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Lugares de vida a vida, a vida nos espaços: Oswaldo Lamartine de Faria e a perspectiva da experiência (1940-1970)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA:LINGUAGENS, IDENTIDADESE ESPACIALIDADES

MARIA SAMARA DA SILVA

LUGARES DE VIDA, A VIDA NOS ESPAÇOS: OSWALDO LAMARTINE DE FARIA E A PERSPECTIVA DA EXPERIÊNCIA (1940-1970)

NATAL-RN 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: LINGUAGENS, IDENTIDADESE ESPACIALIDADES

MARIA SAMARA DA SILVA

LUGARES DE VIDA, A VIDA NOS ESPAÇOS: OSWALDO LAMARTINE DE FARIA E A PERSPECTIVA DA EXPERIÊNCIA (1940-1970)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, área de concentração em História e espaços, linha de pesquisa Linguagens, identidades e espacialidades, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requi-sito parcial para a obtenção do grau de Mestre sobre orien-tação do Prof. Dr. Renato Amado Peixoto

NATAL-RN 2019

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Silva, Maria Samara da.

Lugares de vida a vida, a vida nos espaços: Oswaldo Lamartine de Faria e a perspectiva da experiência (1940-1970) / Maria Samara da Silva. - Natal, 2019.

114f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2019.

Orientador: Prof. Dr. Renato Amado Peixoto.

1. Oswaldo Lamartine de Faria Dissertação. 2. Seridó -Dissertação. 3. Rio Grande do Norte - -Dissertação. 4. Topofilia - Dissertação. I. Peixoto, Renato Amado. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94(813.2)

CCHLA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: LINGUAGENS, IDENTIDADESE ESPACIALIDADES

Defesa da dissertação da mestrada Maria Samara da Silva, intitulada: Lugares de vida, a vida nos espaços: Oswaldo Lamartine de Faria e a perspectiva da experiência (1940-1970) orientado pelo professor Dr. Renato Amado Peixoto, apresentado à banca examinadora desig-nada pelo Colegiado do Programa de Pós Graduação em História da UFRN, em 27 de Agosto de 2019.

Os membros da Banca Examinadora consideraram a candidata aprovada.

Banca Examinadora:

__________________________________________

Dr. Renato Amado Peixoto/ UFRN

__________________________________________

Dr. Magno Francisco de Jesus Santos/UFRN

__________________________________________

Dr. Iranilson Buriti de Oliveira/UFCG

NATAL-RN 2019

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AGRADECIMENTOS

Meus profundos agradecimentos aos professores doutores Joel Carlos de Souza An-drade, Helder Alexandre Medeiros de Macedo e Evandro Santos, docentes do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES). Obrigada por seus conselhos, apontamentos e indicações, que foram fundamentais para a construção da ideia e do projeto, que culminou na presente disser-tação.

Agradeço também, com o mesmo vigor, ao professor doutor Renato Amado Peixoto, por sua simpática e assertiva orientação durante a execução desta pesquisa.

Aos professores do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sobretudo ao professor doutor Magno Francisco de Jesus Santos, por seus apontamentos no processo de qualificação deste trabalho.

Quero agradecer também ao meu noivo Eduardo Garcia, por seu apoio financeiro, emocional e psicológico, que me deu condições para chegar até aqui.

Por fim, agradeço ao apoio da minha família, sobretudo minha mãe Maria das Vitorias de Araújo Bezerra, por seu carinho e pela sua força. Além da minha querida amiga Monique Hellen, por sua amizade e descontração.

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RESUMO

O escritor Norte-Rio-Grandense Oswaldo Lamartine de Faria tem sido reconhecido, tanto entre seus pares quanto dentro dos estudos acadêmicos como um sujeito cuja vida e a produção inte-lectual foram dedicadas ao Seridó. Nesta pesquisa, além de discutir a origem e a importância desta ligação investigamos outras relações espaciais e suas respectivas relevâncias na trajetória de vida do autor e para a sua carreira intelectual. Entre esses outros espaços destacamos as cidades Natal e Rio de Janeiro e as propriedades rurais Lagoa Nova e Acauã. Nossas fontes foram os livros Sertões do Seridó (1980); Ferro de Ribeiras do Rio Grande do Norte (1984);

Notas de Carregação (2001) todos de autoria de Lamartine, além das publicações Em Alpen-dres d’ Acauã: Uma conversa com Oswaldo Lamartine (2001) organizado por Natércia Campos

e De Cascudo para Oswaldo (2005). Contamos ainda com, quatro cartas trocadas entre Lamar-tine e Ramiro Monteiro Dantas do ano de 1994. Os conceitos ‘experiência’ e ‘topofilia’, con-forme Yi –Fu Tuan foram utilizados para entender a ligação entre o autor e os diversos espaços analisados, assim como as várias abordagens do conceito de ‘paisagem’ de Gaston Bachelard, Yi- Fu Tuan e Simon Schama. Estas, nos possibilitaram colocar a hipótese de que as diversas experiências espaciais de Lamartine impactaram direta e indiretamente a descrição das paisa-gens e espaços em seus textos. Este estudo foi conduzido baseando-se na metodologia da análise do discurso de Michel Pechêux e Eni – Orlandi, e seus postulados são utilizados para pensar aspectos como o contexto imediato e amplo de Lamartine, a construção de um discurso sobre o homem e sua relação com os espaços. Como resultado dessa investigação compreendemos que foi por meio da experimentação da figura política e o contato como legado de seu pai, Juvenal Lamartine e de todos os eventos que cercaram a sua família que Oswaldo Lamartine começa a criar uma grande afeição pelo Seridó por ser sua terra de origem e, é neste ponto que se fincam as raízes de uma identidade seridoense. Além disso notamos que de fato existem experiências espaciais de diversos níveis em Lamartine variando entre a apreciação visual, a necessidade do contato físico que permeiam a construção do pertencimento e afeição ao Seridó. Cada espaço que ele ocupou teve sua importância para a construção de sua personalidade e de sua obra. Vemos que o grande catalizador de sua escrita é a saudade, não apenas de um espaço, mas de todo um modo de vida baseado em uma ligação forte entre homem e natureza. E por fim, a paisagem em seus textos é uma junção entre imaginação, experiência e conhecimento adquirido em uma tradição do olhar regional, construída desde o início do século XX no Nordeste.

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ABSTRACT

The potiguar's writer Oswaldo Lamartine de Faria have been recognized, by his pairs and re-searchers as an important source for the history of the seridó's region. On this research besides the investigation of this connection other special relations and this consequences on the life of the author and his intellectual life have been researched. Besides other spaces we highlighted the cities of Natal, Rio de Janeiro and the farms of Lagoa Nova e Acauã. Our sources were the books Encouramento e Arreios do Vaqueiro do Seridó (1969); Sertões do Seridó (1980); Ferro

de Ribeiras do Rio Grande do Norte (1984); Notas de Carregação (2001) all written by

Lamar-tine, and the books organized by Natércia Campos, Em Alpendres d’ Acauã: Uma conversa

com Oswaldo Lamartine (2001) e De Cascudo para Oswaldo (2005), besides four fragments

of letters from 1994. The concepts ‘experience’ and ‘topophilia’, as defined by Yi-fu Tuan have been applied to understand the connection between the author and the many spaces analyzed, and the many approaches of the concept of ‘landscape’ of Gaston Bachelard, Yi-Fu Tuan and Simon Schama. With that it was possible to deduce the hypothesis that the many spatial expe-riences of Lamartine have direct and indirect impact on the description of landscapes and spaces on the books of Lamartine. This study have been conducted using the discourse methodology of Michael Pecheux and Eni Orlandi and it's thesis have been used in order to analyze the im-mediate context of Lamartine, the construction of a discourse about a man and his relation with spaces. As a result of the investigation we have comprehended that by the means of experimen-tation of the political figure and the contact the legacy of his father, Juvenal Lamartine and all the tragic events of his family that Oswaldo Lamartine start to create his affection for the Seridó region, and based on that the definition of a Sedidoense identity. Besides that it's possible to point out the fact that spatial experiences on many levels exists on the work of Lamartine, those point to a necessity of physical contact and visual appreciation in order to define his affection for the Seridó. Every space that has been occupied had it's own importance to the construction of it's personality and his work. It's possible to visualize that he is driven by the feeling of missing, not only the space, but the lifestyle based on a connection between human and nature. The landscape on the texts is the fusion between imagination, experience and the knowledge acquired of tradition, built upon since the 20th century of the Northwestern region of Brazil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

