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O método BPI e sua estética : noções advindas da análise de experiências processuais em artes da cena

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

FLÁVIO DE CAMPOS BRAGA

O método BPI e sua estética: noções advindas

da análise de experiências processuais em artes da cena

CAMPINAS 2016

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FLÁVIO DE CAMPOS BRAGA

O método BPI e sua estética: noções

advindas da análise de experiências processuais em

artes da cena

ORIENTAÇÃO: DRA. GRAZIELA ESTELA FONSECA RODRIGUES

CAMPINAS 2016

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arte da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em ARTES DA CENA, na Área de TEATRO, DANÇA E PERFORMANCE.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO FLÁVIO DE CAMPOS BRAGA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA.

GRAZIELA ESTELA FONSECA

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Dedico este trabalho à Professora Dra. Graziela Rodrigues ao Grupo de Pesquisa BPI e Dança do Brasil; ao Sr. Antônio Maria da Silva e à Comunidade Negra dos Arturos; à minha filha Ananda e à minha companheira Lidia;

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Agradecimentos

À professora Graziela Rodrigues por compartilhar suas experiências, pelos ensinamentos, pelo cuidado, pelo afeto e pela vivência única de formação e criação em artes da cena. Por sua paciência, generosidade e confiança. Por me orientar e por fomentar em mim uma preciosa compreensão sobre a pesquisa artístico-científica. Por ter me ajudado e me respeitado em momentos pessoais. Obrigado hoje, ontem, amanha e sempre!

Ao meu pai, à minha mãe e aos meus irmãos, por todo auxílio e colaboração ao longo desses anos de mergulho e formação em artes da cena. Por acreditarem, respeitarem e embarcarem comigo no meu sonho e em minhas escolhas profissionais e de vida. Amo vocês!

À Lidia Olinto e Ananda por toda dedicação, paciência, parceria e aprendizado nessa caminhada juntos. Por me ensinarem sobre o amor e o respeito, por me proporcionarem belas lições de vida durante o desenvolvimento deste e de outros tantos trabalhos. Pelas noites em claro com escritas, correções e traduções. Por me fazerem acreditar, cada vez mais, em mim mesmo e no afeto sensível e respeitoso como a melhor opção para as relações com o mundo. Pelo encontro com a eternidade e pela oportunidade de continuar realizando sonhos em parceria.

À família Olinto do Valle Silva, mas especificamente à Gilda Olinto e Nelson do Valle Silva, pela confiança, colaboração, carinho e atenção. Por me respeitarem e me aceitarem como membro desta família, compartilho e brindo com vocês todas as minhas alegrias e conquistas.

Às parceiras e amigas do Grupo de Pesquisa BPI e Danças do Brasil por todo o aprendizado, pelo carinho sempre, por me ensinarem e me mostrarem a beleza e a força do trabalho com BPI. Em especial, agradeço às companheiras de doutorado Nara Cálipo e Elisa Costa. E também, agradeço à Larissa Turtelli, à Paula C. Teixeira, à Mariana Floriano, à Mariana Jorge e à Natália Alleoni.

À Comunidade Negra dos Arturos, especialmente ao Sr. Antônio Maria da Silva que me recebeu em sua casa, me contou, me encantou e muito me ensinou, tanto sobre a história dos Arturos, como sobre a sua. Com os Arturos e sua realidade existencial compreendi um pouco mais sobre o sentido de resistência cultural. Obrigado à todos! Salve Maria! E viva Nossa Senhora do Rosário!

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Aos amigos todos, os mais novos, os mais antigos e os que ainda virão, daqui e de acolá, meu muito obrigado!

Aos funcionários da Biblioteca, todos da Secretaria de Pós-Graduação, do Centro de Informática e do DEPROD do Instituto de Artes, o meu mais sincero obrigado pelas inúmeras ajudas e auxílios ao longo desses anos de estudos na UNICAMP. Em especial, ao Carlos Eduardo Gianetti, à Letícia Cardoso, ao Josué Cintra, à Maria Lúcia Fagundes e ao Rodolfo Marini Teixeira.

À FAPESP que financiou (Processo 2012/15154-0) e viabilizou o desenvolvimento desta investigação.

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“(...) não é para pensar, é para dançar”. Ananda – minha filha

“O BPI é difícil de ser decifrado por palavras, mas plenamente compreendido se dançado”. Graziela Rodrigues, 2003, p.162.

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Resumo:

Neste trabalho são descritos e apresentados os caminhos percorridos e os resultados alcançados no desenvolvimento desta investigação de doutorado. O objetivo do estudo que ora se finda foi verificar e analisar a existência de uma especificidade estética imanente ao processo criativo proposto pelo método BPI (Bailarino-Pesquisador-Intérprete). Tendo como hipótese afirmativa a existência de uma especificidade estética que é resultante do Processo BPI, nesta investigação buscou-se perceber, descrever e analisar as várias experiências processuais viabilizadas por esta abordagem de formação e criação em artes da cena. Três ações foram escolhidas para o desenvolvimento deste estudo e, especificamente, estruturaram as suas etapas metodológicas. A primeira etapa diz respeito à experiência com o eixo do Co-habitar com a Fonte do BPI, cujo objetivo era viabilizar que este pesquisador vivenciasse o processo e, assim, pudesse ampliar sua percepção e compreensão sobre este método de formação e criação cênica. A segunda etapa traz uma revisão bibliográfica sobre reflexões contemporâneas voltadas à estética e à experiência estética, tendo como intento maior a busca por estudos e análises que se aproximassem mais do fazer e da criação em artes. Já a terceira etapa deriva das anteriores, uma vez que elas prepararam e ampliaram a percepção deste bailarino-pesquisador-intérprete para a realização da análise dos espetáculos dirigidos pela bailarina, coreógrafa, psicóloga e professora Dra. Graziela Rodrigues entre os anos de 1990 e 2012. Para a análise dos espetáculos, a descrição foi utilizada como mola propulsora na realização de uma verificação singular e que se tentou minuciosa. A partir do cruzamento dessas três etapas, foi possível estabelecer e codificar alguns dados que se estruturaram em categorias advindas da análise, tanto dos processos de criação como dos espetáculos do método BPI. Depois disso, buscou-se discutir e refletir sobre a estética como uma especificidade resultante do processo de criação e não como uma série de regras ou normativas que regem a percepção e a fruição dos espectadores, assim como a atuação, a formação e os procedimentos criativos do artista. No que diz respeito ao método BPI, enfoque e universo deste estudo, foi possível pensar nos aspectos que indicam suas especificidades epistemológicas, ou seja, aquilo que constitui todo o seu processo criativo, sua poética singular - seu constructo - que resultam e elaboram características de sua estética. Pensar a estética do método BPI é revisitar e reforçar toda a sua trajetória viva em constante desenvolvimento e elaboração. Este estudo, portanto, diz de um processo de investigação sobre este Método e, de certa forma, de um processo pessoal de aprofundamento nesta linha de pesquisa e criação em artes da cena. Por fim, o tema não se esgota e este nunca foi o interesse nem, muito menos, discutir todos os pontos possíveis, mas talvez sim abrir algumas frentes para discussões que se fazem emergentes. Ou seja, questionar os modos de dominação, padronização e homogeneização dos diversos fazeres em artes da cena.

Palavras-chave: Método BPI. Criação Cênica. Processo de Criação. Experiência Estética. Análise de Espetáculos.

