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Paradiplomacia no Brasil: os casos do Estado da Bahia e do Município de Salvador e a política externa subnacional

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS PROFESSOR

MILTON SANTOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

TIAGO SCHER SOARES DE AMORIM

PARADIPLOMACIA NO BRASIL: OS CASOS DO ESTADO

DA BAHIA E DO MUNICÍPIO DE SALVADOR E A POLÍTICA

EXTERNA SUBNACIONAL

Salvador 2019

(2)

2

TIAGO SCHER SOARES DE AMORIM

PARADIPLOMACIA NO BRASIL: OS CASOS DO ESTADO

DA BAHIA E DO MUNICÍPIO DE SALVADOR E A POLÍTICA

EXTERNA SUBNACIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Relações Internacionais da

Universidade Federal da Bahia, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais, tendo como área de concentração “Desenvolvimento e Governança Global”, inserido na linha de pesquisa “Globalização, Desenvolvimento e Cooperação”, sob a orientação do Professor Doutor José Aurivaldo Sacchetta Ramos Mendes.

Salvador 2019

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Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA), com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Scher Soares de Amorim, Tiago

Paradiplomacia no Brasil: os casos do Estado da Bahia e do Município de Salvador e a Política Externa Subnacional / Tiago Scher Soares de Amorim.

--Salvador, 2019. 113 f.

Orientador: José Aurivaldo Sacchetta Ramos Mendes. Dissertação (Mestrado - Relações Internacionais) --Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós

Graduação em Relações Internacionais, 2019. 1. Paradiplomacia. 2. Transnacionalização. 3. Geopolítica. 4. Descentralização. 5. Governos subnacionais. I. Sacchetta Ramos Mendes, José Aurivaldo. II. Título.

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4 Este trabalho é dedicado a todas as pessoas sonhadoras que fizeram e fazem de

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AGRADECIMENTOS

Agradecer sempre.

A Deus. Alguns chamam de Universo, outros de energia suprema... o nome pouco importa. O que tenho é a crença de que há algo superior e que fortalece tudo e todos.

Grato também a todas e todos que que me acompanharam nessa trajetória, sobretudo aos meus pais, Paulo e Luciana, por cotidianamente apontarem o caminho do bem e da ética. A minha irmã, Adriana, pelo apoio e pela amizade de sempre. A Bianca, minha companheira, pela colaboração nos momentos mais desafiadores e pelo incentivo incondicional.

Ao meu orientador, Professor Dr. José Aurivaldo Sacchetta Ramos Mendes, pela dedicação, paciência e valiosa transmissão de conhecimento durante todo o processo de orientação. Obrigado por tanto aprendizado.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), pelo suporte financeiro que possibilitou a realização desta pesquisa de Mestrado.

Por fim, a cada pessoa que já passou na minha vida e demonstrou, de diversas maneiras, que é preciso seguir sonhando e sorrindo diante de todos os desafios.

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6 "[...] A realidade urbana não deve ser o resultado do projeto de uns poucos, mas sim uma obra de todos".

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7 AMORIM, Tiago Scher Soares de. Paradiplomacia no Brasil: os casos do Estado da Bahia e do Município de Salvador e a política externa subnacional. 2019. 113 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.

RESUMO

Este estudo se propõe a debater os conceitos de paradiplomacia e política externa, no cenário geopolítico atual, analisando como as mudanças decorrentes da globalização e da transnacionalização tem dado novos contornos às relações internacionais. O cenário internacional é atualmente marcado pela projeção de novos atores, que não os tradicionais Estados-nação, como as empresas multinacionais, organizações não-governamentais e Governos subnacionais, apontando uma nova tendência de descentralização do poder político, antes uma exclusividade do Estado-nação. Nesse novo contexto, os governos subnacionais (Estados, Províncias, Municípios, Departamentos, Regiões Autônomas) destacam-se como novos players na atuação internacional, performando esse fenômeno que trataremos como “paradiplomacia”, sendo essa a mais comum entre suas variadas denominações, caracterizando-se, assim, como um novo paradigma das relações internacionais. No Brasil, sobretudo, é necessário considerar que a interpretação sistemática da atuação internacional de Estados e Municípios brasileiros tem um importante marco na Constituição de 1988, que trouxe uma nova perspectiva, reconhecendo os Municípios como entes federativos. Assim, o objetivo do presente trabalho é analisar o fenômeno da paradiplomacia (ou atuação internacional de governos subnacionais) com enfoque no cenário brasileiro e, sobretudo, no Estado da Bahia (2007-2014) e no Município de Salvador (2005-2012), com o objetivo de compreender o mecanismo utilizado pelos entes federados brasileiros para a atuação internacional e a relevância da atuação externa a nível local.

Palavras-Chave: Paradiplomacia. Transnacionalização. Governos subnacionais. Descentralização. Geopolítica. Estado da Bahia. Município de Salvador.

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8 AMORIM, Tiago Scher Soares de. Paradiplomacy in Brazil: the cases of the State of Bahia and the Municipality of Salvador and the subnational foreign policy. 2019. 113 pp. Thesis (Master’s degree) – Institute of Humanities, Arts and Sciences Professor Milton Santos, Federal University of Bahia, Salvador, 2019.

ABSTRACT

This study proposes to discuss the concepts of paradiplomacy and foreign policy in the current geopolitical scenario, analyzing how the changes resulting from globalization and transnationalization have given new contours to international relations, with the projection of new actors, such as multinational corporations, nongovernmental organizations and subnational governments, pointing to a new trend towards decentralization of political power as the exclusive property of the nation-state. In this new context, the subnational governments (States, Provinces, Municipalities, Departments, Länder, Autonomous Regions) stand out as new players in international performance, performing this phenomenon that we will treat as "paradiplomacy", which is the most common among its various denominations, thus characterizing itself as a new paradigm of international relations. In this sense, we observe, in principle, that the decentralization of certain external activities that were once exclusive to nation-states alter the perception and construction of a country's international agenda. In Brazil, above all, it is necessary to consider that the systematic interpretation of the international performance of Brazilian states and municipalities has an important milestone in the 1988 Constitution, which brought a new perspective, recognizing the municipalities as federative entities. Thus, the objective of the present work is to analyze the phenomenon of paradiplomacy (or international action of subnational governments) focusing on the Brazilian scenario and, especially, in the State of Bahia (2007-2014) and in the Municipality of Salvador (2005-2012) with the objective of understanding the mechanism used by Brazilian federated entities for international action and the relevance of external action at the local level.

Key-words: Paradiplomacy. Transnationalization. Subnational Governments. Decentralization. Geopolitics. State of Bahia. Municipality of Salvador.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC Agência Brasileira de Cooperação

AFEPA Assessoria de Relações Federativas e com o Congresso Nacional AICE Associação Internacional de Cidades Educadoras

ARF Assessoria de Relações Federativas BERV Bairro-Escola Rio Vermelho

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BID-INTAL Instituto para a Integração da América Latina CAF Comitê de Articulação Federativa

CCJC Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania CEE Comunidade Econômica Europeia

CF-1988 Constituição Federal da República Federativa do Brasil

CIDEU Centro Ibero-Americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano CODESUL Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul

COFIEX Comissão de Financiamentos Externos

CRECENEA Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste da Argentina e Litoral

CRPM Conferência de Regiões Periféricas e Marítimas da União Europeia DIRCO Departamento de Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul

EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EREBAHIA Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores na Bahia

EUA Estados Unidos da América

FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FCCR Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e

Departamentos do Mercosul

Fórum RI 27 Fórum Nacional de Gestores Estaduais de Relações Internacionais FHC Fernando Henrique Cardoso

FIDA Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz

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10 FONARI Fórum Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais

FUNAG Fundação Alexandre de Gusmão

GT Grupo de Trabalho

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MRE Ministério das Relações Exteriores

