• Nenhum resultado encontrado

A aplicabilidade da justiça restaurativa na responsabilização pela prática de atos infracionais cometidos por adolescentes

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A aplicabilidade da justiça restaurativa na responsabilização pela prática de atos infracionais cometidos por adolescentes"

Copied!
54
0
0

Texto

(1)

UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

LAYLANA ANDERLE ZAMBON

A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA RESPONSABILIZAÇÃO PELA PRÁTICA DE ATOS INFRACIONAIS COMETIDOS POR ADOLESCENTES

Três Passos (RS) 2018

(2)

LAYLANA ANDERLE ZAMBON

A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA RESPONSABILIZAÇÃO PELA PRÁTICA DE ATOS INFRACIONAIS COMETIDOS POR ADOLESCENTES

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Ester Eliana Hauser

Três Passos (RS) 2018

(3)

Dedico este trabalho à minha família, por todos os valores humanos, sociais, morais e políticos me ensinados e pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha vida. Vocês são e sempre serão minha base e fonte de inspiração e não há palavras para expressar minha gratidão a vocês por tudo o que fizeram e fazem por mim.

(4)

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Irma e Eleno, e à minha irmã Cynthia, por todo o apoio e incentivo de sempre, e pelo reconhecimento e valorização de minhas conquistas. É impossível expressar em palavras toda a gratidão e amor que sinto por vocês, só posso agradecer a Deus por me permitir viver e crescer nessa família que tanto amo e admiro. Obrigada e saibam que vocês são os destinatários dos meus mais lindos e intensos sentimentos.

À minha orientadora, Professora Ester Eliana Hauser, principalmente pela pessoa que é, pela sensibilidade e humanidade, e pelo excepcional trabalho que exerce, tanto na docência, quanto nas inúmeras atividades que desempenha em prol da dignidade do ser humano. Tenha certeza que lhe admiro muito e que és uma de minhas inspirações. Obrigada por aceitar mergulhar nessa jornada comigo, bem como pela paciência, comprometimento e diligência para comigo.

Por fim, mas não menos importante, quero agradecer imensamente à Deus por conseguir concluir mais uma linda etapa da minha vida. Obrigada por me guiar pelo caminho da sensibilidade, bondade e humanidade. Apesar das dificuldades, sei que estou passando por tudo aquilo que devo passar e que é tudo em prol da minha evolução como ser humano. Gratidão.

(5)

“Importante não é ver o que ninguém nunca viu, mas sim, pensar o que ninguém nunca pensou sobre algo que todo mundo vê.” Arthur Schopenhauer

(6)

RESUMO

O presente estudo destina-se à investigação da aplicabilidade dos procedimentos propostos no âmbito da Justiça Restaurativa como forma alternativa de responsabilização de adolescentes autores de atos infracionais, propondo-se a verificar a efetividade e concretização das prerrogativas inerentes às medidas socioeducativas propostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio da aplicação de medidas de natureza restaurativa. Verificando a realidade da execução de medidas socioeducativas na responsabilização de adolescentes autores de atos infracionais e enfatizando sua total ineficácia, busca demonstrar a concretização dos direitos e garantias individuais e sociais estabelecidos pela doutrina da proteção integral adotada pelo ECA, pela ótica restaurativa de responsabilização de atos infracionais.

Palavras-Chave: Justiça Restaurativa. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medidas Socioeducativas. Doutrina da Proteção Integral.

(7)

ABSTRACT

The present study aims to investigate the applicability of the procedures proposed in the scope of Restorative Justice as an alternative form of accountability of adolescents responsible for infractions, proposing to verify the effectiveness and concretization of the prerogatives inherent to the socio-educational measures proposed by the Statute of the Child and Adolescent, through the application of measures of a restorative nature. Verifying the reality of the execution of socio-educational measures in the accountability of adolescents responsible for infractions and emphasizing their total ineffectiveness, seeks to demonstrate the realization of individual and social rights and guarantees established by the doctrine of comprehensive protection adopted by the ECA, by the restorative viewpoint of accountability of infringements acts.

Keywords: Restorative Justice. Child and Adolescent Statute. Educational measures. Doctrine of Integral Protection.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 9

1. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A

RESPONSABILIZAÇÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO

INFRACIONAL... 12 1.1 A proteção da infância na Constituição Federal de 1988... 13 1.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Doutrina da Proteção Integral... 15 1.3

1.4

O conceito de ato infracional e as medidas socioeducativas... A realidade do sistema de execução de medidas socioeducativas e o fracasso das políticas de proteção integral em relação ao adolescente autor de ato infracional...

20 24

2. A APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO SISTEMA

SOCIOEDUCATIVO... 28 2.1 Justiça Restaurativa: antecedentes, conceitos fundamentais e aspectos normativos... 29 2.2 Retribuição x Restauração... 34 2.3 A execução das medidas socioeducativas a partir da lei do SINASE e a aplicação

de mecanismos restaurativos... 37 2.4 A aplicação da Justiça Restaurativa no âmbito da justiça infantojuvenil

brasileira... 39 CONCLUSÃO... 47 REFERÊNCIAS... 50

(9)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho dedica-se ao estudo da aplicabilidade dos procedimentos propostos no âmbito da justiça restaurativa como forma alternativa de responsabilização de adolescentes autores de atos infracionais. O estudo pretende verificar a efetividade e concretização das prerrogativas inerentes às medidas socioeducativas propostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio da aplicação de medidas de natureza restaurativa, realizando uma análise das práticas restaurativas e de sua capacidade de promover, na prática, o propósito das medidas socioeducativas.

Tendo por referência as premissas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que consagrou a doutrina da proteção integral e estabeleceu um sistema especial de responsabilização para adolescentes autores de atos infracionais, baseado em estratégias pedagógicas de inserção e de afirmação da dignidade do acusado, bem como, a realidade do sistema de execução de medidas socioeducativas no Brasil, em grande medida marcado pelo fracasso estatal, tendo em vista o descompasso entre o texto legal e a realidade, frente às dificuldades de efetivação do caráter pedagógico e de garantia dos direitos individuais e sociais de crianças e adolescentes, o presente estudo busca compreender: a) quais são os fundamentos conceituais da Justiça Restaurativa, seus mecanismos e métodos de aplicação e, em que medida tais estratégias podem contribuir no processo de aplicação e execução de medidas socioeducativas? b) em que medida os mecanismos restaurativos são adequados e podem responder as dificuldades hoje presentes na justiça infantojuvenil, levando em conta a dimensão educativa da restauração? c) de que modo, por meio das práticas restaurativas, pode se consolidar um sistema socioeducativo que responda as necessidades dos adolescentes autores de atos infracionais?

(10)

A crise no sistema socioeducativo, mais especificamente na execução das medidas socioeducativas, principalmente quando se tomam como referência os fins pedagógicos e de reinserção propostos, é bastante perceptível no campo da justiça infanto-juvenil. Ao estabelecer uma política de proteção integral, o Estatuto da Criança e do Adolescente, impôs um tratamento diferenciado ao adolescente autor de ato infracional, em contraposição àquele dispensado ao adulto que comete um crime. Entretanto, o que se percebe, na prática, é que o sistema acaba por não adequar as premissas da doutrina de proteção integral aos centros de detenção juvenil, visto que tais unidades apresentam-se estrutural e ideologicamente como “minipresídios”, guardando grandes semelhanças com o sistema punitivo de adultos, o qual se pauta pela ótica retributiva de responsabilização e, assim, efetivando seu objetivo desacertado de punir o infrator e intimidar os demais adolescentes, sem se preocupar com o futuro dos envolvidos.