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Abstract:

The paths taken and the results achieved in the development of this doctoral research are here presented and described. The objective of the study was to verify and analyze the existence of an aesthetic specificity inherent to the creative process proposed by the BPI method (Dancer-Researcher-Performer method). Formulating the hypothesis of the existence of an aesthetic specificity of the BPI process, this research sought to understand, describe and analyze the various procedural experiences enabled by the BPI specific approach of training and creation in the performing arts field. This study involved three methodological steps (stages). The first step concerns the researcher’s personal experience with the BPI method, specially its axis of Co-inhabiting with the Source. The purpose of this first step is to expand the researcher’s awareness and understanding of this method. The second step is concentrated in a bibliographic review about contemporary reflections focused on aesthetics and the aesthetic experience. The intention of this second step is to gather and analyze studies that dialogue with performing creations. The third step is derived from the previous ones, since they prepared and expanded the perception of the dancer-researcher-interpreter (author), enabling him to analyze a series of performances directed by the dancer, choreographer, psychologist and Professor Graziela Rodrigues between the years 1990 and 2012. For the analysis of these performances, a meticulous description was used as a driving force. From the intersection of these three phases, it was possible to establish and codify some data in two main categories. These two categories were generated from both the analysis of the creation processes and the analysis of the previous performances of the BPI method. After that, one tried to discuss and reflect about aesthetics considering it as a specificity resulting from the creative process, and not as a set of rules or regulations that conduct the spectator´s perception. It is also a result of the performance, training and creative procedures of the artist. Concerning the BPI method, focus and universe of this study, it was possible to indicate its epistemological specificities, i.e., what constitutes its whole creative process, its unique poetics that results in its aesthetic features. Focusing on the aesthetic characteristics of this method leads one to revisit all its living history, which is in constant development and elaboration. This study, therefore, is an investigation about the BPI method, and a personal immersion in its scenic methodology. Concluding, it is important to point out that this subject was not exhausted here. Our intention was just to open some new perspectives and discussions emerging from this theme. And it was also our objective to question the standardization and homogenization of the ways of doing in the Performing Arts field.

Keywords: BPI method. Scenic Creation. Creative Process. Aesthetic Experience. Performance Analysis.

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Sumário:

Passo 1

Apresentação... 13 Introdução... 15 Materiais e Métodos... 21

Passo 2

Capítulo 1: Experiência com o Processo BPI: o eixo Co-habitar com a Fonte... 24

Capítulo 2: Sobre Estética: considerações contemporâneas... 89

Capitulo 3: Análise dos Espetáculos do Método BPI: 1990 – 2012... 127

Passo 3

Capítulo 4: Estética e o Processo BPI... 252

Considerações Finais... 275

Referências Bibliográficas... 281

(12)

PASSO 1

Apresentação

Introdução

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Apresentação:

Neste texto será apresentado o desenvolvimento e os resultados da investigação de doutorado em Artes Cena iniciada em agosto de 2012, sob a orientação da professora Dra. Graziela Rodrigues. Na investigação aqui apresentada, busquei desenvolver um estudo que considera e parte do discurso do artista, pois a experiência do seu autor tem peso e importância, uma vez que, antes de me afirmar como pesquisador, reforço que sou intérprete das artes da cena.

Desde 2009 venho me dedicando a estudar e me aprofundar na compreensão sobre os aspectos práticos e teóricos do método BPI (Bailarino-Pesquisador-Intérprete). Com esse trabalho busquei desenvolver uma reflexão sobre o Processo BPI, mais especificamente, no intuito de refletir sobre as especificidades poéticas e estéticas dessa metodologia para a formação e a criação em Artes da Cena. Espero que os procedimentos metodológicos e os resultados apresentados aqui possam auxiliar no desenvolvimento de novos estudos, bem como viabilizar a apreensão, a fruição e a disseminação de conhecimento sobre o BPI.

Na tentativa de organizar melhor o texto, além de separar os conteúdos em capítulos, estabeleci uma divisão que é também metodológica. Desta forma, separei o texto em quatro partes, sendo que denominei por “Passos” as três primeiras: Passo 1 – contendo Apresentação, Introdução e Materiais e Métodos; Passo 2 – contendo os capítulos 1, 2 e 3 que, respectivamente, versam sobre a Experiência, a Revisão e a Análise dos Espetáculos; Passo 3 – contendo o capítulo 4 no qual busco desenvolver minha discussão partindo do entrecruzamento das ações anteriores. Estes três “Passos”, ainda são seguidos pelas Considerações Finais, Referências e Bibliografia. Por vezes, essas etapas metodológicas se mantiveram apartadas e isso diz respeito a dinâmica que realmente foi experienciada durante esse processo investigativo. Busquei sanar essa segregação na parte da discussão, no entanto, dada a diferença entre algumas bibliografias e a experiência vivenciada, isso acaba por esbarrar e irrompe na minha escrita. Ao longo do texto me faço valer, por inúmeras vezes, da descrição como ferramenta analítica e reflexiva.

A presente investigação, além do meu aprofundamento no método BPI, reafirma-se como um processo de aprendizado em desenvolvimento sobre a pesquisa, tanto artística como científica, e sobre produção e disseminação de conhecimento. Neste texto procurei manter a escrita na primeira pessoa do singular,

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entretanto, vez ou outra, há a utilização da terceira pessoa do singular e da primeira do plural, numa tentativa de diferenciar e clarear as reflexões advindas da experiência com o processo criativo (intérprete e intérprete-diretora) daquelas vinculadas à reflexão e análise de outros pensadores. Ou seja, evitando que se confundam as minhas e nossas opiniões, reflexões e constatações com as vozes dos autores utilizados e que referenciam este estudo.

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Introdução:

Enfoque da Investigação:

O método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) foi criado por Graziela Rodrigues após anos de formação e de experiências nacionais e internacionais em Artes Cênicas. A elaboração do Método começou na década de oitenta quando Rodrigues, em resposta aos seus questionamentos pessoais como intérprete, buscava estabelecer meios próprios para o desenvolvimento de suas criações artísticas. De acordo com relatos1 e publicações2 de Rodrigues, não houve a intenção premeditada de formular uma metodologia particular. No entanto, ao fim de alguns anos de imersão e investigação, a frequência e a pertinência de algumas ferramentas utilizadas em seus processos criativos apontavam um caminho que poderia ser percorrido não só por ela, mas também por outros intérpretes. O ano de 1980 marca o momento em que esta metodologia começa a ser deflagrada e, em 1987, se dá a sistematização do método BPI, momento em que Rodrigues começa a dirigir outros intérpretes.

O método BPI possui uma organização sistêmica com três eixos dinâmicos que são assim denominados: Inventário no Corpo, Co-Habitar com a Fonte e

Estruturação da Personagem.

No eixo Inventário no Corpo, o intérprete mergulha em sua história pessoal, fazendo uma espécie de coleta de memórias vividas e/ou inventadas, liberando movimentos, sensações, sentimentos e paisagens incrustadas em seu corpo. “No primeiro eixo, a memória do corpo é ativada através de diversas percepções, tais como visuais, auditivas, táteis e proprioceptivas”. (RODRIGUES; TAVARES, 2010, p.146-147) Desse modo, neste primeiro eixo, o intérprete ‘escava’ seu próprio corpo e elabora cada conteúdo interno liberado, dando-lhe novos significados.

No segundo eixo, Co-habitar com a Fonte, o intérprete realiza uma pesquisa de campo em segmentos sociais e/ou manifestações populares tradicionais que possuem o sentido de resistência cultural. A pesquisa de campo é uma das ferramentas do método BPI e possui características muito específicas em sua

1

Os relatos aqui indicados dizem respeito às reuniões de orientação, às palestras ou às falas da Prof.ªDr.ª Graziela Rodrigues em eventos da área e nas disciplinas acompanhadas por mim tanto no curso de Pós-Graduação em Artes da Cena como na graduação em Dança – ambos da UNICAMP – entre os anos de 2009 e 2015.

2

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abordagem, uma vez que a escolha do local onde será realizada emana, principalmente, do corpo do intérprete durante a sua experiência com o eixo anterior. “Ao estabelecer uma sintonia no contato com ‘o outro’, o bailarino poderá sintonizar-se consigo mesmo, de forma a assumir com consciência a singularidade de sintonizar-seus movimentos”. (RODRIGUES; TAVARES, 2010, Ibidem)

No eixo Estruturação da Personagem há a integração da experiência com os eixos anteriores, que culmina com o surgimento de uma organização corporal que será chamada de personagem. A personagem traz um nome que é ao mesmo tempo sua força e sua síntese e é a partir do seu surgimento que o espetáculo será elaborado. “No terceiro eixo ocorre a integração das sensações, emoções e imagens vividas no desenvolvimento do método, com a consequente criação de uma personagem, cujo nome emerge como sua essência” (RODRIGUES; TAVARES, 2010, Ibidem).

