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Administração Pública Consensual: análise dos acordos substitutivos da sanção administrativa no âmbito das agências reguladoras federais

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CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO

LARA MARCELINO DE SOUZA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONSENSUAL: ANÁLISE DOS ACORDOS

SUBSTITUTIVOS DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA NO ÂMBITO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS

NATAL/RN 2017

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONSENSUAL: ANÁLISE DOS ACORDOS

SUBSTITUTIVOS DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA NO ÂMBITO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Administrativo sob a orientação do Professor Msc. Samuel Max Gabbay, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Administrativo, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Msc. Samuel Max Gabbay

NATAL/RN 2017

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Souza Lara Marcelino de.

Administração pública consensual: análise dos acordos substitutivos da sanção administrativa no âmbito das agências reguladoras federais/ Lara Marcelino de Souza. - Natal, RN, 2017.

64f.

Orientador: Prof. Me. Samuel Max Gabbay.

Monografia (Especialização em Direito Administrativo) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito.

1. Administração pública - Consensualidade – Monografia. 2. Eficiência - Monografia. 3. Acordos Substitutivos - Monografia. 4. Agências Reguladoras - Monografia. 5. Termo de Ajustamento de Conduta - Monografia. I. Gabbay, Samuel Max. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 351

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À minha família e amigos, por todo o apoio, carinho e paciência ao longo desta jornada acadêmica.

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“La gente corre tanto Porque no sabe donde va, El que sabe donde va, Va despacio,

Para paladear El ir llegando”

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A busca por soluções consensuais é uma tendência que se espraia por todo o Direito brasileiro, à medida que reflete os ideais democráticos instituídos pela Constituição da República de 1988 e confere maior legitimidade e exequibilidade às decisões pactuadas por essa via. Também na Administração Pública, a necessidade de superação do modelo burocrático em prol do modelo gerencial de administrar supõe a implantação de novos mecanismos capazes de reduzir custos, tempo e distância entre o Poder Público e os administrados. Nesse caminhar, o movimento de consensualização insere-se na praxe administrativa atual como um método alternativo ao cumprimento dos interesses públicos perseguidos pelo ordenamento jurídico, especialmente quando se apresenta sob a face dos acordos substitutivos das sanções. A opção por essa via consensual poderá ser levada a efeito sempre que ela se mostrar mais apta a evitar, interromper ou reparar uma conduta danosa ao interesse coletivo do que a típica sanção imperativa e unilateral. Assim, o presente trabalho tem como escopo analisar a juridicidade dos acordos substitutivos, sobretudo sua concatenação com os princípios da eficiência, da legalidade e da supremacia e indisponibilidade do interesse público. Não obstante, adentra-se no estudo específico da modalidade de acordo substitutivo denominada como Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e seu tratamento normativo dado pela Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985) e pelos regulamentos de duas agências federais de infraestrutura, escolhidas em razão da comparação entre o número de TACs celebrados entre elas, a saber, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

Palavras-chave: Consensualidade. Eficiência. Acordos Substitutivos. Agências Reguladoras.

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The search for consensual solutions is a trend that spreads throughout Brazilian law, as it reflects the democratic ideals instituted by the Constitution of the Republic of 1988 and gives greater legitimacy and feasibility to the decisions agreed by this route. Also in Public Administration, the need to overcome the bureaucratic model in favor of the managerial model of administration presupposes the implementation of new mechanisms capable of reducing costs, time and distance between the Public Power and the administered ones. In this process, the consensualisation movement forms part of the current administrative practice as an alternative route to the fulfillment of the public interests pursued by the legal order, especially when they appear under the agreements substitution of sanctions. The option for this consensual way can be carried out whenever it is more apt to avoid, interrupt or repair a conduct harmful to the collective interest than the typical imperative and unilateral sanction. The purpose of this paper is to analyze the legality of substitute agreements, especially their relationship with the principles of efficiency, legality and supremacy and unavailability of the public interest. Nevertheless, the specific study of the modality of a substitute agreement denominated as Term of Adjustment of Conduct (TAC) and its normative treatment given by the Law of Public Civil Action (Law nº 7.347 / 1985) and the regulations of two federal agencies of infrastructure, chosen by reason of the comparison between the number of TACs concluded between them, namely the National Water Transport Agency (ANTAQ) and the National Civil Aviation Agency (ANAC).

Keywords: Consensuality. Efficiency. Replacement Agreements. Regulatory Agencies.

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1 INTRODUÇÃO ... 11

2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA FRENTE À ABERTURA CONSENSUAL INAUGURADA PELO IDEAL DE GOVERNANÇA PÚBLICA ... 14

2.1 ANÁLISE DA EFICIÊNCIA DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS IMPOSTAS PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS ... 16 2.2 O MOVIMENTO DE CONSENSUALIZAÇÃO E SEUS REFLEXOS NO DIREITO REGULATÓRIO ... 22

3 CONSENSUALIDADE, INTERESSE PÚBLICO E LEGALIDADE:

CONVERGÊNCIA EM PROL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL ... 28

3.1 REPENSANDO O INTERESSE PÚBLICO À LUZ DA CONSENSUALIDADE NO DIREITO REGULATÓRIO ... 29 3.1.1 A supremacia do interesse público versus o modelo consensual de regulação ... 30 3.1.2 Desmistificando a dicotomia entre a indisponibilidade do interesse público e a possibilidade da Administração Pública transacionar ... 32 3.2 A ADOÇÃO DE MECANISMOS CONSENSUAIS E SUA VINCULAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ... 36

4 DO REGIME JURÍDICO PERTINENTE AOS ACORDOS ADMINISTRATIVOS SUBSTITUTIVOS DE SANÇÕES ... 42

4.1 IDENTIFICANDO A NATUREZA JURÍDICA DOS ACORDOS SUBSTITUTIVOS .. 43 4.2 O REGIME JURÍDICO DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA: DA PREVISÃO LEGAL GENÉRICA DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA ÀS PREVISÕES REGULAMENTARES DAS AGÊNCIAS REGULADORAS COM MAIOR E MENOR ÍNDICE DE CELEBRAÇÃO DESSES ACORDOS ... 47 4.2.1 A previsão legal genérica da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985) e os Termos de Ajustamento de Conduta celebrados pelas agências reguladoras ... 48 4.2.2 O exemplo da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) na celebração dos Termos de Ajustamento de Conduta ... 52

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 57

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1 INTRODUÇÃO

A constitucionalização da eficiência como um dos princípios norteadores da Administração Pública pela Emenda Constitucional nº 19/1998 supôs uma grande reviravolta na forma de atuação do Estado brasileiro. Contemporânea à Reforma Administrativa implantada no final da década de 1990, a máxima hierarquização desse princípio fora introduzida no ordenamento jurídico pátrio com o objetivo precípuo de promover a prestação do serviço público de forma mais célere, eficaz e satisfatória, daí a opção do constituinte derivado por igualá-lo aos cânones máximos do Direito Administrativo, como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade.

Com a grave crise econômica enfrentada entre as décadas de 1980 e 1990, o Estado vê-se obrigado a revisitar seu papel enquanto maior exponente na prestação dos serviços públicos, pelo que a saída encontrada para gerir essa situação fora a importação de uma figura já adotada em países como os Estados Unidos da América, através da qual a execução de algumas dessas atividades passou a ser delegada à iniciativa privada. Assim, operava-se o processo de desestatização por intermédio da criação das famigeradas agências reguladoras.

