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Pinceladas de uma história: Inah Costa e o abstracionismo em Pelotas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS

Rebecca Corrêa e Silva

Pinceladas de uma História: Inah Costa e o Abstracionismo em Pelotas

FLORIANÓPOLIS 2019

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Rebecca Corrêa e Silva

Pinceladas de uma História: Inah Costa e o Abstracionismo em Pelotas

Tese submetida ao Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Doutora em Ciências Humanas.

Orientadora: Profª. Drª. Joana Maria Pedro. Coorientadora: Profª. Drª. Úrsula Rosa da Silva.

Florianópolis 2019

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Rebecca Corrêa e Silva

Pinceladas de uma História: Inah Costa e o Abstracionismo em Pelotas

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profª. Drª. Luzinete Simões Minella Universidade Federal de Santa Catarina

Profª. Drª. Rosa María Blanca Cedillo Universidade Federal de Santa Maria

Profª. Drª. Nádia da Cruz Senna Universidade Federal de Pelotas

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de doutora em Ciências Humanas.

____________________________ Profª. Drª. Carmen Rial Coordenadora do Programa

____________________________ Profª. Drª. Joana Maria Pedro

Orientadora

Florianópolis, 30 de setembro de 2019 Carmen Silvia

Rial:23686677091

Digitally signed by Carmen Silvia Rial:23686677091 Date: 2019.10.14 18:21:35 -03'00'

Joana Maria

Pedro:3885

6212900

Assinado de forma digital por Joana Maria Pedro:38856212900 Dados: 2019.10.15 06:59:27 -03'00'

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5 AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais, Sônia e Jandir, por me despertarem desde cedo o prazer pelos estudos e por todo o suporte. Sem eles, nada seria possível.

À minha eterna orientadora, Profa. Ursula Rosa da Silva, dedico o meu inte-resse pelo tema da história das mulheres artistas. Serei imensamente grata por sua atenção, amizade, motivação e ideias sensacionais, dentre elas, ter me incentivado pela escolha de pesquisar Inah D’Ávila Costa.

Também agradeço aos outros ex-docentes dos meus tempos de IAD/UFPEL: Prof. Nicola Caringi, Profa. Carmen Regina Bauer Diniz, Prof. José Luis Pelegrin, e Prof. Lauer Santos, que contribuiram para delinear a temática da tese e auxiliaram sempre quando possível.

À Profa, Joana Maria Pedro, que tive a honra e a felicidade de ter sido esco-lhida como orientanda neste doutorado, serei eternamente grata por todos os ensina-mentos (sobre a vida e sobre o trabalho), e, sobretudo, pela paciência, cordialidade e imensa generosidade em partilhar comigo o seu tempo e a sua sabedoria. Também quero registrar minha gratidão ao seu parceiro Aimberê Araken Machado, por sua cuidadosa revisão do texto final.

Agradeço o apoio de todas (os) colegas “dichentes”, sobretudo aquelas/es que me acolheram em Floripa e conquistaram um lugar especial no meu coração: Maria Helena Rosa Barbosa, Carlos Frederico Bustamante Pontes, Morgani Guzzo, Evan-dro de Oliveira, Marcos Sardá Vieira e João Francisco Alves Mendes.

Aos familiares de Inah, minhas fontes, por excelência, agradeço a confiança e o empenho em colaborar com o meu trabalho. Especialmente as sobrinhas Angélica de Moraes e Ada Costa Averbeck; e o sobrinho Mário Eduardo Costa e sua esposa Betina. Agradeço também a artista Harly Couto, que numa tarde de animada conver-sa me presenteou com uma tela e duas fotografias com o retrato de Inah.

Agradeço ao erudito pesquisador Adão Monquelat, pelo entusiasmo e orien-tação sobre os jornais e periódicos de Pelotas. Também da fase inicial da pesquisa e no garimpo de fontes documentais diversas, agradeço a colaboração do historiador Ueslei da Cruz Goulart (BPP) e da museóloga Joana Lizott (MALG).

Enfim, agradeço ao financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sem o qual eu não poderia ter realizado este

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doutorado, com um corpo docente inspirador, responsável pela minha formação co-mo pessoa mais consciente e coco-mo cientista na área de humanas.

RESUMO

A escrita desta tese surgiu da necessidade de verificar e demonstrar a relevância da atuação da pintora Inah D´Ávila Costa (1915-1998) na constituição do sistema das artes na cidade de Pelotas (RS). Para tanto, ao mesmo tempo em que particularizamos sua trajetória artística de quarenta anos (1949-1989), disposta cronologicamente em seis capítulos, analisamos os desafios da História das Mulheres artistas no Brasil e no Rio Grande do Sul. Esta pesquisa foi norteada no sentido de compreender como a investigação feminista e os estudos de gênero contribuem para o estudo do percurso de Inah Costa. Desta forma, o caminho teórico-metodológico baseou-se nas narrativas da crítica feminista da História da Arte e se orientou pela perspectiva da epistemologia dos estudos de gênero para conduzir as observações. Dentro deste quadro, o arcabouço teórico fundamentou-se a partir da abordagem de gênero de Joan Scott (1992, 1995, 2002) relacionado às matizes interseccionais deste conceito, perpassadas pelos pares das categorias raça/etnia & classe; e geração/faixa etária & estado civil. Nesta perspectiva, a pesquisa sobre a vida e a obra da mulher e artista Inah Costa exigiu um esforço interdisciplinar de aproximação entre as Ciências Humanas e as Artes Visuais ao articular as questões de gênero com as teorias da História das Mulheres, de Michele Perrot (1987,2008) à Joana Maria Pedro (1994, 2000, 2005, 2011); somadas à sociologia relacional de Norbert Elias (1995, 2001) acompanhada das definições de distinção e habitus pelo viés da sociologia da arte de Pierre Bourdieu (2003, 2005, 2013). Nesta trama interdisciplinar, as pinturas de Inah podem ser vistas como um fio condutor por se configurarem em um espaço de liberdade pessoal e por serem ilustrativas do processo de transformações que nos conduziram a uma das maiores revoluções na visualidade artística do século XX: a pintura abstrata.

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7 ABSTRACT

The writing of this thesis arose from the need to verify and demonstrate the relevance of the painter Inah D´Ávila Costa (1915-1998) in the constitution of the system of arts in the city of Pelotas (RS). To this end, while we distinguished her artistic trajectory of forty years (1949-1989), arranged chronologically in six chapters, we analyze the challenges in the history of women artists in Brazil and Rio Grande do Sul. This research was guided in the sense of understanding how the feminist research and gender studies contribute to the study of Inah Costa's trajectory. Thus, the theoretical-methodological path was based on the narratives of the feminist criticism of art history and was guided by the perspective of the epistemology of gender studies to drive the observations. Within this parameters, the theoretical framework was based on the approach of Joan Scott's genre (1992, 1995, 2002),

which relate to the intersectional hues of this

concept, permeated by the pairs of categories race/ethnicity & class; and generation/age range & marital status. In this perspective, the research on the life and work of the woman and artist Inah Costa required an interdisciplinary effort to bring together the Humanities and Visual Arts, achieved by articulating gender issues with the theories of Women's History, from Michele Perrot (1987,2008) to Joana Maria Pedro (1994, 2000, 2005, 2011); added to the relational sociology of Norbert Elias (1995, 2001) accompanied by definitions of distinction and habits under the view of the Sociology of art by Pierre Bourdieu (2003, 2005, 2013). In this interdisciplinary web, Inah's paintings can be seen as a guiding thread, because they are configured in a space of personal freedom and are illustrative of the process of transformation that led to one of the greatest revolutions in artistic visuality of the twentieth century: abstract painting.

