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A ALOCAÇÃO DA CULPABILIDADE NO CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME

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Centro Universitário Brazcubas V4N1: Junho de 2020

A ALOCAÇÃO DA CULPABILIDADE NO CONCEITO ANALÍTICO DE

CRIME

Paulo César Sousa Oliveira1 Maxilene Soares Corrêa2 RESUMO

O objeto de cognição do presente trabalho é analisar a alocação da culpabilidade no conceito analítico de crime e definir sua natureza jurídica. Hodiernamente, existe grande divergência doutrinária acerca da definição de culpabilidade. A principal celeuma é travada pelas teorias bipartida e tripartida. Aquela conceitua culpabilidade como pressuposto de aplicação da pena. Esta como elemento do crime. É importante ressaltar que o atual Código Penal não conceitua o crime expressamente, abrindo margem para essas discussões. Porém, mesmo sendo omisso em relação ao conceito de crime, o Código Penal, nos arts. 21, 22, 26 e 28, deixa indícios acerca da posição adotada pelo legislador. Nesse sentido, com o fito de elucidar essa questão, tendo como base metodológica pesquisa biográfica e documental da legislação pátria e do entendimento doutrinário, o presente trabalho tem o escopo analisar os principais conceitos de crime, com foco na teoria bipartida e tripartida, bem como buscar uma conceituação de delito mais adequada e harmônica com o Código Penal, e, dessa forma, definir a natureza jurídica da culpabilidade.

PALAVRAS-CHAVE: conceito analítico de crime; culpabilidade; teoria bipartida e tripartida.

ABSTRACT

The object of cognition of the present work is to analyze the allocation of guilt in the analytical concept of crime and to define its legal nature. Today, there is great doctrinal disagreement about the definition of guilt. The main stir is fought by the bipartite and tripartite theories. That conceptualizes guilt as an assumption of punishment. This is an element of crime. It is important to note that the current Penal Code does not expressly conceptualize crime, leaving room for these discussions. However, even though it is silent on the concept of crime, the Penal Code, in arts. 21, 22, 26 and 28, leaves evidence about the position adopted by the legislator. In this sense, with a view to elucidating this issue, based on a methodological basis of biographical and documentary research on homeland legislation and doctrinal understanding, the present work aims to analyze the main concepts of crime, focusing on bipartite and tripartite theory, as well as seek a more adequate and harmonious concept of crime with the Penal Code, and, thus, define the legal nature of the culpability

KEYWORDS: analytical concept of crime; guilt; bipartite and tripartite theory.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO. 2. DEFINIÇÃO DE DIREITO PENAL. 3. CONCEITO DE CRIME. 4. TEORIAS DA CONDUTA. 4.1. TEORIA NATURALISTA. 4.2. TEORIA FINAL DA AÇÃO. 5. TEORIAS DA CULPABILIDADE. 6. NATUREZA JURÍDICA DA CULPABILIDADE. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 8. REFERÊNCIAS.

1 Discente do curso de Direito do Centro Universitário Brazcubas

2 Advogada, professora universitária, pesquisadora e extensionista, graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás, mestre em Direito pela Universidade de Coimbra Portugal.

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1 INTRODUÇÃO

Em primeiro lugar, cumpre salientar que o conceito jurídico de crime está em constante evolução. Já foi definido em diversas acepções e, ainda hoje, não se pode falar em um conceito cabalmente acabado. Hodiernamente, o conceito de maior relevância para o Direito Penal é o analítico que se propõe a analisar o crime de maneira estruturada, levando em consideração determinados elementos para sua constituição. Sob essa perspectiva, algumas teorias se debruçam com o intuito de delimitar o conceito de crime, como a teoria bipartida, tripartida e quadripartida. No âmbito dessas teorias, são trabalhados o fato típico, a ilicitude, a culpabilidade e a punibilidade.

Na doutrina, é consenso que o fato típico e ilícito integram o delito. Porém, há uma grande discussão acerca da alocação da culpabilidade. Parte da doutrina entende que esse elemento é parte integrante do crime, como, por exemplo, Cezar Bitencourt, Francisco de Assis Toledo, Nélson Hungria e Guilherme Nucci. Por outro lado, para Damásio de Jesus, Fernando Capez e Julio Mirabete a culpabilidade não constitui um elemento do crime, mas sim um pressuposto de punibilidade. Porém, qual posição o legislador adotou ao elaborar o atual Código Penal?

