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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO – FAHUD PPGE – MESTRADO EM EDUCAÇÃO. SAMUEL ROCHA DE OLIVEIRA. O PROCESSO EDUCACIONAL DA CULTURA INDÍGENA TICUNA NA REGIÃO DO ALTO SOLIMÕES. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2012.

(2) SAMUEL ROCHA DE OLIVEIRA. O PROCESSO EDUCACIONAL DA CULTURA INDÍGENA TICUNA NA REGIÃO DO ALTO SOLIMÕES. Dissertação apresentada como exigência parcial, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, da Faculdade de Humanidades e Direito – FAHUD, para a obtenção do titulo de Mestre em Educação. Orientação: Profa. Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini,. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2012 1.

(3) A dissertação de mestrado sob o título “O processo educacional da cultura indígena Ticuna na região do Alto Solimões”, elaborada por Samuel Rocha de Oliveira foi apresentada e aprovada em 22 de agosto de 2012, perante banca examinadora composta por Profa. Dra Zeila de Brito Fabri Demartini (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Luiz Jean Lauand (Titular/UMESP) e Profa. Ana Maria de Melo Negrão (Titular/UNISAL).. __________________________________________ Profa. Dra Zeila de Brito Fabri Demartini Orientadora e Presidente da Banca Examinadora. __________________________________________ Profa. Dra. Roseli Fischmann Coordenadora do Programa de Pós-Graduação. Programa: Pós-Graduação – Mestrado em Educação Área de Concentração: Educação Linha de Pesquisa: Formação de Educadores. 2.

(4) Dedico este trabalho aos meus pais: Ivan Nunes de Oliveira e Idete Rocha de Oliveira que me deram o dom mais precioso do universo, A VIDA, mas não se contentando em nos presentear com ela, ensinaram-nos a vivê-la, com dignidade, revestindo nossa existência de amor, carinho e dedicação. Fazemos de nossas conquistas um instrumento de gratidão. A vocês que muitas vezes deixaram de realizar os próprios sonhos para que pudéssemos realizar os nossos, não apenas 'muito obrigado', mas um pedido de amor: Ajudem-nos mais uma vez a acreditar que podemos caminhar sozinhos. 3.

(5) AGRADECIMENTOS Senhor, quão grande é o nosso dilema! Na Tua presença seria melhor nos calarmos, mas o amor inflama os nossos corações e nos constrange a falar. Se fôssemos manter silêncio, as próprias pedras clamariam; mas, se abrimos a boca, que devemos dizer? Ensina-nos, ó Deus, que tu não tens necessidade de nada. Se nada é necessário a Ti, então também ninguém é necessário, e este ninguém nos inclui. Tu nos buscaste, embora não tenha necessidade de nós. Nós te buscamos porque precisamos de Ti, pois em Ti vivemos, nos movemos e existimos. Senhor tenho que falar de Ti, para que não ofenda com meu silêncio a geração de Teus filhos. Tu escolheste as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias e as coisas fracas para confundir as fortes. Ó Senhor, não me desampare. Que eu passe a mostrar a Tua força e o Teu poder a todos que nesta geração vierem a Ti. Que a fé nos sustente onde a razão nos falha e assim, pensaremos porque cremos, e não para que creiamos. Sou grato a Ti Senhor, pela Francielis, companheira que me deste, nos momentos que me encontrava pusilânime, ela com sua sabedoria me encorajou e me motivou a perseguir na caminhada. Agradeço também, por ser agraciado por Ti com benção especial, com as minhas filhas Samara e Sara, que são para mim prova do Teu amor e fidelidade para comigo. Sou grato a Ti Senhor pela oportunidade a mim concedida de receber o apoio da CAPES – Modalidade I – sem o qual a realização deste trabalho não teria sido possível. Agradeço-Te ainda pela inteligência concedida à minha orientadora Prof. Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini, e pela missão que deste aos docentes: Prof. Dra. Marília Dura, Prof. Dr. Elydio dos Santos Neto, Prof. Dr. Décio Azevedo Marques de Saes, Profa. Dra. Graça Graúna (indígena Potiguara/RN), Profa. Dra. Roseli Fischmann, Profa. Dra. Maria Leila Alves, Prof. Dr. Jean Lauand e também ao saudoso Prof. Dr. Danilo Di Mano, que de uma forma magnífica nos fizeram ficar mais próximos do conhecimento e neste conhecimento pudemos avançar com toda a esperança e confiança, por todos os anos vindouros. Amém! 4.

(6) Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” Paulo Freire (1977, p. 27).. 5.

(7) RESUMO. Esse trabalho busca analisar o sistema educacional na tribo Ticuna, localizada na região do Alto Solimões, estado do Amazonas, onde estou há 21 anos em contato permanente com os índios Ticuna. Com o passar dos anos tenho observado que a cada dia, e de forma mais intensa, a manutenção de sua cultura vem sofrendo com o processo de influência da cultura não índia. Nesse trabalho realiza-se um levantamento histórico referente à possível existência de duas correntes educacionais entre os professores Ticuna. Uma considera importante um ensino bilíngue, o estudo dos mitos e costumes para preservação da cultura; a outra acredita que é inócuo estudar os mitos e outros aspectos culturais, que podem ser apreendidos no dia a dia, defendem que os índios precisam de uma educação igual a dos não indígenas, para competir no mercado em condições de igualdade. Inicialmente propõe-se uma busca histórica sobre o processo educacional relacionado à cultura Ticuna fora da escola, procurando verificar as relações entre o que é transmitido pela escola e o que se evidencia no cotidiano Ticuna. Em seguida, realiza-se uma análise de como se processa a educação implantada no meio Ticuna sob o título ―Educação Indígena‖. Destacam-se os fatores que influenciaram a fundação da escola, sua localização e aspectos relacionados ao meio físico, econômico, social e cultural, bem como, o ambiente humano e de aprendizagem, dados esses que subsidiam o objetivo proposto para este trabalho. Procura-se verificar se a educação desenvolvida na escola indígena cumpre o papel de estar constantemente buscando alternativas para uma educação que seja apropriada à sobrevivência da cultura Ticuna, uma educação adequada à realidade cultural. A pesquisa baseia-se em levantamento de dados através de documentos, como também em entrevistas com lideranças, professores e idosos da Tribo Ticuna; também na observação direta, com anotações feitas em caderno de campo. O processo de assimilação e influência da cultura não índia predomina na região do Alto Solimões e tem ―esmagado‖ a cultura Ticuna, fazendo com que muitos já não queiram mais pescar, caçar ou viver como produtores ou coletores. É necessário buscar alternativas educacionais para a escola indígena Ticuna, em uma educação que seja apropriada para a sobrevivência de sua cultura e ao mesmo tempo minimize o preconceito enfrentado por esse povo. As lideranças e professores Ticuna esperam que a escola ajude na preservação e valorização de sua cultura. O prejuízo causado à educação cultural dos índios Ticuna é grande, a maioria dos jovens e crianças não são conhecedores dos significados dos rituais religiosos, mitos, lendas e crenças. Muitas vezes sabem até realizar o ritual, mas parece mais uma imitação de gestos, que se desvincula do seu real sentido. Espera-se que ao final dessa pesquisa sejamos capazes de utilizar o material desenvolvido para reflexão e que ela talvez possa servir como ponto de partida para os professores Ticuna na elaboração de diretrizes e desenvolvimento de um novo paradigma educacional que valorize mais a cultura. Palavras-Chave: Etnia Ticuna; Educação; Repasse Cultural; Assimilação cultural; Escola indígena.. 6.