Os três eixos do BPI possuem características bem específicas, exigindo dedicação e predisposição do intérprete para vivenciá-los, tanto em suas singularidades, quanto em sua integração. A vivência integral do processo BPI indica condição primordial e viabilizadora da criação artística neste Método. Todavia, esta organização triádica do método BPI é uma divisão meramente didática para que o método possa ser transmitido e aplicado, estando os três eixos intensamente interligados e amalgamados dentro do processo criativo. “O processo do BPI é visto sob uma perspectiva sistêmica, pois não há como separar esses eixos, assim como não se separa o artista do seu desenvolvimento como pessoa” (RODRIGUES, 2003, p. 5). Para maiores esclarecimentos sobre os eixos do BPI, é possível encontrar as seguintes publicações: RODRIGUES 1997, 2003 e RODRIGUES&TAVARES 2010.

Além dos três eixos, o BPI possui cinco ferramentas fundamentais para o desenvolvimento de seu processo formativo e criativo: Técnica de Dança, Técnica

dos Sentidos, Laboratórios Dirigidos, Pesquisa de Campo e Registros. De acordo

com Rodrigues (2010b) é possível definir estas cinco ferramentas da seguinte maneira:

1. Técnica de Dança – decodificação de diversas técnicas corporais e matrizes de movimento encontradas e analisadas por Rodrigues a partir de pesquisas de campo realizadas desde o final da década de 1970. Esta vasta pesquisa ocorreu em diversos segmentos sociais, bem como em ritos, festejos afrodescendentes e outras festividades brasileiras detentoras do sentido de

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resistência cultural, incluindo algumas etnias indígenas. A partir da análise e decodificação destas manifestações populares, foi possível elaborar a

Estrutura Física e Anatomia Simbólica do método BPI. Trata-se de um

conjunto de práticas utilizadas para a preparação, a manutenção e o desenvolvimento corporal do intérprete durante o processo de formação e de criação cênica, integrando aspectos fisiológicos, sociais, psicológicos e emocionais do sujeito.

2. Técnica dos Sentidos – trata-se de um circuito no qual se entrelaçam movimentos, sensações, emoções e imagens que viabilizam a liberação do fluxo de elaboração dos conteúdos internos (inconscientes) dos intérpretes em processo criativo. Esta técnica se integra à técnica de dança e juntas às demais ferramentas são utilizadas nos três eixos deste Método.

3. Laboratórios Dirigidos – dinâmica processual demandada pelo diretor de acordo com o desenvolvimento do processo de cada intérprete. Diz respeito a um espaço laboral no qual a imagem corporal do intérprete, suas sensações, seus movimentos, suas emoções e imagens internas serão investigados de modo verticalizado. O espaço de laboratório é pessoal e sua materialização se dá, inicialmente, a partir de um risco/círculo feito com giz no entorno do corpo. Dentro deste espaço chamado de Dojo, o intérprete libera, projeta e elabora os seus impulsos e conteúdos internos.

4. Pesquisa de campo – esta ferramenta também está presente nos três eixos do método BPI, tendo, cada um deles, suas especificidades. No Inventário no

Corpo, ela se dá em âmbito estritamente pessoal através de uma investigação

da história familiar do intérprete. Já no eixo Co-habitar com a Fonte, a pesquisa de campo é feita nos segmentos sociais e/ou manifestações populares acima descritos, tornando-se a espinha dorsal do processo BPI. Além de possibilitar que o intérprete aprofunde sua relação consigo mesmo através de um contato afetivo e empático com o outro, também viabiliza a ampliação e dinamização tanto da potência expressiva como das suas sensações, imagens, movimentos e sentimentos. Esse ‘outro’ está inserido num contexto periférico e à margem dos ideais e padrões vigentes, num sentido que vai do geográfico ao sociopolítico. No eixo Estruturação da

Personagem, a pesquisa de campo ocorre a partir das necessidades que são

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sentido, cada processo individual requer uma quantidade e um grau de intensidades diferentes de pesquisa de campo neste eixo final.

5. Registros – são ações do intérprete e do diretor que vão desde a elaboração de diários (tomar notas) à memorização e gravação dos dados no decorrer do processo. Essas formas de registro são utilizadas tanto na pesquisa de campo quanto nos laboratórios. Essas coletas de dados auxiliam na análise do processo criativo e na estruturação do roteiro/dramaturgia da criação cênica final.

Ao fim de sua tese, Rodrigues (2003 e 1997) pontua que uma das peculiaridades do método BPI está em legitimar o corpo do intérprete como fonte principal para a criação artística. Este seria um grande diferencial do BPI quando situado diante de muitos processos criativos na área de Dança, uma vez que, neste método, parte-se da escuta do corpo do intérprete em prol de uma conexão maior com aspectos profundos da sua identidade (aspectos estes em grande parte ignorados até então). Esse contato possibilita a elaboração de uma dança na qual o intérprete cria partindo de suas sensações, emoções, imagens e movimentos mais genuínos, sem se prender a determinados padrões ou julgamentos, trabalhando o inconsciente para que cada vez mais se torne consciente (CAMPOS&RODRIGUES, 2010)3. Nada ultrapassa ou se sobrepõe ao desenvolvimento desse processo que é particular para cada bailarino, sendo, nesse sentido, uma experiência única e intransferível.

O início desse processo pode ser apontado ante a vontade do intérprete de vivenciar uma elaboração dos seus significados internos, indicando a abertura para o trabalho de autoconhecimento proposto pelo BPI. Nessa autoinvestigação há a liberação de um fluxo criativo e uma dinâmica singular que propiciam que o intérprete não só crie cenicamente, como também desenvolva a própria imagem corporal. Segundo Rodrigues (2003), a grande maioria dos trabalhos na área de dança está atrelada a uma idealização do corpo, ao passo que quando se dança a partir de aspectos da identidade do sujeito – elaborando suas perdas e singularidades – trilha-se um caminho que investe na realidade corporal do intérprete e não na sua ‘adestração’ segundo certos padrões estéticos dominantes. Nas

3

Vide também RODRIGUES (1997, 2003, 2010a, 2010b, 2010c e 2010d), RODRIGUES&TAVARES (2006).

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palavras da autora, “a dança proposta está vinculada a um corpo real e, portanto, não está compromissada com a dança representante da cultura oficial sedimentada num corpo ideal” (RODRIGUES, 2003, p. 158). A criação cênica e o processo instaurado pelo método BPI lidam com a superação dos limites do sujeito respeitando sua realidade corpórea e existencial. Esses limites revelam aspectos muitas vezes negados pelo bailarino e que levam à construção de uma identidade preocupada com status e valores sociais. Nesse sentido, o BPI busca romper com esse ‘círculo vicioso’ e desfaz o domínio calcado na manutenção das relações de poder. Por isso, a criação artística do BPI se dá numa perspectiva que afirma a importância da autoria compartilhada entre o intérprete e o diretor. Também de acordo com Rodrigues & Tavares (2007), o corpo ideal está ancorado no narcisismo, enquanto o corpo real estaria conectado ao desenvolvimento da imagem corporal. No BPI “a dança confere ao corpo o ponto de partida e de chegada da energia deste processo de desenvolvimento da identidade, da imagem corporal da pessoa” (RODRIGUES, 2003, p. 161). Desse modo, o método BPI possibilita que a criação cênica seja dotada da potência expressiva singular do intérprete.

