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A (I) LEGALIDADE DO TESTAMENTO VITAL FRENTE À OMISSÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA

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Academic year: 2020

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International Scientific Journal – ISSN: 1679-9844 Nº 1, volume 14, article nº 1, January/March 2019 D.O.I: http://dx.doi.org/10.6020/1679-9844/v14n1a1

Accepted: 26/08/2018 Published: 20/12/2018

A (I) LEGALIDADE DO TESTAMENTO VITAL FRENTE À OMISSÃO

LEGISLATIVA BRASILEIRA

THE (I) LEGALITY OF THE TESTAMENT VITAL FACING THE

OMISSION BRAZILIAN LEGISLATIVE

Fernanda Webber Klaser1, Daniela Gomes2

1Bacharel em Direito pela Faculdade Meridional - IMED. E-mail: fernandawebberk@gmail.com

2Doutoranda em Direito pela Estácio de Sá - UNESA. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Bacharel em Direito pela Universidade de Passo Fundo -

UPF. Docente da Graduação em Direito da Faculdade Meridional - IMED. Advogada. Contato: danielagomes@imed.edu.br

Resumo: Pretende-se, por intermédio deste trabalho, analisar os princípios constitucionais, os princípios da bioética, bem como os princípios do biodireito, com a finalidade de verificar a (i)legalidade do testamento vital frente ao ordenamento jurídico brasileiro, face à ausência de lei específica sobre o tema no país e a aplicação de Resolução que prevê Diretivas Antecipadas da Vontade do Paciente, pelo Conselho Federal de Medicina. Para tanto, parte-se do estudo da origem da bioética e do biodireito, áreas que tratam do tema aqui proposto, e, também, da conceituação de alguns termos essenciais à compreensão do assunto, tais como eutanásia, ortotanásia, mistanásia e distanásia. A necessidade do presente estudo decorre dos avanços tecnológicos na área médica, os quais garantem uma vida cada vez mais longa a pacientes que sofrem de enfermidades incuráveis e têm gerado questões ainda sem solução, tais como, a prática da eutanásia e ortotanásia, com o intuito de garantir uma morte digna e, por conseguinte, a adoção do testamento vital. Considerando os princípios como parâmetros capazes de suprir lacunas na legislação, também, por meio da revisão bibliográfica sobre o tema e áreas que o examinam, apresentando argumentos e contra-argumentos, utilizando, portanto, o método dialético, ao final pretende-se, com base nesses, concluir se o testamento vital é, ou não, meio hábil para se garantir o direito à morte digna.

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Abstract: It is intended, through this work, analyze the constitutional principles, the principles of bioethics, as well as the principles of biolaw, with the purpose of verifying the (il) legality of living wills against the Brazilian legal system, in the absence of a specific law on the subject in the country and the implementation of resolution providing for Advance Directives Will the Patient, the Federal Council of Medicine. The need for this study arises from the technological advancements in the medical field, which ensures an ever longer life to patients suffering from incurable diseases and have generated questions still unresolved, such as the practice of euthanasia and orthothanasia in order to ensure a good death and therefore the adoption of living wills. Considering the principles and parameters able to fill gaps in the law, too, through the literature review on the subject and that the areas examined, presenting arguments and counter-arguments, thus using the dialectic method, the end is intended, based these conclude that the living will is, or not, skillful means to guarantee the right to a dignified death.

Keywords: Biolaw; Bioethics; Dignified Death; Principles; Living Will.

INTRODUÇÃO

É inegável o avanço tecnológico na área médica e, consequentemente, o surgimento de técnicas e equipamentos cuja função é prolongar a vida do ser humano. No entanto, a utilização desses meios não pode ocorrer de maneira desmedida, deve-se, para tanto, considerar o direito à vida, a dignidade da pessoa humana, bem como a autonomia do paciente. Com o objetivo de evitar a supressão desses direitos, os quais são inerentes ao ser humano, alguns países regulamentaram a utilização do testamento vital, que consiste num instrumento através do qual o indivíduo, que se encontra em estágio terminal de vida, poderá exercer sua autonomia, determinando a quais tipos de tratamento pretende se submeter, a fim de evitar a manutenção da vida de forma artificial e, assim, garantir uma morte digna.

Dito isso, cumpre mencionar que através da revisão bibliográfica sobre o tema, por intermédio do método dialético, apresentando, portanto, argumentos e contra-argumentos, buscar-se-á demonstrar a importância da evolução da bioética e do biodireito no que tange à morte digna; ressaltar a importância dos princípios da autonomia, dignidade da pessoa humana e beneficência no reconhecimento e validade do testamento vital; além de avaliar a validade jurídica e as implicações do

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testamento vital com base no ordenamento jurídico brasileiro e nos princípios da bioética e do biodireito. Com isso, objetiva-se verificar a possibilidade de um paciente terminal desistir de determinados tipos de tratamento, os quais lhe proporcionariam um prolongamento artificial da sua vida, e se o testamento vital é um meio hábil para evitar tal situação e garantir uma morte digna, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é norteador da presente pesquisa.

Pelas razões acima expostas, a presente pesquisa, em um primeiro momento, parte da análise da evolução histórica da bioética e do biodireito, visto que ambas as áreas abarcam o testamento vital e suas implicações frente aos parâmetros éticos que regem a vida em sociedade. Por conseguinte, iniciar-se-á o estudo dos princípios da bioética, do biodireito, bem como dos contidos na Constituição Federal de 1988, os quais são essenciais à obtenção da resposta ao problema aqui proposto. Feita a avaliação princiopiológica, com base nessa, será possível verificar a possibilidade do reconhecimento à morte digna.

Por fim, tem-se como escopo, com fundamento em toda matéria acima exposta, constatar a (i)legalidade do testamento vital no Brasil, frente à ausência de legislação específica sobre o tema no País, como instrumento a ser utilizado para garantir uma morte digna. Para tanto, serão averiguadas a aplicação do princípio da autonomia aliado à dignidade da pessoa humana, bem como o dever do Estado de zelar pela saúde humana, conforme explicitado no artigo 196 e seguintes da Constituição Federal.

1. As origens e o desenvolvimento da bioética e do biodireito e seus princípios

No que tange à evolução da bioética, salienta-se que além dos avanços tecnológicos, através dos quais surgiram questões morais no âmbito biomédico, inúmeros acontecimentos sociais e políticos na década de 1960 deram causa ao seu surgimento. A conquista dos direitos civis é um exemplo, pois acarretou a eclosão de movimentos sociais organizados de grupos que faziam parte das minorias, tais como o movimento negro, o movimento hippie, o feminismo, entre outros. Com isso, foram estimulados debates éticos sobre os mais diversos temas, como o respeito pela diferença, diversidade de opiniões e pluralismo moral. Simultaneamente a esses

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acontecimentos, ocorreram mudanças em muitos aspectos, crenças, conceito de família e o avanço tecnológico foi considerado o meio que propiciaria cada vez mais qualidade de vida ao ser humano (DINIZ; GUILHEM, 2012, p. 15-16).

Diniz (2010, p. 07-08) quando trata dos fatores que contribuíram para a evolução da bioética refere o seguinte:

A bioética, enquanto novo semblante da ética médico-científica, desenvolveu-se, portanto, a partir: dos grandes e avassaladores avanços da biologia molecular e da biotecnologia aplicada à medicina ocorridos nos últimos 30 anos; da denúncia dos abusos cometidos contra o ser humano pelas experiências bioéticas; do perigo das aplicações incorretas da biomedicina e da engenharia genética; da incapacidade dos códigos éticos e deontológicos para guiar a boa prática médica do pluralismo moral que reina na sociedade atual; da maior aproximação dos filósofos e teólogos com os problemas relacionados com a qualidade da vida humana, assim como seu início e fim; do posicionamento e das declarações dos organismos internacionais e de instituições não governamentais sobre os temas voltados à nova ética médica e das intervenções do Judiciário, Legislativo e Executivo sobre questões envolvendo os direitos fundamentais do homem relacionados à sua vida, saúde, reprodução e morte.

Considerável, ainda, pontuar a compreensão de Rigo e Bettinelli (2010, p. 27) sobre o desenvolvimento da biotecnologia e sua influência no âmbito ético:

Os avanços tecnológicos e científicos nos campos da biologia e da saúde, trouxeram à sociedade situações até pouco tempo atrás inimagináveis, inovações que trazem esperança e ao mesmo tempo inquietações e dilemas éticos aos profissionais da saúde. Dentre eles, a utilização de novos métodos de investigação, descobertas de medicamentos mais eficazes e equipamentos menos invasivos, assim como, o controle de doenças tidas até agora como fora de controle. Essas conquistas e avanços trazem a esperança de melhoria da qualidade de vida e, por outro lado, criam contradições que necessitam ser analisadas de forma responsável sob a luz de princípios éticos discutidos e analisados pelos profissionais e pela sociedade organizada.

Verifica-se, assim, que os avanços na biotecnologia foram imprescindíveis para o surgimento e desenvolvimento da bioética. Um fato marcante para o progresso da bioética foi a publicação da obra “Bioética: uma Ponte para o Futuro”, elaborada por Van Rensselaer Potter, publicada em 1971, visto que é referência fundamental para história da bioética. Uma ideia importante que pode ser extraída da proposta futurista de Potter, segundo Diniz e Guilhem (2012, p. 14), consiste no fato de que a existência de uma “ética aplicada às situações de vida seria o caminho para a sobrevivência da espécie humana [...] para essa ciência da sobrevivência não

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seria preciso um conhecimento rigoroso da técnica, mas sim respeito aos valores humanos”.

Outro episódio importante quanto à origem da bioética é o Relatório de Belmont, o qual foi instituído pela Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos da Pesquisa Biomédica e Comportamental, constituída em 1974 pelo governo norte-americano, com o objetivo de identificar os princípios éticos capazes de nortear a experimentação envolvendo seres humanos. Assim, o Relatório Belmont foi baseado em três princípios éticos, tais quais: “a) respeito pela pessoa (autonomia), incorporando duas convicções éticas: a.1) todas as pessoas devem ser tratadas com autonomia; a.2) as pessoas cuja autonomia esteja diminuída ou se encontre em desenvolvimento devem ser protegidas (vulnerabilidade);” b) a beneficência, “também incorporando duas convicções éticas: b.1) não causar dano; e b.2) maximizar os benefícios e minimizar os possíveis riscos;” e c) a justiça, enquanto imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios (SILVA, 2003, p. 155).

O mencionado relatório, ao adotar princípios norteadores, também estabelece a bioética principialista, a qual, segundo Musse (2008, p. 15), “no Brasil, sob a influência do paradigma principialista, a bioética passou a fazer parte da agenda acadêmico-científica apenas a partir dos anos 1990”. Nota-se, assim, um atraso do Brasil no trato de questões bioéticas, o qual deu causa a lacunas na legislação referentes a temas relacionados à essa área, quais sejam, vida, morte digna, entre outros.

É possível perceber, portanto, que os avanços na área das ciências médicas e tecnológicas foram muito mais rápidos que a evolução da legislação. Diante disso, surgiu a necessidade da existência de um ramo do direito que visa solucionar esses novos e polêmicos dilemas da modernidade. Surgiu, então, o biodireito, que consiste num sistema jurídico que tem como foco a proteção dos direitos e garantias fundamentais do ser humano, a fim de evitar que o corpo humano e a vida se transformem em mercadoria e, assim, garantir uma vida digna.

O Biodireito atua, portanto, na busca de um equilíbrio diante de conflitos éticos quanto a assuntos não regulados pela legislação vigente. São esses decorrentes de temas relacionados a direitos e garantias fundamentais do ser humano, e objetivando a resolução de conflitos tendo como base a análise principiológica, tanto jurídica quanto bioética, e em conjuntos com outros ramos do

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direito. Consalter e Jaremczuk (2010) discorrem no mesmo sentido, quanto ao surgimento do biodireito, ressaltando que frente aos avanços da ciência “percebe-se que os paradigmas jurídicos vigentes já não mais conseguem resolver os problemas sociais. Diante disso, surgiu o Biodireito, ramo jurídico autônomo com o objetivo de estabelecer um elo entre o Direito e Bioética para preservação da vida e o respeito do homem como pessoa”.

Nota-se, com isso, a importância dos temas abordados pelo Biodireito, uma vez que interferem diretamente nos direitos fundamentais dos seres humanos e podem fazê-lo tanto de forma positiva, quanto de forma negativa. Assim sendo, quatro áreas do Direito estruturam esse novo ramo jurídico: o Direito Constitucional e o Biodireito, que visam conferir proteção aos direitos fundamentais, quais sejam: a vida, a liberdade, a igualdade, a justiça, a segurança, a família, a propriedade, o trabalho, a saúde, a educação e a cidadania; o Direito Civil, que por sua vez, relaciona-se ao Biodireito na medida em que é o Código Civil que trata dos direito de personalidade em seu artigo 2º, quando determina o início da personalidade civil, também em seus artigos 13 a 15, quando discorre acerca da disposição do próprio corpo, seja em vida ou após a morte; e, por fim, o Direito Penal, que associa-se ao Biodireito, pois por vezes condutas discutidas nesse âmbito são determinadas como crimes pelo Código Penal, como por exemplo, o aborto.

Outrossim, no que tange aos princípios da bioética e do biodireito,

asseveram os doutrinadores que a bioética conta com três princípios: o princípio da autonomia, o princípio da beneficência e o princípio da justiça. Alguns adotam nomenclaturas diversas, mas é unânime entre eles que esses três dão sustentáculo a todas as questões bioéticas. Assim é a compreensão de Barchifontaine (2001, p. 287):

Hoje, a bioética pode ser definida como um instrumental de reflexão e ação, a partir de três princípios: autonomia, beneficência e justiça, que busca estabelecer um novo contrato social entre a sociedade, cientistas, profissionais da saúde e governos, pois, além de ser uma disciplina na área da saúde, é também um crescente e plural movimento social preocupado com a biossegurança e o exercício da cidadania, diante do desenvolvimento das biociências.