(8) ABSTRACT. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO...........................................................................................................11 1 TICUNA: UM POVO NO ALTO SOLIMÕES...........................................................20 1.1 O TERRITÓRIO TICUNA.....................................................................................23 1.2 O RELAÇÃO COM OS NÃO INDÍGENAS...........................................................26 2 PRÁTICAS NO COTIDIANO TICUNA: A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL DOS TICUNA.....................................................................................................................29 2.1 O CASAMENTO – AS METADES EXOGAMICAS..............................................36 2.2 O NASCIMENTO.................................................................................................39 2.3 A MORTE.............................................................................................................39 3 SISTEMA EDUCACIONAL: EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO PARA OS ÍNDIOS.......................................................................................................................41 3.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL: ALGUMAS OBSERVAÇÕES........................................................................................................42 3.2 EDUCAÇÃO PARA ÍNDIOS, IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA................................47 3.3 A ESCOLA NA COMUNIDADE INDÍGENA DE UMARIAÇU I ............................51 3.3.1 A Situação da Escola.......................................................................................53 3.3.2 Pessoal, Instalações, Equipamentos Material Didático e Verbas que a Escola Dispõe........................................................................................................................53 3.3.3 A População Alvo da Escola.............................................................................55 3.3.4 O Currículo em Função da Necessidade dos Alunos......................................55 3.3.5 Projetos Desenvolvidos.....................................................................................55 3.3.6 Conselho Escolar..............................................................................................56 3.3.7 A Situação da Merenda.....................................................................................56 3.3.8 Deficiências Detectadas na Escola...................................................................59 3.3.9 Etno Educação Indígena...................................................................................60 3.4 EDUCAÇÃO INDÍGENA: APRENDIZAGEM TICUNA........................................62 4 A EDUCAÇÃO NO OLHAR DO INDIGENA...........................................................79 4.1 EDUCAÇÃO PARA SE TORNAR ―CIVILIZADO‖................................................85 4.2 AS MUDANÇAS OCORRIDAS NA EDUCAÇÃO DA ALDEIA.............................87 4.3 O CONTATO COM OS OUTRO: VENCENDO O PRECONCEITO.....................89 4.4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS NO ALTO SOLIMÕES.............91. 7.

(9) CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................94 REFERÊNCIAS........................................................................................................102 APÊNDICES.............................................................................................................106 APÊNDICE A – Roteiro das Entrevistas...................................................................106 APÊNDICE B – Entrevistas......................................................................................107. LISTA DE SIGLAS BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento CEB – Câmara de Educação Básica CETAM – Centro de Treinamento Profissional CGTT – Conselho Geral das Tribos Ticuna CONSED – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação CNE – Conselho Nacional de Educação FUNAI - Fundação Nacional do Índio IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDAM – Instituto de Desenvolvimento do Amazonas LDB – Lei de Diretrizes e Base da Educação LDBEN – Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional MEC – Ministério de Educação e Cultura NEIs. – Núcleo de Educação Indígena OGPTB – Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues ONGs – Organizações não Governamentais OSPTAS – Organização de Saúde do Povo Ticuna do Alto Solimões RCNEI – Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas SEMED – Secretaria Municipal de Educação SPI – Sistema de Proteção ao Índio 8.

(10) TCC – Trabalho de Conclusão de Curso UNDIME – União dos Dirigentes Municipais de Educação UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Caixa Econômica em Belém do Solimões............................................... 23 Figura 2 – Eware I e II (Território Ticuna)..................................................................24 Figura 3 – Inscrição no muro do Comando de Fronteira do Alto Solimões CFSOL 8º BIS........................................................................................................25 Figura 4 – Casa Ticuna..............................................................................................28 Figura 5 – Pinturas artísticas dos Ticuna...................................................................30 Figura 6 – Peixe Cozido.............................................................................................31 Figura 7 – Peixe moqueado.......................................................................................31 Figura 8 – Preparo da Farinha de mandioca.............................................................31 Figura 9 – Ajuri Ticuna (mutirão)...............................................................................33 Figura 10 – Cestos, tipitis e peneiras para o trabalho diário.....................................34 Figura 11 – Privada encontrada em comunidade indígena.......................................52 Figura 12 – Escola o‘i Tchürüne................................................................................53 Figura 13 – Fachada da Escola o‘i Tchürüne............................................................53 Figura 14 – Adubando a horta escolar......................................................................57 Figura 15 – Plantação de hortaliças na escola..........................................................57 Figura 16 – Plantação de hortaliças na escola..........................................................58 Figura 17 – Plantação de coqueiros na escola..........................................................59 Figura 18 – Pintura dos deuses Yo‘i e Ipi...................................................................66 Figura 19 – Desenho do Curupira..............................................................................73 9.

(11) 10.

(12) INTRODUÇÃO. O presente trabalho é o resultado de uma pesquisa participante, articulada com as fundamentações teóricas e metodológicas das disciplinas do Mestrado em Educação da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), e com apoio da CAPES, através do projeto de pesquisa ―O Processo Educacional da Cultura Indígena Ticuna na Região do Alto Solimões‖. Meu primeiro contato com povos indígenas ocorreu no município de Lábrea no Estado do Amazonas, Alto Rio Purus, no ano de 1983. Recém-chegado de São Paulo, minha Cidade Natal, com apenas seis anos de idade, na companhia de meus pais, conheci os índios Apurinã e Palmaris. Sentia uma admiração pelos indígenas e, ao mesmo tempo, certo medo desse contato, e isto provavelmente havia sido gerado pela visão equivocada, geralmente veiculada pela mídia, sobre esses povos. Passados alguns anos, tive o privilégio de residir na cidade de Eirunepé, localizada à margem direita do Rio Juruá, onde conheci os índios Kulina que habitam nas cabeceiras do Rio Eiru, afluente do Rio Juruá. Essa aproximação foi marcante ao extremo e me deu outra visão da realidade vivenciada entre os povos indígenas. Posteriormente, no dia 20 de maio de 1990, cheguei à cidade de Tabatinga, região do alto Solimões, onde fixei moradia e ali passei a ter contato permanente com os índios Ticuna que em sua origem autodenominam-se a Nação magüta, termo que literalmente significa ―gente pescada‖ com vara de pescar por Yo‘i, herói mitológico dos Ticuna. As experiências têm sido marcantes, e desde então, convivo com os Ticuna. Ao longo de 21 anos. através do cotidiano nas Aldeias Ticuna,. com o. desenvolvimento de projetos sociais e da realização de centenas de viagens para essas aldeias, tenho observado um povo possuidor de cultura peculiar, sobretudo, atraente, porém, ainda carente de um olhar mais refinado por parte de estudiosos e pesquisadores, principalmente, no que se refere ao campo pedagógico. Mesmo convivendo com os índios Ticuna, o interesse pelo debate e pesquisas acadêmicas no campo educativo indígena surgiu na ocasião da minha graduação em Pedagogia. Isto motivou para que realizasse praticamente todos os estágios nas aldeias Ticuna de Umariaçu I e II. Na ocasião colocamos em prática um projeto de intervenção articulado à disciplina de Educação Ambiental na 11.