MRIF Ministério das Relações Internacionais e da Francofonia OIT Organização Internacional do Trabalho

ONU Organização das Nações Unidas PDT Partido Democrático Trabalhista PEC Proposta de Emenda Constitucional PFL Partido da Frente Liberal

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SAC Serviço de Atendimento ao Cidadão

SAEB Secretaria da Administração do Governo do Estado da Bahia SAF Subchefia de Assuntos Federativos

SECRI Secretaria Extraordinária de Relações Internacionais SERINTER Secretaria Extraordinária de Relações Internacionais UCCLA União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa UNFPA Fundo de População das Nações Unidas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...13

1 PARADIPLOMACIA E NOVOS CONTORNOS DA POLÍTICA EXTERNA....17

1.1 O CONCEITO TRADICIONAL DE POLÍTICA EXTERNA...18

1.2 DELIMITANDO O TERMO PARADIPLOMACIA...20

1.3 A ATUAÇÃO INTERNACIONAL DOS GOVERNOS SUBNACIONAIS...30

1.3.1 Paradiplomacia pelo mundo...35

1.3.1.2 A paradiplomacia no sistema constitucional da Argentina...39

1.3.2. A atuação subnacional no Mercosul...42

1.4 MUDANÇAS EM CURSO NA POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS NACIONAIS...44

2 A ATUAÇÃO INTERNACIONAL DOS GOVERNOS SUBNACIONAIS BRASILEIROS...47

2.1 O FEDERALISMO BRASILEIRO ATÉ A CONSTITUIÇÃO DE 1988...48

2.2 O NOVO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL...50

2.2.1 Os artigos constitucionais e a atuação de Estados e Municípios na esfera internacional...52

2.2.2 As limitações jurídicas para a atuação internacional de Estados e Municípios...56

2.3 ESPAÇOS INTERGOVERNAMENTAIS DE ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS...60

2.3.1 O Ministério das Relações Exteriores (MRE)...63

2.3.1.1. A Agência Brasileira de Cooperação (ABC)...63

2.3.1.2 A Assessoria de Relações Federativas e com o Congresso Nacional (AFEPA)...64

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12

2.3.3 A Secretaria Especial de Assuntos Federativos (SAF)...67

2.3.4 A Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX)...67

2.3.5 O Fórum Nacional de Gestores Estaduais de Relações Internacionais (Fórum RI 27)...68

2.3.6 O Fórum Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais (FONARI)...69

2.4 AÇÕES INTERNACIONAIS DE GOVERNOS SUBNACIONAIS BRASILEIROS...70

2.4.1 O projeto de integração CODESUL/CRECENEA-LITORAL...71

2.4.2 O Plano de Relações Internacionais (2011-2014) do Estado de São Paulo...73

3 A INTERNACIONALIZAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA (2007-2014), DO MUNICÍPIO DE SALVADOR (2005-2012) E O PAPEL DOS DEMAIS ATORES INTERNACIONAIS...75

3.1 A AGENDA INTERNACIONAL DO ESTADO DA BAHIA (2007-2014)...76

3.2 A AGENDA INTERNACIONAL DO MUNICÍPIO DE SALVADOR (2005-2012)...88

3.3 O ANO DE 2010 A CONSOLIDAÇÃO DE NOVOS ATORES...92

3.3.1 A Casa Da Nações Unidas (ONU) na Bahia e a atuação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Estado...92

3.3.2 O Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores na Bahia (EREBAHIA)...96

3.4 O CENÁRIO ATUAL DA ATUAÇÃO INTERNACIONAL...98

CONSIDERAÇÕES FINAIS...101

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13 INTRODUÇÃO

As relações internacionais vêm ganhando novos contornos com as mudanças decorrentes da globalização e da transnacionalização. O contexto geopolítico multilateral do mundo Pós-Guerra Fria e os avanços tecnológicos contínuos transformaram a arena internacional como um todo. Consubstanciam-se alterações significativas no jogo de poder quando outros atores, que não os tradicionais Estados-nação, ganham projeção internacional e passam a ter impacto direto em espaços políticos de tomada de decisão. Empresas multinacionais, organizações não-governamentais e Governos subnacionais são os integrantes recentes que têm, direta ou indiretamente, influenciado na geopolítica mundial.

A sociedade global demanda das relações internacionais uma política mundial, que consiga absorver as múltiplas questões transnacionais, as quais surgem incessantemente. Na nova realidade que se consolidou, por vezes não é possível diferenciar o nacional do internacional. As fronteiras e nacionalidades são mais fluidas e os Estados não mais detém a soberania de outrora, já que a interdependência passou a reger a arena internacional e os organismos internacionais e atores não-estatais ganharam força.

Nesse contexto de novas tendências, o poder político deixou de ser uma exclusividade do Estado-nação. Após a criação da ONU, em 1945, outras iniciativas surgiram com o intuito de fortalecer a cooperação intergovernamental e o poder de articulação das regiões, a exemplo da União Europeia (antes CEE, 1957) e do Mercosul (1991). Além dos blocos regionais, os Estados federados e as cidades passaram a ter maior projeção internacional a partir da década de 1980, já no contexto de final da Guerra Fria e, consequentemente, de consolidação do multilateralismo e da globalização. O “local” se consolidou como uma força, como um espaço de construção individual e dialético também no âmbito internacional.

Desse modo, o debate na arena internacional também passou a ser construído pelos Governos subnacionais (Estados, Províncias, Municípios, Departamentos, Regiões Autônomas), que iniciaram não só a defesa dos interesses locais no que tange à aspectos sociais, ambientais e econômicos, mas começaram a ocupar espaços de tomada de decisão estratégicos, nos quais são reconhecidos como atores

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14 propositivos e com agenda própria. A atuação internacional desses entes tem várias denominações similares, sendo “paradiplomacia” a mais comum entre elas.

Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é analisar o fenômeno da paradiplomacia (ou atuação internacional de governos subnacionais) com enfoque no cenário brasileiro e, sobretudo, no Estado da Bahia e no Município de Salvador. Procura-se entender a natureza dessas relações, os espaços de articulação existentes, as limitações jurídicas e, sobretudo, a relevância do cenário internacional para que os Estados e Municípios brasileiros consigam hoje desenvolver a sua agenda local. São perguntas norteadoras do trabalho: como se caracteriza a paradiplomacia de Estados e Municípios brasileiros? Quais os limites e as dificuldades da atuação internacional desses governos? Qual a importância da paradiplomacia hoje para a agenda dos entes públicos brasileiros, com enfoque no Estado da Bahia e do Município de Salvador?

A partir de um levantamento qualitativo, traçou-se inicialmente uma revisão bibliográfica acerca do termo paradiplomacia e suas nuances. O fenômeno não apresenta uma visão única, ao contrário, há divergências sobre a utilização do termo e sobre o seu conteúdo (HOCKING, 1993; DUCHACEK, 1990; SOLDATOS, 1990; AGUIRRE, 1999; KEATING, 1999). A partir dos autores, chega-se a uma definição de paradiplomacia ampliada, sem a pretensão de criar uma vertente teórica; todavia, delimitando o conceito para que sua utilização no presente trabalho absorva os pontos pertinentes abordados por cada autor.

A paradiplomacia se caracteriza, assim, por ser um novo paradigma das relações internacionais. A sua análise enquanto objeto de estudo não pode ser dissociada das transformações do mundo globalizado e da necessidade que se impõe aos entes subnacionais, qual seja, de articulação em diversos níveis (HOCKING, 1993). Compreender o fenômeno é também reconhecer que ele segue em constante mudança, não havendo assim um conceito único e preciso. Nesse sentido, o Capítulo 1 tem o objetivo de fazer uma análise dos conceitos de paradiplomacia e política externa, por meio de revisão bibliográfica, com o intuito de encontrar caminhos interpretativos, para ambos os conceitos, no cenário geopolítico atual.