CAPITULO I: SERIDÓ DE PAI PARA FILHO ... 24

1.1 JUVENAL LAMARTINE E A PRIMEIRA REPÚBLICA NO RIO GRANDE DO NORTE ... 29

1.2 DEPOIMENTOS: EM LUTA PELA MEMÓRIA DE JUVENAL LAMARTINE DE FARIA ... 35

1.3 A PERSPECTIVA DO FILHO ... 40

1.6 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE SERIDOENSE DE OSWALDO LAMARTINE DE FARIA ... 45

CAPITULO II: UM HOMEM EM MOVIMENTO: ESPAÇO, LUGAR E TOPOFILIA NA TRAJETORIA OSWALDO LAMARTINE DE FARIA ... 52

2.1 RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E ESPAÇO NA HISTORIOGRAFIA ... 54

2.2 EXPERIÊNCIAS DE INFÂNCIA (1919-1929) ... 62

2.3 A VIDA NAS FAZENDAS (1941 -1955) ... 65

2.4 O “EXÍLIO” NO RIO DE JANEIRO E O RETORNO A TERRA NATAL (1955-1995)...67

3.5 O RETORNO A TERRA POTIGUAR E A VIDA NA ACAUÃ (1995-2005) ... 71

2.7 O SERIDÓ DE LAMARTINE: ENTRE O LUGAR ÍNTIMO E O PATRIOTISMO ... 73

CAPITULO III: IMAGINAÇÃO, PERCEPÇÃO E CULTURA: A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM NA ESCRITA DE OSWALDO LAMARTINE DE FARIA ... 78

3.1 SENTIMENTO E IMAGINAÇÃO: ESPAÇOS AMADOS, ESPAÇOS IMAGINADOS...84

3.2 PERCEPÇÃO E EXPERIÊNCIA: NARRATIVAS DO ESPAÇO VIVIDA ... 86

3.3 CULTURA E ESCRITA: UMA TRADIÇÃO DE OLHAR REGIONAL ... 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 103

REFERÊNCIAS ... 108

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INTRODUÇÃO

Motivações para a pesquisa cientifica podem surgir da mistura de predileções pes-soais e as várias possibilidades de estudo que podemos encontrar no meio acadêmico. No meu caso, cresci em uma zona rural no município de São Vicente, Região da Serra de Santana, sendo minha infância e adolescência passadas em meio a bichos e plantas, tanto selvagens quanto domésticos. Então, desde muito cedo desenvolvi um amor que até hoje carrego pela natureza, um amor simples e profundo que me emociona a cada mínimo contato com aquele lugar.

Desta forma, quando fui cursar História em Caicó tive que me distanciar daquele ambiente que tanto amava e passar a me dedicar aos estudos, desde o início me interessei espe-cialmente pelo ramo da Historiografia. Fiquei fascinada pelos textos de Jules Michelet e Marc Bloch. Desta forma, quando surgiu a oportunidade de fazer parte de um projeto de pesquisa que tinha por objetivo investigar a Historiografia seridoense me interessei imediatamente.

Uma vez dentro da pesquisa científica entrei em contato com vários autores como Olavo de Medeiros Filho, Luís da Câmara Cascudo e José Bezerra Gomes. Porém, desde a primeira leitura um autor que muito me fascinou foi Oswaldo Lamartine de Faria, sua escrita cheia de saudades das coisas da terra me tocou de um modo especial. Eu precisava conhecê-lo melhor. Desta forma, ao me aprofundar na leitura dos livros de Lamartine estive envolvida por essa identificação com o personagem e com a sua história de vida. Contudo, a História não se constrói apenas com admiração e fascínio, mas com a pesquisa, pensamento crítico e no contato mais profundo com as fontes. É a partir desse momento que surge a necessidade de desconstru-ção do objeto de pesquisa.

O primeiro passo nesse sentido foi investigar a história de vida de Oswaldo Lamar-tine. Seu pai Juvenal Lamartine (1874-1956) foi um político que desenvolveu carreira nas pri-meiras décadas do século XX, ocupando vários cargos políticos. Juvenal Lamartine de Faria foi um aliado de Washington Luís durante o movimento de 1930 questão que levará a sua destitui-ção do cargo de governador do estado do Rio Grande do Norte, que ocupava desde 1928. Após a entrada de “tropas revolucionárias” no estado e sua chegada à cidade do Natal o governador se viu encurralado e temendo ser capturado ou morto por tais forças, foge em um barco para o Ceará e de lá voa para a Europa, onde se exila1.

1 Estes relatos sobre a fuga de Juvenal Lamartine podem ser encontrados tanto no livro Do sindicato ao

Catete: Memorias políticas e confissões humanas (1966) quanto no livro Em alpendres d’ Acauã: Con-versa com Oswaldo Lamartine de Faria (2001).

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Como um dos dez filhos2 do governador deposto, Oswaldo Lamartine vê, naquele momento, sua família enfrentar dificuldades com a falta do pai. Dentre as principais delas po-demos mencionar, as frequentes batidas policiais feitas na residência da família que tinha como objetivo a captura de Juvenal Lamartine, e a angústia diante da falta de notícias suas, logo após o exilio.

Sua educação formal foi quase toda realizada em colégios internos fora do Rio Grande do Norte. A partir de 1929 foi mandado para o Ginásio do Recife e posteriormente para o Instituto Lafayette no Rio de Janeiro. Sua formação superior inclui o curso na Escola Superior de agronomia de Lavras, em Minas Gerais. Conviveu com pescadores artesãos e vaqueiros, intelectuais, através dos quais entrou em contato com uma grande gama de tradições como o encouramento, os adivinhos da chuva, a pesca, a caça, o cordel, os causos, e as heranças de família.

Mesmo morando em cidades como Natal, Recife e, posteriormente, Rio de Janeiro, Lamartine sempre que possível voltava ao Rio Grande do Norte. Já na velhice ao retornar ao estado residindo na fazenda Acauã, situada em Riachuelo-RN.

Deste modo, a escolha de trabalhar com esse autor, dentre tantos outros escritores do Rio grande do Norte, foi marcada por uma identificação pessoal com esse sujeito. Estudar um homem com uma vida tão dinâmica e rica de informações exige do pesquisador algumas escolhas. Neste sentido, no que diz respeito ao recorte temporal da pesquisa, escolhi as décadas de 1940 a 1970, por serem os anos que compreendem tanto suas experiências pessoais mais fortes com os espaços, quanto o auge de sua produção escrita, que constituem os dois focos dessa investigação.

Durante a trajetória de vida de Oswaldo Lamartine, um importante ambiente inte-lectual foi a Academia Norte – rio – grandense de letras, lá ele ocupou a cadeira de número 12, a mesma de seu pai. No texto escrito pelo acadêmico Vicente Cerejo, disponível na Revista da

Academia Norte – rio – grandense (2002), ele atribui a Lamartine a posição de etnógrafo,

prá-tica que abarca entre outras coisas o estudo descritivo da cultura material de um determinado povo. A mesma atribuição é feita por Gilberto Freyre na revista O Cruzeiro, edição de 9 de

2 Os nomes dos demais filhos de Juvenal Lamartine: Olavo Lamartine de Faria (1988-1966); Clovis

Silvino Lamartine de Faria (1901-1988); Otávio Lamartine de Faria (1903-1935); Olga Lamartine Paiva (1905-1935); Maria de Lourdes Varela Santiago Sobrinho (1906-1992); Silvino Lamartine de Faria (1907-1993); Juracy Cariello (1912-1990); Paulina William Brown (1914- 2000); Elza Lamartine de Faria (1916-1935). Fonte: MANOEL PINHEIRO (Org.). Myheritage. Disponível em: <https://www.myheritage.com.br/family-1_1000036_166123252_166123252/lamartine-de-faria-dr-ju-venal-lamartine-de-faria-silvina-bezerra>. Acesso em: 13 jul. 2018.

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outubro de 1948. Para Rachel de Queiroz no Memorial de Maria Moura (1992), Lamartine é tomado como um dos maiores sertanistas do Brasil.

Já na opinião de João Medeiros Filho, também membro da Academia Norte-rio-grandense de letras, em Contribuição à História intelectual do Rio Grande do Norte (1984) a obra de Lamartine pode ser colocada entre os autores da prosa ao lado de nomes como Nísia Floresta, Eloy de Souza, Zila Mamede. No prefácio de Sertões do Seridó (1980) Francisco Cha-gas Pereira considera Lamartine um exemplo de ensaísta em que “nem mesmo a linguagem vem interpor-se, carreando opacidade ao discurso desse mundo” (PEREIRA, 1980, p.15). Com isso, Pereira parece nos dizer que a escrita de Lamartine é clara, o Sertão que se descreve não é uma falsificação, mas sim uma transmissão do real, como se o próprio espaço narrado se fizesse presente.