Foco de investigação:

O presente estudo direciona seu foco para o processo de formação e criação proposto pelo método Bailarino-Pesquisador-Intérprete, tendo como objetivo o desenvolvimento de uma reflexão sobre a noção de estética desse Método. Para tanto, mais especificamente, pretende-se averiguar e analisar a existência de aspectos e similaridades que viabilizem a definição de uma noção singular de estética que seja fruto do Processo BPI. Importante ressaltar que não existe a pretensão de desenvolver parâmetros ou a elaboração de uma abordagem estética para as danças brasileiras, mas sim objetiva-se aqui aprofundar os estudos sobre o BPI alargando as reflexões sobre este processo de formação e criação cênica em desenvolvimento há mais de trinta anos.

Hipótese:

A hipótese delineada para esta investigação afirma que ao longo de mais de trinta anos o método BPI foi consolidando sua experiência processual e encontrando

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especificidades inerentes ao seu processo criativo. Essas especificidades dizem de um procedimento singular que visa tanto a formação do artista como a criação de um produto cênico. Os resultados dos Processos BPI têm como primazia a manutenção da integridade física, emocional e psíquica do artista, bem como são dotados de certa singularidade expressiva e viabilizam o compartilhamento de experiências criativas dotadas de alteridade.

De acordo com Rodrigues (2003), a estética do produto cênico no BPI advém da relação travada pelo intérprete com os dados apreendidos ‘cinestesicamente’ durante a pesquisa de campo do eixo Co-Habitar com a Fonte. Segundo a autora (ibidem: 106), esses dados, por serem derivados de uma experiência com o fato vivo, são apreendidos pelo inconsciente do intérprete e se aglutinam aos seus conteúdos internos, elucidando os impulsos de um fluxo criativo original. Para o BPI, não existe modelo a ser seguido, mas sim a possibilidade de criar uma dança na qual a integridade do artista não estará subjugada a escolhas e predeterminações externas ou idealizadas.

Dessa forma, a presente investigação considera a existência de uma especificidade estética imanente ao processo criativo proposto pelo método BPI. Afirma-se, para tanto, que a partir da perspectiva lançada, tanto para o corpo do intérprete quanto para as Artes da Cena e para o processo criativo, torna-se possível o desenvolvimento de uma reflexão singular sobre a noção de estética na experiência com o BPI.

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Materiais e Métodos

Materiais:

● A experiência pessoal com o eixo Co-habitar com a Fonte do método BPI; ● Bibliografia ampliada e atualizada sobre o método BPI;

● Bibliografia revisada e atualizada sobre noções, definições e reflexões sobre Estética;

● Materiais em vídeo dos espetáculos e seus Processos BPI, dirigido e ou supervisionados pela professora Dra. Graziela Rodrigues entre 1990 e 2012; ● Acervo com vídeos, relatórios e diários das pesquisas de campo realizadas

pela professora Dra. Graziela Rodrigues na Comunidade Negras dos Arturos entre as décadas de 1980 e 1990;

● Materiais e reflexões impressas, publicadas ou não, sobre os espetáculos; ● Relatos e depoimentos coletados em reuniões de orientação, uma vez que a

orientadora deste estudo foi também a diretora dos espetáculos a serem analisados.

Métodos:

● Processo BPI:

Co-Habitar com a Fonte - experiência processual com o intuito de viabilizar

uma abertura do corpo do intérprete, neste caso o doutorando, para compreender e reconhecer aspectos do método BPI em seu próprio corpo. Esse procedimento possibilita um aprofundamento real destes aspectos, pois muitos deles estão atrelados à experiência com o processo. E, acima de tudo, possibilita a aquisição de um conhecimento sobre o BPI que perpassa o corpo e a experiência processual – entrelaçando o aspecto prático com o teórico.

● Pesquisa Bibliográfica:

Revisão Bibliográfica – levantamento de referências, leituras e fichamentos de bibliografias vinculadas tanto às noções de estética e de experiência estética, assim como aquelas vinculadas ao método BPI, à realização de pesquisa de

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campo, à criação cênica, à metodologia de pesquisas e à análise de espetáculos;

● Pesquisa Documental:

Análise de Espetáculos - nesta fase, busca-se a realização de uma ampla e diversificada coleta de dados voltada para os espetáculos do método BPI, principalmente aqueles elaborados entre os anos de 1990 e 2012 e que contaram com a direção da professora Dra. Graziela Rodrigues. Num primeiro momento a proposta é levantar dados sobre todos os espetáculos criados neste período e, a partir de então, num segundo momento, selecionar dentre esses aqueles que possibilitam o desenvolvimento de uma análise consistente e fidedigna com o corpus da análise.

Destaca-se, portanto, a existência de três etapas metodológicas. Na primeira, há o que se denominou como a preparação do terreno para o desenvolvimento da investigação como um todo. Na segunda etapa, dá-se o desenvolvimento de uma pesquisa bibliográfica, com o levantamento e a revisão das referências utilizadas. E na terceira etapa realiza-se a triagem e a análise dos espetáculos propriamente dita. Ou seja, a primeira etapa consiste na experiência processual deste doutorando com o eixo Co-habitar com a Fonte do método BPI. Esta etapa é seguida pelas leituras e fichamentos das bibliografias sobre o método BPI, bem como sobre Estética e Experiência Estética numa relação e diálogo constante com o processo de criação cênico. Na terceira etapa, faz-se um levantamento e a preparação do material em vídeo existente, em seguida dá-se início a uma primeira coleta de impressões e notas sobre cada espetáculo. Diante dessa coleta de dados, faz-se a seleção dos espetáculos mais habilitados para compor um corpus a partir do qual se faz a análise mais verticalizada. Para o desenvolvimento da análise dos espetáculos considera-se, desde a coleta de dados, a experiência proporcionada pelo Processo BPI e as reflexões facilitadas pelas leituras. A discussão e a reflexão propostas por este estudo de doutorado serão fruto da fricção e do entrecruzamento dessas três etapas metodológicas.

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PASSO 2

Capítulo 1: Experiência com o Processo BPI: o eixo Co-habitar

com a Fonte

Capítulo 2: Sobre Estética: considerações contemporâneas

Capítulo 3: Análise dos Espetáculos do Método BPI: 1990

2012

(24)

Capítulo 1:

Experiência com o Processo BPI: o eixo Co-habitar com a Fonte

Apresentação:

Este capítulo tem como objetivo apresentar a nossa experiência com o Processo BPI, mais especificamente, a experiência com o eixo Co-Habitar com a

Fonte que, neste caso, visa ampliar a percepção deste pesquisador para o

desenvolvimento da análise dos espetáculos e aprofundar sua compreensão sobre o método BPI. Metaforicamente, esta vivência surge como uma espécie de preparação do terreno no qual, a partir de uma ampliação do olhar, das sensações e dos sentidos, será possível plantar e colher frutos que alimentarão a análise e a reflexão que se pretende realizar. No texto que se segue, serão apresentados alguns termos e definições caros ao método BPI que visam, principalmente, clarear a vivência do eixo experienciado. Também serão apresentadas algumas ferramentas que dizem respeito a todo o Processo BPI.

O texto se organiza a partir da definição do eixo Co-habitar com a Fonte, seguida por um momento mais descritivo sobre a experiência processual vivenciada, tanto com a pesquisa de campo realizada quanto com os laboratórios dirigidos. Busca-se analisar cada uma das etapas da vivência e, por fim, refletir sobre a experiência com esse eixo como um todo e inserida no contexto desta investigação1.

O Co-habitar com a Fonte:

O Co-habitar com a Fonte é um dos três eixos que estruturam o método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI). Recapitulando: os outros dois são O

Inventário no Corpo e a Estruturação da Personagem. Este eixo, ao longo dos anos

de pesquisa e desenvolvimento do método BPI, vem sendo confirmado como o núcleo da experiência com o Processo BPI, reforçando o aspecto sistêmico existente entre esses três eixos estruturadores. Rodrigues, em sua tese de doutorado (2003),

1

Ressalta-se aqui, uma vez mais, a utilização de duas pessoas no discurso conforme indicado anteriormente. Sendo que a voz em primeira pessoa busca enfatizar a experiência pessoal do doutorando, suas apreensões e reflexões a partir do processo BPI.