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8 LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Bisavós maternos de Inah: Francisco Antônio D’Ávila e Anna Chagas...44

Figura 2 - Maria Angélica, mãe de Inah, em dois momentos...46

Figura 3 - Mathilda Francisca D´Ávila e Anna Chagas D´Ávila...48

Figura 4 - Família reunida na Sala Luis XV...50

Figura 5 - Casarão da família, antes e depois...61

Figura 6 - Adelaide e a irmã Inah na Sala Luis XV...63

Figura 7 - Inah posa como Rainha do Clube Brilhante (1935)...67

Figura 8 - Fotografia de Inah como Rainha do Clube Brilhante estampada no jornal...70

Figura 9 - Inah e a amiga Margarida Lopes de Almeida no centro de Pelotas...76

Figura 10 -Excursão de Inah pela Europa com as irmãs Terra Leite...82

Figura 11- Inah em uma das viagens para Bariloche (ARG) ... 83

Figura 12- Inah e o sobrinho João Carlos numa das praias do Rio de Janeiro...92

Figura 13-Manchete do Jornal A Tribuna de Santos de 05/01/1949...92

Figura 14 - Legenda de Marina Pires: “O secretariado age” (1949)...106

Figura15 - Inah Costa. “Cigana” (Fase EBA)...108

Figura 16 - Exposição de desenho da figura humana na EBA...109

Figura 17 - Aula de Pintura na EBA - Retrato de beduína (1951)...110

Figura 18 - O mestre observa o trabalho da discípula...111

Figura 19 - Autorretratos de Inah Costa e da colega Hilda Mattos...112

Figura 20 - Autorretrato da artista brasileira Beatriz Pompeu (1917)...113

Figura 21 - Legenda de Marina Pires: “Exposição de 1952 - Ferrari fala.”...114 Figura 22 - Retrato de Suely Costa, pintado por Inah e publicado no

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jornal...115

Figura 23 - Formatura da primeira turma da Escola de Belas Artes de Pelotas...117

Figura 24 - Recorte do jornal com a fotografia de Inah (1955)...119

Figura 25 - Telas de Inah Costa e Emiliano Di Cavalcanti...125

Figura 26 - Grupo A) Marinhas... 128

Figura 27 - Grupo B) Paisagens urbanas...129

Figura 28 - Grupo C) Musicalidade...130

Figura 29 - Igrejas de Piet Mondrian...131

Figura 30 - Catedrais de Inah Costa...132

Figura 31 - Ivan Serpa. “Formas” (1951)...136

Figura 32 - Inah Costa. “Aurora Portuária” (1957)...147

Figura 33 - Zélia Salgado, em frente a uma tela de Inah (1959)...150

Figura 34 - Inah Costa. “Barcos”(s.d)...150

Figura 35 - Exposição da Escolinha de Arte Infantil de Inah Costa (Provável 1961)...174

Figura 36 - Inah Costa entregando diploma para uma aluna...177

Figura 37 - Inah Costa. “Evolução da Forma”. (s.d)...193

Figura 38 - Harly Couto, Aurys Abrantes e Inah Costa (1987)...241

Figura 39 - Inah Costa. “Composição em vermelho” (s.d)...242

Figura 40 - Retrato desenhado por Inah: o sobrinho Mário Eduardo quando criança...247

Figura 41 - Inah Costa e o sobrinho Mário Eduardo (Provável década de 1980)....247

Figura 42 - Inah Costa, na abertura de uma de suas exposições individuais...249

Figura 43 - Inah ao lado de Nelson Abott de Freitas...249 Figura 44 - Inah recebe de Beth Calheiros Marques Dias a homenagem “Destaque

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em Pintura” do Clube Comercial (1991)... 250 Figura 45 – Inah, rodeada de artistas em uma de suas últimas exposições no MALG (Década de 1990)...254

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ARENA Aliança Renovadora Nacional BPP Bibliotheca Pública de Pelotas CA Centro de Artes

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CPDOV Centro de Documentação e Obras Valiosas 8ª CRE 8ª Coordenadoria Regional de Educação 5ªDE 5ª Delegacia Regional de Ensino

DP Diário Popular DN Diário de Notícias DM Diário da Manhã

EAB- Escolinha de Arte do Brasil EBA Escola de Belas Artes de Pelotas ENBA Escola Nacional de Belas-Artes ESDI Escola de Design Brasileira FUNARTE Fundação Nacional de Arte IA Instituto de Artes

IAD Instituto de Artes e Design ILA Instituto de Letras e Artes

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ILBA-RS Instituto Livre de Belas Artes do Rio Grande do Sul FARP Frente de Ação Revolucionária Popular

FUNDAPEL Fundação Municipal de Cultura, Lazer e Turismo de Pelotas LDB Lei e Diretrizes e Bases

MALG Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo MAM Museu de Arte Moderna

MEA Movimento Escolinhas de Arte MOMA Museum of Modern Art PF Polícia Federal

SEC Secretaria de Educação e Cultura SECULT Secretaria Municipal da Cultura

SMED Secretaria Municipal de Educação e Desporto SNI Serviço Nacional de Informações

UALG Universidade do Algarve

UFPel Universidade Federal de Pelotas

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UFSM Universidade Federal de Santa Maria

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12 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...13

1. DO PIANO AO PINCEL: ORIGENS FAMILIARES E ANTECEDENTES ARTÍSTICOS (1915 - 1948)...42

1.1 A infância de Inah: mudança do campo para a cidade... ...42

1.2 A jovem Inah e o Ambiente Cultural de Pelotas ...52

1.3 Acordes de uma vida: Inah ao piano...71

2. MEUS PRIMEIROS PASSOS: INAH E A ARTE CLÁSSICA...85

2.1 Os Anos Dourados na “Princesa do Sul”...88

2.2 Formação na Escola de Belas -Artes de Pelotas (1949-1953)...101

3. MUDANÇA DE MENTALIDADE: INAH E A ARTE MODERNA ...122

3.1 Nos caminhos da pintura abstrata...123

3.2 Do acadêmico ao moderno: aprendizado no Rio de Janeiro...138

4. A ALEGRIA DE CRIAR: INAH E O ENSINO DA ARTE PARA CRIANÇAS...155

4.1 Inah e o Movimento das Escolinhas de Arte...157

4.2. A Escolinha de Arte Infantil de Inah...165

5. UMA REVOLUÇÃO ESTÉTICA: O ABSTRACIONISMO DE INAH COSTA...180

5.1 Minhas formas: a 1ª exposição individual...185

5.2 Liberdade criativa: Inah e o ensino de arte para adultos...205

6. INAH, ARTISTA CONSAGRADA...218

6.1 A “volta da pintura” em Satolep...222

6.2 Artesã da forma: destaques da crítica sobre Inah Costa...224

CONSIDERAÇÕES FINAIS...256

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13 INTRODUÇÃO

O interesse por estudar a temática “mulheres artistas” na História da Arte foi despertado já na Licenciatura em Artes Visuais, realizada na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O caminho para esta discussão teve início através da participação no projeto intitulado Caixa de Pandora: Mulheres Artistas e Mulheres Filósofas no

século XX1. A seguir, no mestrado cursado em Gestão Cultural na Universidade do Algarve - PT (UALG), a disciplina de Museologia e Curadoria proporcionou um redirecionamento do enfoque da História da Arte para os domínios dos museus e da museologia, especialmente na vertente da Sociomuseologia.

Durante o mestrado, fundiram-se as temáticas que envolvem Gênero e História da Arte, aprofundadas na dissertação por meio da análise comparativa de duas exposições museológicas com obras de mulheres, uma realizada no Brasil e outra em Portugal. A conclusão do trabalho veio acompanhada de novas perspectivas de estudo em outras áreas, conduzindo a uma continuidade da pesquisa sobre “mulheres artistas” no doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas na área de

Estudos de Gênero. Dentre as linhas de pesquisa, a Epistemologia dos Estudos Interdisciplinares de Gênero permitiu abordar de forma mais abrangente “o lugar do

Gênero nos campos disciplinares das ciências humanas”2.

Esta liberdade de trânsito entre teorias e métodos distintos foi fundamental para o delineamento do universo histórico-cultural no qual se inseriam as artistas profissionais da segunda metade do século XX na cidade de Pelotas (RS). O desejo de compreender a contribuição dos estudos de gênero e das teorias feministas para o campo da História das Mulheres artistas conduziu à necessidade de um olhar mais atento para a construção de uma História das Mulheres no Rio Grande do Sul em geral, e particularmente, em Pelotas.

Dentre a variada paleta de artistas pelotenses merecedoras de um estudo particular3, as pinceladas de Inah D´Ávila Costa nos evocam um desejo de memória4.