A ineficiência do sistema de punição infanto-juvenil é evidente, posto isso, há de se encontrar uma solução para que a desarmonia entre o texto legal e a realidade fatídica se torne cada vez mais imperceptível. Nesse diapasão, o presente estudo busca trazer a lume uma possibilidade de resolver ou, no mínimo, amenizar a problemática mencionada: a aplicação de mecanismos restaurativos para adolescentes em conflito com a lei.

Diante da hipótese apresentada, o presente trabalho se propõe a estudar a aplicação da justiça restaurativa como alternativa de responsabilização pelos atos infracionais cometidos por jovens, por meio do processo de diálogo entre as partes envolvidas e dos acordos restaurativos, bem como compreender em que medida as estratégias por ela propostas vem ao encontro da doutrina de proteção integral preconizada no ECA, especialmente por propor um tratamento baseado no reconhecimento da dignidade humana.

Para tanto, em um primeiro momento propõe-se verificar a realidade da execução de medidas socioeducativas na responsabilização de adolescentes autores de atos infracionais, enfatizando sua total ineficácia. E, posteriormente, demonstrar a concretização dos direitos e garantias individuais e sociais estabelecidos pela doutrina da proteção integral adotada pelo ECA, pela ótica restaurativa de responsabilização de atos infracionais.

A principal justificativa para o tema proposto é a indiscutível ineficácia das medidas socioeducativas atualmente aplicadas que em nada cumprem seu papel de conscientizar,

(11)

educar e ressocializar o jovem, de forma que não venham a reincidir na prática criminosa. Nesse ínterim, a temática possui um estudo direcionado a aplicação de mecanismos restaurativos como alternativa de solução da crise no sistema de punição juvenil. É, pois, com o intuito de contribuir, senão para que a aplicabilidade dessa perspectiva de responsabilização no âmbito da justiça infantojuvenil se torne efetiva, ao menos para fomentar o debate e enriquecer a reflexão sobre a matéria que, frise-se, é detentora de grande relevância.

A técnica de pesquisa empregada ao presente trabalho é a bibliográfica, utilizando no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas, disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, e documental. Na sua realização será utilizado o método de abordagem monográfico e, quanto ao método de pesquisa, o hipotético-dedutivo.

(12)

1 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A RESPONSABILIZAÇÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL

A partir do histórico ano de 1988, com a promulgação da Constituição Federal do Brasil, pela primeira vez, uma Carta Constitucional no país abordou a questão da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, adotando a chamada Doutrina da Proteção Integral e consagrando o Princípio da Prioridade Absoluta, preceitos que asseguram às crianças e adolescentes a primazia no atendimento e satisfação de todas as suas necessidades e garante seus direitos fundamentais de extrema relevância, assim elencados no art. 227 do texto constitucional.

A partir do comando constitucional, no ano de 1990, o legislativo brasileiro promulgou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), abarcando os direitos fundamentais de crianças e adolescentes e reconhecendo os menores como pessoas em desenvolvimento detentoras de prioridade absoluta do Estado e de proteção integral, estabelecendo um sistema especial no que concerne à responsabilização criminal dos adolescentes em contraposição àquele dispensado aos adultos.

Baseado em estratégias pedagógicas de inserção e de afirmação da dignidade de adolescentes autores de atos infracionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê e sanciona medidas socioeducativas com caráter pedagógico e sancionatório, as quais asseguram – ou deveriam assegurar – de forma digna os preceitos constitucionais em relação aos menores, buscando a conscientização, educação e reinserção social plena do jovem.

Nessa perspectiva, ao reconhecer a vulnerabilidade e o direito de cuidados e proteção especiais concernentes às crianças e adolescentes, o ECA estabelece mecanismos de responsabilização diferenciados e, ao menos quando de sua idealização, eficazes com o propósito de desvincular o Direito Penal das sanções dispostas no Estatuto.

Feitas essas primeiras colocações, esclarece-se que o presente capítulo tem por objetivo analisar o tema histórica e conceitualmente, perpassando pela proteção da infância no Brasil, antes e depois do Constituição Federal de 1988, além de analisar as premissas do Estatuto da Criança e do Adolescente, enfatizando seu tratamento no que diz respeito à responsabilização infantojuvenil pela prática de atos infracionais, estabelecendo os conceitos

(13)

de ato infracional e medidas socioeducativas. Por fim, busca-se demonstrar a indiscutível crise no sistema socioeducativo, visto a evidente desarmonia entre o texto legal e a realidade do sistema de execução de medidas socioeducativas, a fim de possibilitar a posterior averiguação da aplicação de mecanismos restaurativos como forma alternativa de responsabilização, objeto deste estudo.

1.1 A proteção da infância na Constituição Federal de 1988

As crianças e adolescentes nem sempre foram protegidos juridicamente no Brasil. Até o século XX, os menores de dezoito anos eram considerados objetos de direito para a justiça, isso quer dizer que a infância era um mero objeto de intervenção estatal, “[...] onde a criança era vista como problema social, um risco à estabilidade, às vezes até uma doença à ordem social [...]” (CUSTÓDIO; VERONESE, 2009, p. 68)

Nessa esteira, a chamada Doutrina da Situação Irregular, adotada pelo revogado Código de Menores de 1979, considerava os menores como objeto da norma quando se encontravam em situação de “patologia social”, assim definida legalmente no artigo 2º do referido texto legal revogado. Tal perspectiva doutrinária, segundo João Batista Costa Saraiva (2002, p. 14), “parte do pressuposto que haveria uma situação regular, padrão, e que a criança e o adolescente tornam-se interesse do direito especial quando apresentam uma “patologia social”, a chamada situação irregular, ou seja, quando não se ajusta ao padrão estabelecido”.

Dessa forma, a Doutrina da Situação Irregular não atingia a totalidade de crianças e adolescentes, mas tão-somente alcançava àqueles que representavam um perigo à ordem social, entendidos como tais, os delinquentes, infratores, pobres, abandonados, expostos, que recebiam a mesma resposta assistencialista, repressiva e institucionalizante do Estado. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2009, p. 68). Assim, pela ideologia da Doutrina da Situação Irregular, formaram-se grandes institutos para menores, nos quais abrigavam autores de atos infracionais juntamente com abandonados e/ou vítimas de maus-tratos, visto que não se distinguia a condição das situações irregulares. (SARAIVA, 2002, p. 14)

Em 20 de novembro de 1989, a Organização das Nações Unidas em Assembleia Geral, a partir de discussões internacionais sobre o tema, à luz do principio do reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana proclamados na Carta das Nações

(14)

Unidas de 1945 e com o escopo de proteger a infância e promover a assistência especial à criança, nos termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, redigiu a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, a qual consolidou um corpo de legislação internacional denominado “Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança”, estabelecendo, assim, as regras básicas das Nações Unidas para administração da justiça de menores, proteção dos jovens privados de liberdade e as diretrizes para a prevenção da delinquência juvenil. (ALBERNAZ JÚNIOR; FERREIRA, 2017)

Nesse diapasão, o corpo de legislação internacional acima mencionado, oriundo da ONU, com força de lei interna para os países signatários, entre os quais o Brasil, o qual promulgou a Convenção em lume por meio do Decreto n.º 99.710, de 21 de novembro de 1990, modificou total e definitivamente a antiga doutrina da situação irregular e consagrou a vigente Doutrina de Proteção Integral. (SARAIVA, 2002)