Essas agências, de natureza autárquica e integrante da Administração Indireta, receberam a incumbência de fiscalizar o processo de execução dos serviços delegados, com vistas a garantir, sobretudo, os direitos dos cidadãos-usuários, o respeito às regras do mercado e ao meio-ambiente, assim como a competição saudável entre os prestadores. Para tanto, os entes reguladores devem cumprir suas funções do modo mais eficiente possível, dentro do respeito às demais normas regentes do setor.

Paralelamente, outro fenômeno acompanha esse processo de agencificação estatal e com ele se alinha na busca por soluções mais eficientes e voltadas para os administrados. É nesse contexto que a Administração Pública Burocrática, implantada há mais de um século, vê-se obrigada a ceder espaço em prol da Administração Pública Gerencial, fruto direto da globalização, da democratização e das novas formas de se relacionar dessa sociedade global e democrática.

No seio dessa Administração Gerencial emerge a necessidade de reavaliar instrumentos tradicionais e claramente defasados em favor dos novos mecanismos de atuação do Poder Público frente à premência de concretização do principio da eficiência e dos seus vetores.

O movimento de consensualização na praxe administrativa impõe-se, então, como uma ferramenta de especial relevância nessa demanda por eficiência. A instituição de práticas

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concertadas entre o ente regulador e o regulado coloca-se hodiernamente como uma sedutora alternativa ao processo sancionador clássico, cujo término desemboca na aplicação de uma penalidade unilateral e imperativa sobre o infrator.

Mas, conforme será visto adiante, ao menos no que tange ao setor regulatório amplamente considerado, a imposição de medidas unilaterais como as multas pecuniárias tem-se revelado com baixíssimo índice de efetividade, culminando mesmo num processo sancionador deficiente, ilusório e fomentador da impunidade. Mais do que punir pela mera satisfação de demonstrar algum poder, o Direito Administrativo e seus institutos possuem fins instrumentais, que obrigam o intérprete a refletir sobre a dicotomia entre as sanções unilaterais e os novos meios de reparação da conduta infringida.

Nesta ilação, os acordos substitutivos postam-se como um meio alternativo para a correção das práticas infratoras. Com a principal finalidade de adequar as condutas dos agentes às determinações legais e reparar, na medida do possível, os prejuízos gerados pelas infrações, a via consensual introduzida por esses acordos – ainda pouco utilizados no cotidiano do setor regulatório – bate à porta como um dos meios mais expressivos na concretização do princípio da eficiência.

Destarte, este trabalho destina-se a analisar os pormenores jurídicos implicados na implantação dos acordos substitutivos, especialmente no que tange aos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e a sua utilização no contexto regulatório, estruturando-se em três capítulos, cujos temas centrais são:

a) No capítulo inaugural promove-se uma análise macro sobre a ideia de governança pública - conceito inerente ao modelo administrativo gerencial – e sua relação com a consensualidade enquanto forma de relacionamento entre o Estado e a sociedade. Para tanto, parte-se do estudo da eficiência dos meios tradicionais de punição no âmbito das agências reguladoras e do impacto do movimento de consensualização sobre elas. b) Por sua vez, o segundo capítulo procura examinar os acordos substitutivos sob o viés

da sua concatenação com as famosas “pedras de toque” do regime jurídico administrativo, quais sejam, os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público e o princípio da legalidade, confrontando-se os argumentos que buscam afastar a consensualidade da prática administrativa através de uma suposta incompatibilidade com os princípios mencionados.

c) Finalmente, no terceiro capítulo chega-se às reflexões acerca do regime jurídico inerente a esses acordos, com foco nos Termos de Ajustamento de Conduta e na sua previsão legal e regulamentar em duas agências que se destacam pela diferença

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considerável no número de TACs firmados: a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

No desenvolvimento deste processo investigatório, a pesquisa utilizada foi essencialmente do tipo teórico-descritiva que, por intermédio do método dialético, busca desvendar as nuances que envolvem o movimento de consensualização em seu espectro mais amplo, bem como a base normativa que o sustenta. Quanto aos materiais utilizados, estes são, precipuamente, de cunho bibliográfico, como artigos científicos, teses, dissertações, monografias e, eventualmente, dados empíricos e fontes jurisprudenciais.

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2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA FRENTE À ABERTURA CONSENSUAL INAUGURADA PELO IDEAL DE GOVERNANÇA PÚBLICA

Durante o período histórico marcado pelo absolutismo monárquico acompanhou-se o próspero crescimento do modelo patrimonialista da Administração, cuja linha responsável por demarcar os limites entre o patrimônio público e o patrimônio privado era tão tênue que facilmente os governantes a ignoravam. O monarca, antes mesmo de ser visto como um administrador era considerado parte indissociável do Estado, de forma que o nepotismo, o empreguismo e a corrupção encontravam-se verdadeiramente institucionalizados.

No entanto, a ascensão do capitalismo industrial e das democracias parlamentares inaugurou uma nova fase não só no campo político, como também nos campos social, econômico e do direito. Assim, para se desenvolver, o capitalismo não mais admite a confusão entre Estado e mercado, senão ao revés, exige que haja uma clara separação entre ambos. Igualmente, não se concebe de democracia onde a sociedade civil e o Poder Público formem um só corpo, pois que os cidadãos não apenas distinguem-se do ente estatal como deve manter sobre ele o controle popular.

Ante essa necessidade de separação do capital público do capital privado e da figura do político e do administrador, emerge o modelo burocrático de Administração. É inegável que esse novo paradigma de governabilidade mostra-se imensamente superior ao modelo patrimonialista e num primeiro momento até serve para satisfazer as demandas daquela sociedade do início do século XX.

Todavia, por assentar-se no pressuposto da eficiência, a Administração Burocrática logo revela suas falhas: conforme salienta Luiz Carlos Bresser Pereira (1996, p. 10), quando o Estado social e econômico do século XX soterra definitivamente o Estado liberal do século anterior, constata-se que a exagerada burocracia implantada não é capaz de proporcionar nem a celeridade esperada, nem a boa qualidade, nem a redução dos custos dos serviços prestados aos usuários. Nas palavras do autor, “a administração burocrática é lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos” (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 11).

No Brasil, essa nova forma de administrar chega em 1936, através da reforma conduzida por Mauricio Nabuco e Luís Simões Lopes. Entretanto, Bresser Pereira (1996, p. 10) assevera que já durante a ditadura militar o referido modelo entra em vertiginoso declínio,

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devido a que não consegue eliminar o patrimonialismo e tampouco consolidar o que o autor chama de “burocracia profissional” no país1

.

Neste contexto, a redemocratização e a chegada da Constituição da República de 1988 fizeram com que a crise burocrática fosse consideravelmente agravada, pois que houve mesmo uma extrema burocratização das estruturas administrativas, desembocando numa Administração Pública de custos elevadíssimos sem sequer oferecer em contrapartida boa qualidade na execução dos seus serviços.

Ademais, o avanço da globalização aliado a fatores como a crise do desenvolvimento nos países periféricos, à extenuação do modelo econômico, à vulnerabilidade do modelo político e à deformidade do modelo administrativo exigem transformações substanciais na forma de agir do Estado-nação (PEREIRA, 2010).

É nesse cenário de profundas modificações nas estruturas da sociedade, da política e da economia que o Poder Público assume um papel até então inovador: o de ente de apoio ao mercado, encarregado por impulsionar a mediação, o fomento e a viabilização de sua faceta interventiva, mormente no que tange à modalidade regulatória (PEREIRA, 2010, p. 1).