1 Em atividade desde 2007, o projeto “Caixa de Pandora - mulheres artistas e mulheres filósofas no século XX” é coordenado pela Profa. Dra. Ursula Rosa da Silva e integra o Núcleo de Estudos em Arte e Patrimônio (NEAP-UFPel), vinculado ao Centro de Artes (CA- UFPel).

2 RIAL et al., 2010.

3Relação das colegas de Inah Costa, formadas pela primeira turma da Escola de Belas Artes (EBA):

Dora Solazzo, Iara Castro, Hilda Mattos, Lucy Lucas, Maria Augusta Araújo, Maria Áurea Bastos, Margherite Gastal, Maria Louzada, Neiva Portela e Terezinha Louzada.

4Apresento aqui o “desejo de memória” no sentido conferido pelo museólogo Mário Chagas, que

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Apesar do talento e valor reconhecidos em Pelotas, as novas gerações pouco sabem quem foi Inah Costa, tanto as pessoas da comunidade, como as (os) próprias (os) estudantes de artes visuais. No entanto, seu atestado ineditismo e originalidade tem sido cada vez mais fonte de interesse por parte de pesquisadoras/es da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), como pode ser observado através das publicações de professoras do Centro de Artes (CA) da UFPel (SILVA et. al,1996 e DINIZ,1996, 2013). A este respeito, é preciso ter em conta que ainda dispomos de poucas pesquisas sobre História da Arte regional e local no Rio Grande do Sul.

Em um sistema das artes tradicionalmente dominado por homens5, Inah

assumiu diferentes tarefas em seu percurso artístico, inicialmente como estudante de arte e, depois, como professora e incentivadora de talentos. Também foi precursora na organização de exposições em Pelotas, atuou como júri de salões e concursos e teve aparições escrevendo sobre arte moderna para os jornais.

Advinda da ausência de uma tradição nestes estudos, esta lacuna na historiografia da arte sul-rio-grandense coloca o desafio da escrita de uma história regional/local e abre espaço para selecionarmos os aspectos que serão privilegiados deste passado. Como a liberdade de escolha implica a responsabilidade pela adoção de um ponto de vista, o presente trabalho assume-se a partir da investigação feminista pautada pelos estudos de gênero para compreender a História das Mulheres artistas.

O intervalo cronológico foi definido entre os anos de 1949 e 1989, o mesmo recorte realizado pela exposição retrospectiva: Inah D´Ávila Costa: quarenta anos de

pintura: 1949-1989, correspondente ao período de maior produção da artista. A

mostra foi realizada no ano de 1989, no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo - MALG, concebida pela crítica de arte e sobrinha de Inah Costa, Angélica de Moraes

A partir da epistemologia dos estudos de gênero, como caminho teórico-metodológico, a questão norteadora desta pesquisa se apresenta do seguinte modo: Podemos considerar a atuação de Inah D´Ávila Costa - como artista e como mulher -

campo da memória social e da sociomuseologia para tratar das negociações e disputas entre memória e poder do espaço museal.

5 Ainda que muitos especialistas concordem que no Brasil, o desprestígio pela arte possibilitou o

maior ingresso de mulheres nesta carreira ignorada pelos homens (CHIARELLI, 2015, p.7-8), permanecia na cidade de Pelotas uma tradição acadêmica muito acentuada, marcada por nomes masculinos, tais como Frederico Trebbi; Leopoldo Gotuzzo; Aldo Locattelli; Guilherme Litran; Caringi e Nesmaro.

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fundamental para a constituição do sistema das artes pelotense ao longo de quatro décadas (1949-1989)?

A motivação deste estudo justificou-se pelo interesse em identificar como as demais categorias de análise transversais ao gênero, como raça/etnia associada à classe e geração associada ao estado civil, confluíram para que Inah optasse pela carreira artística como uma escolha de vida, numa época em que a realização feminina era associada ao casamento e à maternidade.

O objetivo geral da pesquisa foi compreender como a investigação feminista e os estudos de gênero contribuem para o estudo da trajetória artística de Inah Costa. No encaminhamento desta questão, do âmbito mais particular ao mais abrangente, assim se configuram três objetivos específicos:

Elencar os fatores que propiciaram a Inah, como membro de uma elite da sociedade pelotense, ir além do lugar reservado às mulheres no universo androcêntrico da arte, vindo a ser referência em iniciativas que eram mais voltadas aos homens;

Verificar, por meio da análise das fontes de pesquisa, se Inah pode ser considerada produtora e incentivadora de uma estética original para o sistema das artes em Pelotas nos anos sessenta. A análise interpretativa deste material ainda buscou evidenciar como se apresentavam os estereótipos sobre as mulheres e o feminino no campo das artes plásticas. Dentro disso, observamos se as críticas sobre as telas de Inah foram condicionadas porque o sujeito que pintava era mulher;

Averiguar se Inah foi protagonista de um comportamento menos convencional, observado tanto na vida quanto na obra inseridas no contexto sócio-histórico-cultural das décadas de 1950 a 1980. Assim, buscamos identificar quais eram os espaços de formação, as opções de carreira e as formas de divulgação e recepção da produção das artistas frente às atribuições de gênero na cultura pelotense.

A partir destas resoluções, a proposta da tese foi localizar o contexto particular de Pelotas em relação à História das Mulheres e à História da Arte do Rio Grande do Sul. Em síntese, a pesquisa pretendeu demostrar como se operacionalizam os processos de construção de uma tese sobre a História das Mulheres artistas. Por esta razão, o enfoque ocorreu no sentido heurístico da investigação sobre a epistemologia dos estudos de gênero. É necessário, para tanto, explicitar todas as etapas da pesquisa através da demonstração dos “princípios de composição” para mostrar que

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diferentemente dos textos teóricos, os trabalhos científicos exigem a aplicação prática, e não apenas a “contemplação”6.

Dado que a própria definição do que seja Ciências Humanas é alvo de disputas, a pesquisa sobre uma mulher artista dentro desta área requer algumas reflexões prévias. É sabido que, a partir do século XIX, o campo epistemológico explodiu em diferentes direções, dividindo a “episteme moderna” em três dimensões: as ciências matemáticas; a linguística, biologia e economia; e a reflexão filosófica.

Apesar das ciências humanas não constarem neste “tiedro epistemológico” é “no interstício desses saberes, mais exatamente no volume definido por essas três dimensões, que elas encontram o seu lugar”7. Assim, o não-lugar das ciências

humanas define-se em relação aos espaços entre as fronteiras limítrofes do conhecimento racional e compartimentado, o que sugere uma ausência de cientificidade.

A dificuldade em situar as ciências humanas talvez seja creditada a essa “repartição nebulosa” que lhes confere uma “irredutível precariedade,” responsável pelo seu entendimento como “perigosas e em perigo”, representando “um risco permanente” para os outros saberes8. Ainda de acordo com este autor, “todas as

ciências humanas se entrecruzam e podem sempre interpretar-se umas às outras”, dado que “suas fronteiras se apagam, que suas disciplinas intermediárias e mistas se multiplicam indefinidamente, e que seu objeto próprio acaba mesmo por dissolver-se”.

A natureza complexa da pesquisa em ciências humanas necessita, portanto, das contribuições de outras disciplinas ou campos de estudo para ser legitimada como saber científico. É preciso observar que a mesma liberdade que permite a aproximação de um único objeto por diferentes ângulos, também tende a provocar o afastamento da questão central frente às tantas possibilidades oferecidas por cada caminho teórico-metodológico. Assim, torna-se importante explicitar as matrizes teóricas e a forma como se articulam os diferentes conceitos neste estudo, reconhecendo a contribuição individual de cada área e suas potencialidades quando trazidas em conjunto para abraçar uma temática que lhes é comum.

Neste sentido, pela via do pensamento complexo que pretende “associar sem fundir, distinguir sem separar”, é que Edgar Morin (2005, p.135) defende uma

6 BOURDIEU, 2003a, p.63. 7FOUCAULT, 2000, p.478-479. 8 FOUCAULT, 2000, p.480.

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revisão de paradigma em favor de uma “transdisciplinaridade reflexiva”. Conforme este autor, a transdisciplinaridade vai além do pensamento interdisciplinar porque critica o controle disciplinarizante deste, exercido sobre as disciplinas e responsável pela fragmentação dos fenômenos. Diferentemente desta proposta, Hector Leis (2011, p.110) crê que “a prática da interdisciplinaridade não supõe uma negação das bases epistemológicas das disciplinas”, mas compartilha da ideia de desestabilizar a supremacia das disciplinas.