Diante dessa indagação, o presente trabalho tem o objetivo de identificar uma definição mais adequada para o crime no ordenamento jurídico brasileiro, considerando a alocação do elemento culpabilidade. A pesquisa foi realizada a partir da análise da Constituição Federal e do Código Penal, bem como do entendimento doutrinário e jurisprudencial, portanto, tendo como base a metodologia bibliográfica.

Outrossim, no decorrer do presente trabalho, buscou-se na uma definição de crime que se coadune com o atual Estado Democrático de Direito. No tocante aos conceitos de crime, além da teoria analítica, cuja definição será objeto central de discussão no presente trabalho, analisou-se também o conceito formal e material de crime, bem como as teorias da conduta e os postulados importantes do finalismo de Welzel. Por fim, foi feita uma breve análise histórica sobre as teorias da culpabilidade, com o fito de compreender a natureza jurídica deste instituto e, assim, conseguir responder a perguntar propulsora desta pesquisa.

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2 DEFINIÇÃO DE DIREITO PENAL

De proêmio, antes de adentrar nos conceitos de crime, é fundamental buscar uma definição para o Direito Penal. Em sua obra, Bitencourt traz um rol de alguns conceitos de direito penal dentre outros:

Direito penal - como ensinava Welzel - "é aquela parte do ordenamento jurídico que fixa as características da ação criminosa, vinculando-lhe penas ou medidas de segurança". Ou no magistério de mezger, "direito penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam o exercício do poder punitivo do estado, associando ao delito, como pressuposto, a pena como consequência (BITENCOURT, 2017, p. 38). Hodiernamente, o Direito Penal deve ser interpretado sob a égide da atual Constituição, levando em consideração a dignidade da pessoa humana que passou a ser fundamento da República Federava do Brasil e, consequentemente, a orientar todo ordenamento jurídico. Nesse sentido, o crime passa a ter um conteúdo material e uma construção social, bem como ocorreu uma limitação do ius puniendi do Estado, o qual deve se limitar apenas a proteger bens jurídicos relevantes.

Como corolário deste fundamento constitucional, o Direito Penal deve ter uma intervenção mínima, ou seja, somente atuar quando os demais ramos do direito demonstrarem-se ineficazes. Tendo, a partir de então, uma atuação fragmentária, conforme menciona Eduardo Medeiros Cavalcanti (2005, p. 302, citado por BITENCOURT, 2017, p. 75): “o significado do princípio constitucional da intervenção mínima ressalta o caráter fragmentário do direito penal. Ora, este ramo da ciência jurídica protege tão somente valores imprescindíveis para a sociedade”.

Como se depreende do conceito, o Direito Penal tem o objetivo de proteger os bens jurídicos mais importantes, como a vida, liberdade, dignidade e honra, o que revela o seu caráter fragmentário. Isto é, não visa à criação de delitos para proteger todos os bens jurídicos. Sob essa visão, Capez traz uma definição que se coaduna com a atual configuração do Direito Penal:

O direito penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhe, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação (CAPEZ, 2017, p. 17).

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3 CONCEITO DE CRIME

Diante do tópico anterior, fica evidente que a cognição da teoria geral do crime é de grande relevância no âmbito dos estudos de Direito Penal, uma vez que somente mediante esses conhecimentos é possível saber o que é crime, quem o cometeu, quem pode ser punido, em quais circunstâncias ele ocorre:

O conhecimento dos temas abrangidos pela teoria geral do delito é, por isso, extraordinariamente importante, pois somente através do entendimento dos elementos que determinam a relevância penal de não conduta, e das regras que estabelece quem, quando e como deve ser punido, estaremos em condições de exercitar a prática do direito penal (BITENCOURT, 2017, p. 271).

Outrossim, o crime, no decorrer da história, já foi definido em diversas acepções e ainda está em um processo constante de evolução e de aprimoramento. Nesse sentido, Bitencourt comenta:

A teoria geral do delito não foi concebida como uma construção dogmática acabada, pelo contrário, é fruto de um longo processo de elaboração que acompanha evolução epistemológica Direito Penal e apresenta-se, ainda hoje, em desenvolvimento. (BITENCOURT, 2017, p. 271/272).