(25)

mais especificamente no capítulo sobre o Co-habitar com a Fonte, faz os seguintes apontamentos:

Nesta fase ocorre a saída dos espaços físicos convencionais da dança para se entrar numa realidade circundante à pessoa. O núcleo destas experiências são as pesquisas de campo, quer sejam dentro de uma cultura à margem da sociedade brasileira, porque nelas habitam corpos com outras máscaras sociais que proporcionam outros referenciais, quer sejam outros espaços cujo conteúdo/paisagem mobilizou o corpo da pessoa para investigá-lo (RODRIGUES, 2003, p. 105).

Em outra publicação, Rodrigues complementa a citação anterior indicando que:

No eixo Co-habitar com a Fonte, a relação com o outro, diferente de si, irá se realizar a partir de uma pesquisa de campo em que o intérprete escolhe. O intérprete, com o corpo aberto e reconhecido por ele mesmo, estabelece uma sintonia com o pesquisado, trabalhando um cuidadoso contato e acolhendo em seu próprio corpo o material da pesquisa. Este material diz respeito às sensações, sentimentos, movimentos e histórias, enfim, dados subjetivos e objetivos do ambiente pesquisado. Neste eixo, um aprofundamento do autoconhecimento do intérprete é oportunizado pelos tipos de relações que aqui se estabelece. A observação dos próprios sentimentos de estranheza e de identificação, em relação ao que ele vê sem julgamento, o leva ao exercício de alteridade. Os referenciais do que é a Dança e do que são os valores presentes no movimento são ampliados. Ver o mundo sob a ótica do movimento é exaustivamente exercitado. Como consequência ele adquire um “corpo cheio”. Em laboratório serão modelados vários corpos, frutos das experiências de vida do intérprete (RODRIGUES, 2010b, p. 109 –110).

Na proposta do método BPI é inevitável ao intérprete investigar-se, remexer em suas histórias pessoais, entrar em contato com emoções desconhecidas e conhecidas dele mesmo. É na escolha e na realização da pesquisa de campo que, a partir de uma relação afetiva, o intérprete se abre para o outro gerando um grande reconhecimento e respeito com os aspectos da própria identidade e do outro, ou seja, há o exercício pleno da alteridade.

Rodrigues, em sua tese, assim afirma:

Como nas demais fases do Bailarino-Pesquisador-Intérprete um pré-requisito para esta fase é que o indivíduo queira realizá-la, que ele sinalize a importância dessa experiência para si. Dentre as condições para se vivenciar esta fase está o conhecimento sensorial do pesquisador, ou seja, a sua compreensão do seu próprio corpo realizado na etapa anterior, onde foi iniciado o trabalho da sua história individual e cultural em seu corpo (o Inventário no Corpo). Nesta etapa do Co-habitar, a sua pesquisa de si mesmo dá mais um passo: ele retira os panos que cobrem as partes de

seu altar oculto, ou seja, questões profundas de sua história vêm à tona

(RODRIGUES, 2003, p. 105).2

2

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As cinco ferramentas do método BPI atuam numa dinâmica em que uma dá suporte para a outra. Todavia, a pesquisa de campo e os laboratórios dirigidos estão à frente desta experiência processual na maior parte do tempo. Sobre a dinâmica dos laboratórios dirigidos, tanto nos que sucedem como naqueles que antecedem a pesquisa de campo, Rodrigues pontua o seguinte:

Os laboratórios preparatórios, nesta fase, têm como objetivo propiciar um corpo aberto para o reconhecimento do material da pesquisa em si mesmo. Além disso, os trabalhos desenvolvidos devem favorecer um estado de centração, um estar presente e uma postura profissional. O rigor é um requisito indispensável dada a abertura de sensibilidade do corpo que pesquisa. A especificidade desta situação é a descoberta pelo pesquisador do seu próprio corpo co-habitando com a fonte (RODRIGUES, 2003, p. 106).

Segundo Rodrigues (2003, p. 109) é na interseção entre a pesquisa de campo e os laboratórios que os conteúdos ganham sentido, quando se dá a compreensão e a incorporação destes dados no corpo do intérprete em processo, como um todo. Essa autora pontua categoricamente que o “que é feito no trabalho de campo tem ressonância no corpo da pessoa. É exatamente isso que difere esta perspectiva do BPI, pois não se está querendo trazer elementos teóricos do campo e sim buscar a originalidade desse corpo que co-habita” (RODRIGUES, 2003, p. 106).

Elisa Massarioli da Costa, corroborando e confirmando as definições descritas acima, assim escreve, tendo como base as mesmas referências:

O eixo Co-habitar com a Fonte propõe ao artista realizar uma pesquisa de campo, imergindo em realidades distintas da sua, em que ele irá lidar com a quebra de máscaras e preconceitos. O intuito é adentrar na paisagem do outro, estando aberto a receber cinestesicamente impressões, gestos e afetos que compõem o campo pesquisado. O BPI propõe que esse contato seja em alguma manifestação popular ou nicho cultural brasileiro à margem da sociedade, pois a luta diária pela existência e a resistência contida nesses corpos os dotam de qualidades peculiares, que ficam evidentes nos seus rituais e festividades (COSTA, 2012, p.2).

Conclui-se, portanto, que esse eixo possibilita ao intérprete o aprofundamento de seu contato com ele mesmo a partir de uma relação afetiva com outros sujeitos e dotada de alteridade. Essa experiência potencializa a liberação e a elaboração dos conteúdos internos do intérprete em entrelaçamento com o campo pesquisado, viabilizando o alcance de uma expressividade genuína em seu processo de criação cênica. Do contato irrestrito com sua originalidade, ou, ainda, com seus gestos

vitais3, e com o campo pesquisado é que surge o delineamento de corpos, de

3

De acordo com Rodrigues (2003, p. 96), os gestos vitais estão diretamente ligados à realidade gestual do intérprete e levam-no à vitalidade para a fruição no processo criativo, liberando aspectos

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paisagens e de emoções. O produto cênico do Processo BPI será fruto da nucleação desses conteúdos sínteses que se corporificam como uma personagem. A personagem no BPI traz um nome, uma história, uma força de vida, ocupa uma paisagem bem definida e é ela quem vai guiar a estruturação do espetáculo/performance. De acordo com Rodrigues (2003), constata-se que a estética do produto cênico no BPI advém das relações travadas pelo intérprete e dos aspectos percebidos durante a pesquisa de campo do eixo Co-habitar com a Fonte. Segundo a autora (2003, p. 106), estes aspectos, por serem derivados de uma experiência com o fato vivo, são apreendidos pelo inconsciente do intérprete e se aglutinam com seus conteúdos internos, elucidando os desejos e impulsos de um fluxo criativo original.

Dessa forma, percebe-se que além de viabilizar que o intérprete se reconheça e aprofunde seu autoconhecimento, a pesquisa de campo do eixo Co-habitar com a

Fonte alimenta, inconscientemente, os aspectos e elementos estéticos do produto

cênico do BPI, além de permitir que haja certa abertura do intérprete para se conectar sensivelmente ao campo afetivo de uma realidade social. É possível compreender que o campo pesquisado aprofunda o contato do intérprete com ele mesmo através de uma relação dotada de harmonia afetiva. Como confirmado em análise apresentada por este pesquisador no seu mestrado, defendido em 2012 também sob a orientação de Rodrigues, através da sintonia afetiva com o ‘outro’ estrutura-se uma rede de afetos que viabiliza uma experiência transformadora e, acima de tudo, prazerosa para o intérprete a partir de um objetivo, ainda, maior: a criação artística (CAMPOS, 2012). Afirma-se, assim, que ao alcançar o ápice de uma autotransformação, a expressividade do produto cênico tem grande significação, não só para o artista, mas também para quem vê/frui com a obra.