(13) Universidade Estadual do Amazonas - UEA, o projeto consistia na implantação de uma horta escolar. A elaboração do projeto ocorreu após perceber que a merenda oferecida para os alunos naquela ocasião era de má qualidade. Esse projeto foi desenvolvido em parceria com os alunos da 3ª e 4ª séries da escola O’t Thürune, com o apoio do CETAM. O projeto objetivava o fornecimento de uma merenda escolar balanceada para uma melhor nutrição de crianças que muitas vezes só tinham uma única refeição por dia, a merenda oferecida na Escola. O mais marcante sem dúvida foi um projeto relacionado aos mitos e lendas do povo Ticuna. Fizemos um levantamento para detectar o nível de conhecimento dos alunos a respeito da mitologia Ticuna e suas crenças. Constatamos que era necessário a realização de pesquisa pelos alunos, principalmente através de conversas e consulta aos mais antigos da tribo, para que fossem resgatados conhecimentos que se tornaram obsoletos ao longo do tempo. Assim obtivemos êxito no levantamento e na organização de material sobre a mitologia e crenças Ticuna. O projeto também incluía a representação dos mitos através de pinturas. Foram realizadas oficinas e exposição de pinturas retratando os mitos e o resultado foi um sucesso. Os Ticuna têm talento especial na arte de pintar e conseguem realizar uma representação incrível através dos desenhos. A cada aproximação do universo Ticuna, com os estágios e projetos realizados na aldeia de Umariaçu I e II, reforçava ainda mais o desejo de conhecer de forma mais profunda a cultura do povo Ticuna, além de ser extremamente necessário para a elaboração do meu TCC – Trabalho de Conclusão de Curso na graduação em Pedagogia, construído a partir. de diversas entrevistas com. professores Ticuna e lideranças da aldeia, e também, através de minhas observações anotadas em caderno de campo, sem, contudo, ignorar o material que alguns pesquisadores já haviam elaborado sobre aspectos relevantes da cultura Ticuna. O tema desta pesquisa ―O Processo Educacional da Cultura Indígena Ticuna na Região do Alto Solimões‖, surgiu da estreita relação com o debate acadêmico que há algum tempo se evidencia na Amazônia em torno da escola e da educação indígena; também em decorrência do contato direto que tenho com membros da etnia Ticuna há 21 anos, adicionando ao processo a ideia de buscar um modelo educativo participativo, no qual as comunidades indígenas participem do diálogo com o MEC e das propostas para solução das dificuldades e problemas 12.

(14) evidenciados nessas comunidades. Neste contexto e em meio às conversas informais com professores Ticuna, observei que havia diferentes posturas pedagógicas e formas de pensar evidentes no ambiente escolar, no que se refere à maneira ideal para implantação de uma educação que liberte, e que esteja acima dos pré-conceitos aos quais os indígenas são submetidos e que, ao mesmo tempo, possa garantir a preservação e manutenção de sua cultura. Este trabalho busca analisar o sistema educacional na tribo Ticuna. Para tanto, foi realizado um levantamento referente à possível existência de duas correntes educacionais entre os professores Ticuna. Uma das correntes considera importante um ensino bilíngue, o estudo dos mitos e costumes para preservação da cultura; a outra também é bilíngue, porém, acredita que é inócuo estudar os mitos e aspectos culturais e defende que os índios precisam de uma educação igual à dos não indígenas ―civilizados‖, para que seja garantida a ascensão social e também para competir no mercado em condições de igualdade, minimizando o preconceito que sofrem. Identificamos diferentes posturas e práticas pedagógicas que podem auxiliar ou dificultar o repasse cultural da etnia Ticuna através da escola. Esse trabalho exigiu inicialmente a realização de um levantamento histórico da educação tradicional da Tribo Ticuna. Em seguida, a realização de análise para conhecer melhor como se processa a educação implantada no meio Ticuna sob o título Educação Indígena. Durante essas fases são destacados os fatores que influenciaram a fundação da escola, sua localização e aspectos relacionados ao meio físico, econômico, social e cultural, bem como o ambiente humano e de aprendizagem. Esses dados fornecem subsídios para atingir o objetivo proposto para este trabalho que se destina analisar o processo da educação na Tribo Ticuna. A intenção é verificar se a educação desenvolvida na escola indígena cumpre o papel de estar constantemente buscando alternativas para uma educação que seja apropriada à sobrevivência da cultura Ticuna e adequada à realidade cultural. Através da experiência com os índios Ticuna tenho observado que a manutenção de sua cultura vem sofrendo a cada dia de forma mais intensa, com o processo de assimilação da cultura não índia. Esse processo é retratado por Brandão (1995) quando afirma: ―Sabemos que ninguém escapa à educação‖, por isso, o povo Ticuna com toda certeza possui uma forma própria e singular de educação. Brandão (1995, p. 8), deixa evidente através da carta dos índios aos 13.

(15) brancos que ofereciam a escola dos brancos a seus jovens indígenas. A carta divulgada por Benjamin Franklin relatava que os indígenas estavam convencidos que os senhores não indígenas desejavam o bem para eles e agradeceram de todo o coração pela oferta para que seus filhos fossem educados no conhecimento dos não indígenas. Entretanto, mencionaram que aqueles que têm sabedoria reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, disseram que não queriam ofender os brancos ao mostrar que a ideia deles de educação não era a mesma que a dos não indígenas. O relato de Brandão (1995) segue com a afirmação de que muitos dos bravos guerreiros indígenas que foram formados nas escolas da cidade e aprenderam toda ciência dos brancos, quando voltavam para o meio indígena, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar, nem matar o inimigo ou construir uma cabana, e falavam a língua materna muito mal. Eles não serviam para a vida na floresta, nem serviam como hábeis guerreiros, caçadores ou mesmo como conselheiros. Os indígenas do relato agradeceram a proposta dos ―brancos‖ para que indígenas estudassem nas escolas, e relataram que mesmo sem poder aceitar, para mostrar sua imensa gratidão, sugeriram aos brancos que enviassem alguns dos seus jovens para convivência na comunidade indígena, para ensinar-lhes tudo o que eles sabiam e assim eles se tornariam verdadeiros homens. Neste sentido, alguns indígenas em conversas informais relataram que a esperança que eles depositam na escola escoa-se mediante a desvalorização de sua cultura e o que realmente está na moda é mudar para conseguirem sobreviver, mesmo que o preço a ser pago seja a perda da identidade cultural. O processo de assimilação cultural que é imposto pela cultura não índia e predominante, tem ―esmagado sua cultura Ticuna‖. Muitos já não querem mais pescar, caçar, já não vivem mais como produtores ou coletores e sim, como consumidores. A escolha de um método que em linhas gerais predominasse foi importante. Embora sejam utilizados em vários pressupostos do método etnográfico e também da pesquisa quantitativa, esta pesquisa é de cunho qualitativo. Na metodologia são utilizados pressupostos do método etnográfico, descrito por Bertaux (2010), que fala sobre a coexistência de fenômenos dentro de uma sociedade, como é o caso das correntes educacionais observadas nas comunidades da tribo Ticuna. 14.

