• Nenhum resultado encontrado

Fazendo história e vencendo preconceitos: uma experiência na escola pública com o futsal para meninas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Fazendo história e vencendo preconceitos: uma experiência na escola pública com o futsal para meninas"

Copied!
150
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ REITORIA DE PÓS GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA EM REDE

MARCOS LEIVA DA SILVA NERY

FAZENDO HISTÓRIA E VENCENDO PRECONCEITOS: uma experiência na escola pública com o futsal para meninas

NATAL – RN 2020

(2)

FAZENDO HISTÓRIA E VENCENDO PRECONCEITOS: uma experiência na escola pública com o futsal para meninas

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional – ProEF da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Educação Física Escolar.

Orientadora: Elizabeth Jatobá Bezerra, D. Sc.

NATAL – RN 2020

(3)
(4)
(5)
(6)

Dedico essa dissertação ao meu Pai (in memoriam), Francisco Nery Pereira, que pelo seu exemplo de ser humano, de liderança, de honestidade, de sabedoria e de amor, de caráter, esforçou-se, sobremaneira, para me oferecer uma vida repleta de saberes e vivências formadoras, utilizando a educação, a correção, o lazer criativo e o futebol, como pano de fundo para tantos ensinamentos.

Obrigado, meu Pai!

(7)

A Deus, que é Pai, Filho e Espírito Santo.

À minha esposa, Ana Lorena, por sua cumplicidade no amor e no caminhar, lado a lado, em todos os momentos e escolhas.

Ao meu filho, Lorenzo, por ser minha alegria.

À minha Mãe, D. Terezinha, por todo seu amor-cuidado e por ser minha guia para uma consciência cristã.

À minha Vó, D. Neguinha (in memoriam), por seu exemplo de matriarca e, por ter sido a semeadora dos valores morais de nossa família.

À minha Irmã, Nerilene, aos meus irmãos, Davi e Levi, por carregarmos juntos os verdadeiros sentidos de fraternidade.

À minha Tia Nema, por compartilharmos juntos a paixão pelo futebol. À minha sogra, D. Eunice, por todo seu apoio e seu exemplo de mãe. À D. Bethânia, por todo seu cuidado com o meu lar.

À minha orientadora, Professora Doutora Elizabeth Jatobá Bezerra, por todo cuidado, dedicação e zelo, com a nossa escrita em conjunto.

À minha banca de qualificação, integrada pelo Professor Doutor Antônio de Pádua dos Santos e pela Professora Doutora Paula Nunes Chaves, por suas valorosas contribuições.

A todas/os as/os professoras/professores, funcionárias/os do Departamento de Educação Física da UFRN e ao GEPEC, pelo acolhimento e pelos incontáveis ensinamentos construídos nessa trajetória.

A todas/todos as/os colegas da inesquecível primeira turma do ProEF/UFRN, por todos os saberes compartilhados, meu agradecimento especial à Eugênia e ao Alex, por nossa amizade construída ao longo desse processo acadêmico.

À Escola Marieta Guedes Martins, pelo acolhimento para realização desse trabalho. Às minhas alunas, por serem exemplos e fonte de inspiração desse estudo.

À UNESP, por possibilitar meu crescimento acadêmico.

À CAPES/PROEB - Programa de Educação Básica, pelo oferecimento do Programa de Pós-Graduação em Educação Física em Rede Nacional – ProEF.

(8)

Ave Maria Sertaneja

Quando batem às seis horas De joelhos sobre o chão O sertanejo reza a sua oração: Ave Maria, Mãe de Deus Jesus Nos dê força e coragem

Pra carregar a nossa cruz. Nesta hora bendita e santa

Devemos suplicar à Virgem Imaculada Os enfermos vir curar.

Ave Maria, Mãe de Deus Jesus Nos dê força e coragem

Pra carregar a nossa cruz.

Composição Júlio Ricardo e Osvaldo de Oliveira Interpretação de Luiz Gonzaga

(9)

As questões de gênero, há muito tempo, constituem-se uma das problemáticas da Educação Física escolar e da sociedade. Como cenário propício para um olhar investigativo sobre essas questões, evidenciou-se no estudo uma prática pedagógica de futebol de meninas na escola, com suas experiências de protagonismo e de enfretamento frente ao preconceito e desigualdade baseado nas relações de gênero no esporte. Nessa perspectiva, o objetivo geral deste estudo consistiu em analisar questões de gênero e preconceitos sofridos por meninas que jogam futebol em um projeto esportivo de uma escola pública, bem como apresentar características do protagonismo e empoderamento das alunas e do engajamento do professor-pesquisador. Como objetivos específicos elencou-se: construir uma síntese crítico-histórica da participação de meninas e de mulheres na Educação Física e no esporte, destacando a modalidade futebol; apresentar os aspectos da formação profissional do professor-pesquisador que contribuíram para o enfrentamento das relações desiguais de gênero na Educação Física e esporte escolar; analisar as narrativas das alunas em relação aos sentidos e significados no engajamento no futebol; descrever o contexto, o processo pedagógico e os resultados da aprendizagem de um projeto esportivo extraclasse de em uma escola pública de Fortaleza – Ceará. Para esse fim, realizou-se uma pesquisa participante em um projeto de futebol de meninas na escola, por meio da observação participante, da narrativa docente do professor-pesquisador e da entrevista temática com 08 (oito) alunas. O projeto analisado revela a potencialidade de uma prática esportiva na escola como ferramenta de empoderamento de meninas, e aponta direções para o desenvolvimento de um esporte escolar mais democrático. As falas das alunas evidenciam que: (i) a iniciação delas no futebol acontece com frequência nas brincadeiras de bola na rua; (ii) as influências dos familiares são preponderantes para a permanência ou desistência no futebol; (iii) o nível de habilidade técnica no futebol ainda é aspecto determinante para inclusão ou exclusão de meninas nas aulas de Educação Física escolar; (iv) o envolvimento no futebol de meninas propicia tanto sentimentos agradáveis, que relacionam-se com o caráter espontâneo e prazeroso do projeto, como sensações de dores, que relacionam-se com as agressões simbólicas do preconceito; (v) as vivências no projeto de futebol promovem uma consciência crítica na configuração social do esporte. Considerando o futebol de meninas na escola com uma prática pedagógica empoderadora, indicamos ser cada vez mais urgente lançar olhares sobre a cultura do futebol, hegemonicamente masculina, a fim de reconstruí-la mais democrática e menos excludente, a partir do chão da escola.

(10)

Gender issues have long been one of the issues of school Physical Education and society. As a conducive scenario for an investigative look at these issues, a pedagogical practice of girls' soccer at school was evidenced in the study, with their experiences of protagonism and coping with prejudice and inequality based on gender relations in sport. In this perspective, the general objective of this study was to analyze gender issues and prejudices suffered by girls who play football in a sports project in a public school, as well as to present characteristics of the protagonism and empowerment of the students and the engagement of the teacher-researcher. The specific objectives were: building a critical-historical synthesis of the participation of girls and women in Physical Education and sport, highlighting the football modality; to present the aspects of the professional training of the teacher-researcher that contributed to face unequal gender relations in Physical Education and school sports; analyze the students' narratives in relation to the senses and meanings in their engagement in football; describe the context, the pedagogical process and the learning results of an extraclass sports project in a public school in Fortaleza - Ceará. To this end, a participatory research was carried out in a girls' football project at school, through participant observation, the teaching narrative of the teacher-researcher and the thematic interview with 08 (eight) students. The analyzed project reveals the potential of a sports practice at school as a tool for girls' empowerment, and points out directions for the development of a more democratic school sport. The students' speeches show that: (i) their initiation in football happens frequently in ball games on the street; (ii) the influences of family members are preponderant for the permanence or withdrawal in football; (iii) the level of technical skill in football is still a determining factor for the inclusion or exclusion of girls in school Physical Education classes; (iv) involvement in girls' football provides both pleasant feelings, which are related to the spontaneous and pleasurable character of the project, and feelings of pain, which are related to the symbolic aggressions of prejudice; (v) the experiences in the football project promote a critical awareness of the social configuration of the sport. Considering girls' football at school with an empowering pedagogical practice, we indicate that it is increasingly urgent to take a look at the culture of football, which is hegemonically male, in order to reconstruct it more democratic and less excluding, from the school floor.