Das coisasque vi, vivi e senti: relatos de uma pesquisa de campo no Método BPI

Definições da ferramenta: O que é a pesquisa de campo no método BPI?

incrustados no corpo que dizem da história de vida da pessoa. O contato com a história pessoal, impregnada no corpo do intérprete, tem sido observado a partir de uma melhor fluidez na criação cênica, onde “[...] há um maior desprendimento do corpo para articular o movimento que lhe faz sentido, como também, aumentam as condições de elaboração de movimentos com valor artístico” (ibidem).

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No ano de 2010, na tentativa de esclarecer e sanar algumas dúvidas e equívocos sobre o trabalho proposto pelo método BPI, sua criadora publicou um texto apresentando as definições das cinco ferramentas utilizadas durante o processo de criação cênica desta metodologia. Desta forma, utilizando as palavras de Rodrigues, segue a definição de pesquisa de campo, ferramenta utilizada nos três eixos do BPI e que, em cada um deles, possui objetivos específicos:

No eixo Co-habitar com a Fonte, a pesquisa de campo centraliza as experiências [que, em] grande parte, se efetivam no local da própria pesquisa. O Intérprete escolhe onde quer pesquisar, porém não significa que ele estará necessariamente trabalhando com os dados cognitivos deste lugar.

No eixo Inventário no Corpo a pesquisa será feita nos ambientes que dizem respeito ao Intérprete. No eixo Estruturação da Personagem, o local está em função da personagem incorporada, ou seja, suas necessidades de estruturação.

A Pesquisa de Campo é uma ferramenta que possibilita muito dinamismo, alocando a dramaturgia na vida. Lugar das coincidências, porque funciona como espelho para o Interprete. É o momento de ir para fora, para em seguida realizar um retorno mais profundo dentro de si.

As Pesquisas de Campo oportunizam uma gama de relações e as condutas se diferenciam em cada eixo (RODRIGUES, 2010a).

A pesquisa de campo no BPI é realizada em manifestações culturais e/ou segmentos sociais. A indicação inicial para escolha do campo considera alguns fatores primordiais para sua realização. O primeiro deles diz respeito ao intérprete, sujeito que está vivenciando o Processo BPI — é dele que surgirá o impulso ou o desejo de ir pesquisar determinado grupo. Para tanto, o intérprete passou, ou está passando, por uma preparação prévia diretamente vinculada à experiência com o eixo Inventário no Corpo. De acordo com Rodrigues (2010c), a passagem por este eixo viabiliza que o sujeito, ao ir para o campo, “tenha certa coesão de suas emoções e consiga ver as outras pessoas com um sentido de totalidade”. Durante todo o processo que antecede a realização desta pesquisa de campo há uma cuidadosa preparação que visa a abertura da percepção do intérprete. Neste sentido, Rodrigues prescreve a importância de entrar em “um estado de centração, um estar presente e uma postura profissional. O rigor é requisito indispensável dada a abertura da sensibilidade do corpo que pesquisa. A especificidade desta situação é a descoberta pelo pesquisador do seu próprio corpo co-habitando com a fonte” (RODRIGUES, 2003, p. 106).

A pesquisa de campo do eixo Co-habitar com a Fonte torna-se a espinha dorsal do Processo BPI, pois além de viabilizar que o intérprete aprofunde sua

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relação com ele mesmo através de um contato afetivo e empático com o outro, também possibilita a ampliação e dinamização tanto da potência expressiva como das suas sensações, imagens, movimentos e sentimentos. Esse “outro” está inserido num contexto periférico e à margem dos ideais e padrões vigentes, num sentido que vai do geográfico ao sociopolítico. No que concerne às manifestações populares, lida-se com a noção de resistência cultural que está cravada no corpo e na história de cada sujeito que luta para manter vivos os valores e as tradições herdadas e repassadas de geração para geração. Essa resistência cultural é considerada pelo BPI como a força de vida, como a pulsão que resiste e faz com que determinada manifestação não desapareça. É nesse contato com o fato vivo, com a experiência viva, de acordo com Rodrigues (2003, p. 109), que se torna “fundamental que o pesquisador entre em contato com o outro sem julgamentos. Isso envolve conflitos, porém quando o pesquisador redireciona os seus preconceitos ao compreendê-los, passa realmente a ver o outro e seus espelhamentos”.

Paula Caruso Teixeira, pesquisadora do método BPI, em sua dissertação de mestrado (2007) que apresenta um estudo aprofundado a partir de sua experiência com o eixo Co-Habitar com a Fonte, reforça aspectos que já haviam sido publicado por Rodrigues (1997 e 2003) e corrobora essa definição de pesquisa de campo com a seguinte indicação:

A pesquisa de campo que ocorre no Co-habitar é singular, nela o bailarino-pesquisador-intérprete não busca elementos teóricos do campo e, sim, a apreensão [c]inestésica do corpo do outro. Ele co-habita quando apreende o corpo do outro no seu; quando por algum momento, se sente parte da paisagem investigada, como se fosse o outro, sem perder a sua identidade de pesquisador (TEIXEIRA, 2007, p. 7).

Teixeira (2007, p. 104), ao fim de seu trabalho, conclui que a experiência com “o Co-habitar potencializa a expressividade e a originalidade do bailarino-pesquisador-intérprete”. Para ela, essa potencialização é um dos princípios do método BPI e possibilita que o intérprete “dance de corpo inteiro a sua verdade, seja ela qual for”.

Para concluir este tópico é possível citar, uma vez mais, a autora do método que, metaforicamente, indica:

O bailarino, ao estar no corpo a corpo na pesquisa de campo, sai do seu

próprio umbigo, participa de outros ambientes e exercita enxergar outros

corpos além do seu próprio e daqueles que foram instituídos para serem os seus modelos. O Co-habitar com a Fonte é um estado de pesquisa em que se ultrapassam os limites de mundos — do pesquisador e do pesquisado —

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e entra em contato real com a vida estabelecendo uma relação sutil com o outro (RODRIGUES, 2003, p. 108 –109).

A realização da pesquisa de campo:

A pesquisa de campo que realizei ocorreu entre os meses de outubro de 2012 e outubro de 2013. Sua realização se deu na Comunidade Negra dos Arturos, localizada em Contagem, uma das cidades que fazem parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Os Arturos, como se autoidentificam, são conhecidos hoje tanto no âmbito nacional quanto internacional, além de possuírem uma enorme representatividade no âmbito dos movimentos de reconhecimento, valorização e manutenção da cultura afro-brasileira. De acordo com dados coletados em campo, a Comunidade tem 124 anos e é formada por quatro gerações de descendentes do casal Arthur Camilo Silvério e Carmelinda Maria da Silva, ambos filhos de escravos nascidos no século XIX sob a ‘salvaguarda’ da Lei do Ventre Livre.

Para relatar esta pesquisa de campo é impossível deixar de descrever, ainda que brevemente, o histórico desta Comunidade Negra. Os Arturos se formam a partir da ocupação das terras herdadas pelo Sr. Arthur de seu pai, estabelecendo-se como um grande grupo familiar que cultivava a terra e mantinha a fé em Nossa Senhora do Rosário. Esta crença e devoção é denominada como catolicismo negro popular ou Congado. A grande família, hoje formada por mais de seiscentas pessoas, teve e tem a união e a solidariedade como base para sua manutenção e convivência. De acordo com Glaura Lucas e José Bonifácio da Luz (2006, p. 8) “a fé em Nossa Senhora do Rosário e o desejo de que a família crescesse unida e solidária alicerçam tal conjunto de valores e saberes que molda a compreensão de mundo desses descentes de escravo, lavrador — semeador — em solo brasileiro”.