O pensamento complexo parece estar vinculado à interdisciplinaridade do tipo conceitual, descrito por Leis (2011, p. 110), caracterizada pela “crítica explícita aos conteúdos das disciplinas”. Esta vertente é melhor aproveitada pelas ciências humanas, especialmente pelos estudos de gênero, que se configuram por si um campo interdisciplinar9. A postura interdisciplinar permite uma costura entre as

perspectivas da História das Mulheres, a História da Arte e a Sociologia da Arte para delimitar a problemática de pesquisa sobre a artista Inah Costa.

A disciplina História, mãe das ciências humanas,10 é o domínio do conhecimento que mais se destaca dentre as diversas áreas do saber que se agrupam na tese. Dentro dela, particularizamos a Nova História Cultural por duas razões: primeiro, em virtude do reconhecimento aos silêncios da história, incluindo a História das Mulheres; e, em segundo, pela pertinência teórica e metodológica sobre a pesquisa do passado das mulheres artistas. Nesta perspectiva, a história reafirma seu caráter interdisciplinar por entender que a existência de múltiplas histórias é inseparável do conhecimento da diversidade das esferas de atuação do ser humano, assim como na política, na cultura e na arte.

Por esta razão, encontrei respaldo na concepção de que “o enfoque histórico é a melhor estratégia para dar conta da especificidade e peso da investigação feminista”11 por se apoiar nos campos da sociologia, da antropologia e das artes

visuais, conforme o caráter geral interdisciplinar que coordenou o presente estudo. Transversalmente aos estudos de gênero, esta pesquisa sobre a história das mulheres artistas buscou relacionar teorias e métodos oriundos da História e da Sociologia e suas intersecções com as Artes Visuais, tidas como áreas interdisciplinares por excelência. Assim, a epistemologia que coordenou este estudo,

9 RIAL et al.,2010, p. 99; 109; 181; e 192.

10 Para Foucault (2000, p.508) a História é a “mãe de todas as ciências do homem” e estabelece uma relação “estranha” e “indefinida” com as ciências humanas.

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coadunada com a proposta da investigação feminista, necessitou igualmente recorrer a uma metodologia feminista que pudesse dar conta desta perspectiva específica e diversa do fazer científico tradicional.

Desta forma, pretendi verificar como o gênero influenciou no tratamento das artistas por parte da história e da crítica de arte na cidade de Pelotas depois da metade do século XX, atentando para os efeitos produzidos nas relações de gênero no âmbito das transformações sociais e institucionais. Este olhar se deu pela articulação do problema de tese com as epistemologias feministas, que, sendo crítico à epistemologia tradicional, alia-se às propostas do pensamento complexo e à abertura de horizontes conferida pela postura interdisciplinar.

A ideia de renovação da epistemologia, enquanto ciência do conhecimento, caracteriza-se pela ruptura com a modernidade e pela reivindicação de novas metodologias e paradigmas para a esfera das epistemologias feministas. Esta vê na perspectiva de genderizar a ciência, proposta por Sandra Harding (1996), o esboço do giro teórico e metodológico que implica uma investigação dirigida aos estudos das mulheres pautados pela formulação de novas categorias de pensamento. A defesa de um olhar desnaturalizante, responsável pela genderização da cultura, obriga a reconhecer as diferenças de gênero como elementos-chave das relações e organizações sociais.

Reafirmando esta perspectiva, conforme a historiadora Maria Odila Dias (1992, p.42) “a reconstrução das bases do conhecimento é um dos principais objetivos dos estudos feministas”, sendo estes determinantes na “reelaboração do conhecimento e de crítica dos métodos das ciências humanas”12. E dentro disso, o

presente trabalho visa essa desconstrução ao se colocar através de uma pesquisa feminista na linha da epistemologia dos estudos de gênero, que tem por questão de pesquisa exatamente o próprio fazer científico. Ainda assim, este estudo não assume a pretensão de ser imune aos androcentrismos estruturantes da atividade científica.

A produção tradicional do conhecimento é acusada pelas feministas de falsear a realidade por meio da visão enviesada de que os homens representam toda a humanidade. De modo semelhante, também se questiona a objetividade e neutralidade reivindicadas pela racionalidade científica moderna. Esta se coloca como o único conhecimento possível e verdadeiro da realidade e desconsidera as diferenças entre as experiências de homens e mulheres, como se existissem todos em

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uma “sociedade única”13. Harding (1993) lança o desafio de repensar a objetividade

para questionar também o próprio fazer científico. E, neste sentido, o papel da crítica feminista tem sido relevante para a compreensão de novos modos de fazer ciência para além da denúncia da questão da mulher.

A partir da linha de ação política e transformadora de Harding (1993, 1996,1998), Martha Salgado (2008, p.106) vê o feminismo ao mesmo tempo como uma teoria, uma filosofia e uma política, que tem como objetivo comum o fim de uma sociedade opressora. O conhecimento, como produção humana, é essencialmente social e cultural. Encontra-se circunscrito ao referente de gênero de quem realiza a investigação, e por isso mesmo exclui qualquer pretensa neutralidade do olhar14. Neutralidade esta já contestada desde Michel Foucault (2000) através do

questionamento da objetividade científica, reconhecendo os saberes como situados. Assim como as ciências sociais atuam concomitantemente na teoria e na prática, a investigação feminista se caracteriza por uma “dupla mirada”, pois é, ao mesmo tempo, científica e política, intelectual e militante. É por isso que ela se envolve mais no domínio da vida real, no sentido de transformar a realidade social, do que a ciência tradicional. Salgado (2008) define epistemologia feminista como sendo uma forma do gênero influir sobre o conhecimento, através de uma perspectiva aberta, mas também focalizada sobre o mundo, que permita o desenvolvimento de uma investigação feminista.

Herdeiras do pensamento pós-estruturalista, as epistemologias feministas além de questionarem a noção de neutralidade, valorizam a experiência e a contextualização. Tanto Salgado (2008) como Harding (1998) destacam que o centro das epistemologias feministas está na relevância conferida a quem pesquisa, entendendo que o sujeito do conhecimento está devidamente situado dentre os vários marcadores sociais da diferença (sexo, classe, etnia, idade, crenças, localização geográfica-temporal, por exemplo). Estes, mais do que categorias de análise, são fatores determinantes e predefinidores de uma postura e de uma atitude intelectual sobre o objeto a ser conhecido.

Uma das premissas da investigação feminista diz respeito à identificação de quem fala. Ao mesmo tempo, o sujeito flutuante pós-moderno nega a neutralidade, por sua própria condição híbrida, ao se constituir continuamente no processo. Por esta razão, espera-se de quem pesquisa um posicionamento frente ao objeto de

13 HARDING, 1993, p.87. 14SALGADO, 2008.

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análise, ao indicar de onde vem, qual a justificativa pessoal da escolha de temática, e como isso se projeta nos resultados esperados da pesquisa.

Ao situar de onde falamos, podemos melhor explicar sobre o que/quem iremos falar. Esta que vos subscreve declara-se na condição de uma jovem natural da cidade de Pelotas, acadêmica e feminista, branca, de classe média, cis e heterossexual, licenciada em artes visuais (2009) pela mesma instituição na qual a pintora Inah Costa graduou-se sessenta anos antes (1949).

Desta forma, o caminho para responder à problemática de pesquisa passou pela atenção às categorias transversais ao gênero, que auxiliam no direcionamento desse estudo a partir dos ordenamentos de raça/cor, classe, geração, estado civil, e nível de instrução, pelos quais a pesquisadora se apresenta. Acrescentando a estas variáveis, ainda, as especificidades da relatividade do universo histórico-social no qual se inscreve quem escreve.

Esta perspectiva se aproxima da problemática da tese ao demonstrar a importância de compreender como os fatos e os processos ocorreram, visto através das relações de gênero sobre a formação e a profissionalização das artistas dentro de um espaço temporal de quarenta anos. Para melhor localizar o percurso de Inah, este trabalho pretende identificar e interpretar como se processaram transformações sociais e culturais ocorridas entre os anos de 1949 a 1989 na cidade de Pelotas.