(11)

Figura 1 - Mapa conceitual ... 59

Figura 2 - Charge futebol ... 61

Figura 3 - Estratégias de divulgação ... 93

Figura 4 - Roda de conversa e preparação do corpo ... 94

Figura 5 - Vivências no futebol ... 95

Figura 6 - Aulas de futebol na Educação Física escolar ... 97

Figura 7 - Cronograma de utilização da quadra no recreio e alunas jogando futebol no recreio ... 100

Figura 8 - Projeto professor autor ... 102

Figura 9 - Competições escolares ... 104

Figura 10 - Organização e confraternização em dia de jogo ... 105

Figura 11 - WhatsApp e Instagram ... 107

Figura 12 - Página do Facebook ... 107

Figura 13 - As Aliadas do futsal ... 108

Figura 14 - Jogos interclasses... 110

Figura 15 - I Copa de futsal feminino ... 111

Figura 16 - Aluna em evento cultural e competição de futebol na escola ... 112

Figura 17 - Parecer consubstanciado do CEP p1 ... 143

Figura 18 - Parecer consubstanciado do CEP p2 ... 144

Figura 19 - Parecer consubstanciado do CEP p3 ... 145

Figura 20 - Parecer consubstanciado do CEP p4 ... 146

Figura 21 - Parecer consubstanciado do CEP p5 ... 147

(12)

Tabela 1 - Dados escolares das entrevistadas ... 23 Tabela 2 - Dados das entrevistas ... 27 Tabela 3 - Categorias de análise ... 28 Tabela 4 - Quantitativo de equipes de futebol federadas e competições institucionalizadas de futebol feminino e masculino pela FCF e CBF em 2019 ... 42 Tabela 5 - Quantitativo de equipes femininas e masculinas de futsal das escolas públicas participantes dos JEIMF’S em 2018 e 2019 ... 43 Tabela 6 - Quantitativo de jogos de futsal feminino e masculino nos jogos esportivos internos realizados em 2018 e 2019 ... 43

(13)

ABE Associação Brasileira de Educação

AEE Atendimento Educacional Especializado

AVA Ambientes Virtuais de Aprendizagem

BNCC Base Nacional Comum Curricular

CEP Comitê de Ética e Pesquisa

CND Conselho Nacional dos Desportos

CBF Confederação Brasileira de Futebol CONMEBOL Confederação Sul-Americana de Futebol

COEF Coordenadoria de Ensino Fundamental

EPDS Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social EDUTEC/UNESP Portal da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

DEF Departamento de Educação Física

FCF Federação Cearense de Futebol

FGF Faculdade Integrada da Grande Fortaleza FIFA Federação Internacional de Futebol

IDH Índice de Desenvolvimento Urbano

JEIMF’S Jogos escolares da integração do município de Fortaleza JUB´S Jogos Universitários Brasileiros

NEAD/UNESP Núcleo de Educação a Distância da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

NG Núcleo Gestor

ONU Organização Mundial das Nações Unidas

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

ProEF Programa de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional

SEDUC Secretaria de Educação

SIGAA Sistema integrado de gestão de atividades acadêmicas

(14)

UFC Universidade Federal do Ceará

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNIFOR Universidade de Fortaleza

(15)

1 REFLETINDO SOBRE O FUTEBOL DE MENINAS NA ESCOLA ... 15

2 PERCURSO METODOLÓGICO ... 21

2.1 TIPO DE PESQUISA ... 21

2.2 UNIVERSO, SELEÇÃO E TAMANHO DA AMOSTRA ... 21

2.3 INSTRUMENTOS DE PESQUISA ... 23

2.4 PROCEDIMENTOS...24

3 PERCURSO TEÓRICO ... 29

3.1 ASPECTOS CONCEITUAIS SOBRE GÊNERO, SEXO E SEXUALIDADE ... 29

3.2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DA PRÁTICA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE E FUTEBOL POR MENINAS E MULHERES NO BRASIL... 32

3.3 EDUCAÇÃO ESPORTIVA DE MENINAS NA ESCOLA...45

4 RECONSTRUINDO SABERES PELA NARRATIVA DOCENTE...51

4.1 EXPERIÊNCIAS PESSOAIS . ... 52

4.2 EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS ... 54

4.3 EXPERIÊNCIAS NA FORMAÇÃO ACADÊMICA ... 55

5 PRONUNCIANDO O FUTEBOL: AS VOZES DE MENINAS EM QUADRA ...63

5.1 O DESPERTAR PARA O FUTEBOL. ... 63

5.2 AS RELAÇÕES COM A FAMÍLIA ... 66

5.3 AS RELAÇÕES COM OS MENINOS ... 68

5.4 OS SENTIMENTOS AGRADÁVEIS POR JOGAR FUTEBOL ... 72

5.5 AS DORES DO PRECONCEITO ... 74

5.6 OS ESTEREÓTIPOS ... 77

5.7 AS ATITUDES DE ENFRENTAMENTO CONTRA OS PRECONCEITOS. ... 80

5.8 OS SONHOS NO FUTEBOL ... 82

5.9 A CONSCIÊNCIA SOBRE O ESPORTE DE MULHERES...83

6 FUTEBOL DE MENINAS NA ESCOLA: UMA EXPERIÊNCIA EDUCATIVA ... 86

6.1 ESPORTE ESCOLAR: UMA POSSIBILIDADE PEDAGÓGICA...92

(16)

7 EDUCANDA-EDUCADOR JOGANDO JUNTO COM O EMPODERAMENTO....115

REFERÊNCIAS ... 119

APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA ... 130

APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO...132

APÊNDICE C - TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 1...136

APÊNDICE D - TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 2...138

APÊNDICE E - TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGENS...140

APÊNDICE F - TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ...141

APÊNDICE G - DECLARAÇÃO...142

(17)

1 REFLETINDO SOBRE O FUTEBOL DE MENINAS NA ESCOLA

Se o futebol para você é profissão, faça-o com dedicação. Se é por esporte, faça-o com amor.

Francisco Nery Pereira (2008, p. 10) O futebol em suas diversas manifestações apareceu desde cedo, ou desde sempre, em nossa vida. Como a maioria dos meninos brasileiros, nosso primeiro presente foi uma bola de futebol, juntamente com o uniforme do time de coração, no nosso caso, o Fortaleza Esporte Clube, hoje na séria A do Brasileirão com sua equipe de homens, que disputa competições desde 1918, e na série A2 com sua equipe de mulheres, que teve sua primeira equipe formada somente em 2008. A partir desses dados e das questões sobre o futebol de mulheres no Brasil que deles eclodem e nos sensibilizam, começaremos os movimentos de nossa dissertação.

O futebol como parte da nossa cultura, sendo espaço propício para aprender a ser, a fazer e a conviver, ainda mantém, na atualidade, graves desigualdades, interferindo na construção de uma sociedade mais justa. É perceptível que as formas de discriminações1 instituídas, tão prejudiciais a novas perspectivas de

mudança, ainda são amplamente visíveis na família e na escola, contribuindo com a manutenção do status quo dos valores tradicionais impostos pelo patriarcado.

Repensar a acessibilidade do futebol2 em relação à menina, alinhada aos

princípios de respeito à diversidade, tão urgente na sociedade contemporânea, configura-se em uma tentativa de mudança. Ressignificá-lo à medida em que é praticado na escola em seus diversos espaços e tempos, na busca pela igualdade de gêneros, a partir de vivências formadoras e espaços de fala, tornou-se ao longo do nosso processo pedagógico uma experiência edificante e desafiadora.

1 Discriminação contra a mulher, significará em nosso texto, “[...] toda a distinção, exclusão ou

restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher [...], dos direitos humanos e liberdades fundamentais [...]” em qualquer esfera da sociedade (ONU, 1979).