Norteada em textos e documentos internacionais oriundos da ONU, a Doutrina de Proteção Integral parte da ideia de que todos os direitos da criança e do adolescente devem ser universalmente reconhecidos. Segundo João Gilberto Lucas Coelho (1990, p. 3):

São direitos especiais e específicos, pela condição de pessoas em desenvolvimento. Assim, as leis internas e o direito de cada sistema nacional devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas de até 18 anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, saúde, educação, convivência, lazer, profissionalização, liberdade e outros.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 adotou a Doutrina da Proteção Integral, consagrando-a em seu art. 227, o qual, de forma muito assertiva, estabelece no caput que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 2017, grifo nosso)

Foi nesse momento histórico que, pela primeira vez, a Carta Constitucional brasileira abordou a questão da criança e do adolescente, consagrando o Princípio da Prioridade Absoluta como preceito fundante da ordem jurídica, o qual estabelece as diretrizes para uma

(15)

politica pública que priorize crianças e adolescentes, reconhecidos em sua condição de pessoas em desenvolvimento, conferindo à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade na proteção e garantia dos direitos das crianças e adolescentes elencados no texto constitucional e leis esparsas (SARAIVA, 2002)

Veja-se que o texto constitucional brasileiro, vigorando desde 1988, antecipou-se à Convenção em lume, uma vez que o texto da ONU veio a ser aprovado no ano de 1989 e entrou em vigor apenas em 1990, todavia, a convenção possui um histórico de elaboração de dez anos e sua origem remete ao ano de 1979, Ano Internacional da Criança. (SARAIVA, 2002)

1.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Doutrina da Proteção Integral

A partir da nova realidade brasileira, em que a Constituição Federal de 1988, mesmo que implicitamente, rompeu definitivamente com a doutrina da situação irregular até então em vigor, estabelecendo como diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes a doutrina de proteção integral, certo era convir que o país carecia indubitavelmente de um sistema legal infraconstitucional que abarcasse as novas conquistas e princípios da Carta Magna relativamente à matéria. (CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 1992)

Foi assim que quase dois anos após o advento da maior lei brasileira, agindo de forma coerente com o texto constitucional e documentos internacionais aprovados com amplo consenso da comunidade das nações (CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 1992), o legislativo brasileiro aprovou, em 13 de julho de 1990, a Lei Federal n.º 8.069, a qual dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 2017), assegurando aos destinatários da norma – crianças e adolescentes – garantias a seus direitos fundamentais, fazendo valer os princípios da Doutrina de Proteção Integral, base doutrinária do referido Estatuto e, assim, reconhecendo os menores como sujeitos de direitos e não simples objetos de tutela, considerando-os como pessoas em desenvolvimento detentoras de prioridade absoluta do Estado.

A gama de direitos elencados basicamente no art. 227 da Constituição Federal, os quais constituem direitos fundamentais, de extrema relevância, não só pelo seu conteúdo como pela sua titularidade, devem, obrigatoriamente, ser garantidos pelo Estatuto, e uma forma de tornar

(16)

concreta essa garantia deu-se, justamente, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual tem a nobre e difícil tarefa de materializar o preceito constitucional. (VERONESE, 1996, p. 94)

Deste modo, para Veronese (1996), o advento de uma legislação que tratasse crianças e adolescentes como sujeitos de direitos era imperativo e indispensável, evitando que as normas constitucionais não passassem de meras intenções. Sendo crianças e adolescentes titulares de direitos próprios e especiais, em razão de sua condição específica de pessoas em desenvolvimento, tornou-se necessária a existência de uma proteção especializada, diferenciada, integral. (MULLER, 2017)

A respeito leciona Saraiva (2002, p. 16):

A ideologia que norteia o Estatuto da Criança e do Adolescente se assenta no princípio de que todas as crianças e adolescentes, sem distinção, desfrutam dos mesmos direitos e sujeitam-se a obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento que desfrutam, rompendo, definitivamente, com a ideia até então vigente de que os Juizados de Menores seriam uma justiça para os pobres, posto que, analisada a doutrina da situação irregular se constatava que para os bens-nascidos [sic], a legislação baseada naquele primado lhes era absolutamente indiferente.

O artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece a proteção complementar instaurada pela nova doutrina, ao afirmar que à criança e ao adolescente são garantidos todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, bem como são sujeitos a proteção integral. Nesse dispositivo fica evidenciado o principio da igualdade de todas as crianças e adolescentes, o qual entende que não há categorias distintas de crianças e adolescentes, apesar de estarem em situações sociais, econômicas e culturais diferenciadas.

A introdução da Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente no ordenamento jurídico brasileiro, consubstanciada na Constituição Federal de 1988, a partir do artigo 227 e, com maior intensidade, após a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, instaurou um sistema de proteção especializado, fazendo crianças e adolescentes sujeitos dos direitos fundamentais atribuídos a todos os cidadãos e ainda titulares de direitos especiais, com base na sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. (MULLER, 2017)

(17)

Diversos são os direitos fundamentais consagrados pelos referidos diplomas legais, encontrando-se, entre eles, o direito à vida, saúde, alimentação, educação, à profissionalização, ao lazer, à cultura, à liberdade, dignidade e ao respeito.

Dito isto, frente a essa extensa gama de direitos fundamentais, no tocante ao assunto em estudo, importante ponderar acerca dos principais direitos conferidos às crianças e adolescentes. O direito à educação, previsto no texto constitucional em seus arts. 205 a 214, busca conferir suporte ao desenvolvimento das crianças e adolescentes para garantir o crescimento sadio, nos aspectos físico, cognitivo, afetivo e emocional. Veronese e Oliveira (2008) esclarecem ser o direito ao acesso à educação regular expresso na Lei Maior, um dos direitos humanos fundamentais e que isto se deve à relação existente entre educação e cidadania.

Por sua vez, o direito ao respeito é descrito no art. 17 do ECA como a “inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (BRASIL, 2018). Para Dallari e Korzack (1986, p. 21), “[...] É preciso reconhecer e não esquecer em momento algum, que, pelo simples fato de existir, a criança já é uma pessoa e por essa razão merecedora do respeito que é devido exatamente na mesma medida a todas as pessoas.”

Ademais, quando ao direito à dignidade assegurada aos menores, reafirma o art. 18 do ECA, ser dever de todos zelar pela suprema dignidade de crianças e adolescentes, pondo-os a salvo de qualquer forma de tratamento desumano, aterrorizante, constrangedor, bem como qualquer espécie de violência, seja a violência física, a psicológica ou a violência moral.

Nas palavras de Ana Paula Motta Costa (2012, p. 133):

A Doutrina da Proteção Integral, tem significado e sentido contextualizado e deve ser entendida como proteção especial aos direitos da pessoa em desenvolvimento, e não das pessoas em si. Caso contrário, continuar-se-ia a considerar a pessoa como se objeto fosse, o que fez parte da tradição histórica do tratamento de crianças e adolescentes pela sociedade e pelo Estado.

(18)

Ainda, segundo Andréa Rodrigues Amin (2013, pag. 52), a Doutrina da Proteção Integral pode ser conceituada como “um conjunto de enunciados lógicos, que exprimem um valor ético maior, organizada por meio de normas interdependentes que reconhecem criança e adolescente como sujeitos de direitos”.