(16) Pelo termo ―perspectiva etnossociologica‖ designamos um tipo de pesquisa empírica apoiada na pesquisa de campo e nos estudos de caso, que se inspira na tradição etnográfica nas suas técnicas de observação, mas que constrói seus objetos pela referencia a problemas sociais. (p. 23, grifos do autor).. Buscamos uma ou algumas possíveis explicações ao problema das posturas educacionais de professores Ticuna, que a nosso ver, a priori parece de ordem social e talvez seja potencializado pela multiculturalidade existente na região do Alto Solimões. Para tanto, é necessário um breve diagnóstico situacional das escolas envolvidas na pesquisa. Também é preciso recorrer às informações sobre educação escolar que são organizadas a partir de dados obtidos no setor de Educação da FUNAI, às informações obtidas no contato direto com o cotidiano indígena e construídas a partir de depoimentos de lideranças indígenas e às informações etnográficas já registradas, como as pesquisas de Nimuendaju (1977), Oliveira Filho (1988) Viveiros de Castro (2002). É necessário ainda a utilização de trabalhos que retratam as relações socioculturais como os de Demartini (2003) e Martins (2009) e estudos como os de Meliá (1979), Monte (2000) e Godoy (2011), cujo foco direcionase às relações entre cultura indígena e escola, que são de fundamental importância para que possamos atingir o objetivo deste trabalho. Neste sentido, observamos que alguns autores têm se interessado por fenômenos observados em comunidades indígenas e vêm realizando pesquisas sobre o seu cotidiano, seus aspectos sociológicos e educacionais. Nesta pesquisa recorremos a eles, além de utilizar o. material coletado na participação da. I. Conferência Regional do Alto Solimões e Javari, que tratou de questões educacionais e a autonomia indígena. Para Meliá (1979) a escola na aldeia não pode ser vista de maneira simplória como uma mera representação do estado impondo ideologias sobre os povos indígenas. O que é importante para essa autora são as relações interétnicas e as instituições através das quais se constituem como experiências dinâmicas onde a agência das partes envolvidas possibilita desdobramentos criativos e inesperados, desafiando-nos com novos problemas. A magia da escrita se burocratiza quando ela entra na escola, e escola é quase sempre o espaço do Estado e das instituições que o representam. O lugar físico, social e político que tem a escola na aldeia confunde-se facilmente com o lugar que ocupa o Estado nesse povo. (p. 11).. 15.

(17) O contexto demonstra que a partir da década 1970, surgiram movimentos envolvendo lideranças indígenas de diferentes grupos étnicos que reivindicavam a educação escolar como direito e se organizaram para definir os rumos da educação em suas comunidades. Essa informação reportou-me a I Conferência Regional do Alto Solimões e Javari, organizada pelo MEC em maio de 2009, onde presenciei as discussões e palestras realizadas para uma melhoria da educação indígena. O cerne da proposta do MEC era a estabelecer um diálogo para possível implantação de uma política educacional pautada em pressupostos da Etnoeducação. Na ocasião estavam presentes representantes de diversos movimentos indígenas, lideranças e caciques da região que lutam para melhoria na Educação escolar em suas comunidades. Monte (2000) aborda o assunto no contexto latino americano, relacionando-o à educação e sociedades indígenas no Brasil.. Como parte das reformas educativas latino-americanas, um novo paradigma para a educação das sociedades indígenas está sendo construído em substituição ao condenado modelo de escola como veículo de interação e assimilação lingüística e cultural. Tem sido conceituando na América Hispânica de Educação intercultural Bilíngüe (EIB), ou Etnoeducação, enquanto no Brasil é conhecida como Educação Escolar Indígena (EEI). Nas últimas décadas, um repertório de modificações políticas significativas vem acompanhando essas formulações, traduzidas em novas bases jurídicas e institucionais. É direito coletivo e dever de Estado inscrito nas Constituições Federais de legislações educacionais específicas. (p. 99).. Temos observado que a Etnoeducação é uma tendência, uma nova experiência no campo educacional indígena. Essa forma de educação passa a lidar com etnias de forma mais presente e particular, ou seja, as comunidades indígenas que têm uma cultura similar, no que se refere à proximidade da língua, costumes, hábitos etc. Passam então a ter uma educação participativa e voltada para sua realidade. Oliveira Filho (1988) vê a ideia com pessimismo e contesta, afirmando que é preciso prestar atenção às formas como as instituições aparentemente externas são internalizadas pelos povos indígenas. Analisa como um grupo étnico com elementos vivos e atuantes de sua própria organização social e de sua cosmologia, se adapta, tenta resistir à dominação e reinterpreta a ação do Estado.. 16.

(18) As ações do índio são sempre vistas e interpretadas de acordo com as representações e interesses de grupos sociais que com eles compartilham a mesma situação histórica, para apreender a constituição desse campo é necessário remeter-se à situação histórica precedente e captar como os índios estiveram plenamente inseridos na situação de domínio dos seringalistas, tratados como atores efetivos, decodificando os significados tradicionais que atribuíram aos eventos que viveram, bem como acompanhando as novas significações e os cursos de ações alternativas que constituíram. (p. 88).. Pode ser mais uma forma de tratar os diferentes grupos étnicos de forma igual, e de forma sutil minar cada vez mais o seu legado cultural. O tema relacionado a diferentes culturas é complexo e muito mais quando envolve a escola, e principalmente, no contexto indígena, não é simples de tratar. Neste sentido, Demartini (2003) ressalta que:. Tratar de questões relacionadas à cultura não é tarefa fácil; e parece-me mais difícil quando o tema proposto é culturas escolares [...] Se pensarmos na realidade que vivemos hoje, já seria difícil responder a essas questões, mesmo sabendo que a temática mais ampla da cultura tem sido objeto de investigação mais intenso da vida educacional. Os significados atribuídos à escola e ao conhecimento escolar por ela produzido têm sido objeto de muitas discussões e controvérsias. Filósofos da atualidade refletem sobre a crise profunda que afeta a cultura e discordam sobre as finalidades da escola para o homem no mundo atual e sobre as práticas nelas observadas, quando pensam nas demandas destes novos tempos e nesta sociedade e cultura cada vez mais globalizada. (p.135-136).. Os povos indígenas Ticuna convivem com diversas culturas e possuem diferentes posturas na escola. Sobre as diferenças culturais observamos também em de Martins (2009) em seu livro ―A fronteira‖ no qual expõe resultados de pesquisas desenvolvidas nos últimos trinta anos, em diferentes pontos da região amazônica colocando um ingrediente interessante no encontro de etnias. A fronteira, segundo Martins (2009), é o espaço próprio do encontro de sociedades e culturas entre si diferentes, a sociedade indígena e a sociedade dita ―civilizada‖, mas também as várias e substancialmente diferentes facções da sociedade de brancos e mestiços que somos. Esse autor é importante no sentido de confirmar o que observo na região da tríplice fronteira, onde vivem a maior parte dos índios Ticuna, os quais muitas vezes deixam seu habitat natural, a comunidade indígena, e buscam uma aventura na cidade. Alguns procuram trabalho, outros vão estudar na cidade. Certa vez, inclusive, um amigo indígena me falou: ―Samuel, quero mandar meu filho pra teu (sic) casa, pra se ‗civilizar‘, estudar na escola de 17.