2 O uso do termo futebol, aplicado ao longo do nosso texto como sinônimo de futsal quando jogado na

escola, parte da justificativa de Morel e Salles (2005, p. 262), ressaltando que “[...] desde o primeiro momento, a mulher que jogava futebol de campo, era a mesma que praticava também o futebol na praia e nas quadras (society e de salão*). Nesse sentido, justificamos o uso pois percebemos que esta situação ainda permanece, embora apenas a nível amador. Felizmente, tanto o futebol como o futsal praticados por mulheres, já encontramos atletas profissionais.

*Entendemos o termo futebol de salão, citado no texto da autora, como aquilo que hoje poderíamos denominar futsal. Embora saibamos que, atualmente, esses conceitos e esses esportes são distintos.

(18)

Para contextualizar nosso caminho, é preciso evidenciar alguns aspectos da prática de esporte por mulheres, como o Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano do Brasil, de 2017, em que observamos que o envolvimento em esportes entre homens é 28% maior que entre mulheres, confirmando as desigualdades e desvantagens presentes na sociedade brasileira, quando se fala em oportunidades de acesso às atividades físicas e esportivas para mulheres (CONFEF, 2017). Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de 2015, afirmam que o futebol, embora seja a principal modalidade esportiva no Brasil com cerca de quinze milhões de praticantes, só registra um percentual de apenas 5,5% relacionado às mulheres (BENEDICTO; MARLI, 2017).

Percebendo essa ampla desigualdade na prática do futebol por mulheres e meninas, e sendo as questões de gênero uma das problemáticas da Educação Física escolar, acreditamos que fomentar e registrar o protagonismo de meninas que jogam futebol, as quais constroem cotidianamente sua história e lutam contra o preconceito, é uma questão política e uma forma de promover visibilidade, agência e empoderamento (GOELLNER; KESSLER, 2018). Em uma perspectiva de mudança de paradigmas, é necessário ressaltar que as trajetórias de mulheres bem-sucedidas como atletas e na vida, ampararam-se na educação e na prática de esporte (ALTMANN, 2015).

Goellner, Votre, Mourão e Figueira (2009) afirma que a ação em prol da inclusão e comprometida com as questões de gênero, favorecem para uma tomada de consciência acerca das desigualdades do machismo e dos diversos tipos de preconceitos contra quaisquer pessoas e/ou grupos que estão fora da norma dominante.

Nesse sentido, consideramos que a Educação Física e o esporte na escola são espaços e tempos democráticos de direito e chão fértil para experiências formativas que englobam todas as pessoas, sem nenhum tipo de discriminação. Com isso, entendemos que uma das funções sociais da escola é a disposição em problematizar temas tão pertinentes ao mundo contemporâneo como, por exemplo, as relações desiguais de poder entre os gêneros masculino e feminino. Essa realidade imposta se torna mais um desafio a ser suplantado tanto por docentes como por discentes.

Altmann (2015) salienta que as desigualdades que acontecem em outras esferas da sociedade, também são reproduzidas nas práticas corporais dentro da

(19)

escola. Dessa forma, nosso interesse é ir de encontro a essas desigualdades e buscar caminhos para tornar o acesso ao esporte, assim com sua permanência, possível e igual para ambos os gêneros, e proporcionar espaços de fala e de escuta às alunas, para que elas ressignifiquem, cada vez mais cedo, práticas sociais limitantes.

Dar voz e vez às meninas através das suas histórias e experiências no esporte, é uma ação significativa para que desnaturalizemos o machismo institucionalizado na sociedade e em práticas corporais de modo geral. Goellner, Votre, Mourão e Figueira (2009) ratificam que precisamos problematizar narrativas e questionar práticas que circulam no nosso entorno, as quais, historicamente, têm reforçado atitudes de preconceito e discriminação.

Dessa forma, investigar com novos olhares as meninas que jogam futebol na escola, a fim de revelar as conquistas e as interdições das alunas nesse esporte, é parte do combate às relações desiguais de poder que contribuem para deslegitimar a mulher na sociedade.

Nesse contexto, em que “[...] nada pode ser intelectualmente um problema se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática [...]” (MINAYO, 2016, p.16), e no desafio singular, que é pesquisar, compreender e compartilhar os efeitos da prática do futebol na história de meninas, é que tomamos como questão norteadora de pesquisa, o seguinte questionamento: Como se revelam as questões de gênero e preconceitos sofridos por alunas que participam de um projeto de futebol de meninas em uma escola pública, e de que forma o engajamento das alunas e do professor-pesquisador no projeto promoveu protagonismos?

Nesta caminhada investigativa, assumimos como o objetivo geral deste estudo analisar questões de gênero e preconceitos sofridos por meninas que jogam futebol em um projeto esportivo de uma escola pública, bem como apresentar características do protagonismo e empoderamento das alunas e do engajamento do professor-pesquisador.

Em consonância com a caminhada, elaboramos os seguintes objetivos específicos, a saber:

 Construir uma síntese crítico-histórica da participação de meninas e de mulheres na Educação Física e Esportes, destacando a modalidade futebol;

(20)

 Apresentar os aspectos da formação profissional do professor-pesquisador que contribuíram para o enfrentamento das relações desiguais de gênero no futebol de meninas na escola;

 Analisar as narrativas das alunas em relação aos sentidos e significados no engajamento no futebol, desvelando os preconceitos sofridos e o enfrentamento como forma de resistência;

 Descrever o contexto, o processo pedagógico e os resultados da aprendizagem de um projeto esportivo extraclasse de futebol de meninas em uma escola pública municipal.

Nos interessamos pela temática dessa investigação a partir de 2016, quando formamos, enquanto professor de Educação Física, uma equipe de futebol de meninas3 em uma escola pública municipal. Já o marco inicial desse estudo, se deu

pelo encantamento e cumplicidade que assumimos na luta dessas alunas contra os preconceitos instituídos socialmente na prática do futebol, em suas atitudes de protagonismo e empoderamento, e na possibilidade de contribuir para o desvelar das discriminações e injustiças, baseados nas relações de gênero, sexo e sexualidade, que atravessam a sociedade, a Educação Física escolar e o futebol.

Dessa forma, iniciamos um movimento frente às igualdades de gênero no futebol da escola, ao nos depararmos com possibilidades reais de agir, e de tornar visível as experiências, a partir da convivência com essas meninas4 apaixonadas por

futebol, que contribuíram para que, com os saberes adquiridos no percurso formativo do professor-pesquisador, construíssemos um projeto esportivo empoderador.

Do ponto de vista da relevância científica, o presente estudo investe em novas perspectivas para os estudos da história da mulher, nos âmbitos da Educação Física escolar e do futebol, assim como para a formação do ser professor. Dessa forma, investigações acerca destas temáticas podem contribuir para que as/os professoras/es da área possam compreender a implicação da discriminação e dos

3 A expressão “futebol de meninas”, utilizadas no texto, ao invés de “futebol feminino”, compartilha da

mesma perspectiva da expressão “futebol de mulheres”, utilizada por Kessler (2012, p. 241), em oposição a expressão “futebol feminino”, pois segundo a autora a “[...] utilização da expressão ‘feminino’ carrega referências ligadas à sexualidade e à feminilidade normativamente impostas”.

4 Utilizaremos ao longo do texto o termo “meninas” para nos referir as alunas do estudo, de acordo

com o Glossário de termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5, da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), que define o termo “meninas” como uma categoria socialmente construída em torno de pessoas do sexo feminino entre 0 e 18 anos de idade (ONU, 2017).

(21)

preconceitos nas práticas corporais, além de entender a construção da trajetória formativa do ser professor.

Ao considerarmos a relevância social, o presente estudo oportuniza, às alunas do estudo, um posicionamento referente à nossa temática e evidencia suas histórias pessoais sobre o futebol e sobre si mesmas, ao mesmo tempo que lança novos olhares sobre a mulher nos esportes no que concerne aos avanços alcançados por elas na sociedade atual.

Para que os objetivos de nosso estudo e a questão central sejam esclarecidos, a dissertação está organizada em sete capítulos, sendo o primeiro de caráter introdutório, no qual iniciamos com as primeiras reflexões acerca do futebol de meninas e as questões de gênero na Educação Física e esporte escolar, evidenciando a justificativa, a questão norteadora da pesquisa e os objetivos: geral e específicos.