Para Núbia P. M. Gomes e Edimilson de Almeida Pereira (1990) a história da Comunidade dos Arturos começa com uma promessa que o próprio Arthur fizera a si mesmo. Trata-se de uma lembrança, ainda hoje narrada e até encenada pelo grupo de teatro deles — Filhos de Zambi — onde o patriarca da família teria sido proibido por seu padrinho de dar a benção ao seu pai morto (espécie de rito fúnebre). De acordo com o mito fundador da Comunidade dos Arturos, pois é assim que este fato é tratado, mesmo diante das súplicas e tentativas de explicações do afilhado, o

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padrinho negou o pedido e, com violência, diante do clamor, quebrou-lhe os dentes com uma paulada. Arthur Camilo não pode prestar suas devidas obrigações fúnebres, nem se despediu do pai, mas prometeu para si mesmo que criaria seus filhos unidos e ao seu redor. Nas palavras de Gomes e Pereira (1990, p. 13) a história fica ainda mais clara como marco da fundação:

Muito tempo depois Arthur Camilo Silvério lembraria aquele momento, em que prometera a si mesmo que a orfandade experimentada por ele não seria vivenciada por seus filhos: haveria de criá-los em seu redor, em família, unidos em amparo mútuo. Aqui começa a história da Comunidade dos Arturos. Foi essa a primeira lição ensinada aos filhos que, distantes do processo da escravidão, viveriam todas as dificuldades de descendentes de escravos por esta informação: é preciso a união, para a resistência, é preciso o espaço-comum, para o pertencimento.

Esta história, como dito anteriormente, é encenada pelo Grupo Filhos de Zambi numa releitura crítica da Lei Áurea e da situação atual do negro no Brasil. O grupo é formado principalmente pela terceira e quarta geração dos Arturos, ou seja, os bisnetos e tetranetos do senhor Arthur. Fui convidado para assistir a uma das apresentações e pude perceber a força viva deste fato incorporada ao corpo de cada intérprete que, ali, contava não só uma história do seu bisavô, mas sim o mito essencial — o início — de toda uma trajetória de lutas, de perdas, de conquistas diante de uma realidade dura e que ainda é opressora. Além disso, pude ver a resistência cultural viva dos Arturos que diante da lembrança da dor dos seus antepassados, misteriosamente ou significativamente, faz a festa da vida. As festividades nos Arturos trazem um profundo retorno ao tempo dos antigos, dos que já se foram, daqueles que começaram e repassaram as tradições. Mas não é triste, não é doloroso, é sensível e muito vivo, transformando em festa o que outrora foi motivo de desesperança.

Importante ressaltar, também, que a Comunidade dos Arturos foi, e ainda é, um campo de pesquisa valiosíssimo para o método BPI, isso porque Graziela Rodrigues desenvolveu anos de estudo e pesquisa nesta Comunidade. Um vasto material, desde vídeos (VHS) até transcrições de áudios e entrevistas, foi disponibilizado por ela com o intuito de viabilizar um maior aprofundamento da pesquisa de campo realizada neste doutorado e que aqui se relata. Graziela Rodrigues começou a pesquisar os Arturos no ano de 1987 e possui registros de visitas que datam até o ano de 1997. E, em 1988, ela foi convidada para escrever um dos capítulos do livro “Os Arturos: Negras Raízes Mineiras” de autoria de Núbia

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Pereira de Magalhães Gomes e Edimilson de Almeida Pereira (1989). Posto isso, muitas reflexões foram tecidas por ela a respeito deste fértil e importante campo para os estudos das manifestações populares brasileiras. Reflexões estas que, somadas à infinidade de registos audiovisuais, corroboraram de maneira direta para a elaboração da Estrutura Física e Anatomia Simbólica que fazem parte da ferramenta Técnica de Dança4 do BPI.

A pesquisa de campo aqui relatada buscou a experiência e a relação com a festividade em seu sentido mais expandido, tal qual vivenciado por Rodrigues em 1987. Ou seja, extrapolando o dia de festa, adentrando nos seus entornos, pois está alicerçada no contato com o antes, o durante e o depois das festividades. Desta forma, a pesquisa abraçou o ciclo anual de festa da Comunidade dos Arturos, começando pela Festa de Nossa Senhora do Rosário em 2012 e finalizando com a Festa da Abolição – 13 de maio de 2013. Buscarei descrever a seguir cada festejo acompanhado, considerando principalmente a minha experiência em campo. Desta forma, utilizarei uma atitude mais descritiva e tendo como fio condutor os Diários de pesquisa de campo. Findada esta descrição, tentarei apresentar, ainda neste capítulo, as minhas impressões sobre o campo, momento que pretendo entremear com algumas referências bibliográficas.

Festa de Nossa Senhora do Rosário – 12 de outubro de 20125

A festa de Nossa Senhora do Rosário nos Arturos faz parte dos festejos que estão inseridos dentro do tempo denominado como Reinado de Nossa Senhora. Esta festa é realizada anualmente no início do mês de outubro e faz parte do calendário festivo e cultural da cidade de Contagem, bem como faz parte do calendário de muitas outras comunidades afro-brasileiras e de guardas de congado do estado de Minas Gerais. Digo isso, pois como uma das características deste

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Rodrigues (2010a) indica a seguinte definição: “A Técnica de Dança do BPI: o método BPI dispõe de uma grande quantidade de pesquisas de campo, em diversos segmentos sociais, incluindo-se etnias indígenas e culturas africanas no Brasil, principalmente estudadas nos rituais afro-brasileiros e nas festividades detentoras de uma forte resistência cultural. A autora estudou e decodificou as técnicas corporais aí existentes, identificando uma organização física e sensível do corpo que não é considerada na Dança erudita ou de palco. Estes estudos foram sistematizados no que veio a ser denominado como Estrutura Física e Anatomia Simbólica”.

5

Todas as fotos inseridas neste Relatório e que serão apresentadas a partir deste tópico fazem parte dos registros coletados por mim durante a pesquisa de campo realizada na Comunidade Negra dos Arturos entre os anos de 2012 e 2013.

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festejo, e nos Arturos com grande relevância, está o ato de receber outros grupos para que juntos possam louvar a Grande Mãe e os santos negros: Santa Efigênia e São Benedito. Este festejo acontece publicamente durante três dias, nos quais há uma enorme e sensível preocupação não só com o desenrolar da festa (rito) como com a sua abertura e encerramento. Entretanto, existe também um lado que é mais restrito, mais carregado de cuidados e destinado à lembrança dos antepassados, num sentido de pedir a benção e a proteção, marcando o início das festas do Reinado de Nossa Senhora. O rito mais guardado (velado) acontece na sexta-feira e é denominado Candombe, nele uma grande carga emocional invade a Capelinha dos Arturos preenchendo os devotos ali presentes de uma grande força de vida.

O sábado é o primeiro dia público da festa, é quando as duas guardas dos Arturos, o Congo e o Moçambique, hasteiam os mastros votivos contendo estandartes com as imagens dos santos de devoção e das promessas alcançadas. Os hasteamentos acontecem tanto dentro da comunidade como em dois pontos exteriores e estratégicos, são eles a Igreja de Nossa Senhora do Rosário (construída pelos Arturos na década de 1990) e a Praça Josias Belém (ponto onde durante o período da Escravidão no Brasil os negros eram comercializados).

Este movimento de hastear os mastros é dotado dos valores que integram o coletivo da comunidade. Diz de momentos significativos no qual podem ser claramente percebidos a união e solidariedade que complementam a ligação com o sagrado. Os mastros ligam céu e terra, o homem ao divino, a matéria ao sublime sacralizado, instaurando o sagrado no espaço e tempo do festejo. A emoção transborda em lágrimas dos devotos que, para além da devoção aos santos ali representados, abrem seus quintais e casas para que o estandarte seja firmado e empossado de seu valor litúrgico simbólico. O elo com o divino materializado pelo mastro será venerado e adorado durante os dias da festa que só está começando.

O domingo é o dia de ápice da festividade, pois diz do momento em que as guardas, visitantes e as de casa, cumprem sua trajetória, pagando suas promessas, agradecendo, pedindo e louvando a Senhora do Rosário. O dia começa com a Matina, uma alvorada que se inicia às quatro horas da manhã, momento em que um grupo guiado por um dos capitães segue cantando e soltando fogos até a Igreja do Rosário, onde rezam um terço aos pés da Santa venerada. Ao retornarem para as terras dos Arturos, seguem cantando músicas do Congo e do Moçambique, acordando, assim, a realeza, os capitães e os demais membros da comunidade para

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o longo dia de festa. A Matina possui uma bela conotação, que pude sentir na pele. É como se o grupo que vai até a igreja voltasse trazendo o sol, o calor, a vida, acordando o mundo, pois o dia é de festa à Nossa Senhora do Rosário. Após a Matina, todos são convidados para um café da manhã coletivo, alimenta-se o corpo para a jornada de fé daquele dia.

