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DESLOCADOS INTERNOS E DESTRUIÇÃO MATERIAL: SEGURANÇA E RESPONSABILIDADE PARA ALÉM DO ESTADO NACIONAL.

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REPATS, Brasília, V.6, nº 2, p 136-149, Jul-Dez, 2019

DESLOCADOS INTERNOS E DESTRUIÇÃO

MATERIAL: SEGURANÇA E RESPONSABILIDADE

PARA ALÉM DO ESTADO NACIONAL.

INTERNALLY DISPLACED AND MATERIAL

DESTRUCTION: SECURITY AND RESPONSIBILITY

BEYOND THE NATIONAL STATE.

Lara Denise Góes da Costa

*

Ana Luiza da Gama e Souza

**

RESUMO: As migrações se tornaram dias de hoje um problema humano global.

Tal sofrimento é agravado pelas restrições de ajuda humanitária e pela omissão do Estado na proteção aos vulneráveis. Contudo, a declaração do Milênio de 2000 mostrou a importância de desenvolvermos uma cultura da proteção civil em matéria de emergências complexas de acordo com o Direito Internacional Humanitário, neste sentido, podemos incluir tanto deslocados internos quanto massas de pessoas em situação de destruição material como forma de alargarmos a Responsabilidade de proteger tanto do Estado quanto de outras entidades internacionais.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Segurança; Responsabilidade

ABSTRACT: Migration has become a global problem. This human suffering is

now aggravated by the restrictions of humanitarian aid and by the State's omission to protect the vulnerable. However, the Millennium Declaration of 2000 showed the importance of developing a culture of civil protection in complex emergencies in accordance with international humanitarian law. In this sense, we can include both internally displaced persons and masses of people in situations of material destruction as a form to extend the Responsibility to protect both to the State and to other international entities.

Keywords: Human Right; Security; Responsibility

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O mundo experimenta nas últimas décadas uma crise migratória global sem precedentes. Segundo a ONU, são 67.588 milhões pessoas deslocadas, forçadas a deixar seu país de origem para escapar de conflitos armados, da pobreza ou do terrorismo. Neste contexto, os Estados têm demonstrado incapacidade ou falta de vontade política de enfrentar o problema, o que agrava a situação, uma vez que as normas humanitárias que impõe exigem a proteção e assistência aos migrantes em situação de vulnerabilidade são destinadas aos Estados, que as tem descumprido ou desconsiderado.

Diante deste vazio deixado pelos Estados, instituições e organismos Internacionais tem se envolvido no enfrentamento da questão, promovendo iniciativas inovadoras no sentido de desenvolver novas abordagens, instrumentos e mecanismos que possam comprometer, com força, as demais instituições internacionais e a sociedade civil com os direitos dos migrantes vulneráveis. Grandes deslocamentos humanos levam a consequencias que refletem uma série de considerações, como o número de pessoas, o contexto econômico, social e geográfico, a capacidade de resposta de um Estado receptor e os impactos de um movimento súbito ou prolongado. Estes deslocamentos podem envolver fluxos mistos de pessoas, se refugiados ou migrantes, que se movem por diferentes razões, mas que podem usar rotas semelhantes.

Tradicionalmente o debate teórico em segurança internacional em geral é baseado nos conceitos de paz e poder e sua relação com vulnerabilidades regionais, globais e locais. (Gunther;2005) Enquanto realistas se voltam para a segurança como derivativo de poder de um Estado perante outro, idealistas veem segurança como consequência da paz entre Estados. A maior parte dos trabalhos em área de segurança se concentram hoje na área de estudos estratégicos, e até os anos 80 se concentrava sob a perspectiva militar. A segurança nacional, contudo, pode ser entendida como um problema político quando se tem uma ideia razoavelmente clara sobre a natureza de uma ameaça. A distinção entre ameaças e vulnerabilidades aponta para a divisão dentro de uma política de segurança nacional. Hoje, novas fontes de ameaças não-militares, assim como a presença de atores não-estatais participam desta nova conjuntura.

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Há problemas de aplicação do conceito de segurança em países em desenvolvimento, por que a aplicação do conceito estava ligada ao contexto da guerra fria. A dimensão interna nos países em desenvolvimento é mais significante do que a externa, que é mais característica dos países desenvolvidos no contexto da guerra fria. Neste sentido, segurança significa ausência de ameaça não como noção absoluta, mas relativa a mais ou menos proteção em graus contra as ameaças de acordo com o país em questão (Góes:2018).