No capítulo 2, abordamos o percurso metodológico em que contemplamos a pesquisa participante, envolvendo as alunas do estudo e o professor-pesquisador. Para tanto, como instrumentos para coleta de dados utilizamos a observação participante, a narrativa docente e a entrevista temática, além da análise de conteúdo para as narrativas das alunas.

O capítulo 3 discute o percurso teórico que conduz a pesquisa, com enfoque nos estudos e discussões sobre gênero, sexo e sexualidade na Educação Física, no esporte e no futebol no Brasil.

No capítulo 4, fazemos um movimento retrospectivo sobre nossas experiências pessoais, profissionais e formativas que contextualizadas com a temática em estudo, influenciaram nossa trajetória docente e o desenvolvimento desta investigação.

No capítulo 5, apresentamos as análises de conteúdo temática, referentes as narrativas das alunas, que obedeceram a seguinte sequência: 5.1 O despertar para o futebol; 5.2 As relações com a família; 5.3 As relações com os meninos; 5.4 Os sentimentos agradáveis por jogar bola; 5.5 As dores do preconceito; 5.6 Os estereótipos; 5.7 As atitudes de enfrentamento contra os preconceitos; 5.8 Os sonhos no futebol e 5.9 A consciência sobre o esporte de mulheres.

Já o capítulo 6 desvela, a partir de um relato de experiência, como uma prática pedagógica em uma escola pública municipal, denominado Clube de

(22)

Aprendizagem de futebol de meninas, se efetivou, tornando-se exemplo de resistência e de transgressão às normas hegemônicas patriarcais no futebol.

Por fim, ao capítulo 7 são destinadas as considerações finais, em que colocamos a nossa conclusão sobre a importância da reflexão e de mais estudos sobre as relações de gênero na Educação Física e no esporte escolar, além de sugestões para a transformação pedagógica da prática do futebol de meninas na escola.

(23)

2 PERCURSO METODOLÓGICO

Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar e anunciar a novidade.

Paulo Freire (1996, p. 32) O percurso metodológico de uma pesquisa se reveste como uma das mais importantes partes da investigação acadêmica, uma vez que a mesma deve articular o objeto de estudo aos pressupostos e instrumentos de coleta de dados, de forma coerente e harmônica.

2.1 TIPO DE PESQUISA

Nossa opção metodológica contemplou a utilização da pesquisa participante (BRANDÃO, 2013), pois existiu uma ação pedagógica em curso, e um envolvimento dialógico e de partilha entre as alunas e o professor-pesquisador, situada em uma perspectiva da prática de futebol por meninas no contexto escolar. De acordo com Brandão (2013, p. 6, grifo do autor), partimos “[...] da realidade concreta da vida cotidiana dos próprios participantes individuais e coletivos, em suas diferentes dimensões e interações”.

Seguindo Marconi e Lakatos (2017) sobre pesquisa empírica, com abordagem qualitativa, entendemos que a compreensão da realidade social se deu por uma conduta participante, sem neutralidade científica, fruto de nossa interatuação com um grupo de alunas na escola, com a intenção de apreender e interpretar o significado social, atribuído por elas, à prática de futebol e aos enfrentamentos que vivenciam nesse esporte.

2.2 UNIVERSO, SELEÇÃO E TAMANHO DA AMOSTRA

A pesquisa foi realizada na Escola Municipal Marieta Guedes Martins, pertencente à rede pública de ensino, em Fortaleza, no Estado do Ceará. A escola possui 732 (setecentos e trinta e dois) alunas/os e está inserida em uma comunidade da periferia de Fortaleza, cujo público é, predominantemente, de classe social de baixa renda.

(24)

Segundo González (2013, p.112), o universo da pesquisa “[...] se refere à totalidade da população que se deseja conhecer, o conjunto de pessoas que possuem um agregado de características específicas definido para uma pesquisa”. Nesse caso, o universo da pesquisa foi composto por 25 (vinte e cinco) alunas, participantes do Clube de Aprendizagem de futebol de meninas, com idade entre doze e dezessete anos, alocadas nos anos finais do Ensino Fundamental.

Já a amostra, ainda segundo González (2013, p. 112), “[...] consiste num grupo desse universo, selecionado segundo procedimentos específicos que permitam estimar seu respectivo grau de representatividade em relação a tal universo”. Nesse sentido, como critério de inclusão, na perspectiva da investigação social, recorremos aos critérios de representatividade qualitativa (THIOLLENT, 2011), em que a escolha intencional da amostra para a entrevista foi decidida em função da relevância e da representatividade social das alunas em relação as questões de nossa investigação.

Logo, a amostra ficou configurada com 8 (oito) alunas participantes do Clube de Aprendizagem de futebol, de acordo com os perfis intencionalmente propostos para escolha, sendo eles: i) Alunas que participam há dois anos do Clube de Aprendizagem; ii) Alunas que se destacam pela liderança nas vivências; iii) Alunas que possuem uma argumentação sobre a temática em estudo; iv) Alunas que demonstram atitudes de empoderamento e resistência contra o machismo. Seguindo os preceitos de Thiollent (2011), ficou evidente que não foi possível generalizar as informações coletadas, todavia, clarificou-se uma representação sobre a dinâmica do grupo construída por elas.

Após a escolha, e aceitarem participar do estudo de forma voluntária, as alunas autorizaram sua atuação por escrito, através do termo de assentimento livre e esclarecido (TALE). Como todas as alunas eram menores de idade, houve também o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), assinado pelos pais, ou responsável, autorizando a participação.

Vemos na tabela 1, a seguir, um melhor reconhecimento das alunas participantes, com o perfil de escolha, a especificação do tempo de estudo de cada umas delas na escola, assim como suas idades e os anos do Ensino Fundamental, no ano de 2019. No entanto, a fim de preservar o sigilo da fonte, adotamos uma referência numérica para as entrevistas.

(25)

Tabela 1 – Dados escolares das entrevistadas

Sequência Perfil Tempo de estudo Idade Ano do E.F

Entrevistada 1 i 03 anos 13 anos 8° ano

Entrevistada 2 I 03 anos 14 anos 8° ano

Entrevistada 3 ii 03 anos 14 anos 8° ano

Entrevistada 4 ii 09 anos 16 anos 9° ano

Entrevistada 5 iii 02 anos 13 anos 7° ano

Entrevistada 6 iii 04 anos 15 anos 9° ano

Entrevistada 7 iv 04 anos 16 anos 9° ano

Entrevistada 8 iv 02 anos 13 anos 7° ano

Fonte: Elaborado pelo pesquisador Marcos Leiva da Silva Nery (2019).

2.3 INSTRUMENTOS DE PESQUISA

Como instrumentos de coleta de informações, utilizadas nas investigações de paradigma qualitativo, valemo-nos da observação participante, da narrativa docente e da entrevista temática.

A observação participante, segundo Minayo (2016), é um processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma situação social in loco, na situação concreta em que ocorrem, por um período de tempo determinado, com a finalidade de colher dados e compreender o contexto da pesquisa, modificando e sendo modificado por esse contexto, a partir de suas interferências. Logo, a observação participante (MARCONI; LAKATOS, 2017) se justificou nesse estudo por ser um dos instrumentos mais utilizadas na pesquisa qualitativa, tornando-nos, enquanto professor-pesquisador, não apenas um elemento externo que observa a situação, mas parte da realidade observada, do fenômeno pesquisado. Para o registro dessas informações, utilizamos um diário de campo, principal instrumento do trabalho de observação (MINAYO, 2016). Nesse sentido, elaboramos um roteiro com o uso de pautas prévias, características da observação semiestruturada, participante (NEGRINE, 2017), sendo elas: 1) relação de diálogo das alunas estabelecidas com o professor; 2) relações estabelecidas entre as alunas no interior do grupo, e com alunas de outras equipes; 3) dinâmicas estabelecidas nas aulas e jogos; 4) relações entre as alunas com diferentes níveis de experiências no futebol; 5) interações e

(26)

ações de autonomia e protagonismo das alunas, no enfrentamento do preconceito e exclusão, sofrida por meninas que jogam futebol, no contexto escolar e fora dele.