Como já discorrido acima, a chamada Doutrina da Situação Irregular, adotada pelo revogado Código de Menores de 1979, considerava os menores como objeto da norma quando se encontravam em situação de risco, ou seja, tal doutrina não atingia a totalidade de crianças e adolescentes, mas tão-somente alcançava àqueles que representavam um perigo à ordem social. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2009).

Vale mencionar que consideravam-se em “situação de risco” aquelas crianças e adolescentes que se encontravam fora dos moldes sociais propostos na época, isto é, em condições “desviantes”, compreendendo, nesse ínterim, os infratores, carentes, inadaptados ou abandonados pela própria sociedade.

Tornando as crianças e adolescentes sujeitos de direitos e introduzindo um novo paradigma para os direitos das crianças e adolescentes, inclusive com mudanças terminológicas e principiológicas, a Doutrina da Proteção Integral, incorporou nos arts. 98 a 102 do ECA, as chamadas medidas protetivas, as quais são destinadas à crianças, aquelas com idade entre 0 a 12 anos, e adolescentes, de 12 a 18 anos, sempre que “forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, e em razão de sua conduta” (SARAIVA, 2002).

Entre as medidas de proteção previstas nos incisos do art. 101 do ECA, encontram-se atualmente as seguintes:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

(19)

VII - acolhimento institucional;

VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; IX - colocação em família substituta.

Importante destacar, que tais medidas protetivas são aplicáveis tanto para crianças quanto para adolescentes, sendo utilizadas para ambos quando se encontram em situação de risco e/ou vulnerabilidade, e algumas delas para adolescentes quando estão em conflito com a lei.

O ECA prevê um conjunto de direitos e garantias que podem ser divididos, em três grandes sistemas, aquele que trata das políticas públicas que devem ser dirigidas a todos os adolescentes, independente da situação em que estejam, o segundo que elenca as medidas dirigidas a crianças e adolescentes que correm algum risco pessoal ou social e não cometeram ato infracional e um terceiro sistema que trata especificamente dos adolescentes em conflito com a lei.

Nessa perspectiva, para João Batista Saraiva:

Este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas), prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção terciária (medidas socioeducativas), opera de forma harmônica, com acionamento gradual de cada um deles. Quando a criança e o adolescente escapar ao sistema primário de prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflito com a lei, atribuindo-se a ele a prática de algum ato infracional, o terceiro sistema de prevenção, operador das medidas socioeducativas, será acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamente de sistema de Justiça (Polícia/Ministério Público/Defensoria/Judiciário/Órgãos Executores das Medidas Socioeducativas) (SARAIVA, 2010, p. 10-11).

Assim, esses três sistemas se complementam e representam, por meio da descentralização das políticas infanto-juvenis previstas no ECA, uma partição de responsabilidades entre instituições nacionais, estaduais e municipais. Dessa forma, o afastamento da família e/ou a internação em instituições socioeducativas, que eram práticas recorrentes na legislação sob a perspectiva da doutrina da situação irregular são agora adotadas apenas em situações extremas, em último caso.

Em relação a prioridade absoluta, Liberati (2003, p. 47) entende como estar a criança e o adolescente em primeiro lugar na escala de preocupações dos governantes, devendo ser

(20)

atendidas as necessidades das crianças e adolescentes em primeiro lugar. Nesse sentido, exemplifica:

Por absoluta prioridade, entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deverão asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc, porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto, que ficam para demonstrar o poder do governante.

O parágrafo único do art. 4º do ECA explicitou a garantia da prioridade absoluta como sendo:

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (BRASIL, 2017)

Para o Estatuto em lume, conforme preconizado em seu art. 2º, considera-se criança “a pessoa de até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 2017). Além disso, segundo o parágrafo único do mesmo dispositivo legal, excepcionalmente, aplica-se o estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade, nos casos previstos em lei.

1.3 O conceito de ato infracional e as medidas socioeducativas

Ao estabelecer uma proteção especial à criança e adolescente, garantindo prioridade absoluta de atendimento e satisfação das suas necessidades, o Estatuto da Criança e do Adolescente previu um tratamento diferenciado na responsabilização de adolescentes pela prática de atos infracionais.

Registre-se, por pertinente, que a conduta delituosa da criança ou adolescente é denominada tecnicamente de ato infracional, restando tal termo conceituado no ECA em seu art. 103, o qual refere que “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (BRASIL, 2017). Dessa forma, ato infracional nada mais é do que todo

(21)

fato típico, considerado como crime ou contravenção penal, termos estes adotados quando o infrator se tratar de pessoa adulta.

Importante ressaltar, inicialmente, que as sanções previstas no referido ordenamento jurídico para aqueles que pratiquem ato infracional, as quais serão tratadas a seguir, são aplicáveis somente aos adolescentes entre 12 e 18 anos de idade, sendo que às crianças que contam com até doze anos, aplicam-se as chamadas medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA.

Posto isso, é cediço que os menores de dezoito anos são detentores de inimputabilidade penal, a qual se trata de uma causa de exclusão da responsabilidade penal. Deste modo, no ato infracional inexiste o elemento culpabilidade do fato, estabelecendo-se, assim, a ausência de culpa na conduta infracional do adolescente.

Todavia, o fato de os adolescentes não responderem penalmente por atos delituosos não os faz irresponsáveis. Nesse paradigma, essa ausência de imputabilidade não pode ser confundida com impunidade, o que infortunadamente ocorre na sociedade brasileira. Para Saraiva (1995, p. 34):

O clamor social em relação ao jovem infrator - menor de 18 anos - surge da equivocada sensação de que nada lhe acontece quando autor de infração penal. Seguramente a noção errônea de impunidade se tem revelado no maior obstáculo à plena efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente (LGL\1990\37), principalmente diante da crescente onda de violência, em níveis alarmantes. A criação de grupos de extermínio, como pseudo-defesa da sociedade, foi gerada no ventre nefasto daqueles que não percebem que é exatamente na correta aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (LGL\1990\37) que está a salvaguarda da sociedade. Todo o questionamento que é feito por estes setores parte da superada doutrina que sustentava o velho Código de Menores, que não reconhecia a criança e o adolescente como sujeitos, mas meros objetos do processo. Daí crerem ser necessário reduzir a idade de imputabilidade penal para responsabilizá-los. Engano ou desconhecimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao reconhecer os jovens, entre 12 e 18 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades, prevê mecanismos de responsabilização destes adolescentes que podem acarretar, inclusive, em privação de liberdade. (SARAIVA, 1995)

(22)

Ao adotar a doutrina de proteção integral, o referido Estatuto oferece um sistema diferenciado de responsabilização por atos infracionais, com caráter pedagógico e sancionatório: as medidas socioeducativas; de modo que asseguram – ou deveriam assegurar –, de forma digna, direitos fundamentais dos adolescentes, considerando sua vulnerabilidade e condição de pessoas em desenvolvimento, carecedoras de cuidados e proteção especiais.