No conceito formal, caracteriza-se o crime simplesmente pela subsunção formal da conduta e a norma positivada, sem levar em consideração aspectos axiológicos e a lesividade da conduta, sendo inadmissível a sua existência em um Estado Democrático de Direito que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana:

O conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador de escrever como tal, pouco importando seu conteúdo. Considerar a existência de um crime sem levar em conta sua essência ou lesividade material afronta princípio constitucional da dignidade humana. (CAPEZ, 2017, p. 130).

Por outro prisma, o critério material tem uma função seletiva, com o escopo de selecionar condutas que de fato lesionem ou exponham a perigo um bem jurídico relevante, como a vida, a liberdade, a honra, a propriedade. Segundo Damásio de Jesus, o crime é visto sob um ângulo ontológico. Noronha, citado por Mirabete, ainda conceitua o crime sob ângulo material como "a conduta humana que pesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal". (MIRABETE, 2012, p. 80)

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Todavia, o conceito analítico é mais completo, visto que, além da tipicidade formal e material, analisa o crime forma percuciente. Segundo Capez (2017, p. 130) "é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime". Nesse sentido, o delito passa a ser analisado de forma estratificada, ou seja, a partir de etapas. Além disso, permite uma melhor compreensão e análise do crime, de acordo com Bitencourt: “Os conceitos formal e material são insuficientes para permitir à dogmática penal a realização de uma análise dos elementos estruturais do conceito de crime”. (BITENCOURT, 2017, p. 287).

4 TEORIAS DA CONDUTA

As teorias da conduta são fundamentais para a devida delimitação dos elementos que integram o crime e, consequentemente, a sua definição. A discussão mais importante ocorre entre a teoria naturalista ou causal e a teoria finalista. Para a primeira, o dolo e a culpa são analisas na culpabilidade, já para a segunda, estes elementos integram o fato típico.

4.1 TEORIA NATURALISTA

A teoria naturalista tem como principais autores Van Liszt e Beling. Surgiu no século XIX e foi fortemente influenciada pelo positivismo científico de tal forma que considerava o crime por meio de um ponto de vista extremamente formal e sem elementos valorativos. Nesse sentido, o crime era analisado sob um ponto de vista naturalístico, a partir da mera constatação do nexo causal da ação e do resultado: “A vontade é a causa do comportamento e este, por sua vez, é a causa do resultado. Tudo isso se analisa sobre prisma naturalístico, de acordo com as leis da natureza, sem qualquer apreciação normativa o social (JESUS, DAMÁSIO, 2011, p. 270)”.

Além disso, referia-se à ação, ilicitude e tipicidade como elementos objetivos e à culpabilidade como um elemento subjetivo do delito: “Essa concepção clássica de delito mantinha em partes absolutamente distintas o aspecto objetivo, representado pela tipicidade e antijuridicidade, e o aspecto subjetivo representado pela culpabilidade. (BITENCOURT, 2017, p. 283)”.

É uma teoria desprovida de conteúdo material e analisa o crime de um ponto de vista extremamente formal. Por exemplo, se um indivíduo sonâmbulo desfere golpes contra outrem, terá cometido um fato típico, mesmo sem ter nenhuma consciência do que aconteceu, visto que o dolo e a culpa são alocados na culpabilidade. Em outras palavras, para

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configuração de um fato típico, basta que exista uma modificação do mundo exterior, independente do agente ter consciência e vontade de causar um resultado.

Ora, se o direito é uma ciência humana que estuda fenômenos sociais, evidentemente que está teoria não deve ser adotada. Considerar que a conduta humana independe de vontade não tem nenhum fundamento epistemológico e não se coaduna com a atual configuração do Direito Penal.

4.2 TEORIA FINAL DA AÇÃO

O conceito finalista proposto por Welzel, em meados de 1930, que também é conhecido como teoria final da ação, surgiu contra os dogmas da teoria naturalista, principalmente, sobre a apreciação do dolo e culpa na culpabilidade e sobre a não consideração da vontade humana como elemento caracterizador do fato típico.