De acordo com a historiadora Louise Tilly (1994, p. 29), mais do que produzir estudos descritivos e interpretativos, um dos principais desafios da História das Mulheres é promover pesquisas que enfrentem problemas analíticos e reconheçam as mulheres como agentes sociais. Por isso, destaco, mais uma vez, a importância do estudo das especificidades da pesquisa feminista para a aplicação da epistemologia e da metodologia feminista, na investigação da História das Mulheres artistas no campo artístico pelotense.

Enquanto contribuição dos movimentos feministas, a História das Mulheres propõe novos temas e conceitos para tratar do lugar delas na história e no próprio campo historiográfico15. A historiadora Joan Scott (1992, p. 64-65) defende que a

“emergência da História das Mulheres como um campo de estudo envolve uma evolução do feminismo para as mulheres e, daí, para o gênero; ou seja, da política para a história especializada e, daí, para a análise”, onde o gênero é visto como categoria.

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A perspectiva da Nova História Cultural é colocada como pano de fundo para compreender o lugar da História das Mulheres no contexto artístico sul-rio-grandense, para, a partir disso, construir o estudo sobre o percurso de Inah. Neste sentido, a proposta da micro-história é interessante porque trabalha com uma escala de análise reduzida sobre um objeto bem delimitado16.

Ainda, segundo Pesavento (2008, p.74-75), este método utiliza-se do enfoque no cotidiano e no fragmento, caracterizando-se também pela “busca de recompor trajetórias individuais (...) busca traduzir o empírico em sensibilidades, na tentativa de resgatar a experiência do vivido”. No presente estudo, é a partir da interpretação das fontes escritas e orais e da atribuição de significado a este conjunto de materiais que será permitido esboçar uma possível história da pintora Inah Costa.

O termo “biografia” é preterido em virtude do alcance do termo “trajetória”, Concordando com isso, o sociólogo Pierre Bourdieu (2006), chama de “ilusão biográfica” a insistência em tratar uma “história de vida” ou biografia como um percurso ou um caminho coerente, porque perdemos de vista a fragmentação destas estórias e dos próprios sujeitos.

Investigar a trajetória de uma pessoa pressupõe reconhecer que esta acompanha seu “envelhecimento social”, e, para isso, precisamos ter em conta:

o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado (...) ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis17.

Deste modo, a compreensão da História das Mulheres artistas no contexto sulino colabora para situar Inah, ao mesmo tempo em que investigar sua trajetória permite iluminar muitas das questões escamoteadas pela historiografia tradicional. A intenção foi particularizar esta figura, tendo em conta que se tratava de uma individualidade que “age como suporte de um conjunto de atributos e atribuições que lhe permitem intervir como agente eficiente em diferentes campos”18, mediante as

posições assumidas por Inah19 em sua participação no desenvolvimento do sistema

das artes em Pelotas.

16 PESAVENTO, 2008, p.72. 17 BOURDIEU, 2006, p.190. 18 Idem.

19 Sobre a inserção de Inah no campo social “enquanto um espaço multidimensional de posições” utilizo a definição de Bourdieu na qual “a posição de um determinado agente no espaço social se define pela posição ocupada nos diferentes campos”, esta varia conforme a distribuição dos poderes representados pelos capitais econômico, cultural, social e simbólico (BOURDIEU, 2003a, p. 134-135).

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Seguindo este raciocínio, dentre as quatro tipologias20 para enfrentar o

desafio da biografia proposto por Giovanni Levi (2006), destaco o segundo tipo “Biografia e contexto”, que se distingue pela valorização do meio e da ambiência “como fatores capazes de caracterizar uma atmosfera que explicaria a singularidade das trajetórias”21.

Conforme o autor, nesta perspectiva, o contexto é entendido como uma “reconstituição do contexto histórico e social” e, ao mesmo tempo, como uma forma de preencher as lacunas documentais através das informações que temos sobre outras pessoas que compartilharam experiências semelhantes àquelas da/do biografada/do22

(LEVI, 2006, p.175-176).

Esta abordagem sociológica da história assemelha-se ao conceito de “rede” ou tecido social da sociologia relacional de Norbert Elias (1994a, p.23) pela qual os indivíduos são como elos elásticos que estão presos porque ligados através de cadeias de atos. Dentro desta concepção, a sociedade seria esta própria rede de funções e relações que une as pessoas, funcionando a partir de um padrão23. O

indivíduo se desenvolve e se individualiza24 sempre na dependência dos outros, a

partir do “constante entrelaçamento dos fios” que produzem a rede social25. Nesta

perspectiva, compreende-se que os fios formam a rede, mas, ao mesmo tempo, as redes também fiam e desfiam estes fios ad infinitum26.

20 Levi (2006, p.175) dividiu em quatro tipos as abordagens dos historiadores sobre a biografia: 1)

Prosoprografia e biografia modal. Ambos ilustram um indivíduo que carrega as características de

uma época ou grupo, 2) Biografia e contexto tem em vista a reconstituição do contexto histórico e social; 3) A biografia e os casos extremos, utilizaM a biografia individual para esclarecer o contexto; e 4) Biografia e hermenêutica sugerem que é preciso tratar o material biográfico de maneira mais problemática, tendo em conta a sua discursividade e a pluralidade na atribuição de significados para o ato biográfico.

21 LEVI, 2006, p.175.

22 Para desenvolver este aspecto da pesquisa, o livro “Memórias de Marina” (FRANCO, 2008) contribui com a apresentação da trajetória da artista e professora pelotense Marina Moraes Pires, responsável pela fundação da EBA através da compilação de seus diários escritos entre 1946 e 1976. A “Dona” Marina, como era conhecida, foi uma pessoa das relações de Inah e ambas tiveram um papel relevante para a criação da EBA e para a consequente formatação do campo e do sistema das artes plásticas na cidade de Pelotas.

23 ELIAS, 1994a, p.23.

24 Concordo com Elias (1994a, p.54) sobre a “individualidade” significar “uma peculiaridade de suas funções psíquicas, uma qualidade estrutural de sua autorregulação em relação a outras pessoas e coisas”. Esta qualidade é o que distingue as pessoas em função das suas diferenças, mesmo que ela própria se desenvolva na interação humana.

25ELIAS, 1994a, p.30.

26Para este autor, os termos “indivíduo” e “sociedade” não designam substâncias distintas e estáveis, mas, sim, processos (ELIAS, 2001, p.44). No clássico “A Sociedade dos Indivíduos” (1994a), Elias

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A perspectiva da sociologia relacional não se fixa a sujeitos particulares, mas sim a posições preexistentes e independentes de um indivíduo que se realizam e se modificam em função do convívio social. A liberdade individual inscreve-se numa rede de interdependências, tal qual um tabuleiro de xadrez, onde cada peça e cada posição estão articuladas, e cada movimento corresponde a modificações no jogo inteiro (ELIAS, 2001, p.158)27.

Desta forma, compreender os significados assumidos pela função das/dos artistas em uma determinada conjectura contribui para demonstrar a impossibilidade de uma história da vida e obra de Inah Costa sem localizar a condição das mulheres artistas daquele mesmo período. É importante esclarecer que não se pretendeu tratar Inah como uma pessoa singular e isolada; e também que não se pretendeu somente tratar a sociedade pelotense como um simples agrupamento de indivíduos interdependentes. Isso porque “não se pode determinar o valor de alguém sem considerar seu percurso no âmbito de sua interdependência, de sua posição e de sua função em relação aos outros”28.

De modo semelhante, Bourdieu (2005, p.190) aponta a impossibilidade da escrita de uma biografia de um artista ou intelectual sem ter em conta a relação do indivíduo com a estrutura do campo e sem atentar para a forma como esta estrutura é construída e também assumida e ressignificada pelo indivíduo.

Esta ideia auxilia no entendimento da personagem Inah Costa não como uma pessoa solitária na missão de levar a arte moderna para a cidade de Pelotas, mas, sim, como alguém que recebeu determinadas qualidades por emergir naquele meio e por experimentar outros contextos, como o Rio de Janeiro e a Europa. Ao mesmo tempo, Inah fez escola e influenciou uma série de pessoas, inclusive muitas de suas ex-alunas, a seguirem a carreira artística, como veremos no decorrer dos capítulos.