Analisa-se ainda no Capítulo 1 a paradiplomacia como prática dos governos subnacionais e a sua aceitabilidade em ordenamentos jurídicos distintos, onde se

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15 destaca o sistema constitucional da Argentina. A comparação entre alguns países que apresentam elementos de paradiplomacia em suas Constituições é relevante para que se compreenda melhor o cenário brasileiro, tanto no que tange às limitações hoje existentes, quanto às possibilidades futuras de alterações e avanços. O principal entrave em termos de delimitação constitucional da matéria reside na linha tênue entre política externa e paradiplomacia.

A política externa também está em mudança dentro do novo cenário das relações internacionais (LAFER, 2018; RODRIGUES, 2008; SARAIVA, 2006) e, com isso, a atuação internacional de Governos subnacionais pode ou não estar inserida nas análises acerca da política externa de um país. A descentralização de determinadas atividades externas que antes eram exclusivas dos Estados-nação alteram a percepção e a construção da agenda internacional de um país. Busca-se essa compreensão no Capítulo 1, de modo a harmonizar os possíveis conflitos conceituais entre política externa e paradiplomacia.

No Brasil, o desenvolvimento da política externa sempre ocorreu por meio da clássica visão do Estado nacional como único detentor de autoridade para o exercício das relações internacionais. Muito embora exista previsão constitucional nesse sentido, desde a década de 1980, em virtude do fortalecimento da atuação externa de Estados e Munícipios, a temática passou a ser mais discutida. Fatores internos (Constituição de 1988 com a inovadora previsão de três entes federados, quais sejam, União, Estados e Municípios) e externos (empresas transnacionais, multilateralismo, interdependência) favoreceram o crescimento de ações externas autônomas por parte dos governos subnacionais brasileiros.

O Capítulo 2 procura compreender e interpretar a sistemática da atuação internacional de Estados e Municípios brasileiros. Inicia-se a análise com uma revisão bibliográfica do federalismo no Brasil até a última alteração constitucional, em 1988. Já na década de 1980, destaca-se, para o objeto do presente trabalho, a força do federalismo estadualista (ABRUCIO, 2005), de 1982 a 1994, momento em que os Estados federados tinham muita força política no cenário nacional. Nesse contexto, a Constituição de 1988 trouxe uma nova perspectiva, reconhecendo os Municípios como entes federativos, tendo a igualdade como base. Há, todavia, contradições nesse novo sistema. (CAMARGO, 1999; ABRUCIO, 2005)

(17)

16 Há uma discussão relevante acerca da constitucionalidade e da legalidade da paradiplomacia no Brasil. Há interpretação no ordenamento jurídico nacional que legitime a atuação internacional de Estados e Municípios (CASTELO BRANCO, 2011; RIBEIRO, 2009; PRAZERES, 2004)? E quanto à regulamentação dessa atividade? Questões como essas são norteadoras do Capítulo 2, que busca ainda compreender quais os espaços intergovernamentais existentes que tangenciam e dão suporte à atividade paradiplomática no Brasil.

Tem-se, no Capítulo 3, uma análise da paradiplomacia do Estado da Bahia (2007-2014) e do Município de Salvador (2005-2012), com o objetivo de compreender o mecanismo utilizado pelos entes federados brasileiros para a atuação internacional e a relevância da atuação externa a nível local. O recorte geográfico e temporal se deu em virtude da agenda e do plano de governo desenvolvidos nesse período pelo Governo estadual baiano e pela Prefeitura soteropolitana. Ambas as instâncias criaram estruturas inéditas para concentrar as demandas internacionais, de modo que uma análise mais detida das atividades desenvolvidas e dos seus resultados colaboram para o estudo pretendido por esta pesquisa.

Uma das fontes utilizadas para a pesquisa nesse capítulo foram entrevistas com gestores, ex-gestores e representantes governamentais e não-governamentais ligados com a atuação internacional no Estado da Bahia e no Município de Salvador. O confronto de diferentes opiniões e a análise crítica permitem a construção de uma síntese sobre a temática. Além disso, acesso à documentos oficiais, notícias jornalísticas do período e obras bibliográficas também foram essenciais para uma análise global das atividades. Ao final do capítulo, um panorama sobre a atividade internacional nos últimos anos no Estado da Bahia colabora para a análise pretendida por esse estudo.

A pesquisa que deu origem a essa dissertação propôs, desse modo, elucidar o estado atual da atividade paradiplomática, nomeadamente no Estado da Bahia e no Município de Salvador. A premissa maior é ampliar o conhecimento e, assim, otimizar a esfera internacional desses entes administrativos. A análise da atuação internacional de Estados e Municípios é essencial para a compreensão da sistemática de relações internacionais vigente no Brasil.

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17 1 PARADIPLOMACIA E OS NOVOS CONTORNOS DA POLÍTICA EXTERNA NO MUNDO

A análise da política global contemporânea não pode mais dispensar o estudo do impacto dos governos subnacionais nas negociações internacionais. O final da década de 1980, correspondente ao fim da geopolítica bipolar da Guerra Fria, também se caracterizou por mudanças no cenário da globalização. Os Estados-nação enfraqueceram, cedendo espaço para novos atores internacionais que passaram a interferir diretamente na política mundial, a exemplo de empresas transnacionais, organizações multilaterais e não-governamentais. A formação de novos blocos econômicos e os avanços dos regionalismos e separatismos são também marcas desse novo momento.

Com as mudanças que estavam em curso, o espaço internacional passou a ganhar mais fluidez, sob influência não só de avanços tecnológicos, mas também do fluxo de pessoas e de capitais. Sob essa nova ótica, as relações internacionais passaram a ser construídas por uma multiplicidade de atores, saindo do tradicional padrão de um Estado negociando com outro. Alguns exemplos demonstram a relevância desse novo modelo de negociações e a variedade de áreas envolvidas, englobando economia, cultura, meio ambiente, tecnologia, dentre outras.

Um dos principais objetivos do presente estudo é entender as tensões e os limites que envolvem a atuação internacional de governos subnacionais e governos nacionais e soberanos. Há legitimidade desses atores para atuar na esfera internacional? A política externa não é uma atribuição do Estado-nação? Pode-se falar em política externa de um Estado ou de um Município? Além desses questionamentos, há também diferenças nas legislações de cada país, já que alguns incluem dispositivos na Constituição sobre o tema, enquanto outros enfrentam resistência para a positivação. Difícil é, contudo, não existir no campo da prática política contemporânea atuação paradiplomática de entes subnacionais em todo o mundo, inclusive em países que evitam a utilização do conceito em suas leis.

Paradiplomacia é um termo que é interpretado de diferentes maneiras pelos autores que discorrem sobre o tema. Mais importante do que o termo em si, o que se pretende é localizar o debate; é entender como se constrói a utilização do termo

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18 paradiplomacia nas relações internacionais e como ele se encaixa dentro da política internacional desenvolvida por entes federados (Estados, Províncias, Cantões). A arena internacional hoje é composta por múltiplos atores que dialogam entre si, sendo necessário uma análise integrada e atenta às diversas mudanças que ocorreram e ocorrem na dinâmica destas relações. Embora careçam formalmente de soberania estatal para formulação de política externa, tais governos subnacionais demonstram capacidade de relacionamento próprio com Estados soberanos, quase sempre previamente reconhecidos pelo poder central dos Estados que integram.

Cumpre analisar, assim, de maneira mais aprofundada o desenvolvimento da paradiplomacia no mundo e a sua correlação com a política externa dos Estados-nação. Além de uma delimitação mais precisa do conceito, é preciso conhecer a aplicabilidade da paradiplomacia dos diferentes ordenamentos jurídicos do mundo, em especial quando há um desenvolvimento constitucional significativo nessa seara, a exemplo dos ordenamentos constitucionais da Argentina e da Alemanha. O cenário de interdependência global demanda o estudo das diferentes realidades, com o fim de se obter posicionamentos mais precisos sobre o objeto de estudo.