É possível notar que dentro do espectro a escrita de Lamartine foi trabalhada sob óticas historiográficas, literatas e memorialistas. No que concerne a visão dos seus pares, sua produção é enquadrada dentro da etnografia, e a literatura seja no estilo do ensaio ou da proza. Tal miscelânea de visões sobre um mesmo autor é justificada em função de sua produção possuir um largo espectro de temas, tipos de narrativa e estilos. Neste sentido, possí-vel notar em Lamartine traços de historiador, uma vez que este faz uso constantemente de do-cumentos históricos e de historiografia, sobretudo ao traçar as origens da ocupação dos Sertões do Seridó, apesar de não se apropriar do método historiográfico. É também perceptível um forte trabalho sobre a linguagem em suas páginas com um alto teor de emoção no uso das palavras. Já o memorialismo é pouco percebido nos seus escritos, pelo menos no que tange sua roupagem mais básica, ou seja, textos em primeira pessoa com foco em narrativas de eventos pessoais. Entretanto, potencialmente há de se notar aqui e ali traços da memória do autor, já que como ele mesmo advoga, “é possível que no relato de um fato, palavra, entrelinha ou até reticencia, haja algum esquecido resto de mim” (LAMARTINE DE FARIA, 2001, p.78).

Colocar os estudos de Lamartine como etnógrafos também é uma abordagem per-tinente, já que grande parte de seus textos são dedicados à descrição de elementos de cultura material dos habitantes do Seridó, tais como os utensílios da pesca nos açudes, a indumentária e ferramentas do vagueiro. Junto com a etnografia, características do folclore também estão presentes na escrita desse autor.

O clima intelectual nas primeiras décadas do século XX viu crescer um movimento de escritores preocupados com a valorização da cultura regional, neste caso, uma cultura da emergente territorialidade do Nordeste, antes denominada de Norte, é o folclore. As primeiras

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práticas intelectuais nesse sentido surgiram na Europa, no século XIX, notadamente na Alema-nha e na França que na perspectiva de Ortiz (1992), é um desenvolvimento de dois movimentos, os antiquários e os românticos. Os antiquários, primeiros a se voltarem para o mundo das po-pulações rurais e pobres, tem um olhar como o de um colecionador, geralmente da elite, esse pesquisador não tem muita estima pelas pessoas do povo, vendo-se como desbravadores de mundos selvagens nos campos da Europa. Já os românticos, por sua vez, vão se insurgir contra a constituição de sociedades industriais e urbanizadas. Voltam-se, portanto, para o campo em busca de um modo de vida bucólico, eles se dirigem a esse ideal de forma emotiva.

O folclore é herdeiro desses dois movimentos, se diferenciando deles por sua inten-ção em se tornar uma ciência, muito influenciada pelos ideais do positivismo de Auguste Comte. Neste sentido, os folcloristas começaram a se associar criando espaços para seus estudos como revistas, museus e associações. Porém, a cientificidade parou por aí, uma vez que o mé-todo cientifico não foi colocado como prioridade dentro do movimento. Sendo assim, os estu-dos de folclore valorizavam a busca de uma espécie de essência do povo vislumbrada no en-contro com seus costumes e práticas, não era preciso mais do que isso, ir até eles e registrar tudo o que fosse possível de seu modo de vida.

Aspecto que Ortiz levanta sobre o movimento é o seu interesse pelo passado e pela tradição. Na esteira de processos de mudança social e econômica que surgem na Europa do século XIX e se prolongam pelo XX, esses autores se veem como salvadores de uma cultura já quase morta que precisa ser resguardada.

No Brasil o folclore passa a ter mais ênfase no século XX e se desenvolve com uma roupagem bem parecida com a que descrevemos acima. Porém, em terras brasileiras sofrerá alterações significativas em função do quadro social que o conduz. Segundo Albuquerque Ju-nior (2015), o desenvolvimento dos primeiros grupos folcloristas se dá em um momento de profundas mudanças econômicas e políticas, sobretudo nas primeiras décadas do século XX. O Nordeste será uma das espacialidades nas quais a efervescência folclorista se dará com mais força.

O desenvolvimento do folclore no Brasil se dá em um comum acordo com as estru-turas do Estado, isso permitirá que, mesmo diante de momentos de profundas transformações no campo político, nas décadas 40 a 70, os grupos folcloristas só crescessem em vicejassem constituído espaços com legado durador. Entre eles destaca-se o Conselho Nacional de Folclore, criado em 1947, responsável por fomentar nos estados a Semana do Folclore e a Campanha de defesa do folclore Brasileiro (1958). Além da Comissão Nacional do folclore, vinculada à

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Unesco. Destaca-se ainda o Governo Federal como sendo um forte indício da validação do movimento frente à esfera estatal.

Entre os principais autores do movimento, destacamos aqueles que, de formas di-versas, tiveram influência sobre Lamartine. Luiz da Câmara Cascudo autor de Vaqueiros e

can-tadores (1939), Civilização e cultura (1973) e Tradição da pecuária nordestina (1985), era um

contato frequente de Lamartine para assuntos regionais, um amigo e mentor. Leonardo Mota que escreve livros como Violeiros do norte: poesia e linguagem do sertão nordestino (1962) e

Sertão Alegre (1975), Gustavo Barroso escritor de Terra do Sol (1962) e Mauro Mota que

con-cebeu o livro Paisagem das Secas (1958). Tais autores e obras foram citados por Oswaldo Lamartine como o que há de “mais importante para o Nordeste, principalmente o Sertão da Caatinga” (2001, p.67).

Neste ponto é preciso lembrar do ressente trabalho, Eloy de Souza e o Nordeste

como construção discursiva do espaço dos estados seviciados pela seca, na primeira república brasileira (2018) de Ítala Mayara de Castro Silva. A autora discute sobre a trajetória política e

intelectual de Eloy de Souza, político norte-rio-grandense de grande destaque nos períodos fi-nais do Império e principalmente na Primeira República.

Silva (2018) apresenta uma nova discussão no estudo da história da concepção da região Nordeste na qual se atribuía como período de surgimento o final da primeira década do século XX. Ela recua esse recorte, e mostra que o Nordeste já surgia como espaço diferenciado na escrita de Eloy de Souza durante os primeiros anos da primeira década do século XX. A construção do Nordeste em Eloy de Souza passa obrigatoriamente pelo tema da seca, fenômeno comum em certas províncias de toda aquela porção do país anteriormente denominada de Norte.

Em concomitância com esse discurso que coloca o Nordeste como a região das ca-lamidades da seca, e dos descasos do poder central, também se concebe esse espaço como o foco de uma cultura tradicional, original e ligada aos ritmos do campo. Essa cultura é vista como fruto de seu meio, sobretudo das áreas sertanejas. Neste cenário, o folclorista é visto geralmente como uma transfiguração de seu espaço, uma voz que transmite suas imagens, sons e gostos, segundo aponta Albuquerque Junior.

A voz do folclorista é uma voz milagreira da saudade, como dirá Cascudo, aquela que constrói a cultura deste espaço como sendo tradicional, como sendo uma cultura a ser evocada porque ligada ao passado, em vias de extin-ção, vozes fieis a seu espaço, à sua terra, à sua gente, vozes que verbalizam, cantam, gemem, gritam, declamam, levantam-se para defender a terra amea-çada de desaparecer, não apenas econômica e politicamente, mas

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cultural-mente também. Assim como a cultura popular, assim como o folclore, o Nor-deste é uma região que precisa de defesa. Não será mera coincidência que a maior parte dos folcloristas nordestinos pertence a famílias tradicionais da re-gião, faz parte de clãs políticos que dominaram, por certo tempo, a política em postos de comando. Muitos aliaram a militância político-partidária às suas pesquisas no campo do folclore, tendo na aproximação com o estado e com os grupos políticos locais de apoio para estas atividades. Muitos dos livros publi-cados por eles tiveram o patrocínio dos poderes locais ou estaduais. As gráfi-cas oficiais foram prodigas em realizar a publicação deste tipo de trabalho que pouco interessava às editoras comerciais. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2015, p.54-55).