Utilizamos a narrativa docente, pela proximidade que ela possui com a realidade diária do professor e dos processos educativos, sendo, ao mesmo tempo, um exercício de formação e um instrumento que reconhece o seu protagonismo, além de favorecer a “[...] compreensão da historicidade da experiência humana como uma ação contextualizada” (MOLINA; MOLINA NETO, 2017, p. 160). Para Neira (2018, p. 07) quando o docente relata sua própria experiência e registra o currículo em ação, ele “[...] reinventa e ressignifica o percurso vivido. Mescla descrição, análise e pensamento. Deixa emergir interpretações, recupera memórias e lhes confere outros sentidos”.

A entrevista semiestruturada e temática, parte do propósito de coletar dados subjetivos, além de proporcionar a interação com o sujeito pesquisado, estimulando-o a discestimulando-orrer sestimulando-obre estimulando-o assuntestimulando-o, respeitandestimulando-o estimulando-o seu ritmestimulando-o e pestimulando-ossibilitandestimulando-o estimulando-o aprofundamento de informações na própria entrevista (MINAYO, 2016). Baseada em Alberti (2005), a entrevista se concentrou acerca de um tema específico para as alunas: o futebol na sua vida. Nesse sentido, partimos das experiências das alunas no futebol, com base no envolvimento que as levaram a construir uma trajetória, nesse esporte, dentro da escola. Todo esse percurso mostrou-se adequado, pois contribuiu para compreensão do objeto de estudo, visto que o futebol tem estatuto relativamente definido na trajetória de vida das alunas.

2.4 PROCEDIMENTOS

Como local para coleta de dados e realização da pesquisa, utilizamos a Escola Municipal Marieta Guedes Martins, onde somos lotados como professor de Educação Física, e onde funciona as aulas do Clube de Aprendizagem de futebol de meninas. Após a organização do pré-projeto de pesquisa, apresentamo-lo à Direção da Escola, instituição coparticipante, que autorizou a realização das etapas destinadas à coleta de dados (entrevistas, observações e coleta de imagens), por meio da assinatura de pleno acordo do termo de anuência.

O protocolo deste estudo, o TCLE, o TALE, o roteiro da entrevista e demais anexos foram submetidos ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Lagoa Nova – Campus Central, no dia 28

(27)

de agosto de 2019, em sua versão 1, e tiveram a situação do parecer de número 3.613.227, pendente em 01 de outubro de 2019. A versão 2 foi submetida ao CEP em 17 de outubro de 2019, recebendo a situação do parecer de número 3.673.780 (ver Anexo A) aprovada no dia 31 de outubro de 2019, após resolvidas todas as pendências.

O exame de qualificação desta dissertação foi realizado pela comissão examinadora composta pela Profa. Dra. Elizabeth Jatobá Bezerra (Presidente), pelo Prof. Dr. Antônio de Pádua dos Santos (Examinador interno) e pela Profa. Dra. Paula Nunes Chaves (Examinadora externa), sendo deliberado como aprovado, no dia 14 de outubro de 2019, pois a dissertação cumpriu as disposições regimentais e normas do Programa de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional (ProEF), junto à UFRN e ao Núcleo de Educação a Distância da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (NEAD/UNESP).

As notas oriundas do trabalho de campo foram coletadas em 2019 a partir das unidades didáticas desenvolvidas, e dos seguintes contextos: 1) nas aulas do Clube de Aprendizagem de futebol de meninas que ocorreram às quintas-feiras, no período de março a dezembro (com exceção do mês de julho, devido as férias escolares); 2) nos momentos do recreio, às terças-feiras, que eram destinados ao futebol de meninas; 3) nas competições realizadas na escola (jogos interclasses e I Copa de futsal feminino), que aconteceram em dezembro; e nos 07 (sete) jogos realizados em competições extraescolares, municipal e estadual, entre agosto e setembro. Em conjunto com anotações do diário de campo, outros materiais foram adquiridos da prática e/ou produzidos no campo de pesquisa como, por exemplo, textos transcritos das rodas de conversas, mensagens e imagens das redes sociais (WhatsApp, Facebook e Instagram) de autoria das alunas, além de cartazes, vídeos e imagens/fotos do arquivo e/ou elaborado pelo professor-pesquisador. Por fim, como exercício reflexivo, descrevemos e entrelaçamos nossas experiências com o futebol, ressignificando a trajetória vivida, que melhor expressam nossa ação cotidiana de diálogo entre o futebol, a escola e as relações de gênero.

O convite feito às participantes da pesquisa para a entrevista foi realizado por contato direto individual, em que se explicou de forma clara e precisa sobre a importância, riscos e benefícios da pesquisa. No primeiro momento do recrutamento, os responsáveis de duas alunas não autorizaram a participação na entrevista,

(28)

mesmo as discentes mostrando interesse em participar. Portanto, escolhemos outras duas alunas que se enquadraram dentro dos perfis.

Após selecionadas as participantes, foi explicado o TCLE ao responsável, na sala do Atendimento Educacional Especializado (AEE) da escola. O espaço foi preparado para o atendimento individual, com garantia de privacidade e sigilo das informações, onde o pesquisador fez a leitura do TCLE para o responsável legal da discente, tirou as dúvidas que surgiram e entregou o termo para que o responsável legal também fizesse a leitura e, posteriormente, assinasse. Antes de cada entrevista, o mesmo procedimento do TCLE, feito com os responsáveis, foi realizado com as alunas na leitura do TALE, do Termo de autorização para uso de imagens (fotos e vídeos) e do Termo de autorização para gravação de voz.

Cada entrevista foi coletada individualmente na sala do AEE da escola, que é um espaço preparado para o atendimento individual, com garantia de privacidade e sigilo das informações, sendo 03 (três) entrevistas realizadas no dia 26 (vinte e seis) de novembro (terça-feira), outras 02 (duas) no dia 28 (vinte e oito) de novembro (quinta-feira) e as últimas 03 (três) no dia 05 (cinco) de dezembro (quinta-feira), de 2019 (dois mil e dezenove), todas no período vespertino, que totalizaram 08 (sessões) de entrevistas, 03 (três) horas, 01 (um) minuto, e 02 (dois) segundos de gravações em áudio e vídeo, que após transcrição resultaram em 59 páginas. As entrevistas foram realizadas, conforme declaração de não início (ver APÊNDICE G) e após a aprovação do CEP (ver ANEXO A), datada em 31 de outubro de 2019.

A entrevista seguiu um roteiro (ver APÊNDICE A) que serviu como uma guia flexível da conversa e constou de seis subitens, a saber: 1) O despertar para o futebol; 2) O futebol e a sua família; 3) O futebol na escola; 4) As meninas no futebol escolar e 6) A mulher no futebol: preconceitos e superação. Cada um desses eixos temáticos possuiu frases geradoras que auxiliaram na dinâmica que ocorreu entre o entrevistador e as entrevistadas, com o objetivo de revisitar suas lembranças, assim como fomentar as emoções vividas nos fatos narrados.

Em relação às captações do áudio e de vídeo, nós as utilizamos de forma simultânea em dispositivos diferentes, com o objetivo de ter uma fonte para a transcrição e outra para a revisão das entrevistas. Para a captação de áudio, usamos um gravador de voz, 10.1912.10073.0 © 2018 Microsoft Corporation, e o aplicativo Groove Música, 10.20011.1071.0. © 2018 Microsoft Corporation, para ouvir as entrevistas e realizar as transcrições.

(29)

Já para a captação do vídeo com áudio, usamos a câmera digital PowerShot SX400 IS, da marca Canon Inc. Também utilizamos as filmagens em vídeo, como outra fonte para a revisão das entrevistas, as quais assistimos pelo aplicativo Filmes e TV 10.20011.10711.0 © 2018 Microsoft Corporation.

As transcrições e revisões das entrevistas foram realizadas entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020, e os aplicativos que deram suporte foram utilizados no Windows 10, no Notebook Inspiron 15 série 3000, da marca Dell.

Preocupados em deixar nítida a leitura das transcrições e com o cuidado de não alterar o conteúdo coletado, fizemos algumas correções gramaticais que se distanciaram da norma padrão da língua portuguesa e se aproximaram da linguagem coloquial.