Foto 1 — Guarda de Congo dos Arturos reverenciando o seu Capitão Regente, senhor Antônio Maria da Silva, no terreiro bem em frente à sua casa – Festa do Rosário de 2012.

Findado o café da manhã, cada integrante segue para o momento de colocar a farda de sua respectiva guarda. Sobre as fardas, é impossível não comentar, existe um cuidado repleto de afetividade para com a vestimenta e não há farda amassada, suja e/ou mal vestida. Enquanto esperava, eu ia escutando os comentários, algo que indicava uma preocupação em estar prontamente vestido para honrar a sua devoção. Estes cuidados denotavam um zelo para com a Santa, mas também com a festa e com os companheiros. Todos os Arturos que participavam de uma das duas guardas, sem exceção, desde o mais velho ao mais novo, ao se fardarem para o Congado ganhavam, a meu ver, um brilho diferente no olhar. Instaurava-se uma força no movimentar-se, entravam num tempo outro, se

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alinhavam como os mastros hasteados na noite anterior, estabelecendo assim uma conexão do sujeito com o divino.

Os tambores do Congo batem forte dentro da Capelinha da Comunidade, alertando aos demais que é hora de seguir o caminho. O Congo sai na frente, passando pelas casas dos capitães, reverenciando os reis e rainhas daquela festa, assim como os mastros hasteados. Enquanto sai o Congo de dentro da Capela, o Moçambique entra e inicia seu repique, seguindo seu giro, repetindo os mesmos pontos traçados pela guarda anterior. Além de reverenciar a realeza esta guarda os conduzirá por todo o dia. As duas guardas seguem nesta ordem: primeiro o Congo que vai abrindo o caminho para o Moçambique que, segundo na ordem, leva com seu canto os reis e as rainhas, ou seja, os representantes divinos na festa. O cortejo segue até a Igreja do Rosário que fica a pouco mais de um quilômetro da Comunidade.

Na chegada do Congado dos Arturos à Igreja do Rosário, as guardas visitantes que já estavam por ali, em sinal de respeito e com muito entusiasmo, começam a tocar e cantar. Alguns capitães também se aproximam da bandeira do Congo e fazem reverência saudando todo o Congado dos Arturos. A polifonia, formada pelo som de todas as guardas que ali estavam, toma a Praça da Igreja criando uma paisagem de devoção que pulsa vida, fé e alegria. As guardas seguem tocando e cada uma vai girando, no seu tempo e ordem, no entorno da igreja. Há uma organização que é ao mesmo tempo complexa e fluida levando todos os devotos para dentro da igreja, sem caos ou desrespeito. Cada guarda toma um lugar nos bancos e, de repente, todos estão a postos para celebrarem a Missa Conga.

Na Missa Conga, grande parte da liturgia católica é seguida, mas, a celebração é abrilhantada pelo toque das caixas e pelos cantos do Congado. Nesta ocasião dois sacerdotes (padres) que são irmãos e cresceram na vizinhança dos Arturos, concelebraram a missa. Eles demonstraram grande respeito à Comunidade, contando histórias sobre a infância em que brincavam nas terras dos Arturos. Contudo, um enorme desconforto foi sentido durante a homilia, pois um dos padres falava sobre fé desconsiderando a realidade das comunidades negras. Esse desconforto não foi sentido só por mim. Outras pessoas, mais tarde, também compartilharam comigo essa sensação. O interessante foi perceber a força dos congadeiros que estavam ali escutando, a resposta ao que foi dito pelo sacerdote veio no canto do Credo ou Profissão de Fé que encheu a igreja com uma força e

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intensidade inigualáveis. Na minha percepção, a resposta soou como uma afirmação da resistência cultural das comunidades afrodescendentes ali presentes. Terminada a Missa Conga, as guardas visitantes foram guiadas pelo Congo e seguidas pelo Moçambique dos Arturos, perfazendo um novo giro no entorno da Igreja e seguindo para as Terras da Comunidade. Mais uma vez a polifonia do Congado tomava conta da praça e agora ia se estendendo pelas ruas até a Comunidade.

Foto 2 — Guarda de Moçambique do Arturos saindo pela porteira da Comunidade em direção a Igreja do Rosário já no fim do dia. Festa do Rosário de 2012.

Não consegui perceber como, mas vi que cada guarda recebia indicações do trajeto que deveria ser feito dentro da Comunidade dos Arturos. O que pude perceber é que os capitães das guardas da Comunidade se dividiram e cada um acompanhava um dos grupos visitantes. Os trajetos eram os mais variados, eles passavam pelos mastros hasteados, pelos três Cruzeiros da comunidade e entravam na Capela, onde se demoravam um pouco mais. Ao todo, naquele ano de 2012, vinte e três guardas visitaram a Festa do Rosário. Depois de passarem pelo trajeto indicado, algumas das guardas começavam a pagar suas devidas promessas enquanto outras eram encaminhadas para o almoço servido no refeitório da Casa

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Paterna. Para o almoço um esquema muito delicado e cuidadoso é estabelecido, como o espaço era limitado seria necessário que cada guarda fosse fazer a refeição por vez. No fim todos os visitantes e Arturos foram alimentados, esse processo durou mais ou menos três horas. As guardas, ao fim do almoço oferecido pela Comunidade dos Arturos, fazem um lindo canto em agradecimento, pedindo benção para as cozinheiras que cumprem a sua função na Festa do Rosário cozinhando para a multidão de devotos, congadeiros ou não. O almoço foi algo que me proporcionou uma experiência muito singular em meu processo, lidar com a minha própria sensação de fome durante o dia de giro com o Congado e a Festa do Rosário me forçou a buscar uma autorreflexão sobre minhas ações e vontades.

Não houve após o almoço nenhuma pausa e por volta de umas cinco horas da tarde começou uma nova organização do cortejo de retorno para a igreja. De certa forma, trata-se de um retorno das guardas para seus locais de origem. Ainda durante a tarde algumas guardas cumpriram suas obrigações e foram embora, talvez pela distância e/ou condições de transportes. Soube com isso que muitas vezes os ônibus são arranjados numa espécie de permuta ou favor, sendo assim, em alguns casos o tempo para estar na Festa é bem restrito. Entretanto, o mais importante é cumprir com a obrigação, ou seja, com a devoção e tradição passada de geração em geração e com a promessa que deve ser mantida. O retorno à Igreja é também a finalização do dia, os Arturos foram receber e também vão se despedir com gratidão das guardas que vieram fazer a Festa do Rosário acontecer. Ao chegarem à frente da Igreja uma apoteose acontece, fogos de artifícios, sinos badalando, o som das músicas cantadas é ampliado em caixas de som no alto da torre e as guardas são recebidas para a celebração de mais uma missa. Os corpos cansados, mas atentos, recebem a benção e seguem para suas casas.

A Festa do Rosário nos Arturos, entretanto, ainda não terminou. Na segunda-feira uma nova missa é rezada, agora na Capela da Comunidade, e ao fim do dia todos os Mastros são arriados. O arriamento dos Mastros votivos acontece com a mesma devoção e respeito do dia do seu hasteamento. Tudo isso porque o símbolo do elo entre céu e terra, do divino com o humano, não deixa de existir. Tanto o pau do mastro quanto os estandartes são cuidadosamente retirados e guardados em locais especiais preparados para isso. A festa se encerra na Capelinha do Arturos com muitas preces e vivas emocionados com o peso e valor de terem cumprido sua devotada obrigação de filhos de Nossa Senhora. O corpo está materialmente

Referências

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