Ao percorrer tal contexto, postulamos a atitude de atribuir a Lamartine um viés folclorista, e baseando-se nas premissas acima descriminadas, argumentamos em favor de tal postura. Um argumento que nos vem à mente é o daquele que se refere à característica de valo-rização do passado presente nos folcloristas, eles assumem assim, uma relação com o tempo complicada, pois possuem dificuldades em lidar com as mudanças sociais, sobretudo, nas mu-danças tecnológicas, as quais a sociedade ocidental tem passado nos últimos dois séculos. Di-ante de tal situação, esses sujeitos passam a valorizar, com muito afinco, as tradições de um passado, no caso dos folcloristas as tradições de um mundo rural, pré-industrial e marcado por sociabilidades hierárquicas. Em Lamartine, isso se faz notar com muita clareza, basta olhar para a forma como em sua escrita ele trabalha com uma ideia de salvar do esquecimento práticas do cotidiano sertanejo, como é o caso das roupas de couro do vaqueiro, da pesca nos açudes ou os ferros de marcar gado. Há em sua fala, um certo tom de melancólico por perceber que o Sertão que tanto valoriza já não existe, sentimento expressado na sua expressão “Sertão do nunca mais”.

Outro argumento que pode-se perceber, é o da valorização de um espaço, tornando-se uma espécie de defensor de sua cultura, no caso de Lamartine temos o Seridó como espaci-alidade central de sua escrita. Há em sua fala, um certo de melancólico por perceber que esse Sertão que ele tanto valoriza já não existe, sentimento representado na sua expressão: “Sertão do nunca mais”. Logo, o autor se manifesta como um defensor, não de um espaço ameaçado, mas sim da memória de um espaço que já não existe mais, mas que precisa ser evocado para não se perder no esquecimento.

E em terceiro, vemos os livros fundamentais para a formação de Lamartine, por exemplo, sua relação próxima a Luís da Câmara Cascudo. É pouco provável que esses livros e essas relações não tenham tido impacto no seu modo de escrever sobre o Sertão. Embora não possamos dizer que Lamartine é um folclorista em sua totalidade, já que, até onde sabemos ele não participava de nenhuma associação de folclore, ou se denominava como tal, entretanto,

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temos convicção de que pelo menos em sua escrita poderemos, pelos argumentos aqui levanta-dos, encontrar diversos paralelos com a escrita folclórica.

São poucos os estudos a respeito de Lamartine na academia. Entre os que existem, foram escritos tanto em cursos de História quanto no de Letras. A dissertação de mestrado Ser (tão) Seridó em suas cartografias espaciais (2007) de Olivia Morais de Medeiros Neta

intitu-lada aparece como a primeira a tratar de Oswaldo Lamartine como objeto de pesquisa da His-tória dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Junto a ele foram estudados outros nomes da historiografia tradicional do Rio Grande do Norte como José Augusto Bezerra de Medeiros, Juvenal Lamartine de Faria e Manuel Dantas. Esta pesquisa traça um paralelo entre as obras desses estudiosos seridoenses a começar pelo grau de parentesco entre eles. Em linhas gerais, o trabalho identificou uma forte ligação entre a historiografia tradicional e a cons-trução ideológica do espaço seridoense, isto é, o espaço foi ao longo do tempo sendo praticado ou cartografado pela escrita de alguns dos seus autores mais destacados.

A autora observa a forma como o espaço do Seridó foi tão significativo na trajetória de Lamartine, uma vez que a escrita desde espaço se traduziu na escrita de si mesmo, ou seja, existe uma espécie de simbiose, um forte elo entre homem e terra. Foram salientados os lugares de produção de sua prática, percebendo a grande contribuição de seu pai, Juvenal Lamartine, para o despertar do seu interesse pelas coisas do Seridó. Assim, é perceptível que este estudo se dedicou especialmente ao espaço Seridó. Deste modo, Seridó e Sertão não seriam a mesma coisa, para Lamartine, sendo o primeiro uma unidade maior onde o segundo caberia como uma de suas parcelas.

O trabalho de Medeiros Neta ainda buscou demonstrar com mais vigor a questão da escrita e das ligações familiares entre esses autores, não dando muita importância para a veia política que também os unia. Sim, estes homens foram seres políticos, especialmente José Au-gusto e Juvenal Lamartine, personagens de destaque na Primeira República.

Destaca-se ainda a monografia, Seridó X Oswaldo Lamartine: Uma historiografia

regional (2007) de Wesley dos Santos, esse trabalho consiste em uma reflexão mais abrangente

sobre a vida e as obras de Lamartine, tendo como preocupação principal o modo como ele se identificou com a região do Seridó Potiguar e de como passou a escrever sobre essa temática. Aqui o seu trabalho é pensado na fronteira entre a Etnografia, Sociologia e História. A questão do espaço vem na seara de Medeiros Neta, em que o Seridó teria sido construído pela escrita deste autor.

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Uma segunda monografia, Pelas Memórias de Oswaldo Lamartine: artes de fazer

nos Sertões do Seridó (2013) de Natália Raiane de Paiva Araújo, nos mostra a importância da

memória e das práticas culturais do fazer no Seridó. Tal estudo busca reconhecer a preocupação de Lamartine com a descrição dos objetos e modos de vida do sertanejo, desde a culinária até os nós da pescaria ou as técnicas de encouramento. Ainda aparece a questão dos ferros de mar-car gado, que para ele eram tidos como espécies de brasões heráldicos das famílias do Seridó.

Ao trazer essas questões para o trabalho, essa abordagem enxerga sua proposta sob o viés memorialista no sentido de salvar da morte costumes e práticas dos antigos seridoenses. A principal fonte consultada foi a coletânea Sertões do Seridó de 1980 (ARAÚJO, 2013). Esse trabalho vai ter uma preocupação muito maior com o aspecto da cultura do que com o espaço, este, aparece de forma secundária.

Mais uma produção importante é o estudo Multiplicando Veredas entre Guimarães

Rosa e Oswaldo Lamartine (2014) de Daniel Cavalcante de Hollanda Piñeiro, dissertação da área de Letras. Neste, foram traçadas relações discursivas entre Lamartine e Guimarães Rosa de modo a compreender como cada um construiu uma determinada visão sobre o Sertão. Dentro desta análise Piñero alinha a sua escrita ao movimento regionalista da década de 1930, onde ele estaria inserido como um ensaísta. Os dois autores estudados, Lamartine e Rosa, estabelecem um entrelaçamento entre aspectos de sua experiência pessoal, a História e a memória coletiva. Portanto, sua abordagem vai trazer à tona a face literária de Lamartine restrita basicamente ao livro Sertões do Seridó (PIÑEIRO, 2014).

Por fim, o estudo mais recente sobre Oswaldo Lamartine foi a tese, Areia sob os

pés da alma: uma leitura da vida e obra de Oswaldo Lamartine de Faria (2015), produzida por

Marize Lima de Castro, outro trabalho no campo das letras.

Um dos pontos centrais da pesquisa diz respeito a relação entre Lamartine e Câmara Cascudo através das suas correspondências. Sua concepção da escrita de Lamartine é literária tomando a memória como uma forma de narrativa. Esta tese traz ainda uma série de documentos inéditos cedidos por pessoas próximas ao autor, como é o caso da fotógrafa Candinha Bezerra. Essa tese foi produzida em uma escrita bem emotiva e filosófica com o uso de me-táforas, algo que o próprio Lamartine gostava de fazer quando, por exemplo, se referia à morte como a moça caetana (CASTRO, 2015), isto deixa transparecer um forte apego sentimental da autora com seu objeto. Um problema que essa emotividade trouxe foi o ocultamento de um filho de Lamartine filho, com uma elite ruralista, herdeiro de um grupo familiar que vem domi-nando a política de seu estado por gerações. Esta é uma das pesquisas mais extensas, em termos de quantidade e variedade de fontes, sobre Lamartine no meio acadêmico, até o momento, já

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que dá conta de inúmeras questões de sua vida e carreira baseando-se em uma grande variedade de fontes, porém, assim como as demais não tem como foco central a questão do espaço, pre-ferindo trabalhar com as narrativas pessoais sobre o autor.

A partir da leitura da bibliografia disponível, a respeito do autor e seus livros, é perceptível que a maioria dos pesquisadores tem uma preocupação voltada apenas para relação de Lamartine com o Seridó, essa é de fato uma relação importante, porém não é a única relação espacial que se observa.