Como era de se esperar, esse novo ambiente instalado no final da década de 1990 exige que os administradores repensem a forma de gerir a máquina pública, utilizando-se de mecanismos dotados de capacidade para acompanhar as demandas da comunidade global, o que deve ser feito pela instauração da Administração Pública Gerencial, impregnada pelos princípios da governança pública.

José Matias Pereira (2010, p. 1) explica que somente um Estado com personalidade inteligente-mediadora-indutora é capaz de suprir essa necessidade, mas, para alcançar esse estágio, requer-se antes a solidificação das instituições democráticas; a busca pela excelência e a utilização de parâmetros pautados pela eficiência, eficácia e efetividade, dentre outras exigências2.

Sob estes influxos, concebe-se a governança pública como o modelo de Administração responsável por “assinalar as formas pelas quais as partes envolvidas na sociedade como um todo interagem mutuamente a fim de influenciar as questões das políticas públicas”, conforme a valorosa lição de Diogo Pignataro, Fabiano Mendonça e Yanko Xavier (2008, p. 58).

1

BRESSER PEREIRA (1996, p. 9) aponta para a incapacidade do regime ditatorial de redefinir as carreiras públicas através de um processo sistemático de abertura de concursos públicos visando preencher os quadros da administração superior como fator crucial para a falência do modelo burocrático em nosso ordenamento. Ao invés disso, os militares privilegiaram a contratação desses administradores por meio das empresas estatais. 2 Tais como, “criação de valor público; flexibilidade e inovação; abordagem gerencial; ethos no serviço público e competência em recursos humanos” (PEREIRA, 2010, p. 1)

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Dito de outra maneira, a governa pública não se restringe a mera atuação do Estado regulador na economia, seus desdobramentos ultrapassam essa noção primária. Para que ela de fato exista, é perfunctória a atuação conjunta das empresas concessionárias, dos usuários do serviço público regulado e de toda a fatia da sociedade civil que se relacione com a atividade econômica objeto da regulação.

Nesta conjuntura de necessidade de se superar a excessiva burocratização da Administração Pública, ao passo que se pretende modernizá-la, deixando-a mais consentânea com as demandas da sociedade globalizada, o debate acerca da governança pública coloca-se na ordem do dia, não podendo mais ser adiado ou posto em segundo plano. Surge, então, a premência de se estudar o tema, seus matizes e meios de inserção. No plano regulatório, o movimento de consensualização bate à porta como um dos instrumentos mais eficazes à promoção desse novo modelo, conforme será demonstrado no decorrer deste capítulo.

2.1 ANÁLISE DA EFICIÊNCIA DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS IMPOSTAS PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS

O primeiro passo para compreender os objetivos perseguidos pelas sanções administrativas impostas no âmbito do setor regulatório, indiscutivelmente, remete-se a uma breve análise do contexto histórico e político em que surgiram essas autarquias especiais, habitualmente chamadas de agências reguladoras.

Nesse sentido, em pleno auge neoliberal, a Reforma da Administração Pública, levada a cabo na década de 1990 pelo Plano Nacional de Desestatização (Lei nº 8.031/1990)3, iniciou o processo de transferência da execução dos serviços públicos ou de utilidade pública do Estado para a esfera privada, o que ocorrera em virtude da ineficiência estatal em conciliar de forma harmônica tantas atribuições sem que houvesse prejuízos à qualidade do usufruto disponibilizado aos cidadãos (PEREIRA, 2013, p. 37).

Com efeito, Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2003, p. 189) constata que a falência dos modelos de intervenção concorrencial e monopolista – responsáveis por privilegiar a iniciativa pública quando da prestação dos serviços públicos – associados ao temor generalizado da exclusão econômica a que foram submetidas nações fortemente estatizadas,

3 Em realidade, a Lei n 8.031/1990 é fruto da conversão da Medida Provisória nº 155/1990. Posteriormente, tal norma foi revogada pela Lei nº 9.491/1997. Pode-se estabelecer, contudo, que a legislação do primeiro ano da década de 1990 constituiu o pontapé inicial do processo que se desenrolaria durante toda a última década do século passado: a privatização (ou desestatização) de atividades outrora exercidas em regime de monopólio pelo Estado.

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impulsionaram a efetiva participação da sociedade nas atividades econômicas, através de um modelo de intervenção estatal enxuto e balizado por princípios capazes de assegurar uma qualidade mínima na prestação dos mencionados serviços aos administrados.

É neste afã por uma Administração Gerencial e mais próxima dos ideais de governança pública que, segundo explica Marília Gabriela Pereira (2013, p. 40), emerge o fenômeno da agencificação dos serviços não exclusivos do Estado, de modo que o Poder Público troca o absoluto protagonismo, até então assumido, de executor dessas atividades para encarnar a faceta de co-protagonista ao lado do setor privado, atuando, então, como promotor ou provedor da atividade, enquanto a entidade particular passa a ser sua executora.

No entanto, o ente estatal não se abstêm completamente dos holofotes, porquanto passa a exercer seu papel sob a forma das agências reguladoras, mantendo, assim, certo grau de controle sobre as atividades delegadas, com fundamento na defesa da livre concorrência, na busca da eficiência pela competição e na minimização das falhas de mercado (PEREIRA, 2013, p. 34).

Como consequência do crescimento do Estado Regulador em detrimento do Estado Executor houve uma considerável ampliação do terreno de incidência das sanções administrativas, até então bastante restrito (CARDOSO, 2016, p. 17). Quer dizer, é perceptível a íntima relação entre o poder sancionador do qual dispõe a Administração Pública e o crescimento da intervenção estatal na economia através do modelo regulatório.

Obviamente, antes até do surgimento das agências reguladoras, a vertente administrativa do Poder Público já gozava de capacidade punitiva para reprimir as condutas que se desviassem do comportamento esperado pela sociedade. No entanto, à medida que delega para a iniciativa privada atividades que antes competiam exclusivamente a si próprio, o Estado reforça seu poder sancionador no âmbito administrativo como forma de manter determinado grau de controle e fiscalização sobre os serviços públicos ou de interesses públicos transferidos, até porque o que ocorreu de fato foi uma mera delegação da competência para executar tais atividades, conservando o Estado a titularidade sobre as mesmas.

Em termos normativos, o poder sancionador conferido ao Estado Regulador – e, por conseguinte, às agências reguladoras – encontra amparo constitucional no art. 174 da Carta da República de 1988, que não apenas o consagra como agente normativo e regulador da atividade econômica, como também fornece os instrumentos para que ele assim atue. Desta

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forma, ao intervir na economia, os entes reguladores possuem as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, aplicável tanto ao setor público quanto ao setor privado.4

Isto ocorre porque o conceito de regulação da economia, de acordo com Vital Moreira (1997, p. 34), passa pelo poder-dever de estabelecer e implementar regras para a atividade econômica objeto da mencionada regulação, visando, assim, garantir o equilíbrio do seu funcionamento, em consonância com as metas políticas traçadas. Não se concebe, nesse ínterim, a eficácia da atividade regulatória desprovida de punição, posto que esta qualidade sancionatória configure mesmo um meio da Administração se impor perante os atores privados (MARQUES NETO, 2000, p. 356). Para David Pereira Cardoso (2016, p. 18) a ausência da virtual ameaça de sanção possui o condão de enfraquecer a atividade regulatória, gerando, em última análise, desamparo para os cidadãos, uma vez que estes não conseguem perceber a capacidade coercitiva do ente regulador.