Também, Fabriz (2003, p. 105-111) refere que “a bioética laica contemporânea se estabelece a partir de três critérios principiológicos, que passaram a ser denominados de a trindade bioética. Complementa que a existência desses princípios não impede que outros valores sejam analisados em conjunto com

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esses. Além disso, quando os conceitua refere que o princípio da beneficência objetiva a determinação de modelos de conduta baseados na ideia de fazer o bem e não fazer o mal, abrange, portanto, o princípio da não maleficência, que estabelece o dever de “não impingir a alguém qualquer dano”. O princípio da autonomia, por sua vez, disposto como respeito à pessoa, determina que “todos devem ser responsáveis por seus atos. A responsabilidade, nesse sentido, implica atos de escolha. Devem-se respeitar a vontade, os valores morais e as crenças de cada pessoa”. Segundo esse princípio, por estarem relacionados à dignidade humana, o consentimento livre e a vontade do sujeito devem ser examinados com prioridade, inclusive na relação entre médico e paciente. Por fim, o princípio da justiça aponta o compromisso de assegurar que os bens e serviços de saúde sejam distribuídos de maneira universal, justa e igualitária, visando sempre o bem das pessoas.

Nesse aspecto, ainda, Lolas (2005, p. 62-69) entende que uma pessoa atua com autonomia quando “tem independência em relação a controles externos e capacidade para atuar segundo uma escolha própria” (grifos do autor), no entanto, o exercício da autonomia está condicionado a uma informação suficiente e adequada. Diante disso, é possível compreender que possuir capacidade e independência não é suficiente, para agir com autonomia é imprescindível o conhecimento completo sobre a realidade fática. Sobre a beneficência, refere que essa “impõe a obrigação moral em agir em benefício dos outros” e está diretamente interligada à não maleficência, que se baseia na obrigação de “não causar danos intencionais”. Por fim, quando trata do princípio da justiça aduz que “os iguais devem ser tratados de modo igual e os desiguais de modo desigual”, ou seja, baseando-se sempre na equidade. Também, desse conceito extrai-se que as ações humanas devem ser pautadas na proporcionalidade, de forma que cada pessoa receba aquilo que merece e tem direito, de forma proporcional.

Percebe-se, assim, que para o exercício da autonomia é necessário, além de capacidade e independência, conhecimento sobre os fatos. No caso de um paciente com uma doença terminal, por exemplo, ele somente poderá exercer sua autonomia, decidindo sobre seu tratamento, se estiver ciente de todos os detalhes do seu estado de saúde e as chances de cura. Ainda no trato do princípio da autonomia, a utilização de todos os intermináveis meios tecnológicos e científicos para manter vivo um paciente somente causam-lhe mais sofrimento, não contribuem, em nada, na sua melhora e bem estar. Diante disso, salienta-se que a

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pessoa é livre, conforme o princípio da autonomia, para efetuar escolhas que digam respeito à sua vida, sem afetar a de terceiros, no entanto, é defeso ao ser humano dispor da sua vida livremente, a fim de preservar o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, e demais direitos fundamentais expressos na Constituição Federal (TEIXEIRA, 2009, p.362).

Na mesma lógica, Musse (2008, p. 12-13) define os princípios da bioética da seguinte forma: “enquanto o princípio da autonomia implica no autogoverno da própria existência do indivíduo, o princípio da beneficência requer um agir em prol de outrem. Esse princípio caracteriza uma exigência bioética de fazer o bem” e distingue a beneficência e a não maleficência, salientando que são princípios autônomos, pois o primeiro exige uma ação boa, ao passo que o segundo determina uma omissão para sua concretização. Referente ao princípio da justiça menciona que esse “corresponde à ética da não-discriminação, é o dever de assegurar um tratamento igualitário entre indivíduos ou grupo de indivíduos (coletividades) na repartição dos benefícios e encargos sociais”.

Direcionando o foco às situações em que exista um paciente com uma doença incurável, segundo Röhe (2004, p. 83-84), para resolução desses casos são utilizados os princípios da bioética, por serem mais abrangentes e possibilitarem uma discussão mais compassiva. A necessidade da humanização desse conflito decorre da relação desigual entre médico e paciente, na qual aquele que é curado, devido a sua vulnerabilidade, natural de sua condição, é impossibilitado de adotar medidas autônomas e independentes, no que se refere a tratamentos a serem aplicados.

Para corroborar, o autor citado conceitua os princípios aqui em análise, estabelece, então, o princípio da beneficência como aquele que determina que o médico atue objetivando o bem estar do paciente e, principalmente, a proteção da sua vida, portanto, “o compromisso maior do médico é manter vivo o paciente, empregando todos os meios necessários e disponíveis, mesmo à contragosto do paciente”. Essa definição, entretanto, contraria o princípio da autonomia, o qual determina que “é direito do paciente decidir na relação travada com a equipe médica”. Por fim, refere que o princípio da justiça “prioriza a conscientização dos direitos do paciente por ele próprio, pelo Estado e pela sociedade como um todo, que tem a obrigação de garantir o direito à saúde. Apela para a justa distribuição das verbas para a saúde e pesquisa”. Conclui, no entanto, que os mencionados

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princípios devem conviver harmonicamente, impedindo, assim, que “a hegemonia de um restrinja a permanência dos demais” (RÖHE, 2004, p. 83-84).

Sobre a aplicação desses princípios, Rigo e Bettinelli (2010) referem que “nos conflitos que a bioética visa responder e problematizar, nem sempre todos os princípios estarão presentes. Muitas vezes será necessário optar por um em detrimento de outros na análise do caso concreto, em um juízo de ponderação sobre qual deles deverá prevalecer”. Outrossim, conforme Ramos e Junqueira (2007, p. 31) os princípios da bioética não fundamentam a Ética ou a Bioética, mas “pautam o percurso da reflexão ética e representam um conjunto de referenciais, de meios, que contribuem para a efetivação da ação ética”.

2. A distinção entre eutanásia, ortotanásia, mistanásia e distanásia

Com a pretensão de embasar o presente trabalho cumpre destacar a diferenciação de alguns termos que estão relacionados ao testamento vital, são esses: eutanásia, distanásia, ortotanásia e mistanásia.

Primeiramente, ressalta-se que a eutanásia ocorre somente quando a morte acontece de forma indolor e em circunstâncias específicas, como aborda Borges (2001, p. 286) “a eutanásia verdadeira é provocada em paciente vítima de forte sofrimento e doença incurável. Se a doença não for incurável, afasta-se a eutanásia”. De outro modo, Pessini (2004, p. 205) conceitua a eutanásia como “o ato médico que, por compaixão, abrevia diretamente a vida do paciente com a intenção de eliminar a dor”.

Ainda, Soares e Piñeiro (2006, p. 125) entendem que:

A etimologia do termo eutanásia indica a morte (thánatos) boa (eu). Assim, eutanásia significaria morte calma, harmoniosa, sem angústia, sem dor, sem sofrimento, fácil. Pode-se definir eutanásia como a conduta conscientemente dirigida de se pôr termo à vida de uma pessoa, a pedido desta, que se encontra em estágio final de vida, não conseguindo suportar os sofrimentos provenientes de seu estado.