Para Steve Smith (1999) a segurança é um conceito que não pode ser compreendido como neutro, visto a politização da segurança ou securitização na qual ela é articulada. Em contraste, o termo securitização como entendido por Buzan (2009), se divide em quatro possibilidades de securitização dos setores – dominante, subdominante, insignificante e não-securitização em cinco setores – societal, militar, ambiental econômico e político que por si se dividem em quatro dinâmicas espaciais – global, não regional ou subsistêmica, regional e local. No plano global, questões econômicas e ambientais ganham destaque, seguido de questões políticas. Em contraste, em questões locais, a securitização se volta inicialmente com mais força para questões ambientais, seguidos de questões societais e militares. Há no geral uma tendência de pressionar países em desenvolvimento a recepcionar e proteger refugiados no âmbito regional (Martin;2002), trazendo o plano societal e político para o primeiro aspecto a se destacar nas dinâmicas espaciais se seguirmos o modelo de Buzan.

O impacto dos fluxos migratórios mistos se dá por uma diversidade de fatores, entretanto, os estados nacionais não consideram os elementos específicos individuais que motivaram os solicitantes de refúgio, no geral a recepção de migrantes ou deslocados ou refugiados se dá pela justificativa política que lhe conferem um status de refúgio. Contudo, os fluxos migratórios mistos e irregulares são um desafio para o estado em termos de soberania por que as pessoas que participam destes movimentos sofrem privações, violações de direitos humanos e discriminação e requerem por isso, assistência individualizada. (Silva;2017)

Do nível altíssimo de desigualdade doméstica e entre países, e pela necessidade de reajustamento de regiões pobres e ricas, tanto desastres

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naturais e ambientais quanto conflitos armados, violência urbana e pobreza possuem relação intrínseca entre migração e desenvolvimento, assim como fazem parte de um contexto maior de crimes transnacionais entre redes transnacionais de contrabando, tráfico de pessoas e de drogas.

A necessidade da mudança de eixo da segurança para o humanitarismo se dá inicialmente pela constatação de que na maioria das vezes, estados desenvolvidos praticam ações contrarias aos compromissos assumidos, como o exemplo das prisões de menores migrantes nas Europa1. Podemos afirmar,

seguindo Mastrojeni (2017) que atualmente, o contexto internacional pode ser compreendido através da análise de dinâmicas interconectadas entre paz, estabilidade, desenvolvimento e Direitos humanos.

Modificações ambientais causadas por indústrias e corporações transnacionais impactam paz e estabilidade, na medida em que desde a produtividade da agricultura até a formação de identidades culturais, a saúde da terra influencia a econômica, o empoderamento e os direitos humanos. O link entre paz e segurança nas regiões frágeis atravessa o aspecto socioeconômico e a degradação ambiental. Se a saúde a terra foi proposta como agenda de desenvolvimento sustentável de 2030, a indústria econômica, erodindo a terra e a dimensão natural, leva a migrações, visto que com a degradação da terra, há insegurança alimentar e com ela a pobreza, conflitos e migrações. Neste sentido, a diminuição da produtividade leva à pressão socioeconômica, esfera que não se restringe às relações humanas.

A ONU, na agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável reconhece, pela primeira vez, a contribuição da migração para o desenvolvimento sustentável. Nesta ótica, a migração é vista como uma questão transversal, relevante para todos os objetivos de desenvolvimento sustentável e por esta razão 11 dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável contêm metas e indicadores que são pertinentes à migração ou mobilidade. A agenda para 2030

1 https://www.publico.pt/2017/08/02/mundo/noticia/cada-vez-mais-migrantes-menores-sozinhos-sao-detidos-na-grecia-1781158

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tem como norte “não deixar ninguém de fora", incluindo assim pessoas em situação de vulnerabilidade, como os migrantes e refugiados.

Em contraste com os países desenvolvidos, as vulnerabilidades internas dos estados em desenvolvimento são as causas maiores dos conflitos, assim como a baixa coesão social. Em termos políticos, a ideia de formação do estado foi compreendida pela acumulação de poder, e este entendido como coerência institucional. Assim, o nível de segurança é medido em termos de desenvolvimento político e este, envolve a questão da pobreza e da degradação ambiental como variáveis ou constantes com subsistemas de equilíbrio de poder local ou regional.

