem, ao entretanto seu “dissolvido casal”, em conjugação com a referência que faz ao existente registo de aquisição da quota em questão, da qual o falecido marido é um dos sujeitos, e onde este figura identificado como estando casado na comunhão geral (com a ora justificante). Traço particularmente distintivo da comunhão conjugal, em que é corrente ver uma forma de propriedade coletiva, é o facto de os bens comuns pertencerem aos dois cônjuges

em bloco, em termos de se poder dizer “que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito” sobre tal

massa patrimonial (FRANCISCO PEREIRA COELHO / GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, vol. I, 2.ª ed., 2001, p. 506). Dissolvida a comunhão conjugal, por morte de um dos cônjuges possuidores, cremos que nem por isso se deve dar por extinta a posse que assim em bloco se exercia – a posse que era exercida pelo meeiro falecido continua nos seus herdeiros (arts. 1255.º e 2050.º CC), ainda que não haja mais do que um herdeiro e esse herdeiro seja o meeiro sobrevivo. (De acordo com A.MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 109, “A

sucessão na posse é um fenómeno de sucessão próprio sensu e não uma mera transmissão”, tudo se passando “como se, constituída uma situação possessória, esta permanecesse estática, havendo, apenas, uma modificação no seu sujeito.” Na mesma linha, diz-nos M.HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 102, que “o

sucessor… não dispõe de um título novo de investidura na posse, diferente daquele com base no qual o de

cujus a adquiriu”, e que “a posse do sucessor é exatamente a mesma do autor da herança, com os carateres

que esta revestia. Com a abertura da herança não se inicia uma posse nova. A posse do sucessor forma um

todo único com a do de cujus, havendo apenas uma alteração ou novação subjetiva na relação possessória de

(7)

III.

Visando o ato de justificação estabelecer um novo trato sucessivo em relação a uma

quota ideal do prédio de que o justificante e usucapiente se arroga único atual

proprietário, deverá o registo de aquisição inaugural desse novo trato ser requerido e

efetuado a favor deste mesmo sujeito, e não, mau grado o caráter retroativo da

usucapião, a favor de quem concretamente iniciou a posse em que se fundou a

invocação deste modo originário de aquisição do direito.

4

do animus do cônjuge possuidor supérstite (de posse em termos de comproprietário meeiro para posse em termos de comproprietário exclusivo) não bole com o essencial desse animus (e, portanto, com a identidade da posse a que esse animus se liga) – que é o de se possuir em termos de um direito de senhorio unitário, primeiro em consórcio, e, depois da extinção da comunhão, e por força da sucessão (ex vi legis – art. 1255.º CC), de acordo com as regras próprias do fenómeno sucessório, como titular exclusivo desse mesmo direito unitário. De resto, a não ser assim, e a ter que se dar por extinta, para todos os efeitos (maxime, de usucapião), e por simples efeito da morte de um dos cônjuges, a “posse conjugal” até aí exercida, a posse nova e independente da anterior que nessa sequência se iniciaria em nome dos herdeiros do falecido (fossem quem fossem, e fossem quantos fossem) teria que ser uma posse originariamente adquirida sob forma usurpatória, isto é, contra a vontade do possuidor precedente (cfr. ORLANDO DE CARVALHO, Introdução…, cit., RLJ, n.º 3801, págs. 354 e ss.), e não é isso o que flagrantemente se passa: os herdeiros não possuem contra a posse do autor da herança, mas, pelo contrário, continuam-na. Nesta ordem de ideias, e para efeitos de invocação de usucapião, deve pois reconhecer-se ao cônjuge sobrevivo, possuidor meeiro e herdeiro único do falecido outro cônjuge possuidor meeiro, a faculdade de aproveitar todo o prazo decorrido desde o início da posse em comunhão.

Dito isto, e precisamente porque, de acordo com o esquema que esboçámos, a hipótese é de sucessão na posse, julgamos que o processo de registo deveria ter sido instruído com documento de habilitação de herdeiros (notarial ou judicial) comprovativo de que o usucapiente é o único herdeiro do possuidor falecido, sendo a nosso ver insuficiente, para o efeito, a referenciação que da habilitação a justificante faz (declara) na escritura.

4 Nos termos do disposto no art. 1288.º CC, a invocação da usucapião retrotrai os seus efeitos à data do início da posse – sendo esse portanto o momento em que se considera constituído o direito nos termos do qual se possuiu (art. 1317.º/c CC). Sendo assim, e de acordo com a estrita lógica do funcionamento do instituto da usucapião, parece linear concluir que o direito de propriedade usucapido se constituiu em 1988, que foi quando o casal da justificante iniciou a posse “habilitante”. Mas daqui não se segue que o registo a fazer, o registo visado, sobre o qual se instituirá, relativamente à dita quota parte, um novo trato sucessivo, seja o do registo de aquisição a favor dos possuidores iniciais. A nosso ver, do ponto de vista da lógica própria, não já do

titulus adquirendi (a usucapião), mas do título formal de que expressamente se lançou mão com vista a estabelecer o novo trato (o ato de justificação), aquilo que faz sentido é que esse registo se efetue a favor dos

comprovados atuais titulares do direito (assegurando desde logo a atualidade do trato, por conseguinte). E assim é que quando essa atual titularidade se encabece numa pluralidade de herdeiros, que hajam sucedido na posse do de cujus (à qual a usucapião retrotrai os seus efeitos), será a favor de todos eles, em comum e sem determinação de parte ou direito, que cumprirá efetuar o registo de aquisição (causado na usucapião, na qualidade de únicos herdeiros de determinado de cujus – cfr. o parecer emitido no proc. 88/96 RP4, in Boletim dos R. e do Notariado, II caderno, junho 1997, p. 23); quando essa atual titularidade se encabece, também por sucessão, num único herdeiro – pois bem, é a favor dele unicamente que cumprirá fazer o mesmo registo.