1.1 O CONCEITO TRADICIONAL DE POLÍTICA EXTERNA

Desde a Grécia antiga, a política externa já tinha contornos definidos a partir da ideia do balanço e do equilíbrio e poder. A rivalidade Esparta e Atenas foi a propulsora dessa ideia, que só se concretizou com a participação das demais cidades (Tebas, Argos e Corinto) nesse jogo de poder. Assim, as relações internacionais se constituíam pela tentativa das cidades de se unir para ter força política, em virtude da interdependência econômica e militar, bem como de impedir a eventual integração total. (LAFER, 2018, p. 369-382)

A política externa é um aspecto da política internacional, que consiste nas atividades externas de um determinado Estado, que busca obter um resultado em relação a outro Estado ou grupo de Estados (MAGALHÃES, 1996, p. 22-25). Segundo o mesmo autor, “a política internacional compreende as interações dos diferentes Estados pelo que podemos dizer, de uma forma muito genérica, que a política internacional compreende o conjunto das diversas políticas externas nacionais.”

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19 (MAGALHÃES, 1996, p. 23). O instrumento pacífico mais típico da política externa é a diplomacia, que consiste na arte de convencer sem usar a força, enquanto o seu instrumento mais violento é a guerra.

No seu exato sentido, a diplomacia consiste em um instrumento da política externa. Há, todavia uma imprecisão na utilização dos termos política externa e diplomacia no âmbito das relações internacionais. José Calvet de Magalhães (1996, p. 16-19) aborda em sua obra que essa confusão entre os dois termos é por vezes consciente entre os internacionalistas, que têm atração pela utilização da palavra diplomacia, inclusive quando se aborda meios violentos, e não pacíficos, de atuação externa.

Fonseca Júnior (2012, p. 52), ao analisar a diplomacia brasileira, pontua que um país dominado por outras forças (externas) é um país que não age, mas sim “sofre” o sistema internacional. Se não houver autonomia de agir no país, não há como a diplomacia se materializar em seu sentido substantivo. Nesses casos, a sua existência é meramente formal, e, por conseguinte, a política externa traduz esse estado: não há verdadeira autonomia nas ações internacionais.

O estudo de política externa de um Estado, segundo Celso Lafer (2018, p. 332-333), perpassa por algumas dimensões. A primeira delas é a do estilo, onde se analisa a forma como os Estados agem no sistema internacional. A segunda, denominada pelo autor como estratégica, adota a perspectiva de considerar um país como autor unitário, que atua de maneira racional para alcançar os objetivos. Essa dimensão pressupõe uma unidade difícil (cuja abrangência de ação nem sempre é absoluta, suficiente e incontestável), tendo em vista que a política externa se concretiza a partir de distintas forças e organizações do Estado e da Sociedade Civil1.

A dimensão estratégica da política externa abordada por Lafer é a que mais recebe influência da paradiplomacia. Essa dimensão está em constante mudança, já que o nível de influência de Estados, Municípios, empresas transacionais e organizações da sociedade civil na política externa é hoje intenso e, ademais, impreciso, como percebe-se no panorama político brasileiro.

1 Sociedade Civil é um termo que tem hoje distintos conceitos. No conceito gramsciano, “Sociedade

civil é um conceito, complexo e sofisticado, com o qual se pode entender a realidade contemporânea. Mas também é um projeto político, abrangente e igualmente sofisticado, com o qual se pode tentar transformar a realidade.” (NOGUEIRA, 2003, p. 186). Cf. NOGUEIRA, 2003.

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20 Imagine-se um panorama onde um novo governo assume o Executivo nacional e pretende estruturar a política externa sem considerar as especificidades dos demais entes federativos, do setor empresarial e da sociedade civil em geral. Em tese, é possível que isso ocorra. Há que se considerar, porém, o impacto indireto que esses atores têm na formação da estratégia da política externa brasileira. Por mais que o Governo Federal tente evitar, a influência desses atores é intrínseca à atuação política brasileira, seja em nível nacional ou internacional.

Apesar do impacto indireto já ser inerente ao processo de construção da agenda da política externa de um país, é difícil hoje pensar nesse processo sem a participação de outros atores. O conceito clássico de soberania se alterou na contemporaneidade, de modo que o estudo da política externa também ganhou novas perspectivas. Outrora, o Estado era tido como uma unidade territorial autossuficiente, na qual a influência dos atores internos era diminuta nas suas decisões políticas. Hoje, contudo, reconhece-se o aparecimento do fenômeno transnacional como relevantes no campo das relações internacionais. (LAFER, 2018, p. 335)

1.2 DELIMITANDO O TERMO PARADIPLOMACIA

O debate da paradiplomacia nas relações internacionais é objeto de estudo recente, sobretudo a partir do final da década de 1980. Diversos autores trabalharam o conceito, por vezes utilizando diferentes nomenclaturas para descrever o fenômeno, já que não há um entendimento unívoco do que é paradiplomacia. As relações internacionais ocorrem de variadas formas e é difícil restringir as interações internacionais em apenas um único conceito. Desse modo, buscamos delimitar o termo para fins de utilização nesse estudo, por meio da análise dos conceitos trazidos pelos demais autores.

De início, importante entender como se dá hoje o relacionamento entre os atores que compõem a arena internacional. Segundo Hocking (1993, p. 9-10), a diplomacia contemporânea é caracterizada por tendências aparentemente paradoxais: de um lado, os governos nacionais aumentam a sua internacionalização, respondendo a um crescimento da interdependência econômica e política em nível internacional, essencial para a administração dos sistemas políticos nacionais; de outro, os alertas

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21 nacionais são crescentes quanto aos efeitos da internacionalização das questões domésticas, pelos riscos à soberania e à unidade do Estado. O citado paradoxo da diplomacia contemporânea não vem sendo, contudo, consubstanciado na prática: a internacionalização tem sido um pré-requisito para a efetivação de alguns interesses locais dos atores nacionais e subnacionais2.

Os possíveis efeitos negativos dessa internacionalização ficam em segundo plano devido à necessidade que se sobrepõe. Em seus estudos, Hocking (1993, p. 14-15) conceitua a atuação externa de governos subnacionais como “política externa localizada”. A “localização” da política externa se consolida como a crescente preocupação dos governos subnacionais em cooperar com o impacto das questões internacionais no contexto nacional. Sem o envolvimento em questões internacionais, as necessidades locais não são mais supridas; além disso, há um interesse nacional que algumas das questões que envolvem o ambiente político internacional sejam partilhadas pelos governos locais, por exemplo, na promoção de programas de exportação ou na articulação bilateral com países que o governo subnacional tem mais familiaridade.

Nesse ponto, importante destacar que as análises do contexto internacional de Hocking são mais gerais, de modo que o mundo observado por ele, não necessariamente, contempla a diversidade de contextos socioeconômicos existentes em todos os países e regiões do mundo. Em que pese a globalização e a interdependência serem hoje experienciadas por todos os países, há diferenças significativas no impacto do internacional frente ao nacional, a depender da realidade de cada país. Entende-se, assim, que a análise genérica da “política externa localizada” pode induzir a distorções na interpretação da realidade global, sobretudo pelos exemplos trazidos pelo autor em suas obras, focados em países centrais, sem a análise dos países periféricos.