Oswaldo Lamartine em diversas oportunidades escritas ou faladas demonstrou um profundo apego ao Seridó, constantemente demonstrando o quanto esse espaço foi significativo na sua história de vida. Porém, ao analisarmos essa trajetória é perceptível que ele viveu pouco nesse lugar, era apenas durante suas férias de estudo ou de trabalho que ele podia ir de encontro ele. Existe, nessa relação, um fator emocional de ligação que possibilitou que mesmo traba-lhando, distante geograficamente, ele dedicasse parte de seu tempo ao estudo sobre a cultura e a terra seridoense, logo, este trabalho busca, entre outras coisas, ir atrás desse fator.

De um modo geral, o que se observa na leitura de suas obras é uma construção de paisagem sertaneja que pode ser aplicável a praticamente toda a região do Sertão nordestino, um clima árido, a presença da caatinga, as práticas culturais do homem sertanejo, como a caça a pesca de açude e o encouramento do vaqueiro. Estes são aspectos que podem ser atribuídos a uma dada tradição de escrita do espaço oriunda de autores como Euclides da Cunha, porém, nas suas páginas podemos reconhecer também traços de um espaço vivido ou um espaço da expe-riência própria de Lamartine.

Assim, esta pesquisa buscou entender as dinâmicas espaciais, de Oswaldo Lamar-tine de Faria, sobre o seu “Sertão do nunca mais”, o Seridó aos seus espaços da experiência vivida e como cada um destes espaços ficaram marcados em sua trajetória e escrita, ou seja, os diferentes graus de percepção que Lamartine tem para com os espaços que ocupou, e como isso afetou sua escrita.

Tendo como foco se alinhar às propostas do Programa de Pós-graduação em Histó-ria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, este trabalho se insere dentro da área de concentração História e espaços. Esta área de concentração reúne trabalhos que se preocupam com o espaço enquanto uma dimensão essencial para a pratica do historiador. Desta forma, o espaço não é tido como algo dado a priori, mas como uma construção social e simbólica. Sendo assim, os espaços surgem como suportes para a construção de identidades locais, regionais e nacionais, bem como para as lutas e segregações sociais estando contra ou a serviço do poder.

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O Seridó, ao qual Lamartine atribui a expressão “Sertão do nunca mais”, será um dos espaços mais importantes para nosso estudo, porém existem na experiência de Lamartine outras localidades que tiveram importância significativa em seu processo de escrita. São elas, as fazendas Lagoa Nova e Acauã no agreste norte-rio-grandense, e cidades como Rio de Janeiro e Recife. Foi através destes lugares que Oswaldo Lamartine pôde adquirir grande parte dos conhecimentos que estão registrados em seus livros, seja através da observação, da prática ou da leitura.

É preciso destacar também que entre as linhas de pesquisa que compõem a área de concentração História e espaços, esta pesquisa se insere na linha Linguagens, Identidades e Espacialidades que recebe trabalhos que, entre suas variadas temáticas, versam sobre os discur-sos, representações, fazeres e de como estes compõem sentidos para o mundo humano. Tais discursos, representações e fazeres podem ser analisados a partir dos mais variados suportes, tais como a literatura, a música, ou a pintura.

No Programa de Pós-graduação em História temos alguns trabalhos próximos a nossa investigação, como por exemplo, o trabalho de Olívia Morais de Medeiros Neta, que investigou como os discursos de vários autores construiu e representou o Seridó. Junto com Oswaldo Lamartine foram analisados autores como José Augusto, Juvenal Lamartine e Manuel Dantas.

Outra pesquisa dentro do programa é a de Jossefranea Vieira Martins que versa sobre Ariano Suassuna e sua construção do Sertão em sua obra A pedra do reino (2011). Esse trabalho se assemelha ao nosso em função dos personagens estudados, pois tanto Suassuna quanto Lamartine foram homens profundamente afetados por sua conjetura temporal e por um espaço, pois, ambos tiveram suas vidas mortificadas pela “Revolução de 1930”, quando ainda eram garotos, e também desenvolveram uma ligação profunda com um espaço, Lamartine pelo Seridó no Rio Grande do Norte e Suassuna por Taperoá na Paraíba.

Esta pesquisa é dedicada a compreender as relações ente história e espaços, especi-almente como elas se dão na experiência e escrita de Oswaldo Lamartine de Faria. Dentro do meio historiográfico, existem muitas perspectivas e formas de se produzir História. Uma das delas é a da Escola do Annales, um dos movimentos historiográficos mais relevantes do século XX. A temática dos espaços na história, dentro desse movimento, foi desenvolvida sobretudo nos textos: A terra e evolução humana (1922) de Lucien Febvre e O Mediterrâneo e o mundo

mediterrânico na época de Felipe II (1949), de Fernand Braudel. Alguns aspectos desse

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processos da vida humana. Por isso, o estudo de Braudel sobre o Mediterrâneo é tão significa-tivo. Neste sentido o espaço não é visto só como um palco para o drama humano, mas para um de seus personagens.

Outra abordagem sobre essa interação é apresentada na vertente da História dos conceitos, linha de pensamento alemã desenvolvida nos anos de 1970. Um dos autores desse pensamento foi Reinhart Koselleck, no seu trabalho Estratos de tempo: estudos sobre história

(2014), discute essa questão da relação entre a História e o espaço. Em sua perspectiva, essas

duas categorias não podem ser compreendidas satisfatoriamente de formas separadas. Elas de-vem, antes de tudo, serem entendidas como conceitos meta históricos sem os quais a prática do historiador não se sustenta. Além, dessa categoria meta histórica, que corresponde a condições mesologias como o relevo ou o clima, existe o espaço construído e modificado pelo homem, como por exemplo, as cidades, estradas e fazendas.

Para a realização deste trabalho convocamos os conceitos do geografo Yi-Fu Tuan, um dos nomes da área humanística da Geografia, refletindo sobre o tema da percepção do ho-mem para com o mundo a sua volta, Tuan estabelece uma articulação entre espaço, lugar e experiência. De modo geral, é feita uma análise acerca da maneira como o ser humano se rela-ciona com os diferentes ambientes nos quais vai sendo inserido ao longo da vida. Vejamos então como Tuan define os conceitos de espaço e lugar:

Na experiência, o significado de espaço frequentemente se funde com o de lugar. “Espaço” é mais abstrato do que “lugar”. O que começa como espaço indiferenciado transforma – se em lugar à medida que conhecemos melhor e o dotamos de valor. Os arquitetos falam sobre as qualidades espaciais do lu-gar; podem igualmente falar das qualidades locacionais do espaço. As ideias de “espaço” e “lugar” não podem ser definidas uma sem a outra. A partir da segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da amplidão, da liberdade e da ameaça do espaço, e vice-versa. Além disso, se pensarmos no espaço como algo que permite movimento, então lugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível que localização se transforme em lugar. (TUAN, 2013, p. 14).

Estes dois conceitos são percebidos nas mais variadas situações humanas. Assim, o lugar pode ter tanto uma importância concreta quanto abstrata ou simbólica. A casa, por exem-plo, tem seu valor prático enquanto um refúgio para as intempéries, é um valor simbólico de ser um potencial foco de nossas reminiscências. Entretanto, existem lugares que podem ser muito importantes para determinados indivíduos mesmo não desempenhando função prática, é neste momento que entra a capacidade humana de simbolização e abstração. Disto surgem lu-gares com a pátria que, apesar de possuir um território, tem sua importância construída através

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de uma série de símbolos e narrativas. O que não impede que muitos desenvolvam um profundo apego a essa espacialidade.

O conceito de experiência, junto com os de espaço e lugar formam uma tríade no pensamento de Tuan sobre as interações entre homem e meio ambiente. O dicionário Aurélio3 define experiência como o ato de experimentar, aprender ou mesmo como uma qualidade da-quele que é conhecedor das coisas da vida. Na abordagem de Tuan essa ideia é pensada da seguinte forma:

A experiência é constituída de sentimento e pensamento. O sentimento hu-mano não é uma sucessão de sensações distintas; mais precisamente, a memó-ria e a intuição são capazes de produzir impactos sensomemó-riais no cambiante fluxo da experiência, de modo que poderíamos falar de uma vida de sentimen-tos como falamos de uma vida de pensamento. É uma tendência comum refe-rir-se ao sentimento e pensamento como opostos, um registrando estados sub-jetivos, o outro reportando-se à realidade objetiva. De fato, estão próximos às duas extremidades de um continuum experiencial, e ambos são maneiras de conhecer. (TUAN, 2013, p.19).