(19) Tabatinga‖. Esse fato se repete com muita frequência na região. Muitos não são considerados essencialmente não indígenas quando estão na cidade e ao mesmo tempo quando estão na aldeia são vistos como alguém que é ―civilizado‖, por terem assimilado traços culturais dos não indígenas; chegam até a ser vistos com desconfiança por alguns parentes indígenas. Ficam, segundo esse autor, na fronteira étnica, ou seja, acabam sem ―identidade étnica‖, não são nem de lá (aldeia) e nem de cá (cidade), acabam ficando na fronteira. As diferentes posturas pedagógicas observadas entre professores Ticuna podem residir exatamente no fato observado acima. Mas para que seja confirmado ou negado faz-se necessário ir a campo investigar através das entrevistas para saber se tal fato realmente procede ou se esta observação está equivocada. A presente pesquisa está organizada em quatro capítulos: no primeiro, abordamos o histórico do povo Ticuna; observando a origem do povo, fazemos menção ao nome ―Ticuna‖ atribuído a essa etnia provavelmente por índios Omáguas. Discorremos brevemente sobre a constante luta indígena pela autoafirmação e afirmação de seu território. São observados também a disposição e o número de comunidades Ticuna dentro do território magüta. Neste capítulo abordamos, ainda, o início da relação com os não indígenas, chamados comumente de ―civilizados‖, sendo que este aspecto é de fundamental importância na contextualização e posterior compreensão das correntes educacionais. No segundo capítulo, apresentamos as práticas observadas no cotidiano Ticuna, a educação não formal, que envolvem: o uso da língua Ticuna, o trabalho, a roça, a caça, a pesca, a alimentação, as festas, a arte, as pinturas, o nascimento, as relações interétnicas, o casamento e a morte. Essas práticas constituem uma ferramenta pedagógica importante para a dinamização e manutenção da cultura Ticuna em constante contato com outros povos. No terceiro capítulo a abordagem é referente ao sistema educacional, no qual é discutida a Educação Indígena e a Educação para os índios. Apresentamos os marcos legais que regulamentam os direitos dos povos indígenas, apresentando um histórico da Educação no Brasil, cujo discurso oficial é a preservação cultural. Evidenciamos a Educação Ticuna que através de mitos e lendas tem a finalidade visível de proporcionar uma educação que garanta sua autoafirmação frente a outros povos e preservação do legado cultural existente. É necessário abordar neste capítulo o termo ―civilizado‖, comumente usado na região: a educação para se tornar 18.

(20) ―civilizado‖, ou seja, a ação de se deslocar das comunidades indígenas para estudar na cidade. O quarto capítulo, traz a educação no olhar do indígena e procura demonstrar o que é educação para o Ticuna, o que ele espera da escola e como o professor ―possuidor‖ de possíveis recursos pedagógicos pode facilitar ou dificultar o resgate e a ―manutenção‖ cultural nas comunidades Ticuna através da escola. Esse capítulo aborda de maneira breve aspectos do curso de formação de professores indígenas na região do alto Solimões. Cabe ainda mencionar que é difícil falar de educação na ótica do indígena, mostrando qual é a melhor maneira de lidar com a diversidade sociocultural e o mundo pós-moderno e globalizado, mas este capítulo, além de fundamentado nas entrevistas, apresenta a experiência que tenho com os índios Ticuna na região do Alto Solimões. A princípio, podemos afirmar que o modelo necessário de educação para a escola indígena deveria ser um que constantemente desenvolvesse alternativas para uma educação apropriada à sobrevivência da cultura Ticuna, uma educação adequada à sua realidade cultural e mais que isso, que eles fossem os mentores de tal. educação,. pois. segundo. Comênio. (1976,. p.104),. ―não. é. necessário. consequentemente introduzir nada no homem a partir do exterior, mas apenas fazer germinar as coisas das quais ele contém os germens em si mesmo...‖. Neste sentido buscamos tecer este trabalho de forma que seja proveitoso tanto a pesquisadores e professores Ticuna e que de alguma maneira possa servir como possível fonte para reflexão.. 19.

(21) 1 TICUNA: UM POVO NO ALTO SOLIMÕES. Para a compreensão do contexto cultural, social e educacional do povo Ticuna é necessária a realização de uma viagem panorâmica sobre a história desse povo. Essa viagem será possível através de escritos etnográficos já existentes, e pelo convívio e observação que tenho realizado na cultura levando em consideração fatores que influenciam a cultura Ticuna no processo de assimilação da cultura não índia chamada de Aculturação por alguns antropólogos. Os Ticuna, nome pelo qual são conhecidos, não é uma autodenominação que tem origem em seus ancestrais, mas são assim denominados por tribos vizinhas do tronco linguístico Tupi, provavelmente os índios Omáguas, tribo com quem lutavam pela posse do mesmo território. O termo “Tikuna” significa em Tupi ―nariz preto‖ faz referência ao uso cultural de pinturas no rosto expressando filiação clânica que são feitas com a tintura encontrada no jenipapo. Já os índios Ticuna, originalmente autodenominavam-se a nação magüta, termo que literalmente significa ―gente pescada‖ com vara de pescar por Yo‘i, herói mitológico dos Ticuna. Esse fato foi observado pelo antropólogo alemão Kurt Nimuendaju (1977) que registrou os primeiros contatos com os primeiros missionários e militares que entraram em contato com os Ticuna por volta do século XVII. Segundo relatos, em sua origem os Ticuna sempre foram índios de terra firme, ocupando um extenso território no alto dos igarapés que deságuam no Rio Solimões, mas que com o passar dos anos foram se deslocando cada vez mais, e a partir do final do séc. XVIII, foram em direção ao grande Rio Solimões. Esse processo teve início com o desaparecimento gradativo de seus inimigos rivais, os Omágua (também chamados de Cambeba), tribo guerreira que dominava as margens do Rio Solimões.. Mantêm estas tribos, por uma e por outra margem do rio, contínuas guerras com os povos vizinhos que, pelo lado do sul, são, entre outros, os Curina tão numerosos, que não apenas se defendem, pelo lado do rio, da grande quantidade das Águas, como também sustentam armas, ao mesmo tempo, contra as demais nações que por via terrestre os atacam constantemente. Pelo lado norte os Omáguas têm como inimigos os Tikunas que, de acordo com boas informações, não são inferiores aos Curina nem em número nem em brio, já que também sustentam guerras com os inimigos que têm terra adentro. (ACUÑA, 1994, p. 51).. 20.

(22) Os Ticuna são citados pela primeira vez, de acordo com Oliveira Filho (1988) pelo etnólogo alemão Kurt Nimuendaju, que em 1929 fez sua primeira viagem ao alto Solimões e observou que estes tinham como inimigos os Omáguas, moradores da margem esquerda do rio Solimões. Os Ticuna, que já fugiam das agressões deste povo, refugiando-se nos altos dos igarapés e afluentes da margem esquerda do Solimões, fazem o mesmo com a chegada dos espanhóis, em especial Francisco Orellana e suas expedições, que desciam o rio Solimões.. Os primeiros contatos com os brancos datam do final do século XVII, quando jesuítas espanhóis, vindos do Peru e liderados pelo Padre Samuel Fritz, criaram diversos aldeamentos missionários às margens do rio Solimões. Essa foi à origem das futuras vilas e cidades da região, como São Paulo de Olivença, Amaturá, Fonte Boa e Tefé. Tais missões foram dirigidas principalmente para os Omáguas, que dominavam as margens e as ilhas do Solimões, impressionando fortemente os viajantes e cronistas coloniais pelo seu volume demográfico, potencial militar e pujança econômica. Os registros da época falam em muitos outros povos (como os Miranha ou os Içá, Xumana, Passe, Júri, entre outros, dados como extintos já na primeira metade do século XIX pelos naturalistas viajantes), que foram aldeados juntamente com os Omáguas e os Ticuna, dando lugar a uma população ribeirinha mestiça. (p. 280).. O fato de serem "índios na região da fronteira" determinava um intenso círculo de trocas por um longo período, envolvendo não somente trocas comerciais com grupos indígenas da Colômbia e do Peru, mas principalmente, de produtos de grande valor simbólico e de conhecimentos ligados ao xamanismo, prática muito valorizada nas culturas indígenas. A partir do ano de 1970, os deslocamentos deram lugar a um grande processo de ―urbanização‖ causado pela busca dos aldeamentos mais bem estruturados com escolas e postos de saúde, e paralelamente, segundo Oliveira Filho (1988), ―pelo chamado do Irmão José (brasileiro), que, dizendo-se dotado de ‗visão celestial divina‘, passou a colocar cruzes nos aldeamentos, prometendo que salvaria aqueles que ali se reunissem e cumprissem os mandamentos da ‗cruzada apostólica‘ ‖. O fator histórico de ocupação e exploração do território Ticuna fez com que houvesse grandes movimentos de deslocamento e de concentração populacional a partir do século XVIII. Segundo Oliveira Filho (1988) no final do século XIX, a expansão da exploração da seringa na região do Alto Solimões, e o lucro adquirido 21.