Tabela 2 – Dados das entrevistas

Sequência Duração da entrevista Dia da entrevista

Entrevistada 1 15 min 47 seg 05 de Dezembro

Entrevistada 2 16 min 22 seg 26 de Novembro

Entrevistada 3 25 min 30 seg 05 de Dezembro

Entrevistada 4 21min 32 seg 28 de Novembro

Entrevistada 5 22 min 13 seg 26 de Novembro

Entrevistada 6 22 min 39 seg 05 de Dezembro

Entrevistada 7 26 min 32 seg 28 de Novembro

Entrevistada 8 31 min 47 seg 26 de Novembro

Fonte: Elaborado pelo pesquisador Marcos Leiva da Silva Nery (2019).

Realizamos a análise e discussão dos dados coletados nas entrevistas temáticas com base na análise de conteúdo do tipo temática (GOMES, 2016; MOLINA NETO, 2017). O foco central da análise estabeleceu-se a partir dos sentidos e significados produzidos pelas 08 (oito) alunas entrevistadas, acerca de suas experiências com o futebol, com a intenção de levantar o universo vocabular, com as entrevistas, em torno do tema futebol na vida de cada uma delas. Em relação aos procedimentos, seguimos com o tratamento das informações, com base na leitura das transcrições das entrevistas e das anotações no diário de campo da observação participante.

(30)

Já no nível inicial de análise, estabelecemos a leitura reflexiva das transcrições revisadas das entrevistas, em que identificamos e destacamos, colocando em negrito, as categorias analíticas emergentes que surgiram ao longo do processo investigativo. Logo após essa fase, fizemos algumas anotações sobre a intenção das vozes das alunas o que culminou na nossa interpretação inicial, com algumas categorias prévias aparecendo nos subitens temáticos que nortearam as entrevistas.

Após nova leitura, agrupamos as unidades de significado em nove conjuntos mais abrangentes, ou seja, em categorias de análise que surgiram dessas falas, conforme Ferrer Cervero (1994 apud MOLINA NETO, 2017). O segundo nível de análise foi feito a partir da leitura dos fragmentos das entrevistas, já agrupadas por aproximação temática, em nove categorias de análise (ver quadro 3), sendo esse agrupamento definido como o corpus da pesquisa, com os quais realizamos as inferências e a interpretação, apoiados em nossa fundamentação teórica.

Durante a análise, colocamos parte dos diálogos que apresentavam os sentidos dados pelas entrevistadas ao responder as questões postas nas entrevistas, destacando em negrito os trechos analisados e usamos os colchetes que serviram para substituir os trechos omitidos [...] e para indicar palavras e termos inseridos [ ].

Tabela 3 - Categorias de análise

Categoria n.01 O despertar para o futebol

Categoria n.02 As relações com a família

Categoria n.03 As relações com os meninos

Categoria n.04 Os sentimentos agradáveis por jogar bola

Categoria n.05 As dores do preconceito

Categoria n.06 Os estereótipos

Categoria n.07 As atitudes de enfrentamento contra os preconceitos

Categoria n.08 Os sonhos no futebol

Categoria n.09 A consciência sobre o esporte de mulheres

(31)

3 PERCURSO TEÓRICO

Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos a produção do conhecimento ainda não existente.

Paulo Freire (1996, p. 31)

3.1 ASPECTOS CONCEITUAIS SOBRE GÊNERO, SEXO E SEXUALIDADE

Na busca de uma melhor compreensão acerca das discussões sobre gênero, sexo e sexualidade, aproximamo-nos de uma perspectiva sociohistórica e cultural que lançasse luz às indefinições.

Para Goellner, Votre, Mourão, Figueira (2009) e Louro (2008), gênero (ser homem ou ser mulher) é uma construção cultural, envolta em uma condição social, que rodeia diversos processos demarcadores de identidades, em que não se admite a existência de um jeito único de ser feminino ou masculino. Segundo Scott (1995), o termo gênero, refere-se à criação, integralmente, social e cultural de ideias, sobre os papéis apropriados por homens e por mulheres, que remetem às origens sociais de suas identidades subjetivas. Nesse sentido, González (2013, p. 98), entende “[...] que as características atribuídas historicamente aos gêneros têm uma participação importante na organização do espaço social [...]”, como também no espaço escolar.

Valendo-nos da categoria gênero, como suporte para nosso olhar investigativo, acerca da realidade da Educação Física e esporte escolar, achamos necessário explicar que gênero e sexo não são sinônimos. O conceito de sexo diz respeito à biologia e às condições inatas do ser humano, com suas características e diferenças anatômicas e biológicas, e o gênero é entendido como uma construção histórica de cada sociedade, sobre a percepção do sexo anatômico (AUAD, 2012). Nesse sentido, Delphy (1991, apud CORSINO; AUAD, 2012, p. 18) ressalta que se “[...] não fosse a existência do gênero, o sexo seria apenas uma diferença irrelevante, como outras tantas características biológicas presentes em nosso corpo”. Assim, para Scott (1995), gênero indica a rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença sexual.

É válido ressaltar a relação entre gênero e sexualidade, partindo da concepção que:

(32)

O gênero (a condição social pela qual somos identificados como homem ou mulher) e a sexualidade (a forma cultural pela qual vivemos nossos desejos e prazeres corporais) tornaram-se duas coisas inextricavelmente vinculadas. O resultado disso é que o ato de cruzar a fronteira do comportamento masculino e feminino apropriado (isto é, aquilo que é culturalmente definido como apropriado) parece, algumas vezes, a suprema transgressão (WEEKS, 1999, p. 11, apud GOELLNER, 2005, p. 149).

Segundo Bourdieu5 (2009), a construção do corpo como uma realidade

sexuada e um depósito de divisões sexualizantes, é realizada pelo mundo social a partir da diferença anatômica entre o corpo masculino e feminino, especificamente no que tange aos órgãos sexuais, podendo ser configurada como uma justificativa natural das diferenças e desigualdades entre os gêneros e da divisão social do trabalho, em nossa sociedade.

Nesse sentido, e sobre essas diferenças entre os sexos, Bourdieu (2009, p.17) salienta que:

A divisão entre os sexos parece estar ‘na ordem das coisas’, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas (na casa, por exemplo, cujas partes são todas “sexuadas”, em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação (grifos do autor). Bourdieu (2009, p. 33) ressalta, ainda, que para ele a força particular do sentido de existir masculino “[...] legitima uma relação de dominação inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, por sua vez, ela própria uma construção social naturalizada [...]” (grifos do autor), partindo da existência de uma lógica paradoxal da dominação masculina e da submissão feminina, espontânea e extorquida (grifos do autor), que só poderá ser assimilada se estivermos alertas aos impactos prolongados que essa lei social incorporada exerce sobre mulheres e homens.

Logo, a dominação masculina, segundo Bourdieu (2009, p. 53), caracteriza-se como um “[...] sistema de estruturas duradouramente inscritas nas coisas e nos corpos [...]”, baseado no exercício universal da preferência, em que é concedida aos homens a parte mais favorável da objetividade de estruturas sociais, da divisão

5Amparado em González (2013, p. 98), reconhecemos a importância das concepções Bourdieusianas

para ciência do esporte, como também temos entendimento das críticas e oposições a Teoria de Bourdieu, devido, entre outros aspectos, as suas “[...] características androcêntricas da organização do espaço social”.

(33)

sexual do trabalho de produção, e da reprodução biológica e social. Adorno e Horkheimer (1985, p. 231) corroboram com esse entendimento, quando afirmam que “[...] a divisão do trabalho imposta pelo homem [a mulher], foi-lhe pouco favorável. Ela passou a encarnar a função biológica e tornou-se símbolo da natureza, cuja opressão é o título de glória dessa civilização”.