A lentidão do desenvolvimento periférico e a crescente favelização do espaço urbano em países em desenvolvimento não é apenas o resultado de disparidade social, mas causa de uma rede de simbolismos aliados à desigualdade socioeconômica. O crescente número de migrantes, refugiados e deslocados nos últimos cinco anos aponta para um fluxo migratório complexo no qual os migrantes econômicos são a grande maioria. Neste sentido, como pensarmos a forma de assegurar direitos e cidadania para aqueles que são oriundos dos países mais pobres do globo? Melhor pergunta seria como justificar a disparidade econômica entre países senão historicamente e com isso rever políticas que assegurem direitos mais básicos para todos.

A articulação entre direitos e valores está, portanto, no cerne da discussão da cidadania, permitindo um equilíbrio entre justiça e solidariedade, que de forma conjunta, superadas as dificuldades conceituais, possam relacionar respeito mútuo e dignidade humana como afirmação de uma prática cidadã efetiva. Como resultado, podemos apontar que hoje algumas concepções acerca dos Direitos humanos, sua recepção no Brasil como signatário dos tratados internacionais em matéria de Direitos Humanos e a efetivação destes direitos se dão através da luta por uma cidadania inclusiva2.

2 Embora a Carta das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos por ter nascido, segundo Norberto Bobbio, como forma de proteger o indivíduo do Estado, hoje a concepção de Direitos Humanos reflete a vontade dos estados signatários de garantir a proteção do indivíduo seja de um Estado opressor, seja de condições desumanas de tratamento. Cf. Bobbio, N. “A era dos direitos”

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Cidadania implica também na atuação de atores não-estatais, como as corporações transnacionais, a quem se atribui a obrigação de proteger contra violações aos direitos humanos. Sob o ponto de vista da política institucional internacional, a Organização das Nações Unidas tem investido esforços desde 2005 no sentido de criar mecanismos para comprometer atores econômicos não-estatais, ou seja, as empresas, no sentido de que alinhem suas atividades aos direitos humanos, aumentando a possibilidade de efetivação de uma cidadania mais abrangente.

O marco Ruggie3, apresentado ao Conselho de Direitos Humanos em

2011 inicia uma nova fase no tratamento do problema da responsabilidade das corporações transnacionais e outras empresas com os direitos humanos, estabelecendo uma plataforma inicial para guiar as ações e iniciativas no sentido de comprometer cada vez mais as empresas os direitos humanos.

The Guiding Principles’ normative contribution lies not in the creation of new international law obligations but in elaborating the implications of existing standards and practices for States and businesses; integrating them within a single, logically coherent and comprehensive template; and identifying where the current regime falls short and how it should be improved. Each Principle is accompanied by a commentary, further clarifying its meaning and implications. (UNITED NATIONS, 2011, p. 5)

Neste relatório John Ruggie define o marco regulatório4 fundamental de

responsabilização das empresas, reafirmando a obrigação do Estado de proteger contra violações aos direitos humanos por parte das empresas e estabelece também obrigações diretas às empresas, como órgãos especiais da sociedade, de agir com diligência e respeitar todas as leis e os direitos humanos. No seu último informe, Ruggie desenvolveu mais profundamente os princípios fundamentais de proteção, respeito e remediação, definindo os deveres de prevenção, investigação, punição e reparação de violações aos direitos humanos, fazendo recomendações mais precisas sobre as obrigações

3 A/HRC/17/31

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de direitos humanos dos Estados e as que se referem a relação entre o Estado e as empresas e dando maior atenção a definição do conteúdo e dos limites das obrigações das corporações, o que ainda parece ser insuficiente diante das demandas de cidadania inclusiva.5

Cabe assim, nos dias de hoje, acrescentar que a responsabilidade de proteger é uma nova doutrina sob o marco normativo para as ações humanitárias que visa aprimorar o sistema humanitário internacional e que deve ser alargado tanto para outros atores não-estatais, para o cenário interno.

Da perspectiva dos Direitos Humanos, pode-se dizer que a primeira tentativa de entendimento mútuo entre as nações surgiu no período pós-primeira guerra. A Liga das Nações, criada em 1920, tinha como princípio norteador a paz mundial através da doutrina de segurança coletiva6. Tal princípio visava evitar a possibilidade de um novo conflito através do equilíbrio dos poderes. A harmonia entre as nações durou, no entanto, muito pouco. Os interesses econômicos decorrentes da pobreza gerada pela guerra naufragaram a instituição internacional, enterrando de vez a possibilidade de paz baseada no poder. O surgimento das Nações Unidas e a Declaração dos Direitos Humanos foram momentos decisivos de expansão mundial dos princípios de respeito à vida e à dignidade humana.