(23) com o trabalho em seringais, fez-se evidente o processo de dissolução das malocas tradicionais, tendo havido a transferência dos indígenas para as margens do Solimões em detrimento dos interesses da empresa seringalista. Como em todas as aldeias, povoados e tribos brasileiras os índios Ticuna inicialmente mantiveram-se fiéis às suas culturas, vivendo em malocas clânicas, no entanto, através do contato intenso com os não índios esse aspecto cultural acabou desaparecendo, sendo preservadas ainda, a língua, algumas tradições, a cultura do cultivo da macaxeira, da banana e coleta de frutas para sua subsistência. Atualmente devido à inserção do homem não índio, as políticas públicas existentes, bem como o crescimento das cidades na região do Alto Solimões, verifica-se um processo de perda da identidade indígena Ticuna. É possível constatar grande fluxo migratório para as cidades, visando à compra de produtos industrializados. Há, ainda, o fato de muitos saírem de suas aldeias e mudar-se para as cidades, intensificando, assim, o processo de miscigenação. O governo federal e, sobretudo, o governo estadual do Amazonas ajudam ainda mais neste processo de saída das terras tradicionalmente ocupadas. Estes, através de sua Autarquia Previdenciária concedem benefícios, sem observar os procedimentos previstos na legislação; como também não criam condições que melhorem a vida nas comunidades indígenas. A saúde e educação são prestadas de forma precária com péssima qualidade, devido à distância, à falta de estrutura física e equipamentos e também à falta de pessoas com formação necessária para um atendimento básico de qualidade, tanto na área da saúde como na educação. Há localidades que distam vários dias de viagem em canoas das cidades mais próximas, assim, ocorrendo enfermidades graves e há grande probabilidade da ocorrência de óbitos devido à falta de recursos. O governo estadual, em vez de fomentar a cultura e manutenção das tradições Ticuna, promove a introdução de elementos estranhos à cultura indígena, que fazem parte do contexto social dos não índios e do cotidiano das cidades, tornando cada vez mais as aldeias parecidas com pequenas cidades. Como exemplo, vale mencionar a aldeia de Belém do Solimões, distante 80 km de Tabatinga. Essa aldeia mais parece uma pequena cidade. Na figura 1, a seguir, é possível observar um comércio no qual funciona a Caixa Econômica. As ruas estão asfaltadas, todavia, não há saúde, ocorrem inúmeros falecimentos de índios, não há segurança, estando os índios abandonados à própria sorte. 22.

(24) Figura 1 - Caixa Econômica em Belém do Solimões. Fonte: Arquivo pessoal - 2012. O povo Ticuna do Alto Solimões está atualmente dividido em mais de 120 comunidades, que são distribuídas desde a calha do Rio Solimões até o alto dos igarapés, e estão próximos a nove diferentes municípios: Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amatura, Santo Antonio do Içá, Jutaí, Fonte Boa, Tonantins, Beruri. Em alguns desses municípios a população indígena constitui mais da metade da população total de zona rural.. 1.1 O TERRITÓRIO TICUNA. O território Ticuna do Eware localiza-se na Meso-Região do Alto Solimões Amazonas, a aproximadamente 1500 km de Manaus, capital do estado do Amazonas. A região é um espaço de confluência das fronteiras políticas dos três países: Brasil, Colômbia e Peru. Este fenômeno faz que o atual território Ticuna pertença a três nações diferentes, porém, os Ticuna ao mesmo tempo em que reafirmam sua identidade étnica, também se adaptam às diferentes identidades culturais. Faz-se necessário esclarecer que na Meso-região do Alto Solimões, segundo classificação do IBGE, existem sete populações com hierarquia de cidade: município de Amaturá, Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Santo Antonio de Içá, São Paulo de Olivença, Tabatinga e Tonantins. Essas cidades constituem-se centros 23.

(25) administrativos e comerciais e sedes dos municípios que levam o mesmo nome. As povoações restantes são formadas por comunidades indígenas (das etnias presentes na região: Ticuna, Cocama, Cambeba, Marubos, Matis e outras) ou populações ribeirinhas. O foco deste trabalho, como já mencionado, configura-se sobre o processo educacional construído principalmente com o auxílio de lideranças e professores das comunidades Ticuna de Umariuaçu I e II e Belém do Solimões que cuja localização está dentro dos limites do território Ticuna Eware, conforme demonstra a figura 2.. Figura 2 – Eware I e II (Território Ticuna). Região do Alto Solimões. Fonte: I Conferência de Educação Indígena na Região do Alto Sol 2009 – adaptado pelo autor.. A nação Ticuna pode ser considerada como a maior população indígena da Amazônia Brasileira. Segundo dados do ISA (2011) os Ticuna possuem aproximadamente. 36.377 (Funasa, 2009) parentes indígenas no Brasil, 6982. parentes indígenas vivem no Peru (INEI, 2007) e. 8000 parentes na Colômbia. (GOURLARD, 2011). Situados na região de fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, a população total estimada é de aproximadamente 51.359 indivíduos. O território Ticuna, além de ser uma ampla região dividida pelas fronteiras políticas do Brasil, Colômbia e Peru, caracteriza-se por uma população multiétnica. 24.

(26) Os Ticuna mantêm contato com outros grupos indígenas como os Yagua, Cocana, Huitoto, Cambeba, Kulina e com os ―brancos‖ e ―mestiços‖ que formam a população da Tríplice Fronteira, na Região do Alto Solimões. O caráter multiétnico dessa região, somado à diversidade determinada pelos diferentes contextos das nações vizinhas, Peru e Colômbia, faz do cenário social um espaço propício para conflitos interétnicos manifestados através de constantes disputas por liderança em nível local e regional marcado pela apropriação de recursos diversos disponíveis na região. A figura 3, através da inscrição no muro do Comando de Fronteira do Alto Solimões CFSOL8º BIS, expressa a ideia de que a cidade de Tabatinga é apenas o começo do Brasil, o que em outra perspectiva seria os confins de nosso Brasil.. Figura 3 – Inscrição no muro do Comando de Fronteira do Alto Solimões CFSOL 8º BIS. Fonte: Arquivo pessoal - 2012. Esse é um cenário de fronteiras políticas, diversidade étnica e conflitos sociais, onde os Ticuna constantemente reafirmam o sentido de sua identidade e ao mesmo tempo introduzem em sua cultura diferentes identidades que contribuem para o estabelecimento de diferenças intra-étnicas, ou seja, diferenças dentro da própria cultura Ticuna que se expressam na vida cotidiana por representações ideológicas e lutas pelo poder, na esfera política, o que consequentemente garante elevado prestígio social e até econômico. 25.