Neste horizonte, é inegável não só a legitimidade do poder sancionador de que dispõem as autarquias reguladoras, como é precípuo reconhecer a sua utilidade enquanto instrumento de coercibilidade contra as condutas consideradas prejudiciais a ordem econômica e social.

Contudo, o modelo sancionador atualmente adotado pela Administração Pública não tem se revelado satisfatório quanto ao grau de eficiência e de eficácia no cumprimento das punições proferidas pelos agentes administrativos. É necessário ampliar nossos horizontes para além da visão tradicional sobre essas sanções e refletir sobre as formas de se incrementar a eficácia da atuação administrativa. É neste caminhar que Cardoso (2016, p. 29) sugere a flexibilização da característica da unilateralidade do ato administrativo que implementa a sanção em favor de uma maior abertura para a participação e cooperação dos administrados.

Não se pode perder de vista que a sanção administrativa – assim como qualquer ação punitiva praticada pelo Estado – não se encerra em si mesma, isto é, ela serve a uma finalidade maior, assumindo função instrumental na persecução de determinado objetivo. No caso específico do setor regulatório, “um sistema sancionador pode ser considerado eficaz e eficiente se reduz no maior grau possível o número de infrações no setor regulado, ao menor custo global (considerando quem aplica, quem recebe as sanções e os usuários do serviço)”, consoante a objetiva explicação de Eduardo Rossi Fernandes (2013, p. 28).

4

Em que pese o exercício dessas funções recaírem tanto sobre a iniciativa pública como sobre a iniciativa privada, no que concerne ao planejamento realizado pelo Estado o dispositivo constitucional diferencia o grau de intensidade a ser observado em uma e em outra, pois que para o setor público a observância do planejamento estatal é imperativa, enquanto que para o setor privado consubstancia um mero indicativo, isto é, um norte que deve, preferencialmente, ser observado.

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Nada obstante à diversidade de sanções administrativas existentes, a problemática da ineficiência quanto a sua aplicação ganha maior evidência no que diz respeito ao recolhimento das multas aplicadas sobre as empresas reguladas5.

Para uma melhor visualização desse quadro, os dados coletados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em sede do Relatório e Parecer Prévio sobre as contas do Governo da República em relação ao período compreendido entre 2005 e 2009 expõem uma realidade no mínimo preocupante.

O levantamento feito pelo mencionado órgão a partir do acompanhamento de dezesseis entes públicos federais com funções de regulação e fiscalização verificou que entre os anos de 2005 a 2009 foram aplicadas um total de 518.721 multas, as quais, em tese, deveriam resultar na arrecadação de R$ 25,9 bilhões para os cofres públicos. Porém, entre o valor esperado e a quantia verdadeiramente recolhida há um abismo alarmante: apenas R$ 976 milhões foram efetivamente pagos em sede de multas administrativas. Em outros termos, somente 3,7% das multas aplicadas foram de fato arrecadadas.

Para Carlos Ari Sundfeld (2012, p. 14) é imperioso perquirir as raízes desse baixo percentual de recolhimento, pois que só assim será possível traçar as estratégias adequadas para o enfrentamento do problema. Nesta seara, o administrativista aponta a falta de maturidade da competência regulamentar das agências no tangente às sanções regulatórias como a principal causa da ineficiência na arrecadação das multas. Apesar de reconhecer que, sim, a competência em pauta existe, o autor evidencia a sua baixa consistência, o que gera reflexos imediatos na aplicação das sanções6.

Ocorre que essa fragilidade normativa em relação a competência regulamentar sancionatória é fator desencadeante de notável insegurança jurídica. Ora, a pouca robustez quanto aos limites do poder sancionador, bem como os parâmetros de proporcionalidade face às infrações cometidas e a exagerada discricionariedade na escolha da sanção correspondente a cada conduta infringida, abre margem para que o provedor do serviço desconfie da

5 A sanção pecuniária assume grande relevo no contexto das punições em sede administrativa, contudo, não exaurem os tipos de sanções que podem ser aplicadas pelo Estado Administrador, vide a existência de outros tipos como a suspensão, a caducidade da outorga, a revogação, dentre outras.

6

SUNDFELD (2012, p. 14) exemplifica essa inconsistência da competência regulamentar das agências mencionando o caso da Agência Nacional de Telecomunicações, a ANATEL. O autor constata que a competência punitiva legal no setor de telecomunicações existe, porém é propositalmente definida de forma aberta, posto que a Lei Geral de Telecomunicações fosse pensada e concebida como uma lei-quadro e não como lei-substantiva. Desse modo, desde 2003, a ANATEL possui regulamento sobre a aplicação das sanções administrativas, assim como os próprios contratos firmados com os prestadores dos serviços preveem as punições cabíveis em caso de descumprimento. Todavia, Sundfeld conclui que tais instrumentos não são suficientes para reduzir a discricionariedade e estabelecer parâmetros razoáveis e isonômicos quando da dosimetria da pena. Não há, em suas palavras, balizas suficientes para limitar o poder punitivo da agência e aí reside a ineficácia no cumprimento das sanções por ela aplicadas.

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vulnerabilidade do ente regulatório no que concerne a aplicação da sanção e, muitas vezes, termine judicializando a questão, em especial nos casos das multas (que geralmente envolvem grandes valores pecuniários).

Juliano Souza de Albuquerque Maranhão (2016, p. 26), analisando os dados coletados em pesquisa da qual participou a serviço do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), verifica que a decisão judicial dos atos administrativos aplicados pelas agências reguladoras duram cerca de 36 meses até uma decisão final ser proferida – prazo esse que pode se esticar até 58 meses quando estiver em debate o mérito desses atos.

Essa morosidade se propaga diretamente sobre os custos financeiros a serem suportados pelas partes, tanto para o particular como para o Poder Público, sendo que esse, ademais, banca não apenas a defesa da agência perante o juízo, mas também os próprios custos operacionais da máquina judiciária. Isto é, quanto mais demorado for o processo judicial, maior será o prejuízo financeiro provocado aos litigantes, independente de quem venha a ser favorecido pelo provimento final7.

Outro fator importante para compreender a falência do modelo sancionador clássico e sua constante judicialização reside no grau de incerteza gerado pela frequência com que o Judiciário muda seu posicionamento durante o processo de análise da decisão administrativa. Ainda que na maioria das vezes a decisão final seja favorável à agência reguladora, a referida pesquisa do CNJ revela certa discrepância entre as decisões de primeira instância e as de instâncias superiores, sendo àquelas menos favoráveis aos entes reguladores. A consequência imediata é o enfraquecimento da coercibilidade das normas regulatórias, tornando-as menos previsíveis e aumentando a insegurança jurídica que paira sobre elas.

A conclusão a que se chega é de que “levar questões regulatórias à justiça se torna atrativo para aqueles litigantes que podem acreditar que não há realmente um problema de mérito (ou processual) com a decisão, mas irão se beneficiar do adiamento da intervenção da agência” (MARANHÃO, 2016, p. 29).

Resta claro que na concretização dos propósitos perseguidos pela lei, cabe ao aplicador do Direito compreender os códigos do sistema social regulado, procurando, “mediante a permeabilização das fronteiras dos sistemas jurídicos e econômico, o acoplamento de suas respectivas lógicas, a fim de que as finalidades legais não sejam

7 Em artigo sobre a fiscalização dos serviços públicos pelas agências reguladoras, o Procurador da República Duciran Van Marsen Farena (2013, p. 11) alerta para a necessidade do processo sancionatório das entidades reguladoras ser realizado por um procedimento célere e descomplicado, sob pena de reproduzir os males que afogam os processos judiciais.