A mesma interdependência que liga os indivíduos se estende também à necessidade de reconhecimento dada através dos juízos de valor emitidos por

define o “indivíduo” como a pessoa singular em relação à pluralidade de pessoas; e a “sociedade” como a pluralidade que liga os indivíduos uns aos outros.

27Outro exemplo conhecido de Elias, em sua biografia sobre Wolfgang Amadeus Mozart, diz que o desenvolvimento de sua arte “não pode ser percebido de maneira realista e convincente caso se descreva apenas o destino da pessoa individual, sem apresentar também um modelo das estruturas sociais da época” (ELIAS, 1995, p.19). Elias complementa, apontando que “só dentro da estrutura de tal modelo é que se pode discernir o que uma pessoa como Mozart, envolvida por tal sociedade, era capaz de fazer enquanto indivíduo.” Somente a partir deste entendimento poderemos entender quais foram “as coerções inevitáveis que agiam sobre Mozart e como ele se comportou em relação a elas - se cedeu à sua pressão e foi assim influenciado em sua produção musical, ou se tentou escapar ou mesmo se opor a elas” (Idem).

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terceiros29. Assim, o “ser social do indivíduo” se constrói na representação de si

através dos outros, estando a realidade de uma posição social30 diretamente

relacionada ao reconhecimento dos outros31. Este reconhecimento, ao menos em sua

faceta pública, no caso de Inah Costa pode ser observado através das representações da artista pela imprensa pelotense, que, de certa forma, influenciaram na formação dela enquanto mulher e artista.

O questionamento que precisa ser feito não é simplesmente sobre quais fatores contribuíram para o sucesso de Inah como artista, mas quais eram as especificidades da estrutura do campo artístico de Pelotas que lhe proporcionaram este lugar de destaque. Conforme observa Bourdieu (2005, p.190), importa saber:

(...) o que as diferentes categorias de artistas e escritores de uma determinada época e sociedade deviam ser do ponto de vista do habitus socialmente constituído, para que lhes fosse possível ocupar as posições que lhes eram oferecidas por um determinado estado do campo intelectual e, ao mesmo tempo, adotar as tomadas de posição estéticas ou ideológicas objetivamente vinculadas a estas posições.

Não é por acaso que o prestígio social de uma pessoa é visto como um valor pessoal de um indivíduo singular32. Nisso reside a importância de investigar a “linha

de correlação entre os atos e as realizações de atores da história, conhecidos por seus nomes” e “a estrutura dos grupos sociais em que eles ganham sentido”. Desta forma, só nos aproximaremos da trajetória de Inah se tivermos em conta que ela surge e atua em um contexto específico de constituição de um campo para as artes plásticas, produzido e fomentado por uma seleta parcela de membros da sociedade33.

A sociologia relacional de Elias (2001, p.43) contribui, assim, para justificar a necessidade de investigar o significado da carreira de pintora dentro daquele “modelo sociológico de sociedade” e qual era a “posição social” de Inah “no interior da estrutura de poder dessa sociedade”, a partir de uma perspectiva de gênero atravessada pelas intersecções de raça/etnia e classe e de estado civil e geração/faixa etária. Assim, o presente estudo reafirma seu caráter interdisciplinar ao utilizar um

29 Ibidem, p.94.

30 Esta “posição de classe” é aqui trazida no sentido diverso de “situação de classe” designado por Bourdieu (2005, p.14), visto que a primeira denota o posicionamento em relação às outras classes sociais, enquanto que a segunda se refere mais à própria condição econômica.

31 ELIAS, 2001, p. 20-21. 32 ELIAS, 2001, p.41-42.

33 Sobre isso, vale lembrar que, na teoria dos campos de Bourdieu, as ações e os atores só fazem sentido dentro do campo.

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enfoque sociológico para analisar o desenvolvimento do campo artístico inserido em uma determinada temporalidade histórica.

Da mesma forma que a interdisciplinaridade privilegiou a convergência de diferentes disciplinas na formação do corpus teórico da pesquisa, também os achados físicos que a compuseram advieram de fontes dos mais variados suportes. Dentre eles, encontram-se fotocópias e digitalização de documentos escritos, como jornais, atas, certificados e convites/catálogos de exposições e anotações da própria Inah; por fontes orais, advindas de cinco depoimentos das sobrinhas; e por fontes visuais, constituídas pelo registro digital de fotografias e de pinturas produzidas por ela, estas últimas, em sua maioria, provenientes de acervos particulares.

A sistematização dos registros de sua extensa produção permitiu a caracterização das principais fases de sua pintura e colaborou para o conhecimento de sua linguagem pictórica. São visões sobre Inah: do passado, por parte dela mesma e da crítica da época; do presente, por parte das publicações e dos relatos das entrevistas.

A ausência de pesquisas ou de uma documentação sistematizada sobre Inah Costa motivaram a escolha do método da História Oral. No presente estudo, ele surge como complementar às fontes impressas e como suplemento das lacunas específicas sobre detalhes da personalidade e fatos da vida da pesquisada, embora se reconheça que é possível escrever uma história somente feita com as fontes orais.

Neste sentido, as entrevistas foram uma das principais fontes deste estudo, “porque a maioria delas é sobre assuntos humanos ou relações comportamentais”, e, por esta razão, deviam ser tomadas como relatos verbais que estão, portanto, sujeitos à memória e à parcialidade34. Na qualidade de uma pesquisa que trata de uma história

de vida, a maior parte das informações sobre a mulher e a artista Inah Costa proveio de depoimentos orais.

Para assegurar uma proximidade concreta da protagonista desta pesquisa, o primeiro critério de seleção para as entrevistadas foi articular a variedade de discursos fornecidos por diferentes perfis de entrevistadas. Foram entrevistadas35 as

34 YIN, 2015, p.117

35 As entrevistas foram realizadas na residência de cada uma das sobrinhas de Inah: Ada Costa

Averbeck em 27/02/2016 (50 min); Wilma Rosa Souza em 29/02/2016 (38min), Angélica de Moraes em 03/08/2016 (1h 50min), e Maria Angélica Costa em 26/11/2016 (43 min). Angélica de Moraes forneceu informalmente mais três depoimentos durante as visitas para a coleta de materiais de seu acervo particular nos dias 13/07/2017, 12/07/2018 e 22/01/2019. A pessoa entrevistada fora do círculo familiar foi a artista plástica Harly Couto em 21/06/2019. Em todas as visitas às entrevistadas, além da coleta do depoimento oral, foi realizado o registro fotográfico do acervo pessoal relativo a Inah,

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sobrinhas Ada Costa Averbeck36, Wilma Souza Rosa37, Angélica de Moraes38 e

Maria Angélica Costa39. Do sobrinho Mário Eduardo,40 foi coletado um depoimento

durante visita para registro fotográfico do seu acervo pessoal. Um olhar externo ao da família foi fornecido pela amiga e também artista plástica Harly Couto41, que

conviveu com Inah nos anos oitenta, e pela amiga Dorvalina42, uma pessoa de

confiança e das relações dela, que contribuiu com um breve texto sobre Inah por

e-mail.

Os depoimentos das sobrinhas foram fundamentais para a pesquisa. Através do sentimento que surgia acompanhado da lembrança da “tia Inah”, elas trataram de aspectos da personalidade dela, conhecidos somente pelas pessoas mais próximas. É importante ter em vista os diversos processos de rememoração das entrevistadas, atravessados por questões de classe, geração e atividade profissional.

Neste sentido, a memória precisa ser vista como uma “representação seletiva do passado”, que não é apenas do indivíduo, mas deste indivíduo enquanto sujeito

contendo recortes de jornais, fotografias e até parte de seus esboços, desenhos e pinturas. Além disso, todas as entrevistadas indicaram novas pessoas como fontes de consulta. É importante ter em vista que cada entrevista pode ter como finalidade a abertura de um dossiê documental e que devemos ter prioridade em entrevistar as pessoas mais velhas, sendo a casa e o local de trabalho os melhores locais para recolher os depoimentos (TOURTIER-BONAZZI, 2006).