Neste sentido Tuan investiga os mecanismos que atuam na experiência, elegendo o sentimento e o pensamento como componentes fundamentais. O sentimento aqui é visto como uma junção entre os sentidos básicos do ser humano, como o tato, olfato e a visão, com as nossas capacidades mentais de memorização e intuição. O pensamento entra nesta análise como a nossa capacidade racional de adquirir conhecimentos.

Para além dessa tríade, um dos conceitos mais fundamentais de Tuan é o de

Topo-filia. Para ele, esse neologismo pode ser definido como “todos os laços afetivos dos seres

hu-manos com o meio ambiente material” (1980, p. 107). Esses laços podem ter intensidades dife-rentes, assim, a topofilia pode se apresentar como uma simples apreciação estética, a vista de uma cachoeira, vale ou montanha, são exemplos disso. Nesse caso, nossa reação aos espaços é movida majoritariamente pelo sentido da visão. Depois, temos o prazer do contato despertado na interação com a água, o ar e a terra. Aqui são despertados outros sentidos além da visão. Por fim, surgem os graus mais elevados de Topofilia, o apego a um lugar por ser o lar ou local de reminiscências, um amor que pode ir além da experiência física com essa localidade.

O Seridó é um dos lugares mais importantes para Lamartine de Faria, ele desperta seus sentimentos mais fortes e na sua escrita está presente o tempo todo nas páginas de seus livros e cartas, cuja descrição exalta seus cheiros, sons e gostos. O espaço, assim como Tuan

3AURÉLIO, Dicionário. Significado de Experiência. 2018. Disponível em:

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define, também pode ser pensado aqui como sendo tudo aquilo que não é lugar e também tudo o que pode vir a ser um lugar, Lamartine demonstra bem essa possibilidade.

Para entender como essa dinâmica de espaço, lugar e experiência funciona na tra-jetória de Lamartine, é necessário reforçar que ele foi um sujeito de muitas moradas ao longo da vida, isso nos permite enxergar o movimento e a pausa que Tuan nos falou acima. Assim, o primeiro lugar que pode ser identificado é a cidade do Natal, local de seu nascimento em 15 de novembro de 1919, foco das memórias de infância. O Seridó, inicialmente é o lugar onde se passava as férias, momento marcado por brincadeiras nas fazendas da família, sobretudo a Fa-zenda Ingá em Acari.

Ao realizar seus estudos, entre os anos de 1929 e 1941, Lamartine retorna para o Rio grande do Norte e vai participar da construção da Fazenda Lagoa Nova, pertencente a seu pai. Esse lugar seria muito importante para a futura produção escrita de Lamartine, pois foi a partir da convivência com seu pai e com os mestres de ofício4 que muito do seu repertório foi adquirido. No início da década de 1950, Lamartine trabalhou em dois núcleos coloniais, o de Barra da Corda, no Maranhão e no de Pium, no Rio Grande do Norte.

Esses núcleos surgem no contexto do final da era Vargas e governo de Juscelino Kubitsche através de uma política de reforma agraria que vinha em resposta as lutas por distri-buição de terras que se desenvolveram em várias regiões do país. Dentro dessa política estava a implementação dos chamados Projetos integrados de colonização sob a supervisão do INIC (Instituto Nacional de Imigração e Colonização) que foi posteriormente incorporado ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O objetivo, ao criar tais projetos, era não apenas de atender demandas de distribuição de terras como também de incentivar a agri-cultura familiar com foco no mercado consumidor interno (BARBOSA, 2003.p. 19).

Em 1955 Oswaldo Lamartine faz processo seletivo para o Banco do Nordeste, ad-mitido vai para Fortaleza, onde permanece até 1958, quando é transferido para a cidade do Rio de Janeiro. É nesta cidade que ele passa a maior parte de sua vida, dividido entre os afazeres do banco5 e suas pesquisas sobre o Sertão, realizadas nos sebos cariocas. Depois de sua aposenta-doria e da morte de sua segunda esposa, ele retorna para o Rio Grande do Norte e vai viver em um terreno remanescente da Fazenda Lagoa Nova, lá ele constrói sua fazenda, Acauã. Por todo

4 Alguns nomes que merecem destaque entre esses mestres são: Pedro Ourives, o fazedor de selas; Zé

Lourenço, o fazedor de barragens; Chico Julião, o caçador de abelhas; Bonato Liberato Dantas, o pes-cador de açudes e Olintho Ignácio, vaqueiro e caçador.

5 Sua função no Banco do Nordeste era de coleta de informações referentes ao Sistema 34/18 um

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este percurso é possível notar que Lamartine conheceu uma grande variedade de lugares, porém escolheu apenas um para o seu bem querer, o Seridó.

A falta ou a ausência é um elemento importante para que dê preferência a esse lugar. Outro motivo por trás dessa escolha tem origem no contexto de sua família, sobretudo na figura de seu pai Juvenal Lamartine, aspecto que será explorado no primeiro capítulo deste estudo.

Para além dessas questões de trajetória de vida, o presente trabalho também se in-teressa por uma reflexão sobre a escrita de Lamartine. Dentro do conjunto de textos que compõe sua obra, foram escolhidos aqueles que mais dizem do modo como o autor se relacionava com as paisagens as quais entrava em contato. Para tanto, é imprescindível questionar que conceito de paisagem nos serve.

Muitos são os autores que se dedicaram a temática da paisagem, nas mais variadas áreas do conhecimento. Em nosso esforço três abordagens se sobressaem, uma primeira é de Gaston Bachelard em sua obra, A poética do espaço (2008), na qual se interessa sobre as ima-gens poéticas por meio de uma visão fenomenológica que tenta dar conta das subjetividades que as formularam. Seu esforço é no sentido de perceber como a imaginação, através do deva-neio da alma poética, cria imagens tão diversas. Assim a paisagem, na visão deste autor, é criada pela imaginação e, em muitos casos não possuem preocupação em transmitir a precisão das formas empíricas, mas sim de irradiar os mais profundos sentimentos do poeta. Este pensa-mento sobre a paisagem e a imaginação será perceptível em Lamartine, sobretudo em suas falas acerca do Seridó, porém, foram poucas as ocasiões em que esteve neste espaço.

Inspirado pela linha fenomenológica de Bachelard sobre a relação de apego emoci-onal aos espaços, Yi-fu Tuan constrói sua ideia de lugar como um espaço transformado pela experiência. O conceito de paisagem é trabalhado de forma mais abundante em seu livro: To-pofilia (1980), aparecendo de forma menos consistente na obra Espaço e lugar (2013).

A paisagem para ele é um recorte do espaço no qual atua de forma determinante a experiência do indivíduo. A depender da força dessas lembranças e poder desses sentimentos o sujeito pode ser levado a escrever sobre o que viu e sentiu ao ver determinado lugar de seu passado. No que tange a Oswaldo Lamartine esse tipo de construção de paisagem pode ser visto quando fala sobre os momentos vividos na fazenda Lagoa Nova, em São Paulo do Potengi, ou mesmo nas esporádicas visitas ao Seridó durante a infância e adolescência.

Outra perspectiva é demonstrada por Simon Shama, em Paisagem e memória

(1996), que traz a questão da memória e da paisagem como elementos importantes para a

cons-tituição de identidades, bem como o valor desses elementos na vida e nas produções de certos sujeitos históricos que se valem disso para dar sentido e profundidade às suas vidas. A paisagem

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abordada por ele é um elo que transmite significados diversos de acordo com a sociedade e o tempo que às compõe. Esses significados vão sendo legados de geração para geração. Sendo assim, a forma como Lamartine constrói e narra a paisagem sertaneja em sua escrita, tem a ver não só com sua imaginação e experiência direta, mas também com uma tradição de olhar regi-onal. Essa tradição é compartilhada por uma série de autores, como Euclides da Cunha, Gustavo Barroso, Capistrano de Abreu, Graciliano Ramos, Mauro Mota, Ariano Suassuna e Luís da Câmara Cascudo.

O discurso de Lamartine se apresenta aqui sob duas formas. A primeira, sua bibli-ografia que consiste de sua produção escrita, neste item estão contidos, seus livros, ensaios e artigos publicados em jornais. A segunda é constituída por algumas cartas trocadas entre La-martine e seu primo Ramiro Monteiro Dantas.