Nessa perspectiva, Louro (2008) entende que a construção dos gêneros e das sexualidades é produzida sutilmente e minuciosamente, de forma clara ou disfarçada, através de um infinito número de instâncias culturais e sociais, que, por meio de incontáveis práticas e aprendizagens, instauram-se nas mais variadas situações. Bourdieu (2009, p. 63) complementa, destacando que:

Se as mulheres, submetidas a um trabalho de socialização que tende a diminuí-las, a negá-las, fazem a aprendizagem das virtudes negativas da abnegação, da resignação e do silêncio, os homens também estão prisioneiros e, sem se aperceberem, vítimas, da representação dominante. Tal como as disposições à submissão, as que levam a reivindicar e a exercer a dominação não estão inscritas em uma natureza e têm que ser construídas ao longo de todo um trabalho de socialização, isto é, como vimos, de diferenciação ativa em relação ao sexo oposto.

Atravessada por um processo em ascensão de mudanças históricas, que reconsidera os papéis dos gêneros masculino e feminino, uma nova perspectiva sociocultural se intensifica a partir da década de 1960, com lutas protagonizadas por grupos sociais subordinados, dentre eles as mulheres, com o intuito de denunciar desigualdades, questionar teorias, desconstruir conceitos pré-estabelecidos, conquistar mais espaço e repensar novas práticas sociais (LOURO, 2008).

Nesse embate cultural, em que as questões de gênero são incluídas e promovem ligações com o feminismo (AUAD, 2012), vê-se uma maior visibilidade e valorização aos estilos de vida da mulher, às suas histórias, aos seus questionamentos e ao direito de falar por si, de si e de se autorrepresentar (LOURO, 2008). Com o início de um cenário emancipatório e de mudança cultural, Reis e Escher (2006, p. 57) admitem que “[...] sendo a construção cultural um processo dinâmico, temos de acreditar que a sociedade é capaz de superar os mitos e preconceitos existentes, neste caso, no que tange à questão de gênero”.

Desta forma, resistindo ao enquadre submisso, a mulher conquista cada vez mais lugares e assume novos papéis sociais, lutando por igualdade, visibilidade e

(34)

sua, consequente, emancipação, fazendo-se presente em todos os espaços na “sociedade dos homens” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985) (grifo nosso). Logo, podemos pensar que:

O processo de inferiorização da mulher é antigo e adquire novas faces a partir das mudanças históricas que vivenciamos. Não convém dissociar esse processo de outras formas de discriminação, tais como as que existem no racismo e no capitalismo. Afinal, não vivemos em uma sociedade igualitária, mas dividida, assimétrica, hierarquizada, que separa “superiores” e “inferiores” a partir de critérios que precisam ser discutidos e desmistificados (ARANHA, 1990, p. 96, grifos da autora).

No Brasil, embora se considere a posição de uma ala conservadora e patriarcal, que se refere a alguns esportes como sendo espaços de domínio masculino, percebemos avanços, em nossa sociedade, voltados para o engajamento de atletas na luta de seu protagonismo esportivo. Essa visão é reforçada por Dunning (1985, p. 401), quando declara que:

[...] a norma é cada vez mais constituída por padrões menos segregados das relações entre os sexos, dado que as mulheres se tornaram mais poderosas e capazes de desafiar, de facto, a sua subordinação, senão mesmo a sua objectividade simbólica, com um leve, mais ainda sim crescente, grau de sucesso.

Nesse sentido, esse estigma da diferença e da inferioridade biológica que foi imposto pelo homem (ADORNO; HORKHEIMER, 1985) através da cultura, e “[...] as lutas objetivas ou subjetivas das mulheres e de seus aliados que visam a transformar as relações sociais de sexo [...]” (WELZER-LANG, 2001, p. 461) e de gênero, quando analisadas criticamente pela sociedade, possibilita uma compreensão desse complexo sistema de sentidos e significados, ligado às proibições sofridas e subversões conquistadas historicamente pela mulher, e isso amplia o espaço para o diálogo voltado para o enfrentamento dos preconceitos.

3.2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DA PRÁTICA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE E FUTEBOL POR MENINAS E MULHERES NO BRASIL

Encontrar caminhos que tornem visível o protagonismo de mulheres nas práticas corporais, culturalmente silenciadas pela ordem masculina dominante, de

(35)

cada época, é um grande desafio para todas/os que vivenciam e educam através da Educação Física e do Esporte. Entender como a história da subalternização feminina foi construída, é um movimento importante para a compreensão das relações de gênero no futebol na escola, nosso objeto de estudo.

Para Bourdieu (2009), no mundo sexualmente hierarquizado, com injunções continuadas, silenciosas e invisíveis, as mulheres são ensinadas para acatar, como evidentes e inquestionáveis, normas arbitrárias que se imprimem, insensivelmente, à ordem dos corpos. Para o autor:

[...] o corpo e seus movimentos, matrizes universais que estão submetidos a um trabalho de construção social, não são nem completamente determinados em sua significação, sobretudo sexual, nem totalmente indeterminados, de modo que o simbolismo, que lhes é atribuído é, ao mesmo tempo, convencional e ‘motivado’, e assim percebido como quase natural (BOURDIEU, 2009, p. 20, grifo do autor).

Compreendendo que as marcas de domínio dos homens, também se inscrevem nas práticas corporais, Lucena (2000) nos diz que a mulher começa a superar normas sociais e culturais de dominância masculina e mudar seu comportamento, a partir do processo das urbanizações das cidades e do surgimento de formas de divertimentos esportivos. São nesses espaços esportivizados que ela finca suas raízes, superando, primeiramente, a barreira do privado e se fazendo presente nos ambientes externos à casa, para em seguida, participar de forma mais efetiva da prática esportiva. A partir do entendimento de Lucena (2000, p. 105, grifos do autor), podemos ver que.

Nas provas de remo ou nas partidas de futebol, elas também passaram a se fazer cada vez mais presentes. Anotamos o caso divulgado na Revista Ilustrada, ainda em 1884, numa prova que causou apreensão ao público onde ‘tanto as remadoras vestidas de azul como as de encarnado, surpreenderam a todos pelo modo vigoroso, firme e certo no remar’.

Para Goellner (2005), a prática esportiva realizada pelas mulheres, área que se restringia basicamente aos homens, confirma-se apenas no início do século XX. Logo, a discriminação histórica contra a mulher, na Educação Física e nos esportes, não é recente, ocorrendo desde os Jogos Olímpicos da Antiga Grécia (TUBINO, 2001) até alcançar a figura do fundador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, Pierre

(36)

de Coubertin (SÉRGIO, 1994), que sempre manifestou ser contrário e ter uma antipatia pelo desporto praticado por mulheres, como confirmamos nessas palavras.

Technicamente as jogadoras de futebol ou as pugilistas que se tentou exhibir aqui e alli não apresentam interesse algum; serão sempre imitações imperfeitas. Nada se aprende vendo-as agir; e assim os que se reunem para vel-as obedecem preocupações de outra especie. E por isso trabalham para a corrupção do esporte, aliás, para o levantamento da moral geral. (COUBERTIN, 1938, p. 46 apud GOELLNER, 2005, p. 144).

No Brasil, segundo Soares (2012), a Educação Física seguiu os mesmos padrões de segregação de outrora e entendeu que o corpo da mulher era mero reprodutor dos filhos da pátria, alicerçando, desse modo, os ideais burgueses, no que diz respeito aos papéis que a mulher poderia desempenhar e nos espaços que poderia ocupar.

Soares (2012) ainda afirma que entre a segunda metade do século XIX e início do século XX, com base no pensamento médico-higienista e na eugenia que primavam pelo controle e planejamento familiar, a mulher recebeu atenção especial, sendo educada para contribuir, de forma exemplar, com o aprimoramento da raça, através da geração e criação de filhos fortes e saudáveis.

Para Soares (2012), a prática de exercícios físicos para mulheres serviria como medida eugênica para a construção de um corpo apto à nobre tarefa de reproduzir, devendo tais exercícios serem compatíveis com a própria biologia feminina. Conforme afirma Fernando de Azevedo (1960, p. 82-83 apud SOARES, 2012, p. 102), “[...] a educação física da mulher deve abranger os trabalhos manuais, os jogos infantis, a ginástica educativa e os esportes menos violentos de todo incompatíveis com a delicadeza do organismo das mães [...]” como, por exemplo, a natação e a dança. Logo, segundo Goellner (2005), o futebol era uma atividade inadequada, por seu caráter agressivo e viril para as formas e funções do corpo da mulher.