(27) 1.2 A RELAÇÃO COM OS NÃO INDÍGENAS. Os primeiros relatos da relação dos índios Ticuna com os não indígenas na região do Alto Solimões que estão registrados em pesquisas de cunho etnográfico, tiveram início no século XVII, com jesuítas espanhóis e portugueses. Os estudos de Curt Nimuendaju, cuja publicação em 1930 teve início com o texto ―Besuch bei den Tukuna-Indianem‖, uma produção de caráter etnográfico sobre os Ticuna. Depois desse texto, Nimuendaju dedicou-se a escrever a obra ―The Tukuna‖ (1952), onde apresenta resultados do convívio com os Ticuna. Nesta obra, o autor descreve a cultura dos Ticuna, sua história, suas formas de subsistência, sua arte, sua organização social e sua religião. Seguindo os caminhos percorridos por Kurt Nimuendaju, o antropólogo Cardoso de Oliveira (1972) passou também a investigar os Ticuna, explorando o processo de contato entre índios e brancos na região. De igual maneira, Oliveira Filho (1988), ao término dos anos 1980, analisou as mudanças sociais e o processo de dominação por parte de não índios e resistência dos índios Ticuna.. Os Tikuna atravessaram, desde o século XVII, diversos processos de contato. Entre os séculos XVII e XVIII, alguns segmentos da população sofreram um processo de redução forçada por parte de jesuítas espanhóis e portugueses (no século XVII) e missionários carmelitas portugueses (no século S. XVIII), que fundaram aldeias e vilas. No século XIX, a região se tornou um importante centro de exploração de recursos naturais, sobretudo de pescado, extração de madeira e coro de animais. Os comerciantes intercambiavam esses produtos com os Tikuna e com outras etnias por objetos manufaturados. Em finais do século XIX, durante o apogeu da exploração e comercialização da borracha, chegaram pessoas do nordeste de Brasil que compraram dos governos locais os títulos de propriedade das terras tradicionalmente ocupadas pelos Tikuna e começaram a utilizá-los como mão-de-obra. Para isso destruíram as malocas e dispersaram os membros de cada clã, impondo outro padrão de moradia e de organização social que lhes permitiu dominá-los mais facilmente. Os Tikuna sofreram um processo de dominação por parte de patrões seringalistas até os anos de 1960, quando um conjunto de mudanças em nível nacional e local e a atuação de diversos agentes coadjuvaram na perda de poder daqueles. O que facilitou o processo de organização e luta que os Tikuna iniciaram nos anos de 1970 em prol da conquista do direito a terra, saúde e educação escolar diferenciada e bilíngüe. (PALADINO, 2010, p.160).. O texto nos leva a entender que o processo de mudanças em aspectos culturais não começou agora, mas desde o séc. XVII. Hoje os Ticuna convivem com o que restou de sua cultura e lutam para que o pouco do legado cultural permaneça 26.

(28) vivo em suas memórias. Para isso eles, apesar de inúmeras dificuldades, se unem formando organizações e conselhos sobre os quais trataremos mais adiante. Desde o descobrimento do Brasil os índios são ―direcionados‖ a realizar mudanças significativas em detrimento de sua cultura. A cultura predominante transmite a ideia de ser mais ―avançada‖ e de maior facilidade para o viver diário. Alguns indígenas têm acreditado que a cultura predominante pode facilitar muitas coisas e até ser melhor que a sua posição social. Isso se deve à dificuldade que eles têm de viver isolados do mundo ocidental e não possuir como premissa maior a lógica do capitalismo. A integração conduz o indígena a abrir mão de aspectos culturais em detrimento da cultura não índia. Segundo Sanche (1999), os índios, além de sofrerem perdas irreparáveis, ainda são vistos de forma preconceituosa. Esse primeiro contato é o inicio de um longo período de relações amistosas e conflituosas marcadas pelo saque e pilhagem das riquezas da terra brasilis pelos europeus principal protagonista dessa história é o elemento português e a principal vitima o índio, que alem de ter invadidas suas terras, saqueado seus bens e violentadas suas mulheres, ainda ganhou a fama de ―burro‖ e preguiçoso, sem nenhum respeito à sua tradição, organização social e crenças (p. 48).. Hoje podemos observar o grande conflito que é viver em uma comunidade indígena que distante mais de dez horas canoa com um motor rabeta, da cidade de Tabatinga, ao mesmo tempo em que lutam pela sobrevivência da cultura tentando garantir o necessário para sobrevivência no dia a dia, estão sendo bombardeados pela ideologia da classe média que é veiculada através dos principais meios de comunicação em massa. Não é muito diferente do que ocorria por ocasião do período colonial: uma imposição de uma cultura sobre a outra, com um discurso de melhoria e progresso, e com isso, a cultura indígena vai deixando lentamente de existir. Só mudou o cenário. Na figura 4, a seguir, podemos visualizar duas casas: uma, nos moldes da cultura Ticuna, erguida a partir de esteios e barrotes fixados no chão, com assoalho de pachiúba (tipo de palmeira) e madeiras retiradas da floresta com o auxilio de uma moto serra, em geral as paredes de madeira ficam extremamente rústicas e sem pintura alguma que, em seguida é coberto com palhas e fica pronta para o uso; na mesma figura observa-se outra casa também sobre esteios e barrotes, porém com aparência de casa típica dos não índios ribeirinhos, com as madeiras da parede 27.

(29) beneficiadas em serraria, com táboas mais lisas, pintadas e com cobertura feita com telhas de zinco.. Figura 4 – Casa Ticuna. Fonte: Arquivo pessoal – 2012. Essa casa possui uma caixa d‘água que por ocasião da chuvas os indigenas coletam água para beber. Possui também uma antena parabólica que no período da noite quando o gerador da comunidade é ligado, possibilita o acompanhamento de programação televisiva. Isso se constitui um dos maiores lazeres para os Ticuna daquela comunidade, e assim, vão lutando e mesclando o primitivo com o novo, a fim de não banir definitivamente aspectos herdados de sua cultura.. 28.

(30) 2 PRÁTICAS NO COTIDIANO TICUNA: A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL. Para abordar as práticas, é interessante começar pela língua, sem a qual as relações interpessoais na convivência Ticuna tornam-se impossíveis. A língua Ticuna é utilizada por mais de 50.000 indígenas que se distribuem em comunidades por três países: Brasil, Peru e Colômbia. No. lado brasileiro, o número de. comunidades ultrapassa 120, distribuídas em diversas áreas localizadas em municípios da região do Alto Solimões, dentre eles estão Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antonio do Içá, Jutaí, Fonte Boa, Tonantins, Beruri. A maior parte das aldeias encontra-se nas proximidades do rio Solimões. Sua língua materna é o Ticuna, ―uma língua tonal, isolada única na linguística‖. Segundo Soares (2001), é dominada apenas por membros dessa etnia e apresenta complexidades em sua fonologia e em sua sintaxe. Tem sido sistematicamente defendida pelo uso cotidiano nas aldeias em especial, pelas mulheres junto às crianças. Nas aldeias que se encontram na Região do Alto Solimões, do lado brasileiro, o uso intensivo da língua Ticuna não chega a ser ameaçado pela convivência com outros povos. Essa preservação só ocorre quando os pais que convivem com outros povos ou na cidade, têm uma atitude de valorização, fazendo sempre uso da língua e incentivando os filhos Ticuna. Já quando não se tem essa preocupação pela valorização da língua, e a língua usada no cotidiano pelos pais com seus filhos deixa de ser a Ticuna e cede lugar ao português ou espanhol, o Ticuna acaba sendo prejudicado. Isso é difícil ocorrer, porém, há alguns casos de crianças escolarizadas na cidade de Tabatinga que não conseguem se comunicar com seus parentes em língua Ticuna. O Ticuna, nesse caso, cede lugar à imposição da cultura dominante, que com uma aparente facilidade vai minando dia após dia a originalidade cultural Ticuna tão difundida pelos antigos. Os antigos indígenas praticavam um trabalho apenas para a subsistência e algumas vezes o excedente era trocado com regatões e os povos vizinhos supriam a necessidade do que não possuíam. Os Ticuna eram basicamente caçadores e coletores, praticando o cultivo de espécies nativas como a macaxeira, o cará, uma espécie de cana-de-açúcar e outras. Naquele momento, com uma alimentação baseada na carne de. 29.