Sobre o primeiro conjunto, é preciso pontuar algumas questões, pois, dentro dele, existem livros como, Sertões do Seridó (1980) e Notas de Carregação (2001), que são coletâ-neas de escritos do autor reunidos para publicação. Por esse motivo, quando fomos analisá-los temos que ter em mente dois recortes temporais, o da escrita de cada um dos textos separada-mente e o de sua publicação em formato de livro. O primeiro recorte tem a ver com o contexto de produção, ele nos permitirá identificar as circunstancias da escrita de Lamartine. O segundo recorte está relacionado ao modo como obra de Lamartine será assimilada pelos centros, pro-dutores e disseminadores de conhecimento, em seu estado nas décadas de 60 a 80, período que abarca o seu maior volume de sua produção. Entre esses centros podemos citar, a Academia Norte-rio-grandense de Letras, A fundação José Augusto e a Coleção Mossoroense.

Isto posto, passamos a especificar quais livros serão analisados. Sertões do Seridó (1980), edição do Centro Gráfico do Senado Federal; Ferro de ribeiras do Seridó (1984), da Coleção Mossoroense, em primeira edição Fac-similar; Em Alpendres’ Acauã: Uma conversa

com Oswaldo Lamartine (2001), pela fundação José Augusto; e por fim Notas de Carregação

(2001) publicação feita pelo Scriptorim Candinha Bezerra em colaboração com a Fundação Hélio Galvão.

Já o conjunto das correspondências é constituído de quatro cartas que datam de 1990 a 1993, tendo como material as folhas de rosto dos livros trocados entre Oswaldo Lamar-tine e seu primo Ramiro Dantas, residente da Fazenda Saudade, Serra Negra do Norte, região do Seridó potiguar. É importante lembrar que no momento da escrita dessas cartas Lamartine ainda se encontrava morando no Rio de Janeiro. Não deve ser coincidência, portanto, que esses textos tenham como temas centrais a saudade do Seridó e a valorização das raízes familiares.

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Esse grupo de fontes será analisado sob a perspectiva da análise do discurso francês, desenvolvida por Michel Pêcheux nas décadas de 1960 e 1970. Tal abordagem constitui-se como um método que toma o discurso em sua relação com a História e com a sociedade. O contexto de produção desse pensar sobre o discurso, se encontra na mesma temporalidade em que produz Derrida, novas percepções sobre a relação entre o homem e a linguagem.

Estes autores criticam a posição apriorística dada a linguagem, ou seja, a linguagem traria uma verdade em si mesma que caberia apenas ser descoberta, é a colocação do homem como princípio explicador de todas as coisas. No lugar disso, passam a discutir o ser humano como uma posição em relação a algo e a linguagem como um mecanismo intricado que aponta para seu exterior. Aplicando isto a dimensão do texto temos que, este não conclui seu sentido em si mesmo. Os significados dos textos são dados a conhecer por sua relação com o sujeito, a sociedade, o tempo e a espacialidade que o produziu.

O discurso, objeto próprio desse método, é visto por Pêcheux como “um corpus de objetos discursivos” (1975, p.181), tais objetos podem ser entendidos como textos nas suas variadas formas de apresentação. O estudo de um discurso começa com um ou mais textos que possuem alguma questão em comum a ser analisada.

Tomado esse grupo, o primeiro trabalho do analista é, segundo Pêcheux, transcen-der a superfície linguística com base nos esquecimentos número 1 e 2. O primeiro esquecimento é aquele no qual o sujeito que constrói o discurso pensa ser a origem de seu dizer, quando na verdade apenas agrupa elementos preexistentes na linguagem. Assim como fala Orlandi, “quando nascemos os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo” (2009, p.23). O esquecimento dois faz com que se acredite que o discurso só poderia ser dito daquele modo, e não de outro. Para Pêcheux, em função do primeiro esquecimento, este é da ordem do inconsciente, é inacessível ao sujeito. O esquecimento dois, por outro lado, pode ser acessado pelo sujeito, basta que pra isso ele queira reestruturar o modo como diz e se colocar de outra maneira.

Para identificarmos esses processos, é preciso atentar para as condições de produ-ção dos discursos que dizem respeito ao sujeito e a situaprodu-ção. Desta maneira, vamos em busca do contexto histórico em que o sujeito está mergulhado, onde ele produz tipos de discursos que incidem sobre ele. Além disso, é importante destacar como ele toma estes aspectos e constrói sobre eles um saber diferente. Todo esse percurso, em vista, passamos então de um discurso bruto para um objeto discursivo.

Outro componente importante da análise do discurso é a formação de um disposi-tivo de análise que comporta, além das regras acima discriminadas (próprias do método), o

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aparato teórico particular de cada analista convocado em função da questão que pretende res-ponder com seu trabalho.

Ao aplicar este método a nosso objeto, Oswaldo Lamartine de Faria, um primeiro movimento de pesquisa é construir uma questão de análise, em nosso caso a questão é investi-gar, de maneira geral, a relação entre Lamartine e os espaços. Tendo isso em mente identifica-mos dentro do escopo de sua produção aqueles textos que mais nos dizem sobre essa relação. Após feita essa escolha, temos que pensar no contexto de formação, analisando por exemplo, qual era o ambiente familiar de Lamartine, como se dá sua formação como sujeito. Além disso, precisamos destacar que discursos estão incidindo sobre esse sujeito. Podemos perceber com isto que, em um primeiro momento o discurso familiar irá impacta-lo profunda-mente, sobretudo a figura do pai. Em outro ponto a proximidade com autores como Luís da Câmara Cascudo o colocará em contato com o discurso folclorista e regionalista, muito difun-dido nas primeiras décadas do século XX. Contudo, vamos ver ainda suas vivências no cons-tante ir e vir entre os espaços, construindo relações e significados no percurso.

Não podemos esquecer também do contexto amplo no qual Lamartine está imerso, pois, ele irá presenciar um momento de mudanças sociais, políticas e culturais de grande im-pacto, começando com a “Revolução de 1930”, passando pela Ditadura militar, a redemocrati-zação e todo o percurso tecnológico que cerca esses acontecimentos.

Com destino a conduzir essa análise, escalamos alguns conceitos norteadores que já mencionamos anteriormente são eles: representação, identidade, espaço, lugar, topofilia, ex-periência e paisagem. Tais conceitos realizaram o trabalho de mediação teórica condizente com nossos objetivos.

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Oswaldo Lamartine de Faria nasceu em 1919 sendo o décimo filho do casal Juvenal Lamartine de Faria e Silvina Bezerra de Araújo Galvão. Gostava de dizer que era “um sobejo da seca de 1919”. Apesar de dedicar grande afeto pelos sertões do Seridó, seu nascimento ocorre em Natal, a capital potiguar onde passou grande parte da infância nos quintais repletos de ár-vores frutíferas na companhia de amigos e colegas da rua Trairi. É alfabetizado, como muitos em sua época, por professores particulares. Posteriormente estudou no Colégio Dom Pedro II fundado pelo professor Severino Bezerra (1888-1971) também em Natal.

Em 1929, em um incidente com arma de fogo, Lamartine vitimou fatalmente seu colega Ferdinando Dantas. Uma das poucas referências que encontramos sobre esse evento está no livro, O Turista Aprendiz (2015) o diário de viagens de Mario de Andrade que em 1929 estava visitando Luiz da Câmara Cascudo em Natal e deixa registrado a seguinte nota: “A ci-dade hoje esteve apreensiva porque um filho do presidente do estado, Juvenal Lamartine, brin-cando (doze anos), deu um tiro no filho do capitão de polícia. Atravessou três partes o intestino. Espera-se a morte desse menino”. (ANDRADE, 2015, p.231).

Talvez por este motivo é internado no Ginásio de Recife do Padre Felix Barreto e de lá vai para o Instituto Lafayette no Rio de Janeiro. Por fim tem sua formação na Escola de Agronomia em Lavras, Minas Gerais. Deste processo de formação retorna a terras potiguares em 1940 para ajudar seu pai na administração da fazenda Lagoa Nova em São Paulo do Potengi adquirida recentemente.

Podemos notar que sua perspectiva educacional foi em quase tudo semelhante à da maioria dos filhos das elites daquela época, porém quando chega ao ensino superior destoa um pouco ao ir para uma escola técnica agrícola e não para uma faculdade de direito, por exemplo. Isso foi uma iniciativa de seu pai que nos anos iniciais do século XX enviou os filhos para lá com o objetivo de versa-los nas técnicas de cultivo da terra elemento que consi-derava de grande importância. Além de Oswaldo outros dois filhos Octávio e Clóvis também estudaram na instituição.