O conjunto de normas aplicados para os conflitos armados conhecido como Direito Humanitário teve como início as quatro convenções de Genebra no contexto da segunda guerra e os Direitos Humanos e dos Direitos internacionais dos Refugiados. Para além das ajudas humanitárias em desastres naturais, o sistema da ONU desempenhou assistência humanitária em emergências e crises que não foram provocadas por desastres naturais, mas ocasionadas por conflitos armados, guerra civil ou “emergências similares7”.

5 Este argumento foi desenvolvido em outro trabalho (Souza: 2017).

6 A doutrina da segurança coletiva incorpora dois conceitos inter-relacionados: a soberania e o Direito internacional. A soberania garantiria a supremacia legal no interior de um determinado território e o direito internacional às regras para a segurança coletiva. Cf. Seitenfus, R. “Manual das organizações internacionais”. Ed. Livraria do advogado, 2000.

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A partir da diversificação dos fundos nas Nações Unidas em diversos órgãos e organizações especializadas, a Resolução da Assembleia Geral 46/182 de 1991 ressaltou a importância de vítimas em emergências, perda de vidas humanas, deslocamento em massa de pessoas e destruição material. A partir daí o tema passou a ser tratado como situações humanitárias complexas a ser analisado no Conselho de Segurança, e a proteção humanitária passou a fazer parte do mandato das forças da paz, gerando discussões mais amplas sobre o tema.

Após a formulação kantiana sobre os direitos cosmopolitas como meio de integração entre a ordem doméstica e a lei internacional, no sentido jurídico como sistema moral, foi Hannah Arendt quem criou um legado de direitos cosmopolitas ao dissecar os paradoxos territoriais baseados na soberania no Estado. Benhabib analisou a expressão “direito a ter direitos” em Hannah Arendt para desenvolver a tese de que o valor moral contido na expressão decorreria de uma concepção kantiana de direito no sentido de que haveria uma transcendência humanitária acima dos valores culturais, linguísticos e religiosos que os diferenciaram. Com milhões de pessoas apátridas e refugiadas em outros Estados a partir do advento de duas guerras mundiais, não foi apenas o acesso aos direitos de cidadania que foram instantaneamente negados para estas pessoas, mas direitos humanitários.

Partindo da corrida para a África e sua colonização, Arendt examinou os episódios que a partir daí ilustraram uma quebra nas regras de direito e nos valores morais. Os princípios de Direitos Humanitários tornaram-se frágeis em prol de decisões políticas imperialistas. A expressão “direito a ter direitos” denotaria duas acepções diferentes de direito. O primeiro “direito” significaria uma extensão do reconhecimento da humanidade aos membros de qualquer grupo humano. Neste sentido, o uso do termo “direito” evocaria um imperativo moral. Já o segundo uso de “direitos” sugeriria o primeiro direito como premissa. “Direitos” na frase de Arendt dependeriam de uma relação triangular entre o receptor, o reconhecedor e a instituição que media tais direitos, dentro da qual a pessoa que detêm direitos já faz parte de uma comunidade ou é reconhecida como membro ulteriormente. Assim, o uso do primeiro direito teria uma estrutura

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discursiva diferente da segunda, na medida em que requer a identidade e o reconhecimento da pessoa como membro de algum grupo humano. A proteção dos migrantes forçados que não atravessam fronteiras internacionais, diferente dos refugiados, encontra-se na categoria dos deslocados internos que se refere:

Às pessoas forçadas a fugir ou abandonar suas casas em consequência dos efeitos conflitos armados, violência generalizada, violação dos direitos humanas ou calamidades naturais ou humanas. (Nogueira:2012)

A proteção dos deslocados internos tornou-se componente obrigatório do discurso de prática humanitária internacional dos últimos anos assim como a importância da institucionalização da assistência humanitária internacional promovida por Organizações Internacionais e Ongs. O século XXI marca o início do alargamento da responsabilidade internacional em termos de Direito Humanitário. Tanto no aspecto normativo, no qual há crescente evolução dos mecanismos de proteção como imperativo humanitário diante da magnitude global do problema, o deslocamento forçado de pessoas, característica marcante dos conflitos internos e internacionais pós 11 de setembro, tem sido consequência dos enfrentamentos entre beligerantes como estratégia de guerra usada em conflitos de motivação de diferentes ordens. O aumento do número de crises devidas ao deslocamento forçado e o subsequente fechamento de fronteiras e políticas de contenção de migrantes soma-se à devolução de pessoas para seus estados de origem o que contribui para ao decréscimo de refugiados e o consequente crescimento da população de deslocados internos. Daí a necessidade de pensarmos sobre a responsabilidade de proteger da comunidade internacional para além do Estado. Até hoje, temos que:

Tal responsabilidade é primária do Estado, mas nas situações em que este não possua capacidade ou disposição para agir, a comunidade internacional deve ter oportunidade de atuar em favor da proteção e assistência às populações vitimadas8.

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O conceito de responsabilidade de proteger, desenvolvido no relatório da

International Comission on Intervention and State Sovereigngty, o qual afirma

que os estados têm que proteger seus cidadãos de catástrofes humanitárias e quando estes não podem, a responsabilidade é desviada para a comunidade internacional, aponta a necessidade de intervenções em emergências para salvar vidas. Embora tenha havido avanços normativos para a proteção dos deslocados internos assim como a elaboração de instrumentos de proteção na prática nas ações de campo, no plano institucional não há nenhum organismo internacional com o mandato direcionado à proteção dos deslocados internos, apenas a abordagem colaborativa (cluster approach) ente agências internacionais que partilham parcialmente da responsabilidade ad hoc.

Neste sentido, o monitoramento9 dos deslocados ficou restrito ao sistema

de direitos humanos com o secretário geral da ONU como responsável pelo relatório especial para os deslocados internos. Um dos princípios orientadores do documento-base, vige o principio 27, que versa:

Quando da prestação da assistência, as organizações humanitárias internacionais e outros atores apropriados devem atribuir a devida consideração às necessidades de proteção e aos direitos humanos dos deslocados internos e tomar medidas adequadas a respeito. Para tal, estas organizações e atores devem espeitar os relevantes padrões e códigos de conduta internacionais.”

Entre estas obrigações, incluem-se as de respeitar, proteger e promover os direitos humanos das populações deslocadas.

No Brasil, em 2017, houve 71000 pessoas deslocadas por desastres naturais, dentre estes, enchentes em Pernambuco e Alagoas. Entretanto, não há dados publicados sobre deslocados internos em razões de conflitos e violência.

9 O IDMC Internal Displacement Monitoring Centre utiliza duas metodologias para produzir estimativas do deslocamento relacionadas tanto a conflitos e violência quanto a desastres. No caso de deslocamento por conflitos e violência, se utiliza o monitoramento situacional em determinados países depois que tomamos conhecimento da ocorrência do deslocamento e relata-se as estimativas dos novos deslocamentos durante o ano e o número total de pessoas deslocadas naquele ano. Também monitoram os casos de deslocamento induzido por desastres, caso a caso. Para cada um desses eventos, coleta-se informações de diferentes fontes e a estimativa de deslocamento mais abrangente para esse desastre. Como fontes de dados, tem-se: autoridades governamentais nacionais e subnacionais, agências da ONU e outras organizações internacionais, bancos de dados globais, organizações da sociedade civil, meios de comunicação entre outros.

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A grande maioria das pessoas que fogem de suas casas para escapar de conflitos, violência e desastres não cruza uma fronteira internacional. Das 65 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo, 40 milhões são pessoas deslocadas internamente. Apesar desses números, os deslocados dentro de seus próprios países são frequentemente esquecidos. No entanto, os deslocados internos (IDPs) são os principais candidatos para se tornarem refugiados ou migrantes, enquanto muitos, se não a maioria dos refugiados, foram deslocados internamente antes de cruzar uma fronteira internacional. Paralelamente, os refugiados e migrantes que retornam correm o risco de se tornarem deslocados internamente na ausência de soluções duradouras10.

A convenção africana11 sobre deslocados internos aponta para a

dimensão internacional da assistência humanitária, em seu artigo 4, no qual afirma que os Estados devem se unir e cooperar com outros atores relevantes para a ajuda humanitária, mostrando o vínculo de importância tanto da participação da sociedade civil quanto outros atores que tradicionalmente não são responsabilizados internamente pelos deslocamento, como empresas transnacionais e nacionais responsáveis por desastres ambientais, conflitos armados e confrontos que decorrem de crimes transnacionais com tráfico de drogas e armas, que levam à violência urbana e aos deslocamento forçado da população mais pobre que vive em regiões periféricas e de risco.