(31) caça, a pesca tinha importância mínima, sendo praticada com uma tecnologia de cercados e envenenamento dos peixes com o sumo do timbó (OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 46).. O trabalho de pesca é um trabalho em geral dos homens. Já a pesca conjunta é muito rara, mesmo entre moradores da mesma casa. A grande maioria dos Ticuna costuma pescar com o caniço, a flecha, a tarrafa e as redes, e os melhores locais para a pesca são em geral inúmeros lagos que estão à margem o rio Solimões. A figura 5 demonstra ao fundo uma manifestação da arte Ticuna e evidencia a importância da pesca e da caça como prática indispensável à sobrevivência do povo indígena Ticuna.. Figura 5 – Pinturas artísticas dos Ticuna. Fonte: Arquivo pessoal - 2012. Devido à escassez e ao fato de a cada dia serem obrigados a ir mais longe para encontrarem caças, hoje são poucos que praticam a caça, apesar de esta ser tradicional e estar bastante ligada à cultura culinária Ticuna. No passado eram utilizados a zarabatana e arco, que lançavam flechas e dardos envenenados. Hoje já utilizam, na maioria das vezes, espingardas calibre 16, o que gera mais mobilidade e garante maior segurança para o caçador. As caças que geralmente são capturadas são: os diversos tipos de macacos, a cutia, o veado, a queixada, o catitu, a anta, o mutum, o jacu, alencó e a arara, entre outros animais. Na seqüência, a figura 6, à esquerda, mostra a cozinha onde são preparados os pratos típicos da culinária Ticuna, em uma cozinha de pachiúba, com cobertura 30.

(32) de palha, e um fogão de barro onde é colocada a lenha seca para o preparo dos alimentos. A figura 7, à direita, mostra o preparo do peixe moqueado, que são peixes assados com escamas e vísceras sem colocar nenhum tempero antes de ser assado. Posteriormente, o peixe é degustado acompanhado de sal e pimenta ou molho de tucupi. Esse alimento é tradicionalmente mantido por gerações.. Figura 6 - Peixe Cozido. Figura 7 - Peixe moqueado. Fonte: Arquivo pessoal - 2012. Fonte: Arquivo pessoal - 2012. Figura 8 - Preparo da farinha de mandioca. Fonte: Arquivo pessoal - 2012. Quanto ao trabalho e alimentação os Ticuna praticam o cultivo de espécies como a macaxeira, para fazer farinha (figura 8), cultivam banana, cará, jerimum, abacaxi, melão, melancia, feijão de praia e outros produtos regionais. São coletores 31.

(33) de frutos como: pupunha, buriti, açaí, catuaba, castanha do Pará, cupuaçu, jenipapo, mapati entre outros frutos da floresta. Alguns desses produtos são comercializados na cidade e até exportados de forma ilegal para Letícia, na Colômbia. A coleta de frutas é realizada por todos da família. As frutas mais comuns nas aldeias Ticuna são: açaí (waira), pupunha (itu), castanha (nhoí), cupuaçu (cupu), mapati (tchinhã), ingá (pama), umari (te‘tchi), abiu (tao), e a sapota (otere). As capoeiras onde os índios vão colher as frutas são, em geral, nas proximidades da suas antigas roças, que deixaram em repouso, 1 preservando as árvores frutíferas. (ISA , 2000, s/p).. Antigamente, a alimentação era baseada na carne de caça, a pesca tinha uma importância mínima e era praticada com uma técnica de envenenamento dos peixes com o sumo da raiz timbó. A situação, no entanto, se inverteu a partir da ocupação das várzeas do Rio Solimões. Podemos dizer que hoje, a pesca é uma das atividades produtivas mais importantes para os Ticuna, e fez com que alguns indígenas acumulassem capitais e alguns passaram a desenvolver a prática do comércio nas aldeias. A criação de animais nas aldeias Ticuna é quase inexpressiva. As famílias possuem poucas galinhas, há ainda uma pequena criação de patos, porcos e carneiros, que são criados soltos e geralmente são vendidos aos regatões ou cidade mais próxima, sendo pouco consumido. Quase todas as famílias Ticuna possuem sua roça particular. Muitas roças ficam em terra firme, local que não alaga por ocasião das cheias do rio. Quando eles vão ao trabalho nessas roças, dizem ―vou para o centro‖, ou seja, centro da mata. A maioria das roças, no entanto, fica na várzea, ou em ilhas e florestas alagáveis às margens do Solimões e afluentes. São procuradas por serem férteis devido ao acúmulo sais minerais e nutrientes orgânicos, necessários a uma boa prática agrícola. Nas roças da família trabalham, em geral, o pai, sua esposa e os filhos mais velhos que ainda não são casados. No entanto, os filhos homens, maiores e solteiros, poderão ter uma roça própria quando casarem. Os mais idosos têm também roças independentes de seus filhos e genros, mesmo quando moram na mesma casa. Quando mais de uma família vive em uma mesma casa, elas costumam trabalhar separadas, cada uma em sua respectiva roça. Além dessa mão. 1. Instituto Sócio Ambiental. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/ticuna/print Acesso em: 15.07.2012. 32.

(34) de obra entre família, os Ticuna contam com uma ajuda extra de parentes e amigos na agricultura. O famoso ajuri (figura 9) é um. trabalho coletivo (mutirão) realizado com. frequência em todas as aldeias da etnia Ticuna. Existem diversos tipos de ajuri: o da derrubada da roça, o da colheita da roça, o da palha – no qual os convidados levam a palha e a trançam para a cobertura da casa do dono do ajuri – o da construção de casas, o da canoa e outros. Em todos os casos o dono do ajuri é o responsável pela comida e bebida oferecidas aos seus convidados. Ele prepara o pajuaru, bebida típica que é desenvolvida a partir da fermentação de mandioca ou macaxeira, e providencia peixe e farinha para todos os presentes. Ao terminar o serviço, os participantes juntos com o dono do ajuri, festejam e às vezes passam a noite inteira em cantos e danças. É uma alegria total. Figura 9 - Ajuri Ticuna (mutirão). Fonte: Arquivo pessoal - 2012. As ferramentas utilizadas na agricultura Ticuna são basicamente os terçados, os machados e o motor serra. Essas ferramentas são compradas nos regatões ou nas cidades vizinhas, principalmente em Tabatinga, em Letícia, na Colômbia e em Santa Rosa, no Peru. Alguns machados e fornos para torrar a farinha foram doados pela FUNAI, pelo Governo do Estado e por algumas ONGs. Existem pequenos comércios instalados na própria aldeia por moradores com maior poder aquisitivo, os quais vão com mais frequência à cidade e também fornecem os instrumentos necessários à produção, principalmente o terçado que, em geral, é o mais utilizado. 33.

Referências

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