Deitavam-se du;is pessoas cm cada cama. E era muito desa-gradável. Por exemplo, se um homem morria, não era retirado senão depois de vinte e quarro horas, pois o grupo evidente-mente desejava obter a ração de.pão e sopa destin;.ida a essa pes-soa. Por isso, a morte só era dcc!;~radn vinte e quatro horas depois, de forma que sua raç~o não fosse suprimid:1. E por isso a gente precisava fic:1r iodo esse tempo na mesma cama com a pessoa mona42..
Estávumos no nível intermediário. E era uma situaçüo terrí-vel, principalmente ;t noite. Em primeiro lugar, os mortos
csta-y;;m descarnados e ti11h<1m uma aparência horrível. Quase todos se sujavam no momento da morre e isso não era um aconteci-. mento muito estéticoaconteci-. J\aconteci-.foito freqüenlemcn'te vi esses casos n(l
acampamento, nas barracas das pessoas doentes. As pessoas que: morriam de feridas flcimosas e supuradas, com as camas' cheias de pus, estavam juntas com alguém cuja doença era ialvcz mais benigna, que t;.ilvez tivesse apcn~\s uma pcqu(:na ferida e que ficaria infeccionada4J.
A contaminação de ficar deitado perto do moribundo foi
Uunbém
citadacm
relatórios sobre hospitais para doen-tes mcntais14, e a contaminação cirúrgica tem sido citada cm documentos de prisão:No quarto de vestir, :is ;itadttras e os instrumentos c1rnr-cos ficam expostos ao ar e :io pó, George, que procurara um assistente para tratamento de furúnculo no pescoço, foi op1~rndo
com urâ. bi,tur[ csado, um momento :rntcs, no pé de um homem, e que depois disso rriio fora estcrilizado-15,
Finalmente, ern algumas instituições totais o internado 6 obrigado a ton~ar medicamentos orais c•u inlr:wcnosos, de-sejados ou oão, e a comer ü alimento, por menos agrntlável que este seja. Quando um internado se recusa a a!imentrrr--sc, pode haver contaminação imposta de .su;.is entranhas por "alimentação forçada".
Já nigeri que o internado sofre mortificação de sc:H cu por esposição r:ontaminadora de tipo fr;ico, mas isso deve ser ampliado: quando a agência de contaminação é outro ser humano, o internado é ainda contaminado por contato interpessoal imposto e, conseqüentemente, uma rela-ção social imposta. (De forma semelhante, quando o inter-nado deixa de ter controle quanto a quem o observa em
(42) BODí:R, David P. f [)id Not lntÚi·iew tire Deinl. Urban:t. Uni-vcrsity of Illinois Prcss, 1949, p. 50.
(43) lbid., p. SO,
(44) JOHNSOi~i e Ooons, op. c;t., p. J(i. (45) OENORICKSON e THOMAS, op. cir., j). 122.
34
sua desgraça, ou conhece o seu passado, está sendo conUt-minado por unn relação obrigatória com essas pessoas --pois é atravé~ de t<iis ~rccpçõcs e conhecimento que se exprimem as relações.)
Em noss<L sociedade, o modelo de coni_aminação intcr-pcsso;.il é talvez a violação; embora haja "perseguição" se-xual nas instituições totais, estas apresentam muitos outros exemplos menos dramáticos. No momento da admissão, o·;
bcn~; de uma pessoa s;io retirados e indicados por um fun-cionário 4uc D> enumera e prepara para ;1 nnazcnamento. ü intcrna~b pode ser revistado até o ponto - muitas vezes descrito na !iterawra - de um ex.ame rc!al1
ª.