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê e sanciona medidas socioeducativas, ao menos quando de sua idealização, eficazes, estabelecendo:

(...) possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator, não sentenciado - inclusive em parâmetros mais abrangentes que o Código de Processo Penal (LGL\1941\8) destina aos imputáveis na prisão preventiva -, e oferece uma gama larga de alternativas de responsabilização, cuja mais grave impõe o internamento sem atividades externas. (SARAIVA, 1995, p. 33)

Nessa perspectiva, o art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente elenca as medidas socioeducativas inerentes a prática de ato infracional, vejamos:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. (BRASIL, 2017)

Assim, desde que decorra de apreciação judicial e de competência do Juiz, conforme dispõe a Súmula 108 do Superior Tribunal de Justiça, é plenamente possível à aplicação das sanções acima expostas, sendo importante frisar que tais medidas não possuem natureza de pena e sim de medida socioeducativa.

Constituindo a resposta estatal ao adolescente que cometeu ato infracional, as medidas socioeducativas buscam a conscientização, educação e reinserção social plena do jovem. Nas palavras de João Batista Costa Saraiva (2002, p. 23), “a medida socioeducativa tem natureza sancionatória, porém com conteúdo prevalentemente pedagógico”.

(23)

Tais providências estatais podem ser aplicadas em meio aberto, como é o caso da prestação de serviços à comunidade ou com privação da liberdade do infrator, como quando ocorre a internação do menor em estabelecimento educacional.

Nesse ínterim, importante diferenciar as medidas socioeducativas em meio aberto e aquelas cumpridas em meio fechado, chamadas privativas de liberdade. Essas últimas são impostas por juízes das Varas de Infância e Juventude em casos extremos, como última alternativa, ou seja, como última instância e pelo menor período de tempo que for apropriado. Em nossa legislação, há três medidas socioeducativas em meio fechado destinadas à adolescentes em conflito com a lei, quais sejam: a internação propriamente dita, a internação provisória e a semiliberdade. Já as medidas prestadas em meio aberto, como o próprio nome já diz, não compreendem privação de liberdade do adolescente. Tais medidas são ideologicamente de caráter predominantemente educativo, constituindo uma forma de repreensão judicial ao jovem em conflito com a lei. Entre as medidas socioeducativas em meio aberto estão a advertência, a obrigação de reparar o dano e a prestação de serviços à comunidade.

No contexto do ordenamento jurídico disciplinar do ECA, estão previstas as seguintes medidas socioeducativas em meio aberto: a advertência, preconizada no art. 115 do ECA, a qual se trata de uma espécie de repreensão judicial e possui o objetivo de sensibilizar e esclarecer o adolescente sobre as consequências de uma reincidência na prática infracional; a obrigação de reparação do dano, art. 116 do ECA, que como o próprio nome já diz, é o ressarcimento por parte do adolescente do dano ou prejuízo causado à vítima; a prestação de serviços à comunidade, consubstanciada no art. 117 do ECA, que consiste na realização de tarefas gratuitas e de interesse comunitário por parte do adolescente em conflito com a lei, durante um período máximo de seis meses e oito horas semanais, a qual pode ser prestada, por exemplo, junto à entidades assistenciais, hospitais, programas comunitários, etc., sendo que as tarefas serão atribuídas observando-se as aptidões do adolescente; a liberdade assistida, estabelecida nos arts. 118 e 119 do ECA, que traduz-se no acompanhamento, auxílio e orientação do adolescente que cometeu ato infracional por equipes multidisciplinares, por período mínimo de seis meses, com o intuito de oferecer tratamento nas diversas áreas de políticas públicas, como saúde, educação, cultura e esporte, com vistas à sua promoção social e de sua família, bem como inserção no mercado de trabalho. (MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS, 2018)

(24)

Além daquelas em meio fechado que são: a semiliberdade, consolidada no art. 120 do ECA, que propõe uma vinculação do adolescente a unidades especializadas, com restrição de sua liberdade, possibilitando a realização de atividade externas, sendo obrigatórias a escolarização e a profissionalização; e a internação, prevista nos art. 121 a 125 do ECA, que constitui medida socioeducativa privativa de liberdade, adotada pela autoridade judiciária quando o ato infracional praticado se enquadrar na hipóteses previstas nos incisos do art. 122. A internação se sujeita aos princípios da brevidade (período não superior a três anos), excepcionalidade (em havendo outra medida adequada, em nenhuma hipótese será aplicada a internação) e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, podendo ocorrer em caráter provisório ou estrito. (MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS, 2018)

1.4 A realidade do sistema de execução de medidas socioeducativas e o fracasso das políticas de proteção integral em relação ao adolescente autor de ato infracional

Consoante já exposto acima, o Estatuto da Criança e do Adolescente consagrou a doutrina da proteção integral e estabeleceu um sistema especial de responsabilização para adolescentes autores de atos infracionais, baseado em estratégias pedagógicas de inserção e de afirmação da dignidade do jovem, entre 12 e 18 anos, fazendo dos mesmos sujeitos de direitos e de responsabilidades e prevendo medidas socioeducativas como mecanismos de responsabilização.

Tais mecanismos possuem um caráter essencialmente pedagógico e sancionatório que pretendem a conscientização do adolescente “da lesividade da conduta infracional cometida, e por ela responsabilizando-o, sem, contudo, atribuir a essa correspondência a retributividade penal”. (MIRANDA, 2013, p. 203)

Todavia, o que se constata na prática é um significativo fracasso estatal no que concerne ao sistema de execução de medidas socioeducativas no Brasil, tendo em vista o descompasso entre o texto legal e a realidade, frente às dificuldades de efetivação do caráter pedagógico e de garantia dos direitos individuais e sociais de crianças e adolescentes.

Tendo por referência a perspectiva de um tratamento diferenciado ao adolescente, em caso de infração, proposto pelo Estatuto, o qual pautado na política de proteção integral, o que se percebe, na prática, é que o sistema acaba por não adequar as premissas da doutrina de

(25)

proteção integral aos centros de detenção juvenil, visto que tais unidades apresentam-se estrutural e ideologicamente como “minipresídios”. (APELFELD, s/d)

Diante deste contexto, a realidade do sistema infantojuvenil se mostra totalmente discrepada da proposta legal, pois o que ocorre na aplicação de medidas socioeducativas é que as mesmas possuem grandes semelhanças com o sistema de punição tradicional de adultos, o qual se pauta pela ótica retributiva de responsabilização e, assim, efetivando seu objetivo desacertado de punir o infrator e intimidar os demais adolescentes, sem se preocupar com o futuro dos envolvidos.

A medida socioeducativa de internação é caracterizada pela privação de liberdade, a qual deve ser breve e excepcional, isso quer dizer que a internação será sempre a última medida a ser tomada, aplicando outra sempre que for possível e, assim, respeitando a condição de vulnerabilidade dos adolescentes e de pessoa em desenvolvimento.

Nesse sentido, vale destacar as palavras de João Batista Costa Saraiva (2002, pag. 23) em relação ao tema:

A propósito dessa medida privativa de liberdade - internação na linguagem da lei -, o que a distingue fundamentalmente da pena imposta ao maior de 18 anos é que, enquanto aquela é cumprida no sistema penitenciário 5 - que todos sabem o que é, nada mais fazendo além do encarcerar -, onde se misturam criminosos de toda espécie e graus de comprometimento - aquela há que ser cumprida em um estabelecimento próprio para adolescentes infratores, que se propõe a oferecer educação escolar, profissionalização, dentro de uma proposta de atendimento pedagógico e psicoterápico, adequado a sua condição de pessoas em desenvolvimento. Daí não se cogitar de pena, mas sim, de medida socioeducativa, que não pode se constituir em um simples recurso eufêmico da legislação.