A crise humanitária, neste sentido, é provocada tanto por questões naturais, quanto causadas por condições econômicas, sociais que não permitem que as pessoas vivam uma vida digna, longe de violações sistemáticas e prolongadas de direitos humanos e humanitários. Daí a importância de se estender a obrigação estatal para outros atores relevantes que influenciam diretamente ou indiretamente neste processo.

Com a reforma humanitária inicia-se em 2005 no âmbito na ONU, a abordagem colaborativa de agências humanitárias, que incluíram grupos

10 Cf. http://www.internal-displacement.org/research-areas/internal-to-cross-border-movements-and-returns

11 Cf. o Pacto sobre segurança, estabilidade e desenvolvimento na Região dos grandes lagos e seus protocolos adotados pelos países africanos em Nairobi em 2006.

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temáticos de proteção, entre eles, os de saúde, água, saneamento, nutrição, agricultura, entre outros.

Como Arendt (2003) afirma, a tentativa de responsabilização do Estado passa por níveis de burocratização entre a superficialidade e a mediocridade que aparentam justeza dos atos públicos, entretanto são apenas uma forma menos humana e cruel de se omitir ou negligenciar direitos inequívocos do ser humano. Atos de estado no sentido mais politológico do termo significa tornar-se impune a partir de alegações de legitima defesa do próprio estado. Desde que legal ou invocando retoricas nacionalistas ou patrióticas, o Estado pode se tornar moralmente condenável ou desumano. Neste sentido, atos políticos ou omissões políticas justificadas em nome do Estado capacita ao mesmo dizer que ninguém tem obrigação, isto é, sem culpa, sem conflito, sem responsabilidade.

CONCLUSÃO

O reconhecimento dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário é o reconhecimento da independência destes mesmos direitos. No Brasil, os tratados de Direitos Humanos não são recepcionados automaticamente pelo nosso ordenamento jurídico, de forma que para sua aplicação, é necessária a aprovação do Poder Legislativo12. Além disso, a consciência da importância destas normas ainda é muito incipiente. Como lembra Ferdinand Tönnies (1942), conceder a alguém um direito é mais do que dar uma simples permissão ou arbítrio ao outro. Significa que a ação que eu permito é justa, correta, isto é, que ela é igualmente válida para todos. Tendo isso em mente, podemos dizer que a viabilização de uma sociedade mais justa depende inexoravelmente da nossa atribuição recíproca de direitos.

A garantia de direitos universais é o núcleo da moral do respeito igual e universal. Este respeito se traduz como reconhecimento do ser humano como sujeito de direito. O sofrimento humano é agravado pelas restrições de ajuda humanitária e pela omissão do Estado na proteção aos vulneráveis. A declaração do Milênio de 2000 mostrou a importância de desenvolvermos uma cultura da

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proteção civil em matéria de emergências complexas de acordo com o Direito Internacional Humanitário, neste sentido, podemos incluir tanto deslocados internos quanto massas de pessoas em situação de destruição material como forma de alargarmos a Responsabilidade de proteger do Estado.

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REFERÊNCIAS

Arendt, Hannah: Responsabilidade e julgamento. Ed. Cia das Letras, 2003. Buzan, Barry: A evolução dos estudos de segurança internacional. Ed. Unesp, 2009.

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Kaldor, M: In defense of new wars. Stability, 2(1): 4, pp.11-16

Martin, S. Averting Forced migration in countries in transition. International migration Review, 40. 25-37.

Mastrojeni, Grammenos: Peace, security, land and sustainable

development. Global Land Outlook Working Paper. United Nations, 2017.

Monteiro, José Cauby: Estudos de Defesa e Teorias de Relações

Internacionais.

Nogueira, Maria Beatriz: Proteção aos deslocados internos e o direito à assistência humanitária: caminhos divergentes. In Jubilut, Liliana: Assistência e proteção humanitárias internacionais: aspectos teóricos e práticos. Ed. Quartier Latin, 2012.

Rudzit, Gunther: O debate teórico em segurança internacional. Civitas, V.5, N.2, ul-Dez- 2005. P. 297-323.

Seitenfus, R. “Manual das organizações internacionais”. Ed. Livraria do advogado, 2000.

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aos refugiados. Revista brasileira de estudos políticos. Belo Horizonte. V.34,

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Souza, Ana Luiza: Liberdade efetiva de escolhas no mercado econômico global. Nea-Edições, 2017.

Steve Smith (1999) The increasing insecurity of security studies: Conceptualizing security in the last twenty years, Contemporary Security Policy, 20:3, 72-101, DOI: 10.1080/13523269908404231

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http://www.internal-displacement.org/

Referências

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