É correto, então, pensar na utilização do termo “política externa” para denominar a busca de objetivos específicos dos governos subnacionais no âmbito internacional,

2 O conceito de subnacional utilizado nesse trabalho se refere a qualquer ator que não seja parte da

estrutura do Governo Federal. Na esfera administrativa, os Governos Estaduais e Municipais são atores subnacionais integrantes do sistema federativo. Considera-se também que empresas, ONGs e demais atores da sociedade civil representam o conjunto de atores que compõem a rede de atoes subnacionais. Ademais, reconhece-se a utilização do termo “governos não centrais”, que consiste na tradução literal do inglês para o termo non-central governments (NCGs), utilizado para descrever os entes que não são a unidade central de um governo. (AGUIRRE, 1999, p. 195)

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22 nos mais variados níveis? Entende-se, assim como Hocking (1993, p. 27), que apesar da utilização do termo “política externa privada” já ser admitido nas relações internacionais, é preciso ter atenção com as possíveis características típicas da política externa enquanto atividade de um Estado nacional: caso este termo também seja aplicável a governos subnacionais, há a possibilidade de uma distorção do seu real significado, dificultando assim o entendimento da política global como um todo.

Nesse sentido, entende-se mais apropriado considerar a “política externa localizada” como parte de uma complexa transformação no cenário político a nível nacional e internacional, com tensões e convergências de interesse. Não se trata de uma nova modalidade de política externa, mas de uma mudança no próprio conteúdo e processo de construção das políticas em si. A política externa, que determina as orientações e medidas de um governo nacional em direção ao cenário internacional, é a mesma que hoje é influenciada e modificada por fatores locais. (HOCKING, 1993, p. 27-29)

O espaço internacional não mais se caracteriza pela ação concentrada nos Estados nacionais. Para entender a complexidade da diplomacia contemporânea e das questões que envolvem o âmbito nacional e o internacional, é preciso reconhecer que o cenário internacional é hoje conduzido por meio de estruturas e processos políticos em multiníveis3, que abarcam diversos níveis de atividades políticas de

maneira interseccional no âmbito local, regional e internacional. Não há uma fluidez única e direta nas relações políticas e, a depender das necessidades e dos interesses, novos tipos de ligação entre os diversos níveis podem ocorrer. (HOCKING, 1993, p. 11).

A constatação de que o envolvimento em questões internacionais é decisivo para algumas necessidades locais é um ponto de partida adequado para entender o conceito de paradiplomacia. Na década de 1980, Rosenau (1984) escreveu um artigo acerca das mudanças em curso na política global, sobretudo pela atuação mais significativa dos subgrupos4 em uma escala mundial. Frente à maior coesão e

confiança desses subgrupos, os governos tiveram sua capacidade de governar proporcionalmente reduzida, enfrentando, assim, mais dificuldade para manter a

3 Tradução do autor para o termo multilevel utilizado por Hocking. (1993, p. 11)

4 Segundo Rosenau (1984), os subgrupos se formam a partir de laços comuns, que permitem uma

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23 ordem, resolver problemas e planejar com antecedência suas ações.

É nesse contexto de maior dificuldade dos Estados nacionais para governar que Rosenau constata que a interdependência crescente no mundo deu origem a questões de difícil solução e que não podem ser contornadas pelas vias convencionais, sejam estas nacionais ou internacionais. Surgem as problemáticas de caráter transnacional, a exemplo do terrorismo, das crises cambiais, migratórias, ambientais, representando todas elas um desafio político para os países, já que são problemáticas globais. Mesmo na década de 1980, o autor já analisava o forte potencial de transformação que os avanços tecnológicos poderiam trazer, aprofundando a interação e a complexidade das problemáticas transnacionais, da efetividade dos governos e da atuação dos subgrupos (ROSENAU, 1984, p. 254-255)

O entendimento do conceito de interdependência, que ganhou força na década de 1980, é essencial para o debate da paradiplomacia. Neste sentido, merece destaque a abordagem transnacional de Keohane e Nye (2012, p. 4), com enfoque no conceito de “interdependência complexa”. Para os autores, a política mundial passou a ser interdependente e não havia um recorte teórico preciso para a análise desse fenômeno. Interdependência significa dependência mútua, que se caracteriza, no mundo político, por efeitos recíprocos entre os atores internacionais, não necessariamente benefícios mútuos. Sempre haverá conflito, mesmo que ocorra entre atores que já estão lucrando com o relacionamento, mas que querem aumentar os seus ganhos. (KEOHANE; NYE, 2012, p. 7-8)

Seguindo a mesma linha de raciocínio, a interdependência complexa se caracteriza por diferentes canais que conectam a sociedade (laços informais e formais que ligam governos, organizações e afins), sendo que as relações construídas entre esses diferentes canais se consubstanciam em agendas diversificadas, onde nem sempre há clareza na hierarquia entre os atores. A título de exemplo, há várias questões econômicas e ambientais enfrentadas pelo mundo de maneira interdependente, com agenda construída por diversos países e demais atores globais, como as corporações transacionais e as organizações não governamentais (KEOHANE; NYE, 2012, p. 20-21). Ainda acerca da interdependência complexa, Rosenau (1984, p. 257) destaca que o aumento da escassez, o fortalecimento de subgrupos e o enfraquecimento de governos trouxeram tensões que, por efeito

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24 cascata, acabam por atravessar todo o sistema global.

Esse enquadramento da discussão acerca da atuação internacional dos entes subnacionais é relevante para iniciar a análise do termo paradiplomacia, já que este não tem uma acepção única. A paradiplomacia foi investigada por diversos autores e teve sua consolidação teórica a partir das obras de Duchacek (1990) e Soldatos (1990). O início da utilização teórica do termo coincide com um fenômeno político novo à época, qual seja, o crescimento do envolvimento, na esfera internacional, dos governos subnacionais.

O interesse central dos estudos de Duchacek (1990) quando do surgimento do termo paradiplomacia era o papel internacional dos componentes territoriais de governos federais democráticos ou de sistemas descentralizados. A análise feita pelo autor tem como base os governos subnacionais de países como Estados Unidos, Austrália, Suíça, Áustria e Espanha, todos países do norte global5. Em que pese a

relevância da obra do autor, há que se considerar que os países que foram objeto de análise não representam a pluralidade de nações federalistas da época e não incluem países do sul global.

A importância de posicionar a obra de Duchacek (1990) reside no fato desse autor ter sido o precursor na utilização do termo paradiplomacia, sendo necessário que se compreenda o local do qual o autor desenvolvia seu raciocínio, bem como a visão de “mundo globalizado” à época, visto que estas informações auxiliam no entendimento de como se deu a construção do conceito e de possíveis incongruências que existam na utilização do termo em virtude de realidades distintas em outros países.

Ao resgatar o conceito clássico do termo, temos que a paradiplomacia é a atividade de política externa desenvolvida por um ente federado (SOLDATOS, 1990, p. 35). A partir desse conceito central, Soldatos desenvolveu categorias para o termo paradiplomacia. Essa abordagem mais específica do termo demanda uma diferenciação nos seus conceitos, construídos teoricamente com o objetivo de delimitar a sua utilização. Nesse sentido, costuma-se diferenciar a paradiplomacia

5 Os termos “norte global” e “sul global” são utilizados em alguns estudos internacionalistas diferenciar

os países mais ricos (em sua maioria concentrados ao norte do globo terrestre) e os países mais pobres, localizados no sul. Não pretende-se analisar a pertinência ou não da utilização desses termos, mas tão somente posicionar o texto, em alguns momentos, de acordo com o poder das nações.

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25 global da regional.

A global tem ocorrência menos comum, já que se relaciona com a atuação de entes federados frente a questões que envolvem o sistema internacional como um todo. O segundo tipo de paradiplomacia, chamada de regional, é a que guarda mais pertinência com o objeto do presente estudo. Essa categoria tem relação com as questões regionais, que tem relevância local para as partes envolvidas. Aqui podemos distinguir em mais dois tipos: a paradiplomacia macrorregional, quando os entes envolvidos não são contíguos geograficamente; e a microrregional, onde há contiguidade territorial. (SOLDATOS, 1990, p. 37-38)

Em uma análise contextualizada com a realidade paradiplomática brasileira, a paradiplomacia macrorregional se consubstancia, por exemplo, quando o Estado da Bahia mantém relações diretas com Angola para tratar de questões que envolvam uma visita oficial do Governador do Estado ao país angolano. Quanto à microrregional, se caracteriza, por exemplo, quando o Estado do Rio Grande do Sul negocia diretamente questões de fronteira com a Província de Corrientes, na Argentina: há, aqui, atividade internacional de dois entes subnacionais que estão em zona de fronteira e que, por isso, podem ter relações institucionais mais habituais.