Isso posto, a organização Human Rights Watch em relatório produzido no ano de 2016, evidenciou as situações desumanas e degradantes vivenciadas em centros de detenção juvenil, relativamente à higiene, saúde, educação, condições de confinamento, superlotação, maus tratos pelos funcionários, além de questões estruturais as quais se mostram precárias. (HUMAN RIGHTS WATCH, 2016)

(26)

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura concluiu que a infraestrutura das instalações de nove centros socioeducativos que visitou em três estados entre abril de 2015 e março de 2016 não atendia às regulamentações do governo federal: em vez de promover a educação e a reabilitação das crianças e adolescentes, os centros serviam como locais de punição e isolamento. Na maioria das unidades, crianças e adolescentes passavam mais de 20 horas por dia – e, em um dos centros, o dia todo – trancadas em seus alojamentos. As condições eram especialmente ruins no estado do Ceará, onde o número de crianças e adolescentes internados em janeiro de 2016 era maior do que o dobro da capacidade de algumas instalações, segundo a ONG CEDECA Ceará. Algumas crianças e adolescentes relataram que eram agredidas por funcionários dos centros socioeducativos, e que eram mantidas em unidades infestadas de ratos e baratas e sem as condições sanitárias adequadas, ventilação, colchões e produtos de higiene básicos.

Além disso, a organização citada, em outro relatório elaborado no ano de 2017, refere que:

As investigações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e da Human Rights Watch encontraram numerosos casos de maus tratos de adolescentes por funcionários do sistema socioeducativo e por policiais em vários estados. Os abusos muitas vezes não são objeto de investigação e punição devidas. Uma exceção foi a condenação de 12 funcionários, em agosto, por torturarem 85 crianças em São Paulo. Apesar de fortes evidências periciais e de imagens gravadas em vídeo, o caso demorou 12

anos para ser julgado. (HUMAN RIGHTS WATCH, 2017)

Importante ressaltar que a privação de liberdade de um adolescente se apresenta como um problema especial porque a juventude é um estágio muito sensível de desenvolvimento em que o jovem pode sofrer sérios efeitos psicológicos adversos e até irreversíveis.

Além disso, após passar por uma unidade de detenção, o jovem não é reconhecido mais pela sociedade, se tornando “coisificado”, visto que a sociedade cria rótulos ao adolescente como “infrator”, delinquente”, “desviado” e “incapaz”.

Conforme bem elucida Alessando Baratta (2002, p. 41), a estigmatização constitui verdadeira marca que identifica o indivíduo ou grupo social como propício a um comportamento futuro desviante e vulnerável à intervenção do sistema penal, principalmente nas penas privativas de liberdade que, ao invés de reeducarem o infrator, estabelecem uma identidade desviante no condenado e estimulam o seu ingresso em uma verdadeira cadeia

(27)

criminosa. Portanto, o sistema cada vez mais estereotipado e estigmatizante peca pela falta de competência para a reinserção social (SANCHÉZ, 2011, p. 31).

Neste norte, Saliba assevera que

Hodiernamente, o regime penal se caracteriza por consagrar o sistema retributivo baseado no delito como ofensa à seguridade social ou existência do estado, e não como ofensa a pessoas e a sua convivência pacífica. essa premissa dá vazão a uma ideologia vingativo-punitiva do sistema que propõe a retribuição do mal do delito pelo mal da pena, resultando numa resposta inadequada para a tutela do interesse lesado e violentadora dos direitos fundamentais do delinqüente e da vítima. (SALIBA, 2009, p. 143).

No mesmo sentido é o entendimento de Marcelo Gonçalves Saliba (2009, 143), quando menciona que a superação da perspectiva retributiva ocorre, principalmente, pela saturação do sistema penal, imerso em uma grande crise que ocasionou, posteriormente, sua deslegitimação.

Na mesma esteira, Howard Zehr elucida:

Nós vemos o crime através da lente retributiva. O processo penal, valendo-se desta lente, não consegue atender a muitas das necessidades da vítima e do ofensor. O processo negligencia as vítimas enquanto fracassa no intento declarado de responsabilizar os ofensores e coibir o crime. [...] Tal incapacidade nos trouxe até a sensação de crise generalizada que vivemos hoje. Muitas reformas foram implementadas. As modas mais recentes são a monitoração eletrônica e a supervisão intensiva, mas elas são simplesmente as últimas de uma lista muito longa de “soluções”. O sistema tem se mostrado incrivelmente resistente a melhorias significativas, tendo até agora absorvido e subvertido os esforços de reforma. (ZEHR, 2008, p. 168).

Assim, é clarividente a resistência criada por muitos quando se trata de buscar soluções e esforços para a reforma do sistema penal. Nesse sentido também é inequívoca a necessidade de inclusão da vítima no direto penal e processual penal, visto que tal figura é desconsiderada no modelo atual de punição adotado pelo Brasil. Para isso, faz-se necessária uma mudança paragdigmática desse sistema, que nos encoraje a enxergar a atuação estatal sob novas lentes, àquelas voltadas a mecanismos alternativos de composição de conflitos, como é o caso da Justiça Restaurativa. (SPOSATO; NETO, s/d)

(28)

2 A APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO

Atualmente é bastante comum entre a população brasileira um consenso sobre uma percepção de impunidade dos autores de crimes, bem como a falta de capacidade do Estado em recuperar esses criminosos e, de fato, a falência do sistema penal brasileiro, quanto às funções de reinserção social dos apenados, é evidente.

Como sabido, o modelo de justiça criminal concebido e adotado hoje no Brasil, é o chamado retributivo, pelo qual legitima-se ao Estado, por meio de um processo legal, o poder de impor as penas cabíveis da forma prevista em lei. Ou seja, tal modelo tem fim em si próprio – tão somente retribuir a prática delito, o que faz com base exclusivamente em termos legais fixados, ignorando totalmente aspectos morais, sociais, econômicos ou políticos que envolvem o crime e sua punição.

Não é segredo que o atual modelo de justiça criminal não tem conseguido atingir de maneira eficaz seus objetivos declarados. O que se verifica atualmente é que enfrentamos diversos problemas em nosso sistema criminal, entre os quais, um aumento descontrolado de crimes, um índice de reincidência criminal muito alto, abarrotamento das prisões e a ineficácia da finalidade da pena.

Diante dessa inegável realidade, a criminologia moderna tem estudado meios alternativos para responder aos inúmeros problemas que vêm sendo enfrentados, que contribuam para um avanço no que se refere a garantia dos direitos humanos e, entre eles, encontra-se a Justiça Restaurativa.

Esse novo paradigma de justiça surge para buscar, através do diálogo, a compreensão do conflito, a conscientização do infrator pelo dano causado, valorizando o sentimento da vítima e a impressão da sociedade sobre o fato.

O círculo restaurativo, como é chamado um dos principais atos do procedimento restaurativo, procura suscitar uma forma de comunicação não violenta. Isso quer dizer que busca estabelecer uma empatia entre as partes e, através disso, é possível compreender as necessidades e os sentimentos do outro, assim como expressar os próprios.

(29)

A restauração procura também identificar os sentimentos ocasionados pelas situações de conflito ou de violência vividos, não se restringindo somente às questões jurídicas, como acontece no processo penal retributivo. Dessa forma a justiça restaurativa faz um apanhado das questões fundamentais e, a partir disso, identificar o que precisa ser feito para solucionar os problemas, bem como quais necessidades precisam ser atendidas.

