Formação de Professores em Ensino de Ciências e Matemática
Profa. Dra. Edda Curi
Uma revista como a REnCiMa, que envolve artigos das áreas de Ciências e Matemática, tinha que reservar uma Edição Especial temática para discutir a formação de professores que atuam nessas áreas de conhecimento. Dessa forma, esta Edição Especial foi organizada com especial atenção, e foi com muito prazer que aceitei o convite para fazer essa organização e ser a editora deste número. Em primeiro lugar queria destacar que uma primeira leitura flutuante dos artigos enviados provocou algumas gratas surpresas, como a abrangência nacional dos textos, com a presença de autores que pesquisam em universidades de muitas regiões de nosso imenso Brasil. Outra surpresa foi a presença de muitos artigos que discutem a formação de professores para ensinar Ciências, além dos que discutem a formação de professores para ensinar Matemática.
Assim, esta Edição Especial congrega um conjunto de 24 artigos, alguns de autores internacionais convidados, outros de autores nacionais que vêm discutindo esse tema em suas pesquisas. Todos eles discutem a formação de professores para ensinar Ciências e/ou Matemática.
A importância de se destacar artigos que discutem a formação de professores para atuar em uma determinada área do conhecimento, vem em função de considerar que o conhecimento do professor está intimamente ligado à área do conhecimento em que ele vai ensinar, aspectos salientados por Shulman (1986) e outros autores ao longo dos últimos anos.
Para facilitar a leitura, os artigos foram organizados em alguns grupos que apresentam aspectos similares, mesmo com outros distintos, mas que podem dar uma perspectiva do que pensam alguns pesquisadores sobre os temas, independente da área de conhecimento que o pesquisador atua.
O primeiro conjunto de artigos focaliza o conhecimento específico para o professor ensinar. É composto por dois artigos, ambos focalizando conhecimentos específicos para ensinar. O primeiro, da autora deste Editorial, discute os conhecimentos específicos do professor necessários à sua formação em Cursos de Pedagogia. O
outro é de uma dupla de autores internacionais convidados que discutem o conhecimento específico do professor para ensinar Biologia. Como resultados, Curi apresenta uma discussão sobre alguns tipos de conhecimento considerados essenciais para ensinar Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental que se espera do professor, independente do conteúdo a ser ensinado. Luís e Carrillo apresentam em seus resultados uma caracterização do modelo do conhecimento especializado do professor quando ensina tópicos da Biologia. Como é possivel perceber, os dois textos discutem o mesmo tipo de conhecimento e podem propiciar ao leitor o estabelecimento de um diálogo entre eles e com eles.
O segundo conjunto, formado por cinco artigos, discute a constituição de grupos colaborativos, de comunidades de prática e a presença da reflexão no desenvolvimento profissional do professor, destacando a formação continuada. Está presente nesse conjunto o artigo de uma dupla de pesquisadores internacionais convidados, Diaz e Sigua, que discutem reflexões de professores em comunidades de prática para questionar o conhecimento dos avanços da Ciência e da Tecnología, o que permite situar a Natureza da Ciência - NdC como um aspecto chave nos processos de formação. Outro artigo, de autoria de Lopes, Powell, Ribeiro e Pazuch, discute o desenvolvimento profissional contínuo de uma professora de Matemática destacando a potencialidade da implementação de ensino por meio de projetos interdisciplinares tendo como eixo integrador a Educação Estatística. O outro texto tem o objetivo de analisar as aprendizagens resultantes de um estudo desenvolvido com acadêmicos dos cursos de Licenciatura em Matemática e Pedagogia que atuam juntos no planejamento, elaboração e desenvolvimento de oficinas matemáticas para alunos do Ensino Fundamental, priorizando o trabalho colaborativo e a prática reflexiva voltada ao ensino de Matemática.
Um terceiro conjunto, composto por quatro artigos, discute concepções de professores e de futuros professores. É importante destacar que autores que discutem formação de professores, como Ball (2008), consideram concepções e crenças de professores como parte do conhecimento didático do professor. O primeiro artigo, que focaliza a formação continuada, tem como objetivo investigar as diferentes concepções dos docentes de algumas escolas municipais de Paragominas/PA em relação à experimentação no Ensino de Ciências e seu uso nas práticas educativas no Ensino Fundamental. O segundo, também em termos de
formação continuada, busca identificar, analisar e discutir as concepções dos professores que ensinam Matemática sobre seu trabalho com os conteúdos nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os outros dois envolvem a formação inicial, ambos focalizando a formação do professor de Ciências: um objetiva apresentar as concepções de licenciandos de Ciências da Natureza sobre a temática transversalidade no ensino de Ciências e o outro apresenta percepções de licenciandos em Ciências Biológicas sobre as dificuldades e estratégias de transposição didática para ensinar embriologia na Educação Básica.
O próximo conjunto de artigos desta Edição Especial da REnCiMa focaliza a formação inicial de professores. É composto por um conjunto de seis artigos, dois discutem a formação interdisciplinar, três discutem elementos da profissionalização docente e um discute a evasão de alunos em cursos de licenciatura. Entre os que discutem a formação interdisciplinar, o primeiro artigo tem como objetivo apresentar a atividade didática de Teias interdisciplinares elaboradas por licenciandos e discutir as relações interdisciplinares traçadas nessa atividade. O segundo apresenta os resultados de uma pesquisa desenvolvida na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral para funções de uma variável em um curso de Licenciatura em Química. Outros três artigos discutem estágio, PIBID, profissionalização docente. Um deles apresenta algumas bases conceituais que estruturaram alguns subprojetos do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) no que se refere aos princípios orientadores da formação e profissionalização docente. O outro destaca o uso de recursos didáticos em oficinas realizadas por alunos-estagiários do curso de licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/Unidade Universitária de Mundo Novo, junto a escolas públicas. Um terceiro focaliza um estudo sobre a compreensão de que saberes docentes são necessários para a construção da identidade dos professores de Ciências durante o processo de formação inicial. O último artigo desse bloco enfatiza um problema sério nos cursos de licenciatura que é a desistência por parte dos alunos. Apresenta uma revisão bibliográfica com objetivo de caracterizar a evasão e a permanência com enfoque específico nos cursos de licenciatura, a partir de aspectos apresentados por autores de artigos publicados em periódicos nacionais da área de Ensino.
Outro grupo de artigos discute algumas metodologias inovadoras de ensino focalizadas em cursos de formação de professores como a resolução de problemas
as atividades investigativas e o estudo do meio. O primeiro artigo objetivou analisar o processo de elaboração de problemas por licenciandos em Química, atentando para os sentimentos e a mobilização de atitudes durante a elaboração do problema. O segundo teve como objetivo o desempenho de estudantes de Licenciatura em Matemática na resolução de problemas, envolvendo inequações do 1º grau com uma variável. Um terceiro discute um projeto que fez uso de atividades investigativas durante a formação inicial de docentes de Ciências que atuarão na Educação Básica, e o quarto apresenta como foco principal as análises de SEIs – Sequências de Ensino Investigativas elaboradas por licenciandos em Ciências da Natureza durante um minicurso. O último artigo desse grupo tem como objetivo discutir contribuições do estudo do meio para a formação inicial de educadores do campo para o ensino de Ciências na região do semiárido piauiense.
O último conjunto de artigos focaliza alguns temas importantes na formação de professores, como a inclusão e espaços não formais de aprendizagem. O primeiro tem como objetivo compreender como a formação Inicial e continuada do professor de Matemática poderá contribuir para a inclusão dos alunos discalcúlicos na sala de aula do ensino regular durante a sua prática docente. O segundo tem como finalidade refletir sobre alguns dos principais desafios presentes ao planejar e executar atividades pedagógicas em Química na prática docente em formação inicial, tendo como foco os espaços não formais de educação. O último tem como objetivo analisar as reflexões formativas que emergem de uma intervenção pedagógica com professores de Ciências em formação, por meio de uma abordagem de temas regionais amazônicos e enfoque para questões sociocientíficas.
Dessa forma, o cardápio desta Edição Temática pode apresentar elementos para discussão de outros pesquisadores sobre a Formação de Professores para ensinar Ciências ou Matemática, em especial sobre os conhecimentos especializados que precisam ser enfatizados na formação.
Mas, como todo conjunto de pesquisas, deixa algumas questões em aberto para investigações futuras. Um ponto a ser considerado é o conhecimento da área a ser ensinada: que tipo de conhecimento é esse e como pode ser veiculado nos cursos de formação de professores. Retomando o que Shulman (1986) considera como “paradigma perdido”, nas primeiras décadas do século XX, sob a influência do positivismo, a formação do professor era centrada nos objetos do conhecimento
apenas, sem a preocupação com as didáticas para o ensino desses objetos, objeto de muitos questionamentos em pesquisas desenvolvidas no final do século XX. Esse paradigma foi repensado a partir da influência da Psicologia, a partir da década de 1930; o foco no conhecimento didático do conteúdo passou a ter um peso importante na formação do professor e muitas pesquisas foram desenvolvidas com foco no conhecimento didático do professor ao longo do final do século XX.
No entanto, hoje, colocam-se algumas questões para reflexão dos leitores: será que não estamos “pendendo a balança” muito para este último lado desse paradigma, ou seja, não está o foco da formação de professores mais voltado ao conhecimento didático do conteúdo do que para uma apropriação e ampliação do conhecimento especializado de um determinado conteúdo para ser ensinadoɂ Será que o conhecimento comum do conteúdo basta ao professor para ensiná-loɂ Será que o conhecimento especializado para o ensino destacado nos dois primeiros artigos desta edição se sustenta apenas com base no conhecimento comum do objeto de ensinoɂ Essas são algumas questões que colocam-se como uma provocação aos pesquisadores e que podem originar pesquisas envolvendo formação de professores para ensinar Ciências e Matemática...
É com esses questionamentos que encerro o Editorial desta Edição Especial da REnCiMa, considerando a importância dos artigos aqui publicados e algumas provocações que podem suscitar novas pesquisas dos leitores.
Boa leitura!!!!