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realizadas apenas no ‘Diário Oficial’, mas também na realidade prática do setor regulado” (ARAGÃO, 2005, p. 296).

Ao ignorar essa necessidade de diálogo entre o meio jurídico e o econômico na busca de um denominador comum, o que se tem observado é o fracasso inequívoco das normas regulatórias, que, como bem salienta o mencionado autor, ficam reduzidas ao plano burocrático da mera publicação, sem cumprir o requisito da eficácia.

Ainda nas ilações de José dos Santos Aragão (2005, p. 296), os entes econômicos são norteados preponderantemente pelo subsistema social econômico e não pelo subsistema do Direito, como era de se esperar. Nessa conjuntura, antes de decidir cumprir ou descumprir uma norma, o agente econômico realiza um estudo do custo-benefício da sua ação, de forma que em alguns casos haverá atos contrários à norma mais vantajosos do ponto de vista econômico do que aqueles que observam a legalidade e, por isso, eles se impõem para estas entidades.

Nada obstante, a imposição da sanção administrativa sempre pode ser questionada judicialmente, em processos que se estendem por anos e torna o cometimento da infração ainda mais atrativo para os agentes econômicos mal intencionados, pois estes ganham tempo para se adequar à conduta idealizada e veem a possibilidade de estender a prática infracional pelo período suficiente para que a conduta legal torne-se vantajosa do ponto de vista econômico. O dano pelo descumprimento acaba mesmo sendo suportado pelo usuário do serviço regulado.

Em derradeira instância, assinalando o caráter instrumental do Direito Administrativo Econômico aos fins constitucionais e legais, Aragão (2005, p. 294) enxerga na consensualidade esse caráter de eficácia que os atos coercitivos unilaterais têm falhado em efetivar. Para o doutrinador, a abertura consensual no setor regulatório não apenas aumenta a eficácia dos seus atos, mas também reduz significativamente os riscos às externalidades negativas advindas das punições unilaterais. Destarte, os acordos firmados com os administrados devem iniciar uma mudança na construção dogmática do Direito Administrativo, passando a ser catalogado entre as suas fontes.

Sinteticamente, o que se pretende demonstrar é que a sanção aplicada pela entidade reguladora não deve jamais ser vista como um fim em si mesmo. O Estado não pune pelo mero desejo de afligir uma punição, senão para cumprir alguma finalidade transcendente. No setor regulatório, a sanção, mais que nada, quer evitar, interromper ou reparar uma prática danosa aos interesses da coletividade, pelo que a sua eficiência se reveste de especial importância.

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Uma vez a sanção não sendo operativa é crucial lançar-se à procura de meios realmente eficientes à consecução do propósito esperado. E nesse contexto a regulação consensual surge como uma atraente alternativa, pelo que se passa a analisar as possibilidades de sua aplicação.

2.2 O MOVIMENTO DE CONSENSUALIZAÇÃO E SEUS REFLEXOS NO DIREITO REGULATÓRIO

Ante a ineficácia das sanções regulatórias, aplicadas por intermédio da conservadora Administração Pública imperativa, faz-se cada vez mais palpável a ameaça da regulação simbólica em detrimento da regulação real. Essa atuação meramente representativa – da qual os entes regulatórios devem buscar afastar-se – é caracterizada pela incapacidade do poder sancionador de transformar a realidade posta ou de induzir os atores privados a comportarem-se de modo a potencializar o bem-estar social e aperfeiçoar o fornecimento dos comportarem-serviços públicos, assim como a exploração de bens e a desenvoltura da atividade econômica em determinado setor regulado (MARRARA, 2017, p. 275).

Nesta perspectiva, para que o modelo regulatório adotado pelo Brasil seja de fato viabilizado, sobressaindo-se à ficção oferecida pela regulação simbólica, é imprescindível que o legislador abarque entre as suas preocupações legisferante não apenas as regras definidoras das competências das agências reguladoras, mas, espraie seus trabalhos sobre a imprescindibilidade de fomentar, prever ou autorizar o emprego de mecanismos dotados de capacidade para conferir legitimidade e exequibilidade aos seus fins e, por conseguinte, às políticas públicas que eles representam (MARRARA, 2017, p. 275).

É neste enquadramento que a promoção do diálogo entre o Poder Público e os administrados se reveste de especial valoração, cujo objetivo não é outro senão a construção de consensos8. Para Thiago Marrara (2017, p. 276), o fruto dessa abertura consensual se traduz na promoção da eficiência, da legitimidade das decisões administrativas e na

8

Thiago Marrara (2017, p. 275-276) faz uma ressalva quanto à equivocada conclusão de que o modelo de Administração Pública consensual possui como tarefa suprimir completamente o modelo clássico da sanção unilateral. Igualmente, o autor alerta para a necessidade de se manter realista quanto à administração consensual, evitando-se a romantização do tema. Dessarte, chama-se atenção para algumas distinções conceituais no âmbito da matéria em apreço. Marrara identifica o consenso como a reciprocidade da aceitação de todas as partes envolvidas a respeito do objeto controvertido, que interessa a ambas. Já a consensualidade se expressa através do grau de consenso alcançado pela gestão pública. E, por fim, a consensualização representa o movimento pelo qual se pretende encontrar o consenso e promover a consensualidade por meio de técnicas administrativas modernizadas. Daí o título elegido para este tópico, pois que se analisa o fenômeno da consensualização em seu espectro mais amplo, enquanto movimento impulsor da transformação da realidade administrativa brasileira.

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estabilização dos mandamentos de tais deliberações, refletindo na efetividade da regulação e das políticas públicas por elas resguardadas.

Em meio a essa incessante demanda pela eficiência administrativa, Juliana Bonacorsi de Palma identifica (2010, p. 91) as três principais acepções que a doutrina brasileira fornece para o referido conceito jurídico indeterminado: a) numa primeira vertente, a eficiência se traduz como sinônimo de “boa administração”9

; b) a segunda concepção interpreta o vocábulo enquanto um mandamento de otimização das decisões administrativas10; e, por fim, c) a terceira tendência enxerga a eficiência como o dever assumido pelo administrador de optar pelo meio que se mostrar mais adequado ao caso concreto.

No que tange à eficiência perseguida pelo setor regulatório, verifica-se que a última corrente mencionada é a que melhor se oferece à consecução das suas finalidades. Segundo explica a autora, aqui, a eficiência é aproximada a uma obrigação de meio, isto é, cabe ao agente administrativo escolher o artifício mais apto para determinar decisões eficientes ao caso concreto (PALMA, 2010, p. 92). O que a diferencia da segunda corrente é que agora o ponto central não é mais a maximização do resultado pretendido com a atuação administrativa e sim o meio (mais adequado ou simplesmente adequado) que a Administração utilizará para se alcançar certa finalidade.

Importa, portanto, estabelecer o critério pelo qual se dará a escolha desse meio mais adequado à decisão eficiente. Nesse horizonte, destacam-se o critério utilitarista e o critério da proporcionalidade. O primeiro toma como norte uma análise do custo-benefício da situação, conferindo maior adequação àquele meio que se preste a potencializar os benefícios pelo menor custo possível (PALMA, 2010, p. 93). Já o segundo – demonstrando preocupar-se também com a concretização dos objetivos pretendidos – considera adequado o meio que promova, ainda que minimamente, os fins públicos visados (ÁVILA, 2005, p. 23).