Feitas essas considerações iniciais, esclarece-se que o presente capítulo pretende estabelecer o conceito de justiça restaurativa, analisando tal instituto desde seu surgimento e aparecimento em diferentes tipos de sociedades, perpassando pelos aspectos normativos presentes na legislação brasileira sobre o tema e a diferenciação entre o modelo restaurativo e o retributivo. Posteriormente, serão comentadas as medidas socioeducativas com base na lei do Sistema Nacional Sócio Educativo (SINASE) e, por fim, se demonstrará e analisará a efetiva aplicação de mecanismos restaurativos ao redor do Brasil com jovens em conflito com a lei como forma alternativa de responsabilização, enfatizando seus métodos e procedimentos próprios.

2.1 Justiça Restaurativa: antecedentes, conceitos fundamentais e aspectos normativos

Segundo a terminologia da Resolução n.º 2002/12 do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas que estabelece os “Princípios Básicos para Utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal”, a Justiça Restaurativa pode ser definida da seguinte forma:

Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária e círculos decisórios. Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do ofensor.

(30)

O Prof. Tony Marshall (2002) conceitua este modelo como um sistema pelo qual “as partes envolvidas em determinado crime [e. g. vítima e ofensor] conjuntamente decidem a melhor forma de lidar com os desdobramentos da ofensa e suas implicações futuras”.

Por sua vez, Tatiana Sandy Tiago (2007, p. 206) pondera que:

Podemos entender justiça restaurativa como um conjunto de valores que destacam a importância de uma assistência maior e mais ativa às vítimas de crimes, responsabilizando diretamente os ofensores pelos danos causados à comunidade e às pessoas individualmente. É um novo paradigma que entende ser o indivíduo o principal atingido pelo crime, e não o Estado. O crime é compreendido em aspectos mais amplos do que apenas a conduta individual do ofensor contra o Estado e a justiça é vista pelos olhos da vítima, da comunidade vitimada e do próprio ofensor.

Assim, para André Gomma de Azevedo (2004, p. 140), ao realizarmos uma fusão dessas tantas definições sobre o tema, podemos entender que:

A Justiça Restaurativa pode ser conceituada como a proposição metodológica por intermédio da qual se busca, por adequadas intervenções técnicas, a reparação moral e material do dano, por meio de comunicações efetivas entre vítimas, ofensores e representantes da comunidade voltadas a estimular: i) a adequada responsabilização por atos lesivos; ii) a assistência material e moral de vítimas; iii) a inclusão de ofensores na comunidade; iv) o empoderamento das partes; v) a solidariedade; vi) o respeito mútuo entre vítima e ofensor; vii) a humanização das relações processuais em lides penais; e viii) a manutenção ou restauração das relações sociais subjacentes eventualmente preexistentes ao conflito.

A justiça restaurativa apresenta-se como uma proposição teórica e metodológica relativamente recente, segundo Howard Zehr (2008), reconhecido mundialmente como um dos pioneiros da justiça restaurativa, em sua célebre obra chamada “Trocando as Lentes: Um novo foco sobre o crime e a justiça”, refere que a origem dessa prática está vinculada às tradições indígenas. Ainda conforme o referido autor, os primeiros povos do Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia deixaram contribuições significativas nesse campo.

No entanto, de acordo com Froestad e Shearing (2004), o início de sua oficialização, dentro de um sistema jurídico formal, através das primeiras experiências formais de mediação vítima/ofensor, está localizado nos anos 70 nos EUA e 80 na Nova Zelândia.

(31)

Tânia Almeida (2013, p. 1), docente em Mediação de Conflitos, traz de maneira singela, um relato histórico do assunto:

A Justiça Restaurativa é um movimento mundial de ampliação de acesso à justiça criminal recriado nas décadas de 70 e 80 nos Estados Unidos e Europa. Este movimento inspirou-se em antigas tradições pautadas em diálogos pacificadores e construtores de consenso oriundos de culturas africanas e das primeiras nações do Canadá e da Nova Zelândia.

O conceito e a filosofia de justiça restaurativa têm embasado programas sociais dedicados a cuidar das vítimas, dos ofensores e das comunidades que os abrigam, e têm orientado para a restauração de suas vidas e de sua interação social.

Para Zehr (2012), a justiça restaurativa se ergue sobre três pilares fundamentais: os danos e as consequentes necessidades (de vítimas em primeiro lugar, mas também da comunidade e dos ofensores), as obrigações que advêm do dano e que levaram ao dano (do ofensor, mas também da comunidade) e o engajamento daqueles que detêm legítimo interesse no caso e na sua solução (vítimas, ofensores e membros da comunidade).

Sobre tais conceitos centrais, por sua pertinência, cabe uma análise mais aprofundada das palavras de Howard Zehr (2012, p. 34):

1. A Justiça Restaurativa tem foco no dano cometido.

A Justiça Restaurativa vê o crime primordialmente como um dano causado as pessoas e a comunidade. Nosso sistema jurídico, com seu foco em regras e leis e sua visão de que o Estado é a vítima, muitas vezes perde de vista essa realidade. Preocupado em dar aos ofensores o que eles merecem, o sistema jurídico considera as vítimas, na melhor das hipóteses, como preocupação secundária do processo penal. Mas na Justiça Restaurativa, ao colocar o foco no dano, surge uma preocupação inerente com as necessidades da vítima e o seu papel no processo. (...) 2. Males ou danos resultam em obrigações.

Por isso, a Justiça Restaurativa enfatiza a imputação e a responsabilização do ofensor.

No âmbito legal, responsabilizar significa assegurar-se de que o ofensor seja punido. No entanto, se o crime for visto essencialmente como um dano, a responsabilização significa que o ofensor deve ser estipulado a compreender o dano que causou. Os ofensores devem começar a entender as consequências de seu comportamento. Além disso, devem assumir a responsabilidade de corrigir a situação na medida do possível, tanto concreta como simbolicamente.

3. A Justiça Restaurativa promove engajamento ou participação.

O princípio do engajamento sugere que as partes afetadas pelo crime – vítima, ofensores e membros da comunidade – desempenhem papéis significativos no processo judicial. Tais “detentores de interesses” precisam receber informações uns sobre os outros e envolver-se na

(32)

decisão do que é necessário para que se faça justiça em cada caso específico. (...)

O foco principal da justiça restaurativa consiste, portanto, na reparação do dano ou o restabelecimento, se apresentando como um processo pelo qual também se promove outros valores como a participação, reintegração e deliberação (BAZEMORE, 1999).

Nesta nova visão de crime e justiça, o cerne da questão está voltado para as necessidades dos vitimados (vítima e/ou comunidade) e na responsabilização do ofensor pelos danos causados, no intuito de que sua reintegração à comunidade se dê de maneira eficaz. (TIAGO, 2007, p. 206)

Segundo Mark Umbreit (2000), os principais valores que embasam esse novo paradigma de justiça são:

1. A maior preocupação da justiça restaurativa é com a recuperação da vítima e da comunidade vitimada e não com uma maior punição do ofensor.

2. A justiça restaurativa requer que o ofensor seja responsabilizado diretamente pelo danos causados às vítimas e/ou comunidade vitimada. 3. A justiça restaurativa reforça o envolvimento de toda a comunidade na

responsabilização do ofensor e na recuperação de vítimas e ofensores. 4. A justiça restaurativa destaca a importância do próprio ofensor visualizar

o impacto de sua conduta.