(8)

Termos em que, atendendo ao teor da conclusão I. e respetiva fundamentação, se

propõe o não provimento do recurso.

Deliberação aprovada em sessão do Conselho Consultivo de 26 de junho de 2013.

António Manuel Fernandes Lopes, relator.

Maria Madalena Rodrigues Teixeira, com declaração de voto em anexo.

Esta deliberação foi homologada pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho

Diretivo em 06.08.2013.

(9)

Pº R.P. 46/2013 STJ-CC

Declaração de voto

Subscrevo a proposta de improcedência do recurso, com base nos fundamentos

aduzidos na conclusão I., porém, tendo em conta a factualidade descrita na deliberação,

não acompanho por inteiro a formulação das conclusões II. e III. e respetiva

fundamentação.

Entendo, em síntese, que:

- A posse in solidum exercida pelo cônjuge marido (com os demais herdeiros de

Alexandre D…..)

5

até à data da partilha verbal, alegadamente ocorrida no ano de 1988,

não se comunicou ao cônjuge mulher (a justificante), porquanto o que é comunicável por

via do casamento é o domínio jurídico autêntico, e não o domínio de facto que permite

atingir aquele domínio jurídico

6

.

- Com efeito, o que integrou a comunhão conjugal foi o quinhão hereditário do marido na

herança de Alexandre D….., e não o direito sobre um concreto bem da herança.

- A posse em tabela foi exercida pelo herdeiro (marido), em contitularidade com os

demais herdeiros, sobre um bem imóvel por forma correspondente à compropriedade

(1/3), que se declarou integrar a herança aberta por óbito de Alexandre D…...

- Assim, foi o marido da justificante quem sucedeu na posse do autor da herança (artigos

1255.º, 2024.º, 2025.º, 2026.º, 2031.º e 2050.º, todos do CC), e foi também ele quem,

na qualidade de herdeiro, inverteu o título da posse, passando a ser o único

compossuidor da coisa em termos de compropriedade (1/3)

7

.

- Mesmo que se queira dizer que a partilha verbal não consubstancia a figura da inversão

5 Posse in solidum exercida pelos herdeiros de Alexandre D…. em termos de compropriedade (1/3 pertencente

à herança) com os demais compossuidores (2/3).

6Nas palavras de Orlando de Carvalho, apud A. Santo Justo, Direitos Reais, p. 168, a posse, ao mesmo tempo

que é um antidireito, algo que é a negação do direito, é uma espécie de gérmen fecundante do mesmo direito. Mesmo para quem entenda a posse como um direito real, é inegável que este é provisório e que está ligado a uma materialidade e a um elemento subjetivo incompatíveis com a comunicabilidade conjugal.

7 Entre outros, acórdão da RP, de 02-10-2006 (proc. 0556195), e acórdão do STJ, de 02-12-2004 (proc.

(10)

do título da posse, antes traduz uma intervenção voluntária de todos os herdeiros e um

abandono relativamente direcionado e a favor do encabeçado

8

, sendo que a posse do

herdeiro é ainda a posse antiga (aquela que era a posse do autor da herança), porém,

com exclusão dos demais co-herdeiros, não deixa de estar em causa um controlo

possessório que figura na esfera jurídica do possuidor como um valor próprio, por causa

daquela qualidade de herdeiro.

- Sendo a justificante a única herdeira do cônjuge marido (possuidor da quota-parte de

1/3), é ela a sucessora exclusiva na posse deste, pelo que, tendo aceitado a herança,

pode agora invocar a usucapião a seu favor com base na posse assim adquirida, desde a

data da abertura da sucessão e independentemente da apreensão material da coisa

(artigos 1255.º, 2024.º, 2031.º e 2050.º do CC).

- Esta posse continua a ser a antiga, com todos os seus carateres, sendo que o tempo do

de cuius acresce ao do sucessor, para efeitos de usucapião

9

, mas o momento da

aquisição do direito de propriedade a favor da justificante, que invoca a usucapião a seu

favor, há de coincidir com o momento em que adquiriu a posse (artigos 1288.º e

1317.º/c) do CC)

10

, portanto, com o estado civil (de viúva) que tinha à data da abertura

da sucessão

11

.

Lisboa, 26 de julho de 2013

O membro do Conselho Consultivo

(Maria Madalena Rodrigues Teixeira)

8 Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 2.ª edição, pp. 214/220.

9 Cfr. António Menezes Cordeiro, A Posse: Perspetivas Dogmáticas Atuais, 3.ª edição, p. 139.

10 De acordo com Manuel Rodrigues, A Posse, pp. 248/250, a posse dos herdeiros forma um todo uno com a do

autor da herança, de modo que a posse daqueles é a posse do autor da sucessão com as mesmas qualidades e os seus mesmos defeitos, mas os sucessores são possuidores desde o facto da morte.

11Doutra forma, poderia acontecer que, uma vez invocada a usucapião, o sucessor na posse tivesse de se

considerar como proprietário desde a data do início da posse do autor da sucessão, porventura, num momento em que ainda não tivesse adquirido personalidade jurídica.

Hipótese diversa da que se verifica no caso dos autos é a de o herdeiro invocar a usucapião consumada em vida do de cuius, determinando que o efeito aquisitivo se dê na esfera jurídica deste.

Referências

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