Seja qual for o critério adotado, ao acolher a eficiência administrativa enquanto a obrigação de selecionar o meio adequado para a obtenção de decisões eficazes, o que se

9 A própria autora remete à deficiência desta conceituação, pois que o dever de “boa administração” não configura qualquer inovação para o ordenamento jurídico (objetivo pretendido pela Emenda Constitucional nº 19/1998). A obrigação de zelar pela Administração Pública sempre esteve presente na Carta da República de 1988, de modo que aceitar essa corrente significa, em outras palavras, ignorar as diretrizes de gestão pública objetivadas pela inclusão do princípio da eficiência ao caput do art. 37 da CRFB/1988, negando-se seu valor metodológico e minimizando a sua funcionalidade (PALMA, 2010, p. 92).

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Utilizando-se esta diretriz, a promoção da eficiência passa necessariamente pelo incremento da qualidade da decisão administrativa, tornando-a mais próxima do interesse público tutelado. Da mesma forma, requer a presença de elementos que estimulem a celeridade e a tecnicidade procedimental da atuação administrativa, refletindo sobre o exercício da sua competência (PALMA, 2010, p. 93). Esta vertente relaciona-se intimamente com a busca por resultados ágeis e precisos. E esse resultado deve ser extraído ao máximo possível da atuação administrativa.

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evidencia é a instrumentalidade do Direito Administrativo e dos seus institutos jurídicos. Assim, ressalta-se a importância de atender as finalidades públicas específicas, superando a vaguidade conceitual encontrada na referência genérica ao interesse público (PALMA, 2010, p. 94).

Neste ensejo, abre-se margem para a colocação da consensualidade como um dos meios hábeis ao alcance da finalidade pública específica, conjuntamente com o ato administrativo unilateral. Não há, abstratamente, a preponderância de um ou de outro método, já que ambos constituem meios, instrumentos que se prestam a determinado objetivo. Apenas no caso concreto é que se pode delimitar o grau de adequação desse ou daquele, devendo prevalecer o que se apresentar mais apto ao fim almejado.

Observe-se que em nenhum momento há pretensão de soterrar a sanção administrativa definitivamente. Pelo contrário. Nessa jornada pela eficiência o que verdadeiramente importa é que a finalidade regulatória se cumpra, seja através da aplicação unilateral da sanção, seja pela convergência de consensos entre o ente regulatório e o ator privado, o que só poderá ser definido diante do caso concreto.

Remeta-se, à título exemplificativo, ao caso das multas aplicadas pelas agências reguladoras e o baixo percentual de recolhimento desses valores. Fica comprovado que, nesses casos, a imposição unilateral do ato administrativo sancionador tem falhado em resguardar a finalidade pública pretendida. Ora, o alto índice de descumprimento das normas regulamentares punidas com multa pecuniária, falha de diversas maneiras em atingir a referida finalidade, uma vez que nem funciona quanto ao seu caráter pedagógico, nem inibe a reincidência infracional, nem promove melhorias para o setor regulado. É mais, esse baixo grau de eficácia promove a impunidade.

Juliana Bonacorsi de Palma (2010, p. 98) aponta que, em realidade, a escolha pela consensualidade estreia um novo critério de determinação da decisão administrativa eficiente, que diz respeito à escolha do meio adequado a partir da análise dos efeitos tencionados pela entidade regulatória11.

Se por um lado, o ato unilateral planeja afirmar a autoridade estatal frente o particular, por outro, a atuação consensual empenha-se em aproximar as decisões da Administração

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Tampouco significa que a consensualidade seja incompatível com o critério utilitarista ou com o critério da proporcionalidade. Palma (2010, p. 98) salienta que os acordos administrativos podem revestir-se de meio mais adequado tanto sob a óptica da relação custo-benefício (já que ambos os parâmetros são mensuráveis), como também a partir da análise clássica da proporcionalidade de Alexy (e seus subcritérios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Contudo, em face da dualidade entre ato imperativo e ato consensual, torna-se inevitável, segundo a autora, a comparação dos efeitos específicos de um e de outro para a satisfação das finalidades públicas.

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Pública dos administrados (e, muitas vezes, essa participação na tomada de decisões é o que lhes proporciona maior concretização). Cabe verificar, diante da situação fática posta, qual desses efeitos se presta para melhor atender a política pública protegida.

Não obstante, o caminho da consensualidade também produz efeitos diretos sobre o grau de legitimidade das decisões administrativas. Neste ponto, o movimento de consensualização se encontra com a Teoria Discursiva de Habermas, segundo a qual “a legitimidade das ações é alcançada na obtenção de consenso por intermédio de um procedimento” (SALES; BANNWART JÚNIOR, 2015, p. 44). Para o autor alemão, é indispensável que ao final do procedimento haja a prevalência do melhor argumento, o que só pode ser alcançado através do debate e da participação dos cidadãos naquelas decisões de seu interesse (HABERMAS, 1997, p. 50 apud SALES; BANNWART JÚNIOR, 2015, p. 44).

Consoante explicam Marlon Roberth Sales e Clodomiro José Duarte Bannwart Júnior (2015, p. 44), a Teoria Discursiva parte da premissa da pluralidade e da diversidade que caracterizam a sociedade contemporânea, de forma que tão maior for o estágio de adoção de procedimentos dialógicos e consensuais entre Estado e corpo social, maior será o grau de legitimidade das decisões estatais, considerando que a unilateralidade na tomada de decisões apresenta maior risco de privilegiar determinado setor em prejuízo de outros com interesses igualmente legítimos.

Ocorre que, não raras vezes, se confunde a positividade do direito com a sua validade, seu nível de efetividade, levando-se em conta tão somente o caráter positivo da norma enquanto requisito de sua legitimidade, juntamente com a coercibilidade e a imperatividade das quais elas gozam. Porém, ainda sob os influxos da Teoria Discursiva, extrai-se a legitimidade da norma em função da sua aceitabilidade racional (discursiva) e da ratificação da coletividade a qual ela se dirige, ao menos isso é o que se espera num Estado Democrático de Direito. Aí reside o ponto de convergência que une o direito à teoria em comento e vice-versa (SALES; BANNWART JÚNIOR, 2015, p. 45).

Mais uma vez, a consensualidade se coloca perante o ente regulatório como um hábil mecanismo para o alcance da tão almejada efetividade das decisões administrativas, dado que a sua concretização relaciona-se intimamente com o nível de reconhecimento por parte dos seus destinatários.

Em outras palavras, as chances do administrado cumprir com uma decisão que ele mesmo ajudou a construir – através da sua atuação conjunta com o Poder Público para a conquista do consenso – são muito mais elevadas em comparação com aquelas que lhes foram impostas coercitivamente, sem a oportunidade de expor suas propostas e limitações para sua

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real execução, ao passo que diminui exponencialmente os riscos de contestação judicial da mesma.

Neste limiar, a multiplicidade de interesses públicos que conformam a sociedade atual requer a participação cada vez maior dos cidadãos nos processos de tomada de decisões pelo Estado, o que não exclui as entidades regulatórias. Consequentemente, o modelo de Administração Pública marcado pela burocracia não mais contempla os anseios dessa sociedade hipercomplexa.

Na análise de José Luiz de Moura Faleiros Júnior (2017, p. 80), a crise pela qual atravessa a democracia representativa faz emergir o que o autor denomina de “princípio do consenso”, cujos ditames voltam-se à promoção do pacto social firmado entre a Administração e os seus administrados. À luz desse princípio, o exercício da função administrativa – inclusive no que concerne à tomada de decisões e resolução de conflitos – embora mantenha a possibilidade de serem solucionados por atos unilaterais, necessitam acompanhar a evolução da sociedade e, por conseguinte, abrem-se à perspectiva delineada pela consensualidade.

Com efeito, Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2003, p. 156) alerta para o desenvolvimento daquele que intitula como o modo mais avançado de atuação do Estado, qual seja, o fomento. Nas palavras do administrativista, a consensualidade, mais do que incitar a prática de ações privadas de interesse público, dispõe do poder de incentivar a criação de soluções privadas de interesse público, contribuindo para enriquecer o seu atendimento. Ou seja, a sociedade deixa o papel subserviente para ocupar um papel central, de parceira da atuação estatal.

Em suma, enquanto forma alternativa de atuação estatal, os modelos consensuais possuem as vantagens de aperfeiçoar a governabilidade (ou, o mesmo que incrementar a eficiência que se espera do setor regulatório); fornecer maiores freios contra os abusos das autoridades públicas (legalidade); promover, no maior grau possível, a satisfação de todos os interesses envolvidos (conferindo maior justiça aos atos); propiciar decisões mais equilibradas e sensatas (mais legítimas, portanto); esquivar-se dos desvios de conduta (licitude); colaborar com o desenvolvimento do senso de responsabilidade dos indivíduos (fomento ao civismo); e, dotar seus mandamentos de maior aceitabilidade, facilitando a obediência por parte dos destinatários, de acordo com as ilações de Diogo de Figueiredo Moreira Neto em estudo acerca dos institutos consensuais da ação administrativa (2003, p. 145).

Frise-se, por derradeiro, que a Administração é responsável por cumprir com as finalidades públicas a si cabíveis da forma mais eficiente possível, pelo que, dentre as opções

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postas à sua apreciação, deve favorecer aquela que garanta o maior nível de eficiência às políticas públicas demandadas.

No caso do setor regulatório, onde esses fins são ainda melhor traçados, volta-se a questão da escolha do meio mais adequado para a sua promoção. Não adianta a imposição cega de sanções quando estas carecem de efetividade, devendo-se abrir espaço para o diálogo com os entes regulados sempre que este se mostre como o instrumento mais apto para a promoção do interesse público, do bem jurídico resguardado e menos gravoso para o usuário final do serviço (a quem, não raras vezes, é repassado o peso real das sanções impostas aos concessionários).

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3 CONSENSUALIDADE, INTERESSE PÚBLICO E LEGALIDADE: CONVERGÊNCIA EM PROL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL

Quando um preceito normativo é violado, a reação mais esperada por parte do ordenamento jurídico é que seja aplicada alguma sanção, e, em verdade, é isto que ocorre na maioria das vezes. Comumente, a própria legislação prevê a correspondente pena para a infração dos seus comandos, seja ela de caráter administrativo, cível ou criminal. Em razão desse fato, o administrador é condicionado a enxergar a celebração de acordos substitutivos com os entes privados como uma afronta direta aos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público e também ao princípio da legalidade.

Em alguns setores doutrinários remanesce a ideia de que a sanção normatizada mantém uma relação indissociável com o interesse público, de forma que o interesse ali consubstanciado sobrepõe-se a todos os demais. Logo, deixar de sancionar o ente violador configuraria na imposição do interesse privado sobre o público e na disponibilidade indevida desse interesse coletivo, afastando-se, de plano, a consensualidade do âmbito administrativo.

Entretanto, na ordem constitucional vigente, a identificação biunívoca do interesse público com a sanção demonstra-se precipitada e mesmo absurda, conforme salientam Floriano de Azevedo Marques Neto e Tatiana Matiello Cymbalista (2011, p. 14). Ocorre que essa visão autoritária e punitiva não mais condiz com os preceitos do Estado Democrático de Direito, posto que a sanção possua caráter essencialmente instrumental, prestando-se para a consecução de uma finalidade específica, que, esta sim, corresponde ao interesse público. Ademais, esse interesse público apresenta-se cada dia mais plural e fluido, dificultando sua identificação genérica e abstrata com a infinidade de situações concretas possíveis.

Não obstante, a flexibilidade das formas e o maior grau de informalidade do procedimento, típico dos mecanismos concertados, geram questionamentos acerca da vinculação da Administração consensual ao princípio da legalidade (SCHIRATO; PALMA, 2016, P. 20). Sob o argumento de que a preferência pela via consensual – em detrimento da norma imperativa legalmente expressa (a sanção) – infringe o princípio da legalidade administrativa, busca-se afastar o Estado Regulador do movimento de consensualização, caminhando em direção diametralmente oposta aos objetivos perseguidos pela Administração Pública Gerencial.

A seguir, cotejar-se-á a utilização dos mecanismos consensuais entre as agências reguladoras e as entidades reguladas em face dos princípios acima mencionados, cujo propósito determinante será demonstrar a inexistência de incompatibilidade abstrata entre

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eles, senão expô-los como uma via alternativa para a consecução do interesse público, em total observância à legalidade.

3.1 REPENSANDO O INTERESSE PÚBLICO À LUZ DA CONSENSUALIDADE NO DIREITO REGULATÓRIO

Conforme já explanado no capítulo anterior, a forte imbricação entre o patrimônio público e o patrimônio privado durante o absolutismo monárquico fora responsável por criar um Estado altamente corrupto, marcado pelo nepotismo e pelo empreguismo. O monarca, titular exclusivo do poder, pautava os interesses a serem perseguidos pela maquinaria estatal com base em suas ambições pessoais, de modo que não se pode falar de interesse público propriamente dito nessa época, pois que o poder central era norteado pelos interesses particulares do governante e da elite que o patrocinava.

Entretanto, a evolução para o Estado de Direito inaugura o primado da legalidade sobre a arbitrariedade, conferindo a norma especial importância no que tange ao atuar administrativo. O povo passa a ser o titular do poder e o ente estatal seu mero executor, de tal forma que sua atuação fica restrita ao que a norma lhe direcione. Nessas diretrizes, é a necessidade de satisfazer os interesses da coletividade que justifica a existência do ente estatal, de tal maneira que esta passa a ser a sua finalidade elementar e vinculada (SIQUEIRA, 2016, p. 193).

A busca pelo interesse público assume papel especialmente relevante no direito administrativo contemporâneo, fundamentando o agir da Administração Pública e, por conseguinte, dos seus gestores. Contudo, sua amplitude conceitual e elevado grau de subjetivismo constantemente dão azo para que administradores mal informados ou mal intencionados invoquem suas principais características (a da indisponibilidade e a da supremacia) como justificativas para a execução de atos que envolvem interesses diversos do público.

Para Guilherme de Abreu e Silva (2012), a forma genérica, simplista e massificada conferida ao conceito de interesse público provoca que atos incompatíveis com a ordem democrática passem inadvertidos, sob a alegação de que eles observam os princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público12.

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Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2003, p. 138) aduz que mais do que guiar o Poder Público em uma das suas formas de atuação, ao longo de duzentos anos, a vinculação ao interesse público estabeleceu-se como um verdadeiro dogma, cuja força mostrou-se tão grande que não apenas impedia a possibilidade de controle do

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No mesmo ensejo, é comum recorrer-se às supracitadas características que conformam o interesse público para renegar da conciliação no âmbito administrativo, insistindo-se no modelo imperativo próprio das gestões burocráticas, ainda que seu baixo grau de eficiência coloque-se diante das nossas vistas cotidianamente. Passa-se, então, a analisar pormenorizadamente a reconfiguração dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público a partir da óptica da Administração Pública gerencial e do Estado Democrático de Direito.

3.1.1 A supremacia do interesse público versus o modelo consensual de regulação

No que tange à suposta afronta ao princípio da supremacia, o argumento mais utilizado é o de que ao adotar soluções negociadas, a Administração deixa de decidir em consonância com o interesse público. Juliana Bonacorsi de Palma (2010, p. 149) resume essa corrente explicando que seus defensores creem que, pela horizontalidade nas relações consensuais ser um instituto próprio do Direito Privado, haveria, em tese, colisão com o princípio em comento, isto porque se abriria a possibilidade do interesse privado se impor frente ao interesse público ao final da negociação, já que o processo administrativo não fora encerrado por um ato unilateral e imperativo e sim por uma solução concertada entre as partes.

De um lado, parte notória da doutrina insiste na ideia de supremacia do interesse público sobre o privado enquanto valor absoluto do Direito Administrativo, impassível de concessão nos casos de colisão com interesses particulares13. De outra banda, há uma parcela doutrinária que milita pela total superação do princípio da supremacia, relacionando sua existência com a origem autoritária do Direito Administrativo e, portanto, incompatível com os ideais democráticos e de tutela dos direitos fundamentais hoje vigente14.

mérito administrativo ante a sua alegação terminante, mas também se impôs como uma barreira insuperável à adoção de qualquer negociação entre a Administração e os cidadãos em instância administrativa.

13 Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013, p. 66) defende que a supremacia do interesse público serve de fundamento para todo o direito público e também é um vetor vinculante para toda a Administração. Dessa forma, o mencionado princípio se faz presente tanto no momento de elaboração da legislação como no momento em que o administrador executa o comando normativo.

14 Nesse sentido, Humberto Ávila (2001, p. 29) chega mesmo a negar que a supremacia do interesse público sobre o privado seja um princípio jurídico. Para o autor, do ponto de vista conceitual e normativo não há bases que sustentem a referida supremacia na categoria das normas-princípios. Como consequência, quando do confronto entre um interesse público e um interesse privado, àquele não pode sobrepor-se a esse indiscriminadamente, devendo ser feito um juízo de proporcionalidade. A ponderação é, portanto, fator decisivo para a atuação administrativa, por isso que, antes de fazer essa valoração ponderada entre os interesses em jogo (público versus privado), Ávila não reconhece a supremacia abstrata do interesse público frente o interesse particular.

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Mais ponderada e condizente com a realidade administrativa e constitucional pós Constituição da República 1988 é a visão lançada por Mariana de Siqueira em sua tese acerca do interesse público no Direito Administrativo pátrio. A autora direciona um novo olhar para a ideia clássica de supremacia, sem os radicalismos de quem o nega fervorosamente nem a paixão de quem lhe confere o caráter absoluto do qual nenhum princípio goza no ordenamento jurídico brasileiro.

Para Siqueira (2016, p. 186), a lógica de existência do Estado e do Direito Público não concebe a supressão irrestrita do ideal de supremacia, isso violaria o papel da Administração e acarretaria um retrocesso inadmissível para a concretização dos direitos sociais e coletivos, pois que se assemelha a um retorno ao liberalismo e positivismo de meados do século XIX. Outrossim, também não é compatível com o Estado Democrático de Direito a proteção ampla e incondicional a qualquer componente revestido com o manto do interesse público em prejuízo do interesse privado. Daí a necessidade de se repensar a supremacia sob um viés mais temperado, ao que a professora sugere a consideração do plano abstrato e do plano concreto como elementos conformadores do seu caráter.

Do ponto de vista do dever-ser (plano abstrato), a ordem constitucional democrática resguarda os elementos tidos como importantes para o alcance do bem comum. Destarte, independentemente de possuir natureza mais coletiva ou mais individual, mais pública ou mais privada, tudo que está positivado é marcado pela presença do interesse público (SIQUEIRA, 2016, p. 187).

Com efeito, o legislador realiza um prévio juízo de valor sobre os direitos e interesses que merecem guarida jurídica, só conferindo tutela àqueles que se mostrem aptos para satisfazer as necessidades da coletividade. Nesse sentido, ao normatizar um interesse, o ordenamento limita e condiciona tanto as condutas públicas como as condutas privadas, consagrando, portanto, abstratamente a supremacia do interesse público sobre o privado (uma vez que os interesses particulares constitucionalmente resguardados também são encobertos pelo manto do interesse público).

Na verdade, enquanto permanecer no plano abstrato não há como renegar a ideia de supremacia do interesse público, posto que sequer haja conflito com os interesses privados. Pelo contrário, abstratamente considerada, é a ideia de supremacia que fornece as bases para que os interesses particulares sejam normatizados, porque, independentemente da sua natureza pública ou privada, ao ser positivado é de interesse público que essas garantias e direitos sejam observadas. Consequentemente, em termos abstratos, a preponderância do interesse público sobre o privado é sim absoluta (SIQUEIRA, 2016, p. 189).

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Em contrapartida, quando se passa ao plano do ser (plano concreto) essa ideia de prevalência do interesse público sobre o privado em qualquer hipótese não subsiste. Ainda de acordo com a análise de Mariana de Siqueira (2016, p. 190), no mundo dos fatos, a supremacia necessita de legitimação material e procedimental, sendo perfeitamente viável seu controle e questionamento sempre que se encontrar diante de casos reais. É possível, portanto, que na solução do quadro fático apresentado o interesse privado se imponha sobre o público, mas, mesmo assim, pode-se dizer que a supremacia é respeitada, dado que, em última instancia, é de interesse público que aquele interesse individual fosse tutelado, vez que ele serve ao bem comum.

Ante esse panorama, é inconsistente o argumento de que o princípio da supremacia do interesse público configura um óbice intransponível para se levar a cabo o movimento de consensualização na Administração Pública, especialmente no que diz respeito ao direito regulatório.

Certo é que numa sociedade globalizada e cada vez mais plural não existe apenas um interesse público, mas vários interesses igualmente públicos, os quais se juntam em função do bem da coletividade. No caso da consensualidade, mais do que o interesse privado do concessionário do serviço de ter a sanção afastada, há por trás o interesse coletivo de ver o conflito ser solucionado por uma via mais célere e eficiente. Em alguns casos, como nos acordos que preveem investimentos no setor cuja infração ocorreu, o interesse público é ainda mais perceptível, pois que a composição dos interesses se traduz no desenvolvimento do serviço público, beneficiando aquele grupo que disfruta de suas comodidades.

Logo, antes de ser uma barreira para a implantação da Administração Pública consensual, o primado da supremacia do interesse público sobre o privado legitima sua existência e os esforços empreendidos para o seu estabelecimento enquanto prática corriqueira no dia-a-dia das repartições públicas, posto que os maiores privilegiados nessa busca pela governança pública – da qual a consensualidade é instrumento de efetivação – sejam os administrados, a coletividade, o bem comum.

3.1.2 Desmistificando a dicotomia entre a indisponibilidade do interesse público e a possibilidade da Administração Pública transacionar

Assim como ocorre com o princípio da supremacia tratado acima, a falta de precisão conceitual sobre em que consiste a indisponibilidade do interesse público pode refletir em

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