Segundo Soldatos, há causas determinantes no âmbito interno (doméstico) e externo (internacional) para que exista atividade paradiplomática. Internamente, há fatores que são relacionados às unidades federadas, como diferenças geográficas, culturais, linguísticas entre os entes federados; outros relacionados à federação em si, a exemplo da ineficiência do Governo Federal ou lacunas institucionais e constitucionais. Externamente, pode-se destacar a interdependência global e o envolvimento de atores externos nas questões locais. (SOLDATOS, 1999, p. 44-48)

Há também autores que analisaram o termo paradiplomacia a partir de um viés mais crítico. Nesse sentido, merece destaque a abordagem de Aguirre (1999), que tem o intuito de identificar, localizar e questionar a utilização da paradiplomacia enquanto termo das relações internacionais. O autor não nega as mudanças em nível global em termos de diplomacia e da multiplicidade de atores que atuam no cenário internacional; questiona, contudo, a utilização de um novo termo, destacando que o conceito de “governo” em si é que foi alterado, já que outros entes que não os tradicionais (Estados nacionais) passaram a atuar internacionalmente. (AGUIRRE,

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26 1999, p. 198).

Em uma análise mais aprofundada do conceito de diplomacia, Aguirre (1999, p. 197) entende que o conceito clássico de diplomacia não tem mais o prestígio de outrora, já que a dinâmica contemporânea das relações internacionais subverteu de diversas foram os princípios da diplomacia tradicional. A partir dos seus questionamentos, o autor busca compatibilizar a diplomacia central (nacional) e atividades externas subnacionais, concluindo que a globalização econômica impõe aos atores subnacionais governamentais pressões para que estes sejam mais influentes e ativos nas questões internacionais, o que seria bem-vindo; todavia, entende que o uso do termo paradiplomacia é equivocado para explicar esse movimento. (AGUIRRE, 1999, p. 204)

Ainda nas conceituações teóricas, cumpre destacar que a utilização do termo paradiplomacia não ocorreu de maneira isolada, sem a utilização de outros conceitos similares pelos autores. Termos como micro, macro e protodiplomacia demonstram uma continuidade semântica que redundou na criação do termo paradiplomacia (AGUIRRE, 1999, p. 193), mas não representam o seu todo. Não houve uma utilização significativa desses termos, de modo que essas variantes se tornaram abordagens mais acadêmicas, com pouco alcance no cotidiano das relações internacionais. Dessa forma, entende-se ser pertinente a utilização do termo paradiplomacia nesse trabalho. Retomando a abordagem teórica realizada por Duchacek (1990, p. 13-15), há que se destacar que os governos subnacionais começaram a exercer sua influência na política externa não só internamente nos Estados nacionais aos quais pertencem, mas também no exterior, em especial naquelas áreas onde as relações internacionais podem afetar diretamente os seus interesses. Essa atuação no exterior pode se dar por meio de escritórios representando o governo subnacional em capitais de outros países; pelas viagens ao exterior de lideranças desses governo; campanhas publicitárias internacionais; participação em eventos internacionais; dentre outros.

Há alguns pontos de preocupação para os governos nacionais. Um deles reside no risco de um contato direto entre um governo subnacional e outro país ser considerado como uma “intromissão transsoberana”, representando uma ameaça à estabilidade da política externa nacional. Há também o risco de uma fragmentação da política externa do país, de uma falta de unidade em seus posicionamentos externos.

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27 De modo geral, esses pontos de preocupação costumam ser a razão pela qual as elites dos governos nacionais não concordem com a paradiplomacia. (DUCHACEK, 1990, p. 28)

Em verdade, a paradiplomacia enquanto termo pode até ser algo novo, mas o seu objeto, qual seja, o papel externo desempenhado por entes subnacionais, já existia antes mesmo do surgimento do termo, na década de 1970. Esse ponto é destacado por Soldatos (1990, p. 34), que traz o exemplo da influência exercida por Quebec em Paris no final do século XIX. O autor destaca, contudo, que o período entre 1960 e 1970 foi de um processo mais crítico de diminuição das prerrogativas de governo dos Estados soberanos nas relações internacionais, a exemplo do desenvolvimento da Comunidade Europeia enquanto ator supranacional e o maior envolvimento das unidades federadas nos assuntos externos.

A mudança no âmbito da política externa dos países tem uma de suas raízes na globalização e no surgimento de regimes transnacionais. O livre fluxo de capitais e a presença de multinacionais no cenário internacional dificultou a manutenção das economias nacionais como centro das negociações internacionais (KEATING, 1999, p. 1). Nesse sentido, Badie (2016, p. 38) entende que a revolução tecnológica inverteu o “efeito da distância” (distance effect), que representava o coração da política internacional, por ter possibilitado o fortalecimento de governos nacionais e pelo fator de garantia da soberania, já que potenciais adversários tinham meios limitados de alcançar o país inimigo.

Keating (1999, p. 2) pontua que há uma reinvenção do território enquanto princípio político. Pode-se falar, portanto, em uma perda de autonomia dos Estados nacionais, mesmo que não seja algo significativo a ponto de afetar gravemente a soberania. Com o surgimento da nova ordem global após o colapso soviético, ocorreu a modificação da atuação dos países soberanos na esfera internacional, com a constante participação de atores integrantes do corpo nacional dos países, a exemplo dos Estados federados.

Ainda de acordo com Keating (1999, p. 3-6), se analisarmos a paradiplomacia na perspectiva das regiões (aqui interpretadas como Estados federados), pode-se elencar razões de ordem econômica, cultural e política como explicações para que elas adentrem o mercado global. Economicamente, o incremento da mobilidade em

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28 nível global eleva o risco de dependência do investimento interno e traz insegurança devido ao fluxo livre de capitais. Isso faz com que as regiões busquem internacionalizar a sua economia; culturalmente, as regiões que buscam mais o exterior são aquelas que possui língua ou cultura próprias, especialmente quando não há apoio por parte do governo central ou quando o país de origem daquela língua ou cultura é um outro Estado; politicamente, as razões são diversas e variam desde sentimentos nacionalistas ou separatistas à mera necessidade de se projetar internacionalmente para fins de fortalecimento interno.

As estratégias adotadas pelas regiões também ganham um contorno especial quando falamos de paradiplomacia. Quando falamos na diplomacia tradicional dos Estados, pensamos sempre na busca de um interesse claro e definido do país frente à arena internacional. Na paradiplomacia, no entanto, as ações são mais específicas e direcionadas, variando de acordo com as oportunidades que surgem. Além disso, comumente há um maior envolvimento da sociedade civil e do setor privado (KEATING, 1999, p. 11). De fato, a paradiplomacia tem duplo efeito: pode causar tensão intergovernamental e ser suscetível à abusos e à instabilidade política; todavia, pode também representar um desenvolvimento positivo para o estado nacional, fortalecendo a sua política externa, a imagem do país no exterior e as relações internacionais. (NGANJE, 2014, p. 94)

No entendimento de Cornago Prieto, paradiplomacia pode ser conceituada como:

[...] o envolvimento de um governo subnacional nas relações internacionais, pelo estabelecimento de contatos, formais ou informais, permanentes ou ad hoc, com entidades externas públicas ou privadas, com o objetivo de promover questões políticas ou socioeconômicas, assim como qualquer outra dimensão externa da sua própria competência constitucional. (CORNAGO PRIETO, 2001, p. 7)

Assim, a paradiplomacia é mais voltada à obtenção imediata de resultados, especialmente pela sua função de fortalecer a região internamente a partir das relações com o externo. Uma das razões para que governos nacionais limitem as atuações externas de seus entes subnacionais reside no fato das possíveis distorções que as ações paradiplomáticas podem gerar em termos de política externa, diplomacia e segurança nacional para o Estado como um todo. Há uma via de mão dupla: ao

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29 mesmo tempo que a tensão entre Estado nação e seus entes na atuação externa é uma possibilidade constante, a atuação destes é importante para o fortalecimento daquele.