No entanto, a grande discussão ética acerca da eutanásia decorre em virtude do resultado causado por ela, qual seja, a morte. Nesse sentido, ainda que a intenção do praticante da eutanásia seja louvável, pois objetiva eliminar a dor e o

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sofrimento do paciente, encontra-se dificuldades em defini-la como uma prática positiva por completo, visto que culmina com a morte da pessoa, ferindo, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que antecipa o fim da vida. É imperioso ressaltar que no Brasil a eutanásia é crime, tipificado no Código Penal, no artigo 121, configurando homicídio.

Contrário a isso, tem-se a distanásia, que significa o prolongamento artificial da vida, mesmo sem perspectiva de cura ou melhora do paciente, causando-lhe, dessa forma, apenas mais dor e sofrimento e desrespeitando sua integridade física e moral. A distanásia ocorre, portanto, com o emprego do tratamento fútil ou inútil diante de situações de incurabilidade. Esse tipo de tratamento pode ser definido como aquele que não atinge os objetivos da medicina e, por isso, os médicos não são obrigados a prescrevê-los, mas quando o fazem ocorre a distanásia (PESSINI, 2009).

Por outro lado, a ortotanásia ocorre quando a pessoa encontra-se em processo natural de morte e o médico age de forma que esse estado se desenvolva no seu curso natural, sem utilização de medicamentos e tecnologias para mantê-lo vivo artificialmente. Nesse sentido, é o entendimento de Pessini (2004, p. 391), uma vez que refere que a ortotanásia diferencia-se da eutanásia, pois “é sensível ao processo de humanização da morte, ao alívio das dores e não incorre em prolongamentos abusivos com a aplicação de meios desproporcionados que imporiam simplesmente nada mais que sofrimentos adicionais”.

Por outro lado, há autores que adotam nomenclaturas diferentes para as condutas acima descritas, dentre esses, Röhe (2004, p. 14-15) ensina que:

A prática da eutanásia pode ser efetuada através de uma ação ou de uma omissão: a eutanásia ativa/direta, pela provocação direta da morte para atenuar a dor e a eutanásia passiva/indireta, também conhecida por

ortotanásia, que vem a permitir o exercício do direito de se opor ao

prolongamento artificial da própria vida (grifos do autor).

Cumpre distinguir ortotanásia e distanásia. A ortotanásia é o repúdio à obstinação terapêutica, em respeito ao processo natural da vida humana. Nesse caso se omitem as medidas à mão para manter a vida de alguém. A distanásia é a obstinação terapêutica, conduta antônima à da eutanásia. O profissional emprega todos os meios necessários para, obstinadamente, a qualquer custo, manter a vida do paciente. Caracteriza-se, para alguns, como uma má prática médica.

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Conceituando saúde como sendo bem estar físico, mental e social, não unicamente como ausência de doença, pode-se dizer que a ortotanásia é a medida mais equilibrada a ser adotada frente a uma situação de doença crônica ou terminal, quando não há perspectiva de cura. Assim, a ortotanásia objetiva o bem estar do paciente terminal, uma vez que prevê a morte tranquila, por defender que é algo que faz parte da vida. Por outro lado, salienta-se o significado do termo mistanásia, que consiste na morte antecipada ocasionada pela omissão, má prática médica ou pela maldade do ser humano (PESSINI, 2007).

Por oportuno, necessário elucidar que fatores geográficos, sociais, políticos e econômicos estão diretamente envolvidos à existência da morte miserável, infeliz, antes da hora, ou seja, a mistanásia. Nesse sentido, refere-se que a omissão no tratamento de doentes, gerada por falta de investimento na saúde, ocasiões em que enfermos morrem nas filas de hospitais por falta de atendimento médico; ainda, a morte em virtude de erro do profissional da saúde, que age em certos casos, com imprudência, imperícia ou negligência; ou, além disso, quando a morte ocorre em virtude da má prática médica, a qual ocorre quando os médicos livremente, por vontade própria, através do uso da medicina, atentam contra os direitos humanos das pessoas, provocando uma morte dolorosa e/ou precoce, isto é, quando o alvo do médico deixa de ser a saúde, seja em benefício próprio ou não.

Dada a importância do tema, esse foi regulamentado pelo Código de Ética Médica, o qual, ainda que determine em seu artigo 32 ser vedado ao médico “Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”, e proíba a prática da eutanásia, pois refere, em seu artigo 41, ser vedado ao médico “abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal”, trata o tema de maneira diversa diante de um paciente com uma doença terminal e incurável (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2014a). Isso porque, no parágrafo único do artigo 41 discorre sobre a importância da vontade do paciente terminal, que ciente do seu estado de saúde e dos cuidados paliativos acessíveis, deverá opinar sobre as ações futuras do médico, veja-se:

Art. 41. [...] Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

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Cabe frisar que o Conselho Federal de Medicina (2014b) adotou parâmetros para aplicação da ortotanásia, conforme a Resolução 1.805/2006 que, em seu artigo 1º declara que “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável”. Nota-se, portanto, que a decisão do médico é pautada na vontade do paciente e deve ser devidamente justificada e registrada no prontuário, conforme parágrafos do dispositivo mencionado “§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação; § 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário”. Além disso, esclarece em seu § 3º que o paciente tem o direito de buscar uma segunda opinião médica, antes de tomar qualquer decisão. Estas disposições foram parcialmente revogadas pela Resolução 1.995/2012 do CFM, conforme será visto adiante, mas mantém a mesma essência, permitindo ao paciente terminal o exercício de sua autonomia.

Ao doente em fase terminal que optar por limitar ou suspender procedimentos que não lhe trarão a cura, são assegurados cuidados, os quais visam tão somente evitar que tenha uma morte dolorosa, não mais a cura da doença, conforme depreende-se do artigo 2º da Resolução supramencionada “o doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar”.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adotou a Resolução acima citada para justificar uma decisão referente ao tema em trato, cuja ementa segue:

Ementa: CONSTITUCIONAL. MANTENÇA ARTIFICIAL DE VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PACIENTE, ATUALMENTE, SEM CONDIÇÕES DE MANIFESTAR SUA VONTADE. RESPEITO AO DESEJO ANTES MANIFESTADO. Há de se dar valor ao enunciado constitucional da dignidade humana, que, aliás, sobrepõe-se, até, aos textos normativos, seja qual for sua hierarquia. O desejo de ter a "morte no seu tempo certo", evitados sofrimentos inúteis, não pode ser ignorado, notadamente em face de meros interesses econômicos atrelados a eventual responsabilidade indenizatória. No caso dos autos, a vontade da paciente em não se submeter à hemodiálise, de resultados altamente duvidosos, afora o sofrimento que impõe, traduzida na declaração do filho, há de ser respeitada, notadamente quando a ela se contrapõe a já referida preocupação patrimonial da entidade hospitalar que, assim se colocando, não dispõe nem de legitimação, muito menos de interesse de agir. (Apelação Cível Nº 70042509562, Vigésima Primeira Câmara Cível,

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Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 01/06/2011)

Nessa senda, refere-se que a discussão acerca da eutanásia e ortotanásia decorre da busca pela garantia da morte digna, a qual, segundo Cruz e Oliveira (2013, p. 406) “deve ser fruto de uma decisão consciente e informada do paciente. Neste quadro, cabe ao médico respeitar a vontade do paciente que escolhe evitar tratamentos extraordinários – que apesar de prolongarem a quantidade de vida, prejudicam sua qualidade”.