36Ada Costa Averbeck (Bagé/RS, 1943) é filha de João Evangelista, irmão de Inah Costa. Atualmente reside na cidade de Pelotas onde trabalhou como professora e lojista.

37 Wilma Souza Rosa (1934) é filha de Lourdes, irmã de Inah Costa. Atualmente reside na cidade de Pelotas onde é diretora de uma escola particular e trabalhou como professora.

38 Angélica de Moraes (Neneca) (Pelotas/RS, 1949), filha de Adelaide, é sobrinha e afilhada de Inah Costa. Atualmente reside na cidade de São Paulo, onde atua como jornalista, crítica de artes visuais e curadora. Foi a maior fonte para esta pesquisa, sendo a pessoa da família que mais preservou os documentos e registros de Inah na forma de cartas, recortes de jornais, anotações, fotografias e produção artística em diferentes suportes e técnicas. Todos estes materiais foram guardados por Inah e ficaram de herança para esta sobrinha.

39 Maria Angélica Costa (Gegeca) (Pelotas) é filha de Paulino, o irmão mais velho de Inah. Pedagoga aposentada, atualmente reside em Pelotas.

40 Mário Eduardo Costa (Dado) é filho de Avelino, irmão de Inah. É sobrinho e afilhado de Inah. Professor de física aposentado, atualmente vive na cidade de Porto Alegre. Forneceu seu depoimento informalmente (sem gravação) em 10/04/2016 durante o registro fotográfico de seu acervo particular

sobre Inah Costa, e novamente em 16/04/2018.

41 Harly Seixas Barcellos Couto (1938) é uma artista plástica natural de Pelotas, que realizou cursos

com nomes importantes, como Lenir de Miranda e Danúbio Gonçalves. Conheceu Inah nos primeiros salões de arte de Pelotas, realizados no final dos anos setenta. Harly recordou que, nos anos oitenta, visitava Inah frequentemente: “quando eu ia lá ela gostava de tomar um licor, me oferecer licor e comer bombom. (...) Uma pessoa da idade da Inah, assim, com a criação que ela teve – que era uma pessoa muito fina – era uma pessoa de classe, que tinha nome!”. Atualmente Harly segue residindo e trabalhando na cidade.

42 A professora de matemática Dorvalina Maria Goularte (1947) trabalhou durante os anos setenta e

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inserido em um determinado “contexto social, familiar, social, nacional”43, com suas

próprias tendências e idealizações.

Dentro do corpus teórico da História Oral, o teórico italiano Alessandro Portelli foi fundamental (1997), principalmente no que diz respeito à ética e à responsabilidade no trabalho de campo, à importância da escuta, e às especificidades deste método tão sensível porque lida justamente com as pessoas como “fontes”, destacando as questões relativas à subjetividade do diálogo. Chantal Tourtier-Bonazzi (2006) foi relevante para o entendimento de que a entrevista semi-dirigida está situada entre um monólogo e um interrogatório, não podendo estar muito desprendida, nem muito presa44.

Outra contribuição importante partiu da historiadora Verena Alberti (2010), sobre a noção de que a História Oral auxilia no entendimento da existência das “histórias dentro da história” e permite, com isso, a abertura de um leque interpretativo e de uma visão mais crítica da realidade. Esta mesma autora apresentou- nos detalhadamente, os aspectos técnicos das fases que envolvem a preparação, a realização e a transcrição das entrevistas neste momento da presente pesquisa, que precede a interpretação e a análise do material.

Sendo este estudo uma pesquisa baseada em fontes como jornais e arquivos pessoais produzidos principalmente entre os anos de 1949 a 1989 sobre a vida e a obra de Inah Costa, as “fontes de evidência extras”45 permitiram-nos lançar mão de

outras ferramentas para preencher as lacunas documentais. Mesmo porque não havia um volume grande de materiais de uma origem específica. Como as informações sobre a artista estavam dispersas nas variadas fontes, foi necessário articular os dados provenientes de jornais, anotações, cartas e depoimentos orais, para trazer diferentes fontes de evidência sobre um mesmo conjunto de questões.

Desta forma, a tese sustenta a análise do universo de Inah sobre o cruzamento de três pontos nos quais será observado que fonte fala e em qual contexto, segundo as informações obtidas por via da (a) escrita de si, que diz respeito às cartas, às anotações privadas e públicas, os currículos escritos por Inah e suas críticas escritas sobre outras (os) artistas; a expressão de si, analisada através de seu autorretrato pintado nos anos cinquenta e nas formas em que se ela se deixou retratar nas fotografias; relacionado com (b) as publicações da imprensa pelotense e os convites

43 ROUSSO, 2006, p.94.

44 TOURTIER-BONAZZI, 2006. 45 YIN, 2015, p.13.

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das exposições entre 1949 e 1989, incluindo textos de críticos e apreciadores; para entrelaçar todo este material escrito com o (c) conteúdo oral transcrito da análise das entrevistas46.

Depois das entrevistas, a maior fonte de informação sobre Inah adveio dos jornais47, os quais manifestavam a opinião através de matérias publicadas na seção de

arte e nas colunas sociais, na forma de entrevista e discursos encômios sobre sua personalidade; de críticas mais pontuais das suas pinturas; e de notas sobre sua participação em cursos, exposições e eventos artísticos dentro e fora da cidade. A análise da crítica de arte, publicada na seção das artes ou da cultura no jornal, vizinha às colunas sociais, vem a ser um retrato de parte da sociedade que tinha contato com o universo das chamadas “belas-artes”, e, ao mesmo tempo, estava sendo preparada para apreciar a arte moderna.

Assim, para ter uma noção geral de como a crítica analisava sua obra e publicava nos jornais de Pelotas, foram selecionados os textos: da coluna Notas de

Arte de Francisco Dias da Costa Vidal (Franco Villa)48, publicada sem periodicidade

desde 195349; da crítica de Nelson Abott50 (1978-1990); e da década de 1980 do

apreciador Renato Varoto51 e da historiadora Heloisa Assumpção52.

46 O tratamento das entrevistas foi estruturado a partir da análise e interpretação dos dados proposta por Raul Gomes (2015). Neste sentido, a descrição é uma primeira etapa, onde se apresentam fielmente os dados, deixando-os “falar por si”. A análise corresponde a um segundo momento que focaliza essencialmente o tema da entrevista, decompondo os dados para depois relacionar as partes. Mesmo que retorne aos procedimentos anteriores, a interpretação diz respeito ao momento final do trabalho, no qual se busca um sentido para além da entrevista em si, em consonância com a teoria que fundamenta a tese.

47 Primeiro veículo de divulgação das ideias, o jornal explora sua confiabilidade entre as (os) leitores enquanto impõe e comunica à opinião pública. Assume, também, no caso das críticas de arte, uma postura mediadora, educativa e instrutiva do mundo das artes plásticas. Deste modo, para a análise dos jornais, é necessário ter em vista “a historicidade da produção e a intencionalidade da escrita” (CHARTIER,1990, p.63).

48O pelotense Francisco Dias da Costa Vidal (1929 -2016) foi professor, orientador educacional,

crítico de arte, psicólogo, psicanalista, agrônomo. Desde os anos 1950, escreveu sobre arte como colaborador do jornal Diário Popular (DP). Fonte: “50 anos de Crônica”, por Clayr Lobo Rochefort. Disponível em: https://pelotascultural.blogspot.com/2013/06/cronista-de-arte-ha-60-anos.html (Acesso em 02/04/2019).

49 Fonte: http://srv-net.diariopopular.com.br/23_04_03/rr220403.html (Acesso em 30/05/2017). 50 Natural da cidade de Pedro Osório (RS) Nelson Abott de Freitas (1941-1990) foi professor de língua portuguesa, e dentre as inúmeras atividades desenvolvidas no meio artístico-cultural pelotense, exerceu a crítica de arte do jornal Diário Popular entre 1978 e 1990 (SILVA, 2004, p.17).

51 Advogado, escritor e professor, Renato Luiz Mello Varoto ocupa a cadeira nº 26 da Academia Sul-Brasileira de Letras. Escreveu sobre arte e cultura para o Diário Popular e para o Diário da Manhã (DM) nas décadas de 1980 e 1990.