Concorda-se com Ferrero (2005, p. 7), que compreende a paradiplomacia como um conjunto de práticas de interrelação transnacionais que trazem mais complexidade ao cenário político mundial, sem uma necessária redução da diplomacia estatal. Também não há que se falar em um processo idêntico à política externa desenvolvida pelos Estados nacionais, já que as estratégias de atuação são mais concretas e delimitadas, com a motivação principal de contribuir com o desenvolvimento da sua própria região.

A própria utilização do termo paradiplomacia, segundo Jacobsen (2004, p. 2), seria uma tergiversação, já que a prática diplomática ocorre em diferentes níveis de representação institucional e, de acordo com esses níveis, varia-se o conteúdo das conversações e a capacidade e legitimidade para estabelecer acordos. Esse entendimento assemelha-se ao conceito de Hocking (1993) de “diplomacia multinível”6.

Sendo assim, a discussão sobre a utilização ou não da palavra paradiplomacia não é o cerne da questão, mas sim a compreensão de que o termo não se restringe à acepção literal e etimológica. A sua construção ao longo dos anos só confirma que a utilização tem amplitude para as ações externas de governos subnacionais em geral, não se restringindo a questões que tenham relação direta com a diplomacia tradicional. Os exemplos de sua utilização, tanto no meio teórico como no meio governamental, demonstram que as atividades internacionais nas quais há participação ativa de um ente subnacional são reconhecidas como paradiplomacia.

O conceito de paradiplomacia trazido por Noé Cornago Pietro (2004, p. 252) é abrangente e se aproxima mais da sua utilização pela doutrina especializada. Assim, a paradiplomacia se caracteriza pelo envolvimento de governos subnacionais no âmbito das relações internacionais, por meio de contatos, sejam nas vias formal ou informal, com entes estrangeiros públicos ou privados, objetivando a promoção de resultados socioeconômicos ou políticos. Em uma definição também abrangente, Clóvis Brigagão (2005, p. 19) conceitua paradiplomacia como a “possibilidade de

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30 Estados membro, províncias, regiões e cidades formularem e executarem uma política externa própria, com ou sem o auxílio da União.”

Assim, conceitua-se nesse trabalho paradiplomacia como um conjunto de ações internacionais desenvolvidas por entes que não o Estado nacional (Estados federados, municípios, organizações não-governamentais e empresas), tendo por finalidade fortalecer os seus interesses locais por meio do contato externo. Considerando-se o foco do presente trabalho, as ações internacionais desenvolvidas devem ter como intuito o fortalecimento de alguma vertente importante para o ente subnacional governamental (Estado ou Município), a exemplo da economia, cultura, meio ambiente, esporte, educação, dentre outros.

O conceito ora utilizado não é específico nem mensurável. Não se pode dizer que qualquer ação internacional desenvolvida por um Estado federado é paradiplomacia. Ao analisar o objetivo daquela ação, pode-se constatar, por critérios objetivos e subjetivos, que aquela ação é paradiplomática. Por envolver interpretação, entendemos que qualquer análise precisa ser feita caso a caso e que não há a necessidade de se criar um conceito definitivo sobre o termo, tendo em vista que as relações internacionais são um campo em constante mudança, não sendo diferente com a temática objeto deste estudo.

1.3 A ATUAÇÃO INTERNACIONAL DOS GOVERNOS SUBNACIONAIS

O aprofundamento do conceito de paradiplomacia remete à necessidade de compreender melhor o significado de “entes subnacionais”. A abordagem de entes subnacionais pode ser feita de maneira ampla, englobando diversos atores que cumprem papel político dentro de um Estado Nacional (Estados federados, Municípios, organizações não-governamentais, autarquias, dentre outros) ou de maneira mais restrita, onde um desses atores é analisado em separado, com o objetivo de entender o seu impacto e a sua importância dentro de determinado processo desenvolvido por entes nacionais. O nosso objeto de estudo são os governos subnacionais, quais sejam, aqueles entes que fazem parte da administração pública direta; no caso do Brasil, trata-se dos Estados e Municípios, que são integrantes do sistema federativo.

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31 Quando a temática da paradiplomacia é abordada pelos autores, utiliza-se comumente o termo subnacional para denominar os entes que não são integrantes da estrutura do Estado nacional. Esse será o termo utilizado nesse trabalho em virtude da sua ampla utilização no debate paradiplomático das relações internacionais. Entretanto, importante pontuar que a utilização do termo subestatal também seria possível; há, inclusive, quem entenda haver maior precisão técnica em seu conceito, tendo em vista que este termo respeitaria a distinção entre Estado e Nação (PRAZERES, 2004, p. 283; BRANCO, 2008, p. 54). Mesmo assim, entende-se que não há equívoco na utilização do termo “subnacional” e que este já resta consolidado nas obras.

Em termos jurídico-formais, os governos subnacionais não podem atuar de maneira direta a nível internacional. Sob a ótica das relações internacionais, o Estado nacional é o único detentor da capacidade de representação nos espaços de articulação globais. Todavia, na prática, vivencia-se uma época de atuação ativa de Governos subnacionais dos mais diversos países, de modo que os referenciais teóricos têm se alterado devido à mutabilidade e a fluidez dessas novas relações. (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 164-167)

A atuação externa de governos subnacionais tem ganhado contornos cada vez mais expressivos no mundo, o que levou também a um aumento das pesquisas acadêmicas nessa seara. Os governos locais têm cada vez mais importância nos rumos da política externa dos países dos quais fazem parte, já que sua atuação envolve todos os domínios do plano internacional, desde questões militares a questões de direitos humanos. O fator econômico é também relevante na atuação internacional dos entes subnacionais, já que há a possibilidade de ampliar exportações e atrair investimentos. (RIBEIRO, 2009, p. 35-39)

São bem pontuadas em Branco (2008, p. 60) as razões econômicas que levam os Governos subnacionais à atuação externa. A arena internacional possibilita aos entes subnacionais a venda dos seus produtos (promoção das exportações), a implementação de soluções tecnológicas para a sua modernização, a promoção dos seus destinos turísticos, a criação de empregos diretos e indiretos, entre outros.

Um dos fatores que levou ao desenvolvimento do debate acerca da atuação internacional de Governos subnacionais foi o movimento transfronteiriço. Os Estados

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32 nacionais que apresentam zona de fronteira com outros países tiveram uma intensificação das integrações de cunho econômico, social e cultural no século XX, apresentando assim novas necessidades institucionais. Vigevani (2006, p. 128) destaca que, a partir da década de 1980, iniciativas do processo de integração Argentina-Brasil e do Mercosul levaram a essa intensificação, muito embora em menor quantidade, sobretudo porque as regiões transfronteiriças do Brasil não seriam centros socioeconômicos de grande relevância.

Cabe, aqui, discordar do posicionamento de Vigevani (2006, p. 128), em virtude da notável relevância econômica, social e cultural vivenciada em diversas fronteiras no Brasil e na América Latina. O fato dessas regiões não possuírem densidade econômica e demográfica robusta não as invalida, proporcionalmente às realidades em que vivem, como centros de relevância no contexto paradiplomático sulamericano. Há estudos acadêmicos e atividades governamentais de destaque no contexto dos Estados que se localizam em zona de fronteira, a exemplo do projeto de integração CODESUL/CRECENEA-LITORAL, que será abordado no tópico 2.4.1 do presente trabalho.