Com os conhecimentos adquiridos com a formação técnica e com as experiências em Lagoa Nova, administrará fazendas e os núcleos coloniais em Barra do Corda no Maranhão e Pium no Rio Grande do Norte ambas iniciativas do Ministério da Agricultura realizadas entre as décadas de 40 e 70 com o intuito de explorar áreas ainda pouco habitadas do país visando uma maior produtividade agrícola. Após sair desse trabalho Lamartine, em busca de estabili-dade, fará concurso para trabalhar no Banco do Nordeste. Após ser aprovado desenvolve fun-ções em várias localidades nos estados do Ceará e Rio de Janeiro. Suas atribuifun-ções eram, em

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geral, de levantamento de dados sobre as secas e as produções no Nordeste logo como ele dizia “Jamais lidei com cifrões”.

As descrições feitas sobre Oswaldo Lamartine e a visão que ele constrói de si mesmo dão conta de um homem tímido e de poucas palavras. Ele se define, em muitas ocasiões, como um “bicho do mato” aspecto que diz muito de sua intenção de se ligar a natureza contra-pondo-se a modernidade que tanto criticou em seus textos. Nesta linha Francisco das Chagas Pereira ressalta no prefácio de Sertões do Seridó (1980).

Sertão de Lamartine não existe como objeto exterior de pesquisa, distanciado de impessoal investigador. E espaço interior, vivenciado, incorporado ao mundo de valores, crenças e cuidados do escritor: até parece ter-se cristalizado no seu perfil aristocraticamente seco, tímido, quase ascético. (FARIAS, 1980, p.15).

Sua primeira esposa Cassilda Aranha Soares lhe deu dois filhos Isadora e Cassiano. Isadora morreu em 1972 aos 27 anos. O perfil ascético ao qual Pereira se refere é particular-mente forte no retorno ao Rio Grande do Norte, ocasião marcada pela morte de sua segunda esposa Maria de Lurdes Leão Veloso da Rocha em 1995. Ele volta para morar na fazenda Acauã no município de Riachuelo6 uma parcela do terreno que outrora pertencera à fazenda de seu pai. Um dos aspectos mais repetidos em suas conversas são as memórias ou o relembrar constante de fatos, práticas e sujeitos que fizeram parte de sua vida. A memória não serve ape-nas para trazer à tona os bons tempos do passado ela pode trazer sentimentos indesejados como a tristeza das perdas ou a culpa fazendo do relembrar um processo árduo. O peso das lembranças fica claro na entrevista concedida a Tácito Costa, jornalista da Revista Préa:

As horas demoram a passar e as leituras o enfadam. Também não tem dormido bem. Mas ressalva que nunca dormiu que preste em toda a sua vida. As lem-branças têm sido a companhia mais presente na vida do escritor. Não cessam hora nenhuma, ele confessa. Todas muito vívidas. Como num filme, compara. “Infelizmente, afloram as lembranças boas e as amargas”, diz. (COSTA, 2005, p.9).

Ao tardar da vida, Oswaldo Lamartine apresenta vários problemas de saúde e se vê obrigado a ir morar em Natal sob o olhar e os cuidados de familiares. Sua última morada é um

6 O terreno que ficava originalmente no território do munícipio de São Paulo do Potengi passa a integrar

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flat no bairro de Petrópolis. Será nesse espaço que no dia 28 de março de 2007 Oswaldo comete suicídio com arma de fogo.

Embora não tenha vivenciado plenamente o Seridó como mostra sua biografia, Os-waldo Lamartine nasceu em uma família cuja origem remonta a esse espaço. Nessa perspectiva pode-se afirmar que seu contexto familiar foi marcado pelo modelo de família sertaneja na qual a figura paterna possui poder sobre a esposa e prole, e em um sentido mais amplo, sobre os agregados e funcionários. Ou seja, a família sertaneja tradicional dos primeiros anos do século XX mesmo deslocada de sua terra de origem ainda mantem uma mesma ordem hierárquica.

Essa figura paterna aparece de variadas formas nas narrativas familiares. O patri-arca pode surgir como um personagem autoritário muitas vezes agressivo e controlador é o caso relatado no livro Infância (1945) de Graciliano Ramos. Porém em certos contextos o patriarca é tomado como um bastião de identidade, como um modelo de ser humano promovendo uma forte idealização a seu redor. A “revolução de 1930” é um momento que influenciou muito na trajetória de vida de certos escritores, sobretudo aqueles cujos familiares estiveram diretamente envolvidos no fluxo dos fatos.

Ariano Suassuna constitui um exemplo deste estado de coisas e sobre ele Jossefra-nia Vieira Martins escreve em sua dissertação intitulada, O reino encantado do Sertão: Uma

crítica da produção e do fechamento da representação do Sertão no romance de Ariano Suas-suna (2011). Neste estudo ela faz uma análise de como o autor em sua escrita constrói um

espaço sertanejo ordenado e marcado por modos de sociabilidade ditos tradicionais. Essa nar-rativa encerra, além disso, uma representação de seu pai João Suassuna ex-presidente do estado da Paraíba, morto em função dos acontecimentos da “Revolução de 1930”, momento de grande sofrimento para sua família.

O ano de 1930 é visto pelo jovem Suassuna um marco importante. Em sua literatura sobre tudo no romance A pedra do Reino, busca mesclar a memória de seu falecido pai a do Sertão construindo uma só identidade a partir deles. Desta forma o romance toma como foco um passado idealizado, muito anterior à 1930 onde João Suassuna, na figura de um Rei, ainda dominava aquelas terras.

Assim como Suassuna, Oswaldo Lamartine, o foco desta pesquisa, apresenta-se como um desses filhos com uma intensa ligação ao pai e a terra natal além de dedicar toda uma produção a representação dessa espacialidade, Sertão. Essa intensidade não se dá necessaria-mente pelo tempo de contato com o pai e, sim pela importância que atribui a ele. É de vital importância trabalhar essa ligação e os vários contextos que a circundam e, sendo assim nos preocupamos em identificar a influência que esse processo teve em sua percepção de mundo

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bem como em que nível podemos determinar suas interferências na memória construída sobre o pai.

Para conduzir sua pesquisa Martins se utilizou do método da desconstrução que Jacques Derrida desenvolveu em obras como Gramatologia (1973) e a Escrita e a diferença

(2002). A desconstrução, tal como pensada por Derrida é um processo que surge a partir de sua

crítica ao logocentrismo expresso pela racionalidade ocidental a qual enxerga na fala aquilo que há de mais puro e verdadeiro enquanto a escrita seria jogada como seu reflexo, portanto como uma ilusão. Este duplo fala e escrita é uma das bases da Linguística de Ferdinand de Saussure, mas esse é apenas um dos pares questionados nos textos de Derrida.

Martins, seguindo as prerrogativas de Derrida conduz sua pesquisa utilizando-se do pensamento do rastro, ou seja, ela vai atrás aqueles pontos que indicam a arquiescritura do texto ou o momento anterior à escrita, a sua própria possibilidade de existência. Assim o método da desconstrução busca uma cena inicial e a partir dela os encadeamentos que possibilitaram a formação da cena final da escrita, a publicação.

No mesmo sentido, mas adotando a perspectiva da análise do discurso de Michel Pêcheux a intenção por trás dessa investigação acerca a da figura paterna de Oswaldo Lamartine é a de delimitar uma primeira condição de produção de seu discurso sobre o Sertão. Essa pri-meira motivação é justamente a sua condição de nascimento em meio a uma família tradicional seridoense, elite dominante da política estadual que passou por um processo de desestruturação após 1930 cujo epicentro é a queda de Juvenal Lamartine do governo. Como o contexto amplo de modificações na política nacional e estadual influenciou consistentemente os rumos da vida do pequeno Lamartine, é o que buscamos tratar neste capítulo.

Uma das maiores questões que cercam os políticos, tanto em vida quanto na morte, é a perspectiva da sua memória pública. É o caso de Juvenal Lamartine de Faria. Peixoto (2017) constrói seu conceito representação a partir de uma teorização em torno dos referenciais de autores como, Schopenhauer, Derrida, Bourdieu e Borges. Nestes autores, a representação não é linear, mas o fruto de uma reconstrução continua produzida na interação entre os sujeitos em um meta-jogo no qual se envolvem indivíduos e instituições. Deste modo intende-se que os vários discursos formados em torno da figura de Lamartine como uma luta de representações na qual participam, além dele mesmo, amigos, aliados políticos, opositores e familiares. Cada um destes emite seu discurso a partir, ou com apoio de determinadas instituições como e o caso da Fundação José Augusto, a Academia Norte-rio-grandense de Letras, a Livraria José Olympio ou a Coleção Mossoroense. Todas, instituições públicas ou privadas, contando com uma grande influência de grupos políticos como veremos mais à frente.

Referências

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