52Heloisa Assumpção Nascimento (1915-2005) era filha de uma família tradicional de Pelotas. Graduou-se em Direito no ano de 1936; pós graduou-se em História da Arte e inaugurou esta

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Estes materiais compuseram um banco de dados53 ao lado de outras matérias

veiculadas pelos jornais além da temática da crítica de arte, como os textos de divulgação das exposições, as notas sobre Inah como professora e algumas entrevistas concedidas pela artista. A crítica de arte da época junto à historiografia e às pesquisas recentes mostram-nos entre o dito e o não-dito a relevância54 de Inah no

circuito artístico pelotense.

A pesquisa nas fontes documentais nos acervos públicos e particulares revelou outros achados para além das fontes escritas, dentre eles um número significativo de fotografias55. O conjunto de 32 fotos aqui apresentado é ilustrativo das várias fases

da vida de Inah Costa e da sua atuação em diferentes espaços e contextos: entre membros da família e amigos; no ateliê da EBA; e em cerimônias e eventos sociais e artísticos56.

O emprego da análise das fotografias foi importante não apenas para uma melhor compreensão orientada pela imagem enquanto um tipo específico de fonte, mas, também, porque a leitura deste material imagético em conjunto auxilia na compreensão espaço-temporal da pesquisa. Pois, de acordo com Miriam Moreira Leite (2009, p.342), a fotografia trata “principalmente sobre a dimensão do espaço e,

disciplina na Escola de Belas Artes. Em 1954 integrou a Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul. Escreveu para jornais e revistas de Pelotas, Porto Alegre e Belo Horizonte. Destacam-se os textos dela sobre Inah Costa publicados nos jornais: Diário Popular e Diário da Manhã nos anos 1980. Fonte: http://srvnet.diariopopular.com.br/05_05_05/ac040501.html (Acesso em 01/08/2017). 53 Para o presente estudo, compartilho da acepção de “banco de dados” formulada por Robert Yin (2015, p.243), que o considera “o arquivo sistemático de todos os dados (notas de campo, documentos, registros dos arquivos, etc.) de um estudo de caso, reunidos para permitir consulta posterior de partes específicas da evidência.”

54 Evito a palavra “contribuição”, porque segundo Heloisa Buarque de Hollanda (2006, p.45), “a mulher não fez uma contribuição para a arte brasileira do século XX.” Ela “constituiu a arte brasileira do século XX junto com os homens, ao lado, um pouquinho atrás, muito à frente (...) Não é uma contribuição porque, quando se fala em contribuição, fala-se de um processo principal e de um outro acessório.”

55 As imagens fotográficas, sobretudo as fotografias históricas, são, por excelência, os suportes materiais de “testemunho” e de “representação”. A documentação fotográfica pode ser analisada a partir de uma crítica externa, relativa às condições de produção ou de uma crítica interna, relativa ao conteúdo. A proposta do presente estudo se filia mais à primeira perspectiva, ainda que reconheçamos a necessidade de partir dos elementos intrínsecos à fotografia como uma realidade artificialmente construída e concebida intencionalmente pelo desejo de posteridade.

56 Estas fotografias representam Inah com uma postura mais sóbria demonstrada quando retratada nos eventos e cerimônias mais formais, onde se posicionava, na maioria das vezes, em segundo plano ou nas laterais. Mas também foi retratada em momentos de descontração nos retratos coletivos em vernissages e festividades. O conjunto de fotografias contribui para o entendimento dos círculos sociais nos quais Inah se inseria, e como ela se relacionava neste meio. Também o modo como ela se deixava retratar aponta para uma faceta da expressão de si que diz respeito à sua extrema timidez, apontada pelos familiares.

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para obter a dimensão do tempo, você precisa construir esse tempo”, por esta razão “precisa ter várias fotografias, em vários momentos, para obter a dimensão do tempo.”

Portanto, o sentido da análise fotográfica, segundo Leite (1994, p.24), reside na busca da comunicação de significações para interpretar a imagem como um documento histórico. Desta maneira, o “emprego da fotografia como recurso de pesquisa vai se estabelecer em nível de descrição e da narrativa de aspectos visualizáveis”57.

Trabalhar com a História das Mulheres requer, previamente, uma definição sobre gênero e sobre quais mulheres estamos falando. Como as principais categorias de análise utilizadas neste estudo dizem respeito aos estudos de gênero, importa definir, nesta etapa inicial, os conceitos centrais da crítica feminista, relativos a “gênero”, “mulheres” e “sexo feminino”. Deste modo, delineamos, interdisciplinarmente, nosso campo de autoras/es, respeitando o peso das categorias, entendendo que estes nomes e termos não são neutros e devem ser historicizados58.

A definição mais elementar de gênero utilizada nesta pesquisa passa pela sua compreensão numa perspectiva relacional, derivada da acepção da historiadora Joan Scott (1995), do gênero como a organização social da diferença sexual. Esta relação se dá não somente no confronto entre os “(dois) sexos”, mas, interseccionalmente, entre as mulheres e como componente de um complexo conjunto de relações sociais. Os atributos masculinos e femininos seriam culturalmente produzidos a partir de aspectos que envolvem um processo complexo de identificação e de diferenciação que abarca, igualmente, a ideia de que o sexo também é construído59.

A discussão do gênero contribui para a questão deste estudo na medida em que auxilia na compreensão sobre “como o gênero dá sentido à organização e à percepção do conhecimento histórico” e de “como o gênero funciona nas relações sociais e humanas”60. Isto porque o problema que move esta pesquisa é entender

como a perspectiva de gênero sobre as teorias e os métodos das ciências humanas, contribuirem para desenhar o lugar das mulheres na história da arte da cidade de Pelotas entre os anos de 1949 a 1989.

57 Ibidem, p.26-27. 58 PEDRO, 2011. 59 SCOTT,1995. 60 Ibidem, p.74.

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Para compreendermos os significados atribuídos à figura da mulher artista para uma camada específica da sociedade, a mesma representada nos jornais do período, faz-se necessário saber em que termos se construía a diferença sexual na sociedade pelotense, observando a historicidade dos padrões comportamentais para homens e mulheres. Por isso, “temos a necessidade de uma rejeição do caráter fixo e permanente da oposição binária, de uma historicização e de uma desconstrução genuínas dos termos da diferença sexual”.61

O trabalho de Judith Butler colabora no sentido de pensar esta pesquisa a partir de uma concepção de gênero não-binária. Esta autora, no livro “Problemas de Gênero” (2016), contribui para a compreensão das nuances que essa categoria vem assumindo quando atrelada à constituição discursiva do sujeito pós-moderno. Destacamos, de Butler, a concepção do gênero como um conjunto de discursos e práticas reguladoras, sendo o sexo um efeito do gênero, e não o contrário.

A utilização do termo gênero, além de legitimar uma questão política do feminismo na academia, serve para demonstrar que toda a informação relativa às mulheres também o é aos homens, indicando que “o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado neste e por esse mundo masculino”62.

A partir deste entendimento, temos a possibilidade de observar em nível “micro”, os discursos e os comportamentos das mulheres da elite pelotense, e deste modo, entender, como eram construídas e reiteradas estas identidades enxergando o corpo “como suporte da inscrição da identidade social”63.

O conceito de performatividade é especialmente importante neste contexto, porque ele nos permite aferir as opiniões constantes nos depoimentos das sobrinhas de Inah. Elas referiram o quanto a tia se destacava pela postura elegante e pelos atributos requintados no bem falar e no bem vestir, condizentes com as expectativas de gênero, raça/etnia e classe do período para as mulheres da elite.

A perspectiva da construção social do gênero é reafirmada no artigo “Interpretando o gênero”, no qual, em convergência com Scott e Butler, Linda Nicholson (2000) sugere negar o determinismo biológico sobre o destino das mulheres e dos homens, invocando a história e a cultura para a compreensão da construção deste sujeito. A autora apresenta uma interpretação social para o gênero, na qual “(...) a sociedade forma não só a personalidade e o comportamento, mas,

61 Ibidem, p.84. 62 SCOTT, 1995, p.75. 63 HEILBORN, 1992, p.107.

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