Outrossim, esse debate acerca da legitimidade da eutanásia não se aplica à todas as pessoas que sofrem de alguma doença, mas, tão somente, àquelas enfermas, em fase terminal, que não possuem mais condições de viver dignamente. Dessa forma, a ortotanásia, que consiste na morte boa, humana, seria a medida adequada a ser adotada, com o intuito de garantir a morte digna, evitando a ocorrência da mistanásia e da distanásia e, ainda, sem necessitar recorrer à eutanásia (BARCHIFONTAINE, 2001, p. 287 e 291).

O que se pretende, portanto, é, através da ortotanásia (morte natural), garantir o bem estar e dignidade do paciente que se encontra em estado terminal, sem chance de cura, não todo e qualquer indivíduo que sofra de alguma enfermidade.

3. Os princípios e direitos constitucionais

Os princípios constitucionais utilizados como parâmetro para a resolução da questão proposta no presente trabalho são os seguintes: princípio da inviolabilidade da vida, princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da igualdade, princípio da informação e princípio da proteção da saúde.

Nessa senda, inicia-se conceituando o direito à vida, o qual está expresso no artigo 5º, caput, da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. Consalter e Jaremczuk (2010, p. 37) consideram-no “um direito fundamental, humano e de personalidade, ocupando posição de primazia, tanto na esfera natural quanto na jurídica, pois em seu entorno, e como

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consequência de sua existência, gravitam todos os demais direitos”. Nota-se, assim, a importância desse direito, uma vez que, como já dito, é referência para o surgimento e existência dos demais direitos, bem como do princípio da inviolabilidade da vida, isso porque a vida é o bem maior do ser humano e deve ser preferencialmente protegida.

De tal forma, atualmente critica-se a busca médica excessiva pela cura, deixando o bem estar do paciente e sua vontade em segundo plano, violando o direito à vida, de forma que interfere na liberdade e dignidade do paciente, que se torna um centro de pesquisas.

Cumpre mencionar, também, que o conceito de vida está relacionado à existência física do ser humano, motivo pelo qual o princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida diz respeito, unicamente, à proteção da vida humana, a qual começa antes mesmo do nascimento e termina com a morte, contra violações por parte do Estado e de terceiros. Dada a importância do direito à vida, considerado bem jurídico essencial, além de protegê-lo, é dever da sociedade e dos poderes públicos a promoção dos meios indispensáveis a uma vida humana com dignidade e qualidade (NOVELINO; CUNHA JÚNIOR, 2014 p. 28-29).

Além disso, importante discorrer sobre o princípio da igualdade, contido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, o qual, conforme Bulos (2011, p. 539-541):

[...] consiste em quinhoar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade. [...] A igualdade constitucional mais do que um direito é um princípio, uma regra de ouro, que serve de diretriz interpretativa para as demais normas constitucionais. Como limite ao legislador, a isonomia impede que ele crie normas veiculadoras de desequiparações ilícitas e inconstitucionais.

Pode-se dizer, então, de modo simples, que o princípio da igualdade determina que os iguais sejam tratados de maneira igual e os desiguais de maneira desigual. Relacionando-o ao tema aqui proposto, percebe-se que esse princípio aplica-se na medida em que o paciente é tratado de acordo com as suas limitações, visando sempre a garantia de todos os seus direitos e garantias fundamentais.

Novelino e Cunha Júnior (2014, p. 30-31) acreditam que os direitos de igualdade podem ser separados em duas dimensões, levando em consideração, para tanto, o fim ao qual se destinam, são essas:

O princípio da igualdade jurídica visa impedir que sejam adotados tratamentos diferenciados para situações essencialmente iguais ou

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tratamentos iguais para situações essencialmente diferentes sem uma razão legítima para tal. O princípio da igualdade jurídica formal confere a todos os indivíduos que se encontrem em uma mesma categoria essencial o direito prima facie a um tratamento isonômico e imparcial (igualdade como

imparcialidade). [...] O princípio da igualdade fática por seu turno, impõe

aos poderes públicos a adoção de medidas redutoras ou compensatórias de desigualdades de recursos ou de acesso a bens e utilidades (CF, art. 5º,

caput, c/c art. 3º, III). Ainda que se possa questionar o entendimento de que

o princípio geral da igualdade fática assegura um direito subjetivo judicialmente exigível em face do Estado, não há dúvidas de que se trata de uma norma apta a fundamentar restrições a outros direitos fundamentais (grifos do autor).

Outro direito basilar para a elaboração do presente trabalho é o direito à saúde, cuja importância se dá em virtude de sua relação direta com o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, o que o torna, também, um direito fundamental. Portanto, todas as pessoas que estejam no território brasileiro, inclusive estrangeiros (sem importar o país de domicílio) possuem esse direito.

É nesse sentido o entendimento de Novelino e Cunha Júnior (2014, p. 702):

Por sua íntima ligação com o direito à vida e com a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde possui um caráter de fundamentalidade que o inclui, não apenas dentre os direitos fundamentais sociais (CF, art. 6º), mas também no seleto grupo de direitos que compõem o mínimo existencial. O dispositivo que consagra a saúde como direito de todos e dever do Estado (CF, art. 196) está consubstanciado em uma norma de natureza principiológica que estabelece fins a serem buscados pelo Estado sem, no entanto, especificar os meios a serem utilizados para tanto.

Nesse contexto, imprescindível relatar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana, reproduzido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana”, visto que está diretamente ligado ao direito à vida. Conforme preleciona Oliveira (2012) “é inegável a relevância do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro. Porém, não há que se falar em hierarquia entre um e outro, uma vez que são direitos distintos, mas complementares. Serviria a dignidade como elemento caracterizador da vida.”

Essa ideia complementa as afirmações acima mencionadas, pois, sendo a dignidade essencial à vida, em situação de doença incurável e sofrimento inútil do paciente com tratamentos paliativos não é possível defender o direito à vida, visto que sua dignidade está completamente prejudicada.

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Necessário, ainda, conceituar de forma mais específica o princípio da dignidade da pessoa humana e discorrer brevemente sobre o seu surgimento, o qual, segundo Gewehr (2000, p. 119) possui “sua fundamentação nos movimentos sociais que desencadearam a luta pelos direitos humanos no mundo, marcando seu início pela Declaração dos Direitos da Virgínia de 1776 e pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789”.

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana, segundo Barroso (2011, p. 273-274) está diretamente relacionado ao respeito ao próximo, visto que todas as pessoas são iguais e merecem tratamento digno. Em outras palavras “ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar”. Ainda, acrescenta que do princípio da dignidade humana se extrai o sentido mais nuclear dos direitos fundamentais, para tutela da liberdade, da igualdade e para promoção da justiça.

Nesse sentido, ainda, discorrem Novelino e Cunha Júnior (2014, p. 14-15), pois referem que a dignidade da pessoa humana estabelece “valor constitucional supremo”, motivo pelo qual deve fundamentar decisões de casos reais, bem como orientar a elaboração, aplicação e interpretação das normas que constituem a ordem jurídica geral e, principalmente, o sistema de direitos fundamentais.

Diante do exposto, verifica-se que os princípios e direitos estudados atuam em conjunto, na medida em que visam assegurar o bem estar e dignidade da pessoa e, também, porque são todos considerados fundamentais ao ser humano. Além disso, foi evidenciada a relação de cada um com o problema aqui proposto.

4. Reconhecimento do direito à morte digna

Com base nos princípios acima mencionados é possível verificar que a morte digna está relacionada com a dignidade da pessoa humana. Como já visto, no Brasil, o direito à vida é inviolável, no entanto, diante de determinadas situações a dignidade da pessoa humana deve se sobrepor ao direito a vida, a fim de garantir uma morte digna. No caso de um paciente em estado terminal, por exemplo, entende-se que mantê-lo vivo com cuidados paliativos, apenas para garantir o direito à vida, mas sem dignidade alguma, não é a melhor escolha. Diante dessa situação,

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o princípio da dignidade da pessoa humana deve se sobressair ao direito à vida, com o objetivo de garantir uma morte digna ao paciente.

Com base nisso, é possível dizer que a morte digna decorre da necessidade de assegurar a dignidade da pessoa tanto durante a sua vida, quanto na morte. Nessa senda, salienta-se o entendimento Novelino e Cunha Júnior (2014, p.29):

O direito à vida costuma ser compreendido em uma dupla acepção. Em sua acepção negativa, consiste no direito assegurado a todo e qualquer ser humano de permanecer vivo. Trata-se aqui, de um direito de defesa que confere ao indivíduo um status negativo (em sentido amplo), ou seja, um direito à não intervenção em sua existência física por parte do Estado e de outros particulares. A acepção positiva costuma ser associada ao direito a uma existência digna, no sentido de ser assegurado ao indivíduo o acesso a bens e utilidades indispensáveis para uma vida em condições minimamente dignas.

Dito isso, salienta-se que há correntes doutrinárias que defendem o direito à morte digna como uma consequência do direito à vida, ou seja, da mesma forma que é assegurado o direito à vida, também deve o ser o direito à morte digna, diante de uma situação de doença incurável e sofrimento, na qual o paciente não possua mais condições de viver dignamente. Sobre a morte Oliveira (2012) ressalta que essa “não pode ser encarada como uma falha, mas como um limite que não pode ser vencido, um ponto final à atuação humana” e conclui dizendo que tratar a morte dessa forma “seria um passo importante para que a medicina se voltasse para os cuidados com o bem-estar do paciente, deixando para traz uma conduta insistentemente voltada para a cura, tornando-a focada na preservação da qualidade de vida do paciente”. Nessa senda, destaca-se o seguinte entendimento (Sarlet, 2013):

Os bioeticistas devem ter como paradigma o respeito à dignidade da pessoa humana, que é o fundamento do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, III) e o cerne de todo o ordenamento jurídico. Deveras, a pessoa humana e sua dignidade constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado, sendo o valor que prevalecerá sobre qualquer tipo de avanço científico e tecnológico. Consequentemente, não poderão bioética e biodireito admitir conduta que venha a reduzir a pessoa humana à condição de coisa, retirando dela sua dignidade e o direito de uma vida digna.

Em contrapartida, Bulos (2011, p. 536) defende a inconstitucionalidade do “direito a morte digna” por acreditar que “o direito à vida não abre brechas para o império de artifícios médicos destinados a abreviar doenças incuráveis ou terríveis”.

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Também, porque a ordem jurídica proíbe a eutanásia, uma vez que a conduta de abreviar a vida de um enfermo, mesmo que por piedade, é punida como homicídio. Desse modo, pode-se dizer que, segundo o referido autor o direito à vida é absoluto, não permite exceções, por isso, no Brasil, é vedada a prática da eutanásia ou adoção de medidas que visem abreviar a vida de um paciente em fase terminal.

Em que pese tal percepção contrária, conclui-se com o exposto que, a partir do ordenamento jurídico brasileiro, a morte digna não é um direito, mas sim uma consequência da dignidade da pessoa humana, visto que tal direito deve ser preservado tanto durante a vida, quanto durante a morte, considerando essa como etapa natural da existência do ser humano. Além disso, esclarece-se que a autorização e normatização do testamento vital, possui como finalidade a regulamentação da prática da ortotanásia, a qual, ao contrário da eutanásia, prescinde de uma ação objetivando a abreviação da vida, mas sim prevê a adoção de medidas para diminuir o sofrimento do doente e, assim, garantir-lhe uma morte natural e digna.

5. A aplicação do princípio da autonomia aliado à dignidade da pessoa humana

De início, importante esclarecer que a racionalidade é imprescindível ao exercício da autonomia, pois, somente o indivíduo que se encontra em pleno gozo de suas faculdades mentais é capaz de exercê-la. Assim sendo, acerca do princípio da autonomia, Loureiro (2009, p. 12-13) refere o seguinte:

O princípio da autonomia diz respeito à liberdade individual de a pessoa poder escolher o que é melhor para si, desde que haja a troca de informações entre o médico e o paciente sobre os tratamentos disponíveis. Refere-se ao respeito que se impõe à autodeterminação humana e ao livre consentimento, fundamentando a aliança médico-paciente e o conhecimento aos diversos tipos de tratamento colocados a seu serviço, o que é assegurado pelo art. 5º, inciso XIV, da Constituição Federal.

Diante disso, entende-se que um paciente que se encontre com uma doença incurável, em estado terminal, tem o direito de exercer a sua autonomia e determinar a quais tratamentos irá se sujeitar, desde que munido de todas as informações sobre seu estado de saúde. O diálogo entre médico e paciente, assim como a necessidade

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do paciente estar em pleno gozo das suas faculdades mentais são, portanto, essenciais ao exercício da autonomia.

Em conjunto com o referido princípio, deve atuar o princípio da dignidade da pessoa humana, visto que, uma vez respeitada a autonomia do paciente, considera-se asconsidera-segurada, também, sua dignidade. Na situação acima mencionada, quando um paciente opta por abrir mão de tratamentos extraordinários, que não lhe trarão a cura, e sua vontade é respeitada, o resultado será a morte digna, observado, portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sobre a fundamentalidade da dignidade da pessoa humana, enquanto princípio, salienta-se o entendimento de Sarlet (2007, p. 73-74):

[...] o reconhecimento da condição normativa da dignidade, assumindo feição de princípio (e até mesmo como regra) constitucional fundamental, não afasta o seu papel como valor fundamental geral para toda a ordem jurídica [...] na sua perspectiva principiológica, a dignidade da pessoa atua, portanto – no que comunga das características das normas-princípio e geral – como um mandado de otimização, ordenando algo (no caso, a proteção e promoção da dignidade da pessoa).

Sarlet (2007, p. 42-43), ainda nesse sentido, refere que a dignidade, como característica inseparável da pessoa, é “irrenunciável e inalienável”, portanto, deve “ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo [...] ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada)”. Um caso de violação da dignidade da pessoa ocorre quando sua vontade/autonomia é desrespeitada. O testamento vital é, portanto, o meio através do qual é possível garantir a inviolabilidade ambos os princípios.

Ademais, Diniz (2010, p. 393) salienta que: “a consciência jurídica atual, diante da indiferença de um mundo tecnicista e insensível, precisa ficar atenta à maior de todas as conquistas: o respeito absoluto e irrestrito pela dignidade humana, que passa a ser um compromisso inafastável”. Isto posto, com base no exposto, é possível referir que o princípio da autonomia deve ser aplicado em conjunto com o princípio da dignidade da pessoa humana, em decorrência da essencialidade deste ao ordenamento jurídico brasileiro, com o objetivo de evitar a violação de outros direitos relacionados a este.

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6. A (i)legalidade do testamento vital como instrumento para garantir uma morte digna

Ressalta-se, que a discussão gerada pelo testamento vital frente ao ordenamento jurídico brasileiro decorre do princípio da inviolabilidade do direito à vida, visto que tal instrumento é considerado um meio hábil para propiciar a morte a pacientes com doenças incuráveis, o que violaria o referido princípio. Diante disso, importante esclarecer que a regulamentação do testamento vital não é o caminho para a autorização da eutanásia, a qual ocorre quando alguém age abreviando a morte de um paciente terminal, com o objetivo de acabar com a sua dor, mas sim direciona à prática da ortotanásia, que consiste na morte natural, ou seja, quando um médico deixa de manter vivo artificialmente um paciente que se encontra em estado terminal, deixando-o morrer naturalmente e garantindo-lhe, assim, uma morte digna. Desse modo, não há violação do direito à vida, visto que um enfermo nessas condições não vive mais dignamente.

Nesse sentido, ressalta-se os ensinamentos de Loureiro (2009, p. 84-85):

O primeiro de todos os direitos naturais do homem é o direito à vida, ao qual se vinculam o direito de nascer e, ao longo de toda a existência, o de viver com dignidade. A vida constitui fonte primária de todos os outros bens jurídicos, por isso, a Constituição brasileira erigiu a vida como fonte primária dos direitos fundamentais e, no seu contexto, insere-se no direito à dignidade da pessoa humana, o direito à integridade físico-corporal, o direito à integridade moral e, especialmente, o direito à existência. A Constituição Federal assegura o direito à vida em dupla acepção, o direito de continuar vivo e o direito de ter vida digna quanto à subsistência.

Nota-se, com isso, que o direito de viver com dignidade de um indivíduo que se encontra sendo mantido vivo através de aparelhos e não possui chance de cura, está lesado por completo, bem como sua integridade físico-corporal e moral. Diante de uma situação dessas, o paciente deve ter o direito de escolher se pretende se submeter a um tratamento paliativo, o qual pode apenas trazer-lhe mais sofrimento, ou se prefere a morte natural, digna. A vontade do paciente, então, é essencial à garantia do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que a dignidade é fator subjetivo e pessoal.

Por outro lado, deve-se considerar, também, que o avanço médico, muitas vezes, depende de testes realizados em pacientes que sofrem da doença sobre a qual se busca a cura. Por isso, há diversos casos de pacientes condenados à morte

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que, com a devida autorização da família por não possuírem mais condições de se manifestar, servem como centros de pesquisa para novos medicamentos. Nessa senda, Santos (1999, p. 27) quando analisa a teoria de Immanuel Kant sobre a dignidade da pessoa humana conclui que: “[...] o homem, como vimos, é um fim em si mesmo e, por isso, tem valor absoluto, não podendo, de conseguinte, ser usado como instrumento para algo, e, justamente, por isso tem dignidade, é pessoa”.

À vista disso, verifica-se que a mencionada situação fere diretamente a dignidade do paciente. Nesse caso, o testamento vital também pode ser visto como uma solução, visto que diante de um diagnóstico de uma doença incurável, o sujeito pode optar por redigir um testamento vital especificando os tratamentos aos quais pretende ser submetido, eximindo sua família de qualquer decisão nesse aspecto.

Percebe-se, pois, a magnitude do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, além de ter prevalência sobre os demais, serve como parâmetro para análise de outros direitos assegurados na Constituição Federal, inclusive do direito à vida. Portanto, o princípio da inviolabilidade do direito à vida não é absoluto, diante de uma situação de anormalidade, na qual uma pessoa já não vive com dignidade, como é o caso de um paciente que se encontra em estado terminal, o direito à vida não deve prevalecer. Nessa situação, deve-se prezar pela autonomia do indivíduo envolvido, a fim de assegurar a sua dignidade e, consequentemente, uma morte digna.

Outrossim, Mendes e Branco (2012, p. 291 e 295) referem que o direito à vida adere ao ser humano “desde que este surge e até o momento de sua morte [...] que inspira os ordenamentos jurídicos atuais, de que todo ser humano deve ser tratado com igual respeito à sua dignidade, que se expressa, em primeiro lugar, pelo respeito à sua existência mesma”. Ademais, embora entendam que o direito à vida não se confunde com liberdade, portanto, não se inclui nesse direito a “opção por não viver” referem que:

Não sendo dado extrair do direito à vida um direito a não mais viver, os poderes públicos não podem consentir em práticas de eutanásia. A eutanásia está ligada a uma deliberada ação, que tem em mira o encerramento da vida de uma pessoa que sofre de um mal terminal, padecendo de dores substanciais. A eutanásia ocorre, às vezes, por meio de uma ação direita, que busca e ocasiona a morte. Ministrar drogas locais a um paciente, com o objetivo de causar-lhe a perda das funções vitais, configura hipótese de eutanásia. Não será esse o caso, contudo, se o objetivo da droga empregada for o de conter dores atrozes de paciente terminal, tornando-as realmente mais suportáveis, embora com a

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consequência, não diretamente querida, mas previsível, de se abreviar a vida. Da mesma forma, ante a irreversibilidade de um estado terminal não configurará a eutanásia a suspensão de tratamentos extraordinários aplicados ao paciente.

Além disso, concluem os autores supra mencionados que “o direito à vida é por vezes referido sob um modo qualificado, num sentido amplo, a abranger não apenas a preservação da existência física, mas designando, além disso, um direito a uma vida digna” (MENDES; BRANCO, 2012, p. 296).

Nota-se, assim, que a prática da ortotanásia, que consiste na suspensão de tratamentos extraordinários ministrados a pacientes que se encontram em estado terminal, já sem dignidade, não viola o direito à vida. Por conseguinte, verifica-se a legalidade do testamento vital, visto que esse instrumento respeita a vontade do paciente e não viola direitos inerentes ao ser humano, apenas garante uma morte digna, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Nessa senda, Alexy (2011, p. 90-93) discorre sobre o conceito de princípio e sobre como proceder face à colisão entre esses:

o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência.

Verifica-se, com isso, que frente a colisão entre os princípios da inviolabilidade da vida e da dignidade da pessoa humana, o segundo como fator que justifica e possibilita a morte digna, a dignidade da pessoa se sobrepõe à vida, pois manter uma pessoa viva artificialmente priva ela de sua dignidade, trata-se de

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situação anormal, na qual o princípio da dignidade da pessoa humana tem mais peso sobre a inviolabilidade do direito à vida.

De outra banda, é imprescindível mencionar, novamente, que tanto a Resolução nº 1.805/2006 e a Resolução 1.995/2012 do CFM, regulamentaram a prática médica para pacientes em fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, permitindo ao médico “limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, [...] respeitada a vontade do paciente”, publicada com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição).

Diante da publicação da resolução supracitada, o Ministério Público Federal ajuizou uma Ação Civil Pública, nº 2007.34.00.014809-3 na 14ª Vara Federal/DF, pleiteando o reconhecimento da nulidade dessa resolução e alternativamente sua alteração, a fim de que se definam critérios a serem seguidos para a prática da ortotanásia. Após fundamentada decisão, prolatada no dia 1º de dezembro de 2010, o Juiz Federal Roberto Luis Luchi Demo julgou improcedente o pedido, por não vislumbrar ilegitimidade alguma na resolução objeto da lide.

Foi publicada, então, em 31 de agosto de 2012, a Resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (2014c), a qual dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes:

Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.

Além disso, nos parágrafos seguintes determina que as diretivas antecipadas somente serão levadas em consideração desde que estejam de acordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica. Uma vez cumprido tal requisito, essas irão se sobressair sobre qualquer outro parecer médico, bem como

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sobre os anseios dos familiares. Há a possibilidade, ainda, do paciente comunicar diretamente ao médico suas diretivas antecipadas de vontade, as quais serão registradas no respectivo prontuário. Porém, em caso de inexistência de diretivas antecipadas de vontade ou outro meio capaz de resolver conflitos éticos quanto à adoção, ou não, de tratamentos, “o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão” (Artigo 2º, §§ 2º, 3º, 4º e 5º da Resolução nº 1.995/2012 do CFM, 2014c).

Percebe-se, portanto, que o princípio da autonomia foi essencial para a elaboração dos dispositivos acima mencionados, visto que todos levam em consideração a vontade do paciente, sob a luz do princípio da dignidade da pessoa humana, visto que possuem como finalidade garantir uma morte digna.

Ademais, é notória a necessidade da manifestação do poder legislativo sobre o tema, visto que envolve direitos fundamentais e inerentes aos seres humanos, quais sejam a vida e a dignidade. Também, porquê, conforme se vislumbra através das manifestações do Conselho Nacional de Medicina casos de doentes terminais que desejam que sua autonomia seja respeitada ocorrem com frequência, além disso, considerando que tal situação envolve o bem maior do ser humano, a vida, é imprescindível a regulamentação da sua conduta, que deve ser pautada no princípio da beneficência, o qual determina que o indivíduo aja sempre objetivando o bem estar de outrem.

Dito isso, conclui-se que, com fundamento nos princípios aqui analisados o testamento vital é um meio hábil/legal para garantir uma morte digna. Isso porque, não há dúvidas de que um paciente que sofre de mal incurável encontra-se em uma situação desigual, portanto, em respeito ao princípio da igualdade, sua condição deve ser avaliada de forma desigual, visto que uma vez prejudicada sua dignidade mantendo-o vivo, sua vontade deve ser respeitada e assegurada a ele a morte digna, considerando essa como consequência do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, nesse caso se sobrepõe ao princípio da inviolabilidade do direito à vida.

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Conforme já explicitado, os avanços biotecnológicos, além de proporcionar diversos benefícios, causam inúmeros dilemas éticos, uma vez que tratam de direitos fundamentais, inerentes aos seres humanos, quais sejam: direito à vida, dignidade, igualdade, autonomia, entre outros. Tal evolução na área médica e, consequentemente, a possibilidade de prolongar a vida de pessoas enfermas, acarretaram a necessidade da fixação de parâmetros éticos em situações que envolvem o direito à vida e o direito de morrer dignamente de um paciente.

Dessa forma, verificou-se a importância do presente artigo, a qual se ocupou da analise dos princípios constitucionais, bioéticos e os do biodireito, com o objetivo de concluir acerca da legalidade do testamento vital, visto ser este um instrumento apto a solucionar os conflitos acima mencionados, pois tem como fator essencial a autonomia da pessoa, na medida em que através deste é possível que um paciente escolha os tratamentos que quer receber, ou não, quando estiver incapacitado de expressar, de forma livre e autônoma, sua vontade, na fase terminal de sua doença, com a finalidade de preservar a dignidade da pessoa não só em vida, mas também, na hora de sua morte.

A grande discussão gerada pelo testamento vital decorre do fato de que a vida é inviolável, portanto, não é permitido que uma pessoa atue, ministrando algum medicamento, por exemplo, para eliminar a dor e sofrimento, com o objetivo final de abreviar a vida de um paciente terminal, o que consiste na prática da eutanásia, ilegal no Brasil. No entanto, cumpre esclarecer que a regulamentação e aplicação do testamento vital, por intermédio das Diretivas Antecipadas da Vontade do Paciente, visa a implantação da ortotanásia, que ocorre quando uma pessoa encontra-se em processo natural de morte e o médico permite que esse estado se desenvolva no seu curso natural, sem utilizar medicamentos ou a tecnologia disponível para mantê-la viva artificialmente, agindo de modo a proporcionar os cuidados necessários para aliviar os sintomas, mas sem interferir no processo de morte, a qual ocorre, nesse caso, de forma natural, sempre levando em consideração a vontade do paciente, e objetivando a garantia de uma morte digna.

Nesse diapasão, foram realizados comentários a respeito do Código de Ética Médica e da Resolução nº 1.805/2006 e 1.995/2012 do CFM, que regulam a prática medicina, bem como a conduta a ser adotada por esses profissionais em situações de doença incurável, visando respeitar a vontade do paciente e, principalmente, sua dignidade.

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Ademais, não há que se falar na regularização do testamento vital sem destacar a importância do princípio da autonomia, visto ser esse um documento que possui a finalidade de formalizar a vontade do paciente e, consequentemente, assegurar que essa seja respeitada. O princípio da beneficência, o qual engloba a não-maleficência, por determinar que a obrigação moral de agir em benefício dos outros e, por conseguinte, não causar dano a outrem, relaciona-se com o testamento vital aplicado à conduta do médico. Ademais, o princípio da justiça, por ser baseado na equidade, prevê um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Nesse ponto, ressaltou-se que uma pessoa que possui enfermidade incurável, encontra-se em situação desigual, com a sua dignidade prejudicada, portanto, o tratamento destinado à ela deve ser desigual, proporcional à sua condição, sem considerar a vida como um direito absoluto, pois não mais vivida com dignidade.

Não obstante, considerando a ausência de legislação federal regulamentando o testamento vital no Brasil, buscou-se, através de uma análise principiológica concluir pela viabilidade e necessidade de sua regulamentação no País, para além da Regulamentação, através de Resolução, pelo Conselho Federal de Medicina, haja vista que o Conselho apenas disciplina a conduta ética do médico na sua relação com o paciente, não tendo o condão de perfazer-se enquanto norma genérica e abstrata, a fim de determinar a resolução de dilemas jurídicos.

Por fim, após verificação dos princípios e direitos relacionados com o tema, bem como das resoluções do Conselho Federal de Medicina, concluiu-se pela legalidade do testamento vital como instrumento a ser utilizado para garantir a morte digna, sob o fundamento de que o princípio da dignidade da pessoa humana, em conjunto com a autonomia do paciente, devem imperar sobre a inviolabilidade do direito à vida, com a finalidade de garantir sua dignidade não só em vida, mas, também, na hora de sua morte.

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