Também podemos considerar a Educação Física da Mulher, como sendo um mecanismo de educação eugênica, partindo de Rui Barbosa (SOARES, 2012), que advogava em favor do exercício físico adequado ao biológico da mulher/mulher-mãe que “[...] acentuasse as suas ‘formas feminis’, construindo, desse modo, boas condições físicas para uma maternidade futura [...]” (SOARES, 2012, p. 102, grifos

(37)

da autora), reforçando, assim, a ideia da época sobre as diferenças entre a mulher e o homem.

Em dissonância ao que foi mencionado, salientamos que a educação higiênica e eugênica das elites, valia-se da Educação Física para poder “[...] ditar as normas do ‘comportamento saudável’ e, através dele, inculcar valores de urbanidade, racismo, superioridade masculina, entre outros” (SOARES, 2012, p. 68) (grifo da autora). Na mesma linha, nenhum argumento médico e/ou científico foi favorável à prática de exercícios físicos para a mulher, nem mesmo com a intenção de melhorar sua função reprodutora, sendo julgada como imoral para mulheres.

No início do século XX, alguns projetos educacionais, leis e currículos, que tinham a ginástica como matéria de ensino, impediam as meninas de fazerem tais exercícios (SOARES, 2012), como também a proibiam da prática esportiva. Fernando de Azevedo que defendia a ginástica escolar para meninas e considerava o esporte como algo apenas complementar em sua proposta de Educação Física, não advogava em favor da uma prática esportiva para elas, como aponta Linhales (2009, p. 35, grifos da autora).

[...] essa inclusão do esporte na escola é feita tendo como referência os alunos do sexo masculino. Embora defenda a educação física também para as mulheres, quando a elas se refere não cita os esportes, mas, sim, a ginástica calistênica, considerada por ele o melhor caminho para o aperfeiçoamento psicológico e a elaboração estética ‘da menina de hoje’, ‘mãe de amanhã’.

Felizmente, o caráter discriminador do esporte em relação ao gênero feminino foi sendo denunciado ao longo da história, como afirma Estadella (1979, p. 121), no texto abaixo.

Outra função atribuída historicamente ao esporte é a de elemento discriminador entre o homem e a mulher. Para ela, o esporte constitui a história de uma longa subvalorização. Durante dezoito séculos, o acesso das mulheres à prática esportiva foi absolutamente interditado, na medida em que era considerada como algo próprio e específico do homem, por seu maior desenvolvimento muscular e por entender-se que a prática esportiva podia embrutecer a mulher. Esta concepção modificou-se um pouco no século passado e muito nos últimos cinquenta anos – substancialmente, em função da própria mulher, de sua decidida atitude em suprimir barreiras e tabus.

(38)

No mesmo texto, o autor reconhece movimentos e discursos contrários a essa segregação, conforme vemos abaixo.

[...] enquanto a equiparação da mulher em todos os aspectos da vida não for absoluta – sem preconceitos culturais ou sociológicos – ela não poderá encontrar o contexto que propicie a prática normal do esporte, e, portanto, sequer poderá apresentar um índice de seu verdadeiro rendimento. Os teóricos dos esportes sustentam que, quando a discriminação feminina tiver desaparecido, talvez seja possível abolir a atual classificação das categorias feminina e masculina para instaurar uma única e mista (ESTADELLA, 1979, p. 121).

Ao mencionarmos uma nova história das mulheres, nessas práticas, lembremos da frase de Sérgio (1994, p. 103), em seu célebre livro Motricidade Humana: contribuições para um paradigma emergente, explicitando que:

Homem e Mulher representam ambos a mesma humanidade. Ambos têm iguais direitos e deveres. O desporto deve exprimir essa mesma verdade, pondo termo a um tipo de prática predominantemente androcêntrica. Será então o fim do desporto? Não, é antes o fim de uma página da História do Desporto.

Essa transformação social no mundo contemporâneo atribuída à ascensão social da mulher, é devida ao ressignificar de seu papel na sociedade, libertando-se de antigas amarras pelas relações assimétricas de poder entre os gêneros. Segundo Moraes (2014, p. 156), “[...] essas disparidades entre os privilégios fornecidos aos distintos gêneros no esporte nacional é uma construção histórica, mas que vem se alterando significativamente, em muito, decorrente do esforço das mulheres”.

A partir da trajetória histórica da Educação Física e do esporte para as mulheres no Brasil, reconhecemos que a falta de acesso às práticas corporais, permeada por restrições e preconceitos, caminha lado a lado com a própria história esportiva da mulher, quer seja na infância, através dos jogos de rua, quer seja na juventude, durante a iniciação esportiva na escola. Com o argumento de proteção ao seu corpo e à sua saúde reprodutiva, o impedimento à prática esportiva mascarava o interesse de mantê-las passivas e submissas, através da delimitação e cerceamento dos espaços (RIAL, 2014), a serviço de uma ideologia sexista (SOUZA JÚNIOR; DARIDO, 2002).

(39)

Nesse entendimento, Franzini (2005, p.321) afirma que:

[...] além do machismo e do moralismo que essas ditas preocupações com o bem-estar das brasileiras não conseguem esconder, elas revelam que, na verdade, o grande problema dizia respeito não ao futebol em si, mas justamente à subversão de papéis promovida pelas jovens que o praticavam, uma vez que elas estariam abandonando suas ‘funções naturais’ para invadirem o espaço dos homens.

A realidade é que o preconceito e a discriminação contra as mulheres, e meninas praticantes de futebol, resistem em entidades importantes da sociedade, como a família e a escola, estendendo-se às universidades, onde as dificuldades ganham contornos mais evidentes. Admitindo as desigualdades na participação de mulheres e meninas no futebol, com a permanência de impedimentos de ordem subjetiva e objetiva, é preciso reconhecer que iniciativas pontuais de contestação, que valorizam a inserção da mulher no futebol, podem ser consideradas como estratégias significativas e renovadoras.

Felizmente, há o surgimento de iniciativas políticas, como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável6 da ONU, que traz em seu quesito número 5, o

objeto de alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, colocando o esporte como facilitador desse processo de desenvolvimento para a sustentabilidade e emancipação de mulheres.

O esporte é também um importante facilitador do desenvolvimento sustentável. Reconhecemos a crescente contribuição do esporte para a realização do desenvolvimento e da paz ao promover a tolerância e o respeito e as contribuições que fazem para o empoderamento das mulheres e dos jovens, indivíduos e comunidades, bem como aos objetivos da saúde, educação e inclusão social (ONU, 2015, p.12).

Ressaltamos que esse entendimento corrobora com a Declaração e Plataforma de ação da IV Conferência Mundial sobre a mulher7 (ONU, 1995, p. 162),

6Esta agenda é um plano de ação da ONU, declarada em 2015, com 17 objetivos de desenvolvimento

sustentável (ONU, 2015).

7A IV Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Pequim, em 1995, é considerada

um marco no processo de promoção da situação e dos direitos da mulher. Pois consagrou, o conceito de gênero, a noção de empoderamento e o enfoque da transversalidade, além de reconhecer que a desigualdade entre homens e mulheres é uma questão de direitos humanos (ONU, 1995).

Referências

Documentos relacionados

Este estudo teve como objetivo geral descrever as práticas contraceptivas de puérperas atendidas em um hospital universitário e, como objetivos específicos,

Nesse contexto, a análise numérica via MEF de vibrações sísmicas induzidas por detonações se mostra como uma metodologia que pode contribuir significativamente

62 daquele instrumento internacional”, verifica-se que não restam dúvidas quanto à vinculação do Estado Brasileiro à jurisdição da Corte Interamericana, no que diz respeito a

Quando se fala do risco biotecnológico como uma comunicação que viabiliza a formação de uma multiplicidade de estados internos em diversos sistemas sociais, pode-se perceber a

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

6 Consideraremos que a narrativa de Lewis Carroll oscila ficcionalmente entre o maravilhoso e o fantástico, chegando mesmo a sugerir-se com aspectos do estranho,

Na experiência em análise, os professores não tiveram formação para tal mudança e foram experimentando e construindo, a seu modo, uma escola de tempo