5. A justiça restaurativa reconhece a responsabilidade da comunidade nas condições sociais que colaboram para a conduta do ofensor.

Em 31 de maio de 2016, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução n.º 225, que dispõe especificamente sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário.

Ao descrever tais políticas, a Resolução n.º 225 define o que vem a ser Justiça Restaurativa, a importância da participação da vítima e de lhe conferir voz no procedimento restaurativo e a imprescindibilidade de participação de todas as partes afetadas (vítima, ofensor e comunidade).

(33)

O art. 1º da resolução em lume, trazendo o conceito fundamental da justiça restaurativa e estando de acordo com a essência do que se trata um procedimento restaurativo, dispõe que:

Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado na seguinte forma:

I – é necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima, bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com a presença dos representantes da comunidade direta ou indiretamente atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores restaurativos;

II – as práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores restaurativos capacitados em técnicas autocompositivas e consensuais de solução de conflitos próprias da Justiça Restaurativa, podendo ser servidor do tribunal, agente público, voluntário ou indicado por entidades parceiras;

III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações para o futuro. (BRASIL, 2018)

Além disso, vale ressaltar, que o §1º do mesmo dispositivo estabelece conceitos importantes relativos à terminologias frequentemente utilizadas na prática restaurativa, senão vejamos:

§ 1º Para efeitos desta Resolução, considera-se:

I – Prática Restaurativa: forma diferenciada de tratar as situações citadas no caput e incisos deste artigo;

II – Procedimento Restaurativo: conjunto de atividades e etapas a serem promovidas objetivando a composição das situações a que se refere o caput deste artigo;

III – Caso: quaisquer das situações elencadas no caput deste artigo, apresentadas para solução por intermédio de práticas restaurativas;

IV – Sessão Restaurativa: todo e qualquer encontro, inclusive os preparatórios ou de acompanhamento, entre as pessoas diretamente envolvidas nos fatos a que se refere o caput deste artigo;

V – Enfoque Restaurativo: abordagem diferenciada das situações descritas no caput deste artigo, ou dos contextos a elas relacionados, compreendendo os seguintes elementos:

a) participação dos envolvidos, das famílias e das comunidades; b) atenção às necessidades legítimas da vítima e do ofensor; c) reparação dos danos sofridos;

(34)

d) compartilhamento de responsabilidades e obrigações entre ofensor, vítima, famílias e comunidade para superação das causas e consequências do ocorrido. (BRASIL, 2018)

Vale destacar o que preconiza o §2º do mesmo artigo, no sentido de que “a aplicação do procedimento restaurativo pode ocorrer de forma alternativa ou concorrente com o processo convencional” (BRASIL, 2018). Ou seja, a restauração não substitui a procedimento penal previsto em nosso ordenamento jurídico vigente, e sim, visa servir como um complemento ao sistema tradicional, no qual se analisará caso a caso, e aplicar-se-á as melhores soluções possíveis.

Além de aspectos conceituais, o ato regulamentar em comento, em seu art. 2º, elenca os princípios que norteiam o instituto da Justiça Restaurativa:

Art. 2º São princípios que orientam a Justiça Restaurativa: a corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade, a participação, o empoderamento, a consensualidade, a confidencialidade, a celeridade e a urbanidade.

Assim, a Resolução n.º 225 é um marco importantíssimo para o ordenamento processual brasileiro, tendo como nobre função contemplar diferentes metodologias de implementação de práticas restaurativas, além de propagar ainda mais o tema dentro do Poder Judiciário e junto à sociedade.

2.2 Retribuição x Restauração

No estudo da criminologia atual, pode-se dizer que há duas correntes principais que guiam a ciência do direito penal, a saber: a justiça criminal retributiva e a justiça criminal restaurativa. (BERISTAIN, 2000)

Registre-se que a justiça restaurativa apresenta uma estrutura conceitual substancialmente distinta daquela chamada justiça retributiva ou tradicional. Consoante pondera André Gomma de Azevedo (2004), a Justiça Restaurativa enfatiza a importância de se elevar o papel das vítimas e membros da comunidade ao passo em que os ofensores são efetivamente responsabilizados perante as pessoas que foram vitimizadas, restaurando as

(35)

perdas materiais e morais das vitimas e providenciando uma gama de oportunidades para diálogo, negociação e resolução de questões.

Em 1985, Zehr desenvolveu uma diferenciação entre o paradigma da justiça retributiva e o novo paradigma da justiça restaurativa. Em contraposto à punição adotada pelo modelo tradicional (retributivo), a justiça restaurativa se pauta pela responsabilização, a “cicatrização” e o desfecho do caso.

Nessa perspectiva, ao comparar os dois modelos de justiça, Zehr evidencia que para a Justiça Retributiva o crime é definido como a violação do Estado e foca-se no estabelecimento da culpa e no passado, ou seja, em quem cometeu o crime. Na perspectiva Restaurativa, o crime é definido como a violação de uma pessoa por outra, o foco é a resolução do problema, nas responsabilidades, nas obrigações e no futuro, naquilo que deve ser feito (ZEHR, 1985).

A retribuição impõe dor para punir e dissuadir o ofensor no intuito de prevenir futuras delinquências, já a restauração defende a restituição como um meio de restauração para ambas as partes, o objetivo é reconciliar e restaurar ofensor, vítima e comunidade. Nesta última, a justiça é definida como relacionamento correto, julgada pelo resultado, sendo a justiça, na primeira perspectiva, definida pelo proposito e pelo processo, utilizando-se de regras de direito (ZEHR, 1985).

A natureza interpessoal e conflitual do crime, no modelo retributivo fica reprimida, opondo individuo e Estado, já na restauração, o crime é reconhecido como um conflito interpessoal, obtendo o reconhecimento de seu valor (ZEHR, 1985).

Para Zehr (1985), enquanto na justiça retributiva um prejuízo social é substituído por outro, a justiça restaurativa focaliza na reparação do prejuízo social causado e a comunidade atua como um facilitador no processo restaurador, no qual há um encorajamento a valores de reciprocidade. Em contrapartida, na retribuição a comunidade é deixada à margem, sendo representada abstratamente pelo Estado, havendo um encorajamento aos valores competitivos e individualistas.

Referências

Documentos relacionados

The current publication presents an updated checklist of the hexapod orders and families previously recorded from the Fernando de Noronha archipelago with the addition of 263

A análise das respostas dos PEA com sons verbas e não verbais nas crianças do Grupo Estudo Bilateral (GEB) revelou aumento nos valores de latência e amplitude em todas as

Com o intuito de melhorar o planejamento da produção da microempresa estudada, um modelo matemático foi proposto para determinar quanto e quando produzir/comprar

Resumo da análise de variância para produtividade comercial (PC), massa média (MF), diâmetro equatorial (DE), diâmetro polar (DP), espessura da casca (EC) e sólidos solúveis (SS)

Os motivos que levam os 12 serviços de saúde de Santa Catarina a não permitirem a presença do acompanhante de escolha da mulher no processo parturitivo está

Ou seja, o conceito dialético entre urbe, corpo e “eus” se tornam infinitos à medida que a linguagem e o discurso se tornam visuais, (i)materiais: “Quer se trate do corpo do

O handebol é um esporte coletivo que envolve passes de bola com as mãos, praticado entre duas

A sonoridade dos livros do Lobato foi conseguida através do uso de onomatopeias, maiúsculas, sinais de exclamação, interrogação e reticências (Novaes Coelho,