A atuação internacional de governos subnacionais se consolidou em todo o mundo. É uma necessidade prática, inerente às mudanças de cunho tecnológico e econômico vivenciadas nos séculos XX e XXI, nos quais as relações exercidas no âmbito institucional avançaram (e seguem avançando) no caminho da interdependência.

Isso se evidencia no cenário brasileiro, onde a própria formulação de políticas públicas por Estados e Municípios precisa ser levada em conta em virtude da relevância dos aspectos internacionais no dia a dia. E exatamente por ser um elemento constante, é essencial entender em que esfera um ente subnacional pode atuar no âmbito externo, ou seja, quais os limites para o exercício dessa atuação. (VIGEVANI, 2006, p. 129-130). Se os Estados e Municípios, formalmente (de jure) não possuem capacidade internacional (não são sujeitos do direito internacional público), materialmente (de facto) há, por vezes, intensa participação destes em cooperações internacionais, protocolos, acordos de irmanamento, ou em outras formas de atuação (VIGEVANI, 2006, p. 130).

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33 subnacionais e seu efetivo impacto política externa desenvolvida a nível local, entende-se que há uma esfera de articulações internacionais que são significativas a nível local, de modo que as oportunidades oriundas da arena internacional também são um espaço de disputa entre os Estados e Municípios.

É importante destacar, conforme Hocking (1993, p. 19), que os Governos subnacionais (no caso específico da obra de Hocking, os entes federados) não são meras subdivisões administrativas dos governos nacionais: são espaços políticos com significativo grau de autonomia, com capacidade decisória e com vínculos identitários específicos ligados ao seu território e sua cultura, ou seja, sua essência é também constituída por elementos típicos de Estados soberanos. A atuação de governos subnacionais no âmbito internacional é uma marca da segunda metade do Século XX. O fenômeno da globalização, que abrange os avanços tecnológicos dos meios de comunicação, o livre fluxo de capitais, o surgimento de corporações multinacionais, dentre outros, veio acompanhado de mudanças nas economias nacionais, alterando a percepção acerca da soberania estatal.

Importante voltarmos um pouco no tempo para entender quando o processo de atuação dos Governos subnacionais se intensificou. Até a década de 1960, as atividades envolvendo entes subnacionais no contexto internacional eram pontuais, ocorrendo de maneira esparsa e esporádica. A partir da década de 1970, alguns países (a exemplo dos Estados Unidos e da Austrália) começaram a apresentar sinais de transformação no papel dos seus Estados federados na condução de atividades internacionais (FARIAS, 2000, p. 19). Desde então, essa transformação foi ganhando força em diversas federações, a exemplo do Brasil.

A interdependência faz com que os Estados nacionais alterem a sua percepção de autossuficiência. Diante das mudanças constantes a nível global, sobretudo no aspecto econômico, os países passaram a priorizar a articulação comercial com outras regiões; tal movimento foi acompanhado pelos entes subnacionais, que também passaram a buscar mais a esfera internacional, mesmo que sob supervisão dos governos centrais, com o fim de ampliar o seu potencial competitivo, buscando novas tecnologias e novos mercados. (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 182)

Esse movimento de internacionalização não aconteceu de maneira uniforme. São diversas as razões para um desenvolvimento diferenciado da paradiplomacia em

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34 cada país. Cada um apresenta fatores internos próprios e estágios políticos, econômicos e sociais distintos. Há, contudo, uma certa linearidade no que tange aos fatores internacionais que influenciaram a atividade internacional de entes subnacionais: as crises do petróleo; os avanços tecnológicos, sobretudo na área de comunicações; e a consolidação de blocos econômicos representam alguns fatores que transformaram o contexto internacional. (FARIAS, 2000, p. 19-20).

Importante constatação é feita por Kugelmas e Branco (2005, p. 167-168) acerca dos Estados federados. Eles afirmam que a atuação internacional dos entes federados não vem acompanhado do fim do sistema federativo nos seus países; todavia, põe-se um novo molde para os Estados federais, molde esse que não é estanque, tendo em vista a distinta realidade vivida em cada federação e com diferentes graus de autonomia. Há uma mudança na maneira como o Estado atua internacionalmente, mas que não resulta no fim do sistema federalista.

As mudanças que se sucedem na dinâmica dos Estados na contemporaneidade colocam em questão até mesmo a noção tradicional do que se constitui um Estado nação. O espaço hoje ocupado por atores subnacionais (Estados Federados, Municípios, Organizações não Governamentais - ONGs) e supranacionais (organismos internacionais, empresas transnacionais) tem se expandido, de modo que a elaboração da política externa não costuma ocorrer de maneira exclusiva pelos governos nacionais; há, inclusive, demanda dos governos subnacionais para que tenham uma política externa mais autônoma. (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 186)

Há algumas necessidades mútuas entre o governo nacional e ente subnacional quando se trata de relações internacionais. Em determinadas matérias governamentais, por exemplo, o Estado nação pode apresentar melhores ferramentas para a articulação internacional, a exemplo de encontros internacionais voltados à cultura; nestes espaços, os governos subnacionais podem compartilhar do conhecimento e da vivência com cultura a nível local para que o Governo nacional um maior potencial de assertividade na temática. A título de exemplo, o Secretário da Cultura do Estado da Bahia pode ser um ótimo representante para a delegação brasileira que integraria um evento desse tipo.

Em contrapartida, a estrutura para a execução de determinadas políticas públicas pertence ao governo nacional, que por vezes é o detentor dos recursos e do

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35 conhecimento necessários para a efetivação dessas políticas nos entes subnacionais. Até mesmo nos casos onde os entes subnacionais articulem internacionalmente para conseguir recursos, algumas informações e habilidades essenciais à efetivação de uma política pública podem depender do Estado nação. (HOCKING, 1993, p. 177).

Concorda-se com Cornago Pietro (2001, p. 17-18) na análise de que as relações exteriores se desenvolvem hoje com a participação dos governos subnacionais, que se tornaram um elemento estrutural do sistema político global. E, como tal, há a necessidade de se pensar, em nível local e internacional, em mecanismos que permitam queessa atuação ocorra de forma mais articulada e regulamentada.

1.3.1 A paradiplomacia pelo mundo

Há ordenamentos jurídicos que preveem de forma expressa a atuação internacional de entes federados. A Suíça, por exemplo, tem em sua Constituição (artigos 53, 54, 55 e 56) especificações de como funciona a articulação a nível internacional dos Cantões. Em que pese haja um grau de autonomia desses entes, a sua atuação internacional direta deve se restringir a autoridades estrangeiras de hierarquia inferior, sendo necessário, nos demais casos, que a Confederação intermedeie os contatos. Merece destaque, todavia, a autorização para que esses entes federativos possam realizar acordos com relação a sua zona fronteiriça, bem como acordos gerais em matérias diversas, desde que dentro de seus limites de competência. Antes de firmar um contrato internacional, os Cantões precisam informar à Confederação que o estão fazendo. (SUÍÇA, 1999)

O Canadá é um dos países simbólicos quando se fala de atuação internacional de entes federados, em que pese a indefinição do seu ordenamento jurídico acerca da autonomia das províncias (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 170). Como caso mais notório, tem-se Quebec e sua intensa participação em negociações internacionais. Há, inclusive, um Ministério das Relações Internacionais e da Francofonia (MRIF), que é responsável pela política externa desenvolvida pela Província. A título de ilustração, Ottawa possui trinta e um escritórios internacionais em dezoito países, fato esse que demonstra a força política dessa Província em âmbito global. (MRIF, 2019)

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