No âmbito da teoria causal, não há diferença entre condutas culposas e dolosas, haja vista que o resultado naturalístico é o mesmo. Porém, o que determina a diferença de tratamento é a vontade do agente, e não a mera causação do resultado:

Deve-se concluir que essa diferença de tratamento legal não depende apenas da causa são do resultado mas, sim, da forma como foi praticada a ação. A partir dessa constatação, o delito não poderia mais ser qualificado apenas como um simples desvalor do resultado, passando antes a configurar um de valor da própria conduta”. (CAPEZ, 2017, 141).

Nesse sentido, como menciona Welzel, toda conduta humana tem uma finalidade, ou seja, sendo o ser humano um ser pensante, é capaz de realizar suas ações em busca de um determinado fim. Conforme leciona Mirabete (2012, p. 81) "Admitindo-se sempre que o delito é uma é uma conduta humana voluntária, é evidente que tem ela, necessariamente, finalidade".

Dessa forma, nessa teoria, o elemento subjetivo é transportado da culpabilidade para o fato típico, ademais, a conduta humana ganha relevância especial. O atual Código Penal, a partir do advento da lei 7.209/1984, que modificou toda a parte geral do Código Penal, passou a adotar a teoria finalista, ou seja, analisa o dolo é a culpa no fato típico, o que está materializado e nítido no seu Art. 18. Sendo assim, a culpa e o dolo foram alocados no seu lugar natural, qual seja, o fato típico, especificamente a conduta.

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5 TEORIAS DA CULPABILIDADE

Primeiramente, guardando grande relação com a teoria naturalista, surge a teoria psicológica da culpabilidade, a qual passa a ligar o autor ao delito, mediante um vínculo psicológico previsto na culpa ou dolo. É questionável, pois o dolo é um elemento psicológico, mas a culpa não é, consoante Damásio de Jesus (2011, p. 504) “Ora, como é que um conceito normativo (culpa) e um conceito psíquico (dolo) podem ser espécie de um denominador comum?”

Além disso, conforme menciona Capez (2017, p. 323), existem algumas contradições, por exemplo, se um agente imputável cometer uma fato típico e ilícito, mediante coação moral irresistível ou obediência hierárquica manifestamente legal, terá agido com dolo. Como nesses casos, portanto, a culpabilidade será excluída?

De forma evolutiva, Reinhard Frank criou a teoria normativa-psicológica da culpabilidade e passou a tratá-la como reprovabilidade. Todavia, não retirou o dolo e a culpa desse elemento. A culpabilidade com essa teoria passou a ser constituída pelo dolo e culpa, bem como por outros elementos para a sua caracterização, como a imputabilidade e exigibilidade de conduta diversa. Com essa teoria, o conceito de crime e de culpabilidade evoluiu. Porém, ainda cometia o equívoco de não tratar o dolo na conduta. Além disso, havia uma contradição, como bem analisado por Bitencourt (2016, p.626): "poderá existir dolo sem que haja culpabilidade, como ocorre nas causas de exculpação”.

Como decorrência do finalismo de Welzel, a teoria normativa pura desloca a culpa e o dolo para o fato típico e a culpabilidade passou a ser composta por imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta conforme ao Direito. Para Damásio de Jesus: “a culpabilidade não se reveste, como pretende a doutrina tradicional, de características psicológicas. É um puro juízo de valor, puramente normativa, não tendo nenhum elemento psicológico (JESUS, DAMÁSIO, 2011, p. 507).”

Outrossim, na visão de Assis Toledo:

A consequência lógica, inarredável, foi igualmente a localização do dolo e da culpa stricto senso no tipo legal do crime, pois, se este é a descrição da ação proibida, e se o dolo e a culpa pertencem à ação, não se pode deixar de situar no tipo todos os elementos estruturais da ação (ASSIS TOLEDO, 1994, p. 228).

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Nesse sentido, o dolo e a culpa passaram o ocupar o seu lugar natural, ou seja, na conduta. Ademais a culpabilidade deixa de ser analisa sob um ponto de vista psicológico e passa a ser analisada como um juízo de valor empregado contra alguém que preencha os requisitos de tipicidade e antijuridicidade.

6 NATUREZA JURÍDICA DA CULPABILIDADE

A culpabilidade não é uma característica do crime, mas sim um pressuposto para a incidência da pena. Pode ser compreendida como uma reprovabilidade, ou seja, um juízo de valor empregado contra um agente que cometa um fato típico e ilícito. Percebesse que o culpado, não é nem poderia ser o crime, mas sim o autor de um fato delituoso. Nas palavras, de Damásio de Jesus, a culpabilidade é tratada da seguinte forma:

A culpabilidade não é elemento ou requisito do crime. O juízo de reprovabilidade não incide sobre o fato mas sim sobre sujeito. Não se trata de fato culpável, mas sim de sujeito culpável. Culpabilidade é um juízo de reprovação que recai sobre o sujeito que praticou delito. Por isso conceituamos o crime como fato típico e antijurídico (JESUS, DAMÁSIO, 2017, p. 7).

Fernando Capez compartilha do mesmo entendimento: “a culpabilidade é um elemento externo de valoração exercido sobre o autor do crime e, por isso, não pode, ao mesmo tempo, estar dentro dele. Não existe crime culpado, mas autor de crime culpado. (CAPEZ, 2017, p. 131)”.

Bitencourt opõe-se a esse pensamento:

Não basta caracterizar uma conduta como típica e jurídica para atribuição de responsabilidade penal a alguém. Esses dois atributos não são suficientes para punir com pena o comportamento humano criminoso, pois para que esse juízo de valor ser completo é necessário, ainda, levar em consideração as características individuais do autor do injusto. Isso implica, consequentemente, acrescentar mais um degrau valorativo no processo de imputação, qual seja, o da culpabilidade. Com esse entendimento, podemos afirmar que a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são predicados de um substantivo, que é a conduta humana definida como crime. (BITENCOURT, 2017, p. 448).

Além disso, entende que o fato típico e ilícito, juntamente com a culpabilidade, constituem pressupostos do crime:

Ora, na medida em que a sanção penal é consequência jurídica do crime, este, com todos os seus elementos, é pressuposto daquela. Assim, não somente a culpabilidade, mas igualmente a tipicidade e a antijuridicidade também são pressupostos da pena, que, por sua vez, é consequência do crime. (BITENCOURT, 2017, p. 449).

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Corroborando com o pensamento de Bitencourt, Assis Toledo leciona que a teoria analítica mais aceitável a tripartida:

E dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade) (ASSIS TOLEDO, 1994, p. 80) .

Além disso, a quem sustente que o crime é composto por quatro elementos:, conforme citação de Baliseu Garcia feita por Mirabete (2012, p. 81): “ação humana, antijurídica, típica, culpável e punível”.

Todavia, data maxima venia, esses entendimentos não devem prosperar, visto que apresentam algumas incongruências. Em primeiro lugar, é oportuno trazer o clássico e arguto exemplo de Damásio de Jesus (2011, p. 7) sobre o delito de receptação, conforme o Art. 180 do Código Penal, para a caracterização da receptação, o agente deve saber que o produto provém de crime. Suponhamos que o agente que furtou o objeto seja inimputável. Nesse sentido, levando em consideração a teoria tripartida, a coisa alheia móvel não seria produto de crime. Todavia, o § 4º prevê que, mesmo se o agente for isento de pena, a receptação é punível. Ou seja, denota-se deste artigo do Código Penal que o crime ocorreu mesmo o agente sendo inimputável. Evidentemente que, nesse exemplo, ocorreu crime sem culpabilidade.

Outras contradições ainda surgem, se um agente pratica um fato típico e ilícito, mas é beneficiado por alguma excludente de culpabilidade, para a teoria tripartida, ele não cometeu crime. Porém, como alguém pode praticar algo típico e ilícito que ao mesmo tempo não é uma infração penal? Seria um ilícito sem classificação?

Um outro questionamento, se uma pessoa que preencha todos os requisitos de culpabilidade cometer um fato típico e ilícito, logo, para a teoria tripartida, terá cometido um crime. Agora, se um doente mental cometer um fato típico e ilícito e for punido por uma medida de segurança, o que ele cometeu? Se não cometeu crime, por que deve ser punido? Se a medida de segurança fosse, exclusivamente, em razão da periculosidade, logo, todos os doentes mentais deveriam receber essa espécie de sanção:

Quando se fala na aplicação da medida de segurança, dois são os pressupostos: ausência de culpabilidade (o agente deve ser um inimputável) + prática de crime (para internar alguém em um manicômio por determinação de um juiz criminal, é necessário antes provar que este alguém cometeu um crime). Com isso, percebe-se que pode haver crime sem culpabilidade. (CAPEZ, 2017, p. 131).

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O próprio Código Penal, apesar de não conceituar o crime de forma expressa, deixa elementos que denotam a posição adotada pelo legislador. Ao tratar das excludentes de ilicitude no seu Art. 23, o Código dispõe que não existe crime. Por outro lado, quando se refere às excludentes de culpabilidade no art. 28, disciplina que o agente é isento de pena. Analisando esses artigos, é plenamente possível concluir que o Código Penal adotou a teoria analítica bipartida, considerando a culpabilidade como pressuposto para imposição da pena. Outros artigos do Código também denotam a posição do legislador:

No que tange à culpabilidade, há crime, ainda que ela não se verifique. Quando uma pessoa comete um fato típico e antijurídico, mas age sem culpabilidade, nosso Código, em vez de dizer que “não há crime”, como se viu acima, declara que o agente é “isento de pena” (vide arts. 21, 22, 26 e 28 do CP). Essa técnica legislativa não pode ser ignorada, sobretudo quando procuramos analisar os elementos estruturais do crime, segundo nosso ordenamento jurídico (ESTEFAM, ANDRÉ; GONÇALVES, VICTOR, 2017, p. 278).

Por fim, é muito importante mencionar que a adoção da teoria bipartida não desqualifica nem limita a importância da culpabilidade, pois a adoção das duas correntes a conferem a mesma valoração, mudando somente sua natureza jurídica:

Poder-se-ia julgar que a tese por nós adotada não confere à culpabilidade a mesma importância que a posição tricotômica. Não é verdade. O valor da culpabilidade é o mesmo nas duas correntes, divergindo somente quanto à sua natureza jurídica: pressuposto de aplicação da pena versus requisito do crime. Frisa-se que não poderia jamais negar a importância da culpabilidade na responsabilidade penal, já que o princípio da culpabilidade (anteriormente estudado) constitui-se de princípio basilar do direito penal - nulla poena sine culpa (cf, art. 5º, LVIII) (ESTEFAM, ANDRÉ; GONÇALVES, VICTOR, 2017, p. 277).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho discorreu sobre a importância de uma melhor definição para Direito Penal, no contexto da atual Constituição Federal. Nas teorias de conduta, pôde-se notar como o conceito de ação evoluiu de uma análise puramente causal para um conceito mais valorativo, com a alocação do dolo e da culpa na conduta humana. Nesse sentido, verificou-se a grande relevância do finalismo de Welzel e sua importância para o conceito de crime. Além disso, foi possível fazer um paralelo entre as teorias de conduta e de culpabilidade, no tocante à alocação do dolo e da culpa, bem como na sua influência na construção histórica do conceito de crime.

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Observou-se, também, a importância do conceito de crime e de seus elementos para o operador do direito. Foi possível verificar que a teoria com maior rigor científico é a analítica, haja vista que analisa o crime de forma estruturada e completa. Em relação a esse conceito verificou-se uma grande divergência doutrinária sobre a natureza jurídica da culpabilidade.

Todavia, é possível concluir que a teoria que melhor se harmoniza com o Código Penal é a bipartida, visto que o conceito tripartido de crime apresenta algumas incongruências, como no crime de receptação e na medida de segurança, bem como na técnica legislativa prevista no Código Penal ao tratar dos excludentes de ilicitude e de culpabilidade.

Diante de todo contexto exposto no presente trabalho, é possível responder com plena convicção que, ao tratar do conceito de delito, muito embora não esteja expresso no Código Penal, o legislador adotou a teoria analítica bipartida para definir o crime.

8 REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. ed. 23. São Paulo: Editora Saraiva. 2017.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. ed. 22. Revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva. 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 de novembro de 2019.

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto. Acesso em: 12 novembro 2019.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. ed. 21. São Paulo: Editora Saraiva. 2017.

ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor. Direito Penal: Parte Geral. Ed. 6. São Paulo: Editora Saraiva. 2017.

JESUS, Damásio. Direito Penal: Parte Geral. ed. 32. São Paulo: Editora Saraiva. 2011. MIRABETE, Julio Fabbbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. ed. 28. São Paulo: Editora Atlas. 2012.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. ed. 5. São Paulo: Editora Saraiva. 1994.

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