Postcrior--mcnie, durante stta cstad1, poc!c s-cr obrigado a sofrer exa-mes cm swt pessoa e cm seu dormitório, seja de forma roti-neira, seja qu:indo há -algum prob!cma. Em todos esse~· casos, tanto o ,~x,1minador qt1anto o exame pcnctr~1m ainti-midad·~ do i1;dividuo e violam o território de seu cu. Se-gundo a sugestão de Lawrence, mesmo os exames rotinei-ros podem ter esse ekito:
Antig~1mcntc, os soldados precisavam tirnr :•s botas e as meias, c ap.-esenlar os pés par:t o exame de um ofici2.L Quem ~e
abaixasse para olhar, recebia um pontapé na boca. {-favia tam-bém a rotin:t dos banhos, um certificado de seu suboficial de que você ti11!10. wm:ido um banhD durante a semana. Um banhe,; E com os exames ele equipamento, de qu;1r10 e de utensílios, tockis
ª'
dcsculp<1s p;1ra que os oficiais mais rigoroso, dirigissem ofens:is aris ~o!d;1ú'JS, e os' intrometidos se enfun:c.~ssem. N~' ver'datk, é precio ter muito tato pa1a interfc.rir P:t pc:;-;oa de u:n pobre h•Jmem e n:io ufendê-io-:7_AlÉm disso, e hábito de:, em pnsm:s e hospit;:is para doentes mentais, misturar grupos etários, étr.icos e raciais, ·pode fazer com que o internado sinta que está sendo
con-taminado por coma to com companheiros indcscJ<iveis.
U
rn pre~o com formação ginasial, ao descrever suz e11ti-ada na prisão,dá
exemplo disso:Outro gu:nda Jpareceu com um pai- de algemas e me li-gou o pequeno juden, que se lamentava humildernent·~ em
Yiddish4~ . . .
De repente, tive o pensamento horrível de que podai<\ ser obrigado a compartiihar uma cela com o pequeno judw ~- fiquei
(46) Por excniplo, Lowcu NAEVE. A Fic-ld of Broken Stunes, Glen Gardner. New Jersey, Libertarian Fress? 1950, p. 17; KOGOr-:, op. <:it.,
p. 67; IíOLLEY C.r\NTl;"IF e DACHINE R.UNER, Prison Etiquerte, Bearsv1lle, New York, Rctort Press, 1950, p. 46.
(47) LAWRENCc,
º"·
cit-., p. !96. (4'8) HECKSHLL-SWTH,• op, cit., p. 14·.wmado pelo pfinico. Esse pensamento me obcecava e eliminava todo o resto49
•
Evidentemente, a vida cm. grupo exige contato mútuo e exposição entre os internados. No caso extremo, tal como ocorre nas celas de prisioneiros político:; da China, o con-tato mútuo pode se"!· muito grande:
Em certo estágio de sua prisão, o preso pode esperar ser colocado numa cela cem aproximad;1mente outros oito pn:sos. Se inicialmente estive isolado e era interrogado, isso pode ocor-rer logo depois de sua primeira "confissão" ser aceita; no en-tanto, muitos presos são, desde o início, ·colocados cm celas coletivas. A cela é usualmente nua, e mal contém o grupo que aí· é color:ado. Pode haver uma plataforma para dormir, mas todos os presos dormem no chão; quando todos se deitam, todas as polegadas do chão podem estar ocupadas. A atmogfcra é de extrema prO'lliscuidade. A vida "reservada'' é impc.ssível50 .
Lmvrence dá um exemplo miíitar disso ao discLJtir suas dificuld;ides para entender-se com seus companheiros da força aérea nas barracas do acampamento:
Como se vê, n:io posso brincar com nada e com ninguém; e um ;1c;:nhamento namral me afasta de sua simpatia instintiva de ... e "caçac!as", beliscões, emprést:mos e nomes feios; e isso, :ipes;ir de minha simpatia pela liberdade franca a que se .abandonam. Jncvitavelmentc, cm nossas acomoàaçôes apertadas, orecisamos ~xpor esses recatos físicos que a vida edu-cada impõe. ;\ alividade sexual é uma fanfar.ronad,1 ingênua, e qtlaisq11er- ;1nornwlida<ks de desejos ou Órgãos s:'io exibidas com curiosidade. As autoridades estimulam esse comportamento. To-das as btrinas do acampamento perderam suas portas. "Façam com que 03 ~quenos ... durmam e . . . . . .. e comam
juntos". dizia o velho Jack Maekay, instrutor sup~rior, "e natu-ralmente acabarão por treinar juntos"Sl_
Um exemplo rotineiro desse contato contaminador
é
0sistema de apelidos para os internados. As pessoas da equipe dirigente e Õs outros internados automaticam~nte adql.iirem o direito de empregar uma forma íntima de chamar a pessoa, ou um&. :maneira formal e truncada para fazê-lo; pelo menos para uma pessoa de classe média, isso nega o direito de manter-se distante dos outros, através de um estilo forma! de tratamento52. Quando um indivíduo precisa
(49) lbid., i'· 17.
(50) Hr:<c1u.E e WOLFP, ap. cit., p. 156. (51) L.\WRH<CE, ov. cil., p. 91-.
(52) Ver, por e;{emplo, HASSLE!l, op. cit., p. í.04.
36
aceitar alimento que considera estranho e polu1do. essa con-taminação
às
vezes decorre do contato de outra pessoa com o alimento, como se vê muito bem na penitência de "men · digar sopa", pralicada cm alguns conventos:... ela colocava a su~ vasilha de barro à esqu'.:rda da Ma-dre Superiora, ajoelhava-se, juntava as n~ãos e esperava até que duas colhciradas <.k sopa fossem colocadas na sua vasilha de mendiga. Depois, ia até a freira mais velha e assim sucessiva-mente, alé que a vasilh;t estivesse cheia. ( ... ) Quando, final-mente, isso ucontcci'1, voltava p:1ra o seu lugar e cngoiia a sopa, pois era o que devia fazer, alé a liltima gora. Tentav:i não pen-sar que tinha sido tirada de outras vasilhas, e que comia resto> das outras"'!.
Outr'.l fipo de exposição contaminadora coloca um es-tranho em contato com a relação individual íntima
daque-les que são significativos para ele. Por exemplo, a corres-pondência de um internado pode ser lida e ·~cnsurada, e: pode até provocH caçoadas~·!. Outrv exemplo é o caráte1 obrigatoriamente público de visitas, como se vê por
descri-ções de prisões:
Mas que tipo sádico de organização eaconlrara:n p;ira tais vi~itas! Uma hora, uma ve.!. por mês -- ou dois períodos de meia hora - numa sab grand~ taivez com oulros dez casais, com guJrdas que procuram v;;rificar se você não troca planos e nem instrnrncntos para fugar Nús nos cnconlr;:mos num~ mesJ. de um metro e oitenta de largura, cm cuj;i- p:trle central existe uma espécie de te la de proteção com 15 ccniírnclros de altun, e que pre:,urnivc!mcnte ir;1pcdc até que nossos germes se misturem. Tínhamos permissão para um higiênic:i arcrto de mãos no início da visita, e outro no fim; durant(: o resto de tempo podiamas apenas senta: e olhar um para o º'1tro, en-quanto falávamos através de toda essa distância55i
As visitas são feitas numa sala perto da entrad<c princip:li. Há uma mesa de madeira; de um lado se senta o preso, e, do outro, seus visitantes. O guarda se senta à cabeceira àa mesa; ouve todas as pa!Jvras ditas, observa todos os gestos e sutilezas de expressão. Não existe qualquer intimidade - mesr:.10 quando um homem está encontrando sua mulher, e mesmo que não a tenha visto por vários anos. Não se permite qualquer contato entre o preso e o visit;rnte, e, evidentemeílte, não se p•:ormite a troca de objetos5G.
(53) HllLME, op. cit., pp. 51-53'.
(54) DENDRICKSON e THOMAS·, op. cit., p. 128'.
(55) HASSLER, op. cir., p. 62-63.
(56) DE:-<oRICKSON e THO,.<AS, op. cit., p. 175'.
Uma versão mais completa desse tipo de exposição contaminadora ocorre, como já foi sugerido, cm confissões institucionalmente organizadas. Quando um outro signifi-cativo precisa ser denunciado e sobretudo quando esse outro está fisicamente presente, a confissão, a estranhos, d;t relação pode significar uma int<:nsa contaminação Ga rela-ção c, através disso, do cu. Um<t descrição dos costumes num convento dá cxcmpio disso:
r\s mais valentes das cmocional:ncnte vulneráveis cr<1111 as freiras que se lcvéinlavan1 junta~ nu n1er.1 culpa e se acusava111
mutu:;mentc de terem procurado ficar junl~>, Oll t;dvez de terem conversado nos mon1entos de recreação de uma forma que ex-<.:luia as outras. As suas confissõt.:s aturment<idas 'll:!S claramente
apresentadas, de uma afi;1idaJc n:!sccf!tt dav" nesta última o coup de guíce qL•c talvez sozinhas não pudessem faze:r, pois tod;\ a comunidade a partir d<: cntil.o !omari:t cuidado parn qu.: cs"1' duas ficassem di~:t~ntcs. O rar era ajud;ic!o a af:1s1ar-sc de um:i dessas ligaçiícs pes:;o:1is e espóntâncas que freqüentemente sur-gem na comunidack, de maneira tão inesp~racla quanto as flores silvestres, nos jardins geometricamente desenhados do convcmo''7. Um exemplo p:iralc!o pode: ser encontrado cm hospi-iais para doentes mentais dedicados à terapia intcmiva do mei::i, onde os pares de pacientes que têm uma r::ta~:ão podem s-cr obrigadus a discuti-la durante- as 1·ct111i(ics U()
grupo.
Nas instituições totais. :e exposição c!:is relnçõc~; da pes-soa pode ocorrei· cm formas ainda rn:1is drástic~,;, iioi:; pude haver ocasiões cm que u1.1 indivíduo tcstc~mun!n 11111 :1l~quc
físico a alguém com quem tem lig:lçôcs, e soi"rf:'. <l mortifi-cação P'~rmancnic de nadCJ ter feito (e os cmtrns s~bercrn
que nada fez). Nu1n hospital p::ira docr:Ec~ mcnL1is:
füte conhecimento (de ternpia de choque) se basci<i no fato de que alguns cios paciente:; da Fnferm<1ria 30 <:ct.\iliarzim a equipe de cf;oque aplicar :i terapia. aos pacientes, .~olocá-los dei-tados, ou os observarem depois do choque. Na enfermaria, a aplicaçào ce choque é muitas vezes re:lliz:aJ:i diante de. um gru-po de observadores interessados. As convulsões d,) pr:ciente são muiLas veze5 semelhantes às de uma vítima de acidcnée durante a agonia, e são acompanhadJ.s por estertores e, às vezes, por urna e~puma de saliva que escorre da boca. O pacierite se re-cupera aos poucos, sem lembrança do que ocorreu, filas deu aos ou'.ros um espetáculo ater;·orizador do que pode ser feito para eles5S_
(57) HULME. op. cit., pp. 50-51. (58) BELKNAP, op. cil., p. 194.
38
A descrição de l\!civillc sobíc castigos 1iun1 n<iv:o de guerra do século XfX Já Ulll outro exemplo;
Por rn:1is que voei! deseje aL1s«1r-sc da c:cn:1, rn:c:sa pr
c'.-scnciá-ia; ou, pelo menos, precisa ::star perto, pois os rr.gul:t.-m.:nios exigem a presença de quase f1)da " tripuiaç;\o, c!csdc · ·::i corpuknto c;1pit~o até o r:1pazi11l10 cncarrcg:1do dc 1ucar o
:.)ino:~'!1.
E a su:t prcsenc;:i ir~cvitável no cspctáct:lo: o forte trnço
'.[li.:! o kva a v,·r o c:,s1igo e aí o scgur:1 a:é qc1c tudo :enh;i
!l.!rnlinado: qu~ 1n1põe a StlL~ olhos chl.!~Os de asco1 e ü sua .:ilrnl1., os sofrimentos e ger:iides de homens que se ligaram
;nlima-rncnrc a ele, corner;:in1 con1 eic, bataiht~n1n1 co1n elc1 - - - - hu1nen:-;
de seu !ipo c ck. sua categoria -- tudo isso di1 urna indic;1ç~o
kíl'Ível da ;w101icl:tdc onipoten1.e sob 2 qual cst:l vivcn1JL;G11 . Lawrence apresenta um c.'.:crnpio militar:
Esta noite, a pancada na porta da b:1rracz1, na hor;1 da r·e .. vista, foi terrívei; a porl~ foi jogada p~ra triís e quase s:iil' dCJ» dobradiç:1s. Com a ilumi~açiío, aparece<! Dakc1·, V. C., um cabo
que. por l:~1usa di; suas condecorações d·~ gur1-ra, t.Jn:ava n1:1ita~, !ibcnfacks no acampamento. Caminho11 p:1ra o mr;u !:ido d:1 b2r-r:1ca, examinando as ca•nas. O pcquenc Nobby, tomado de sur-presa. esl:!\'r1 com uma bula c:dçad:1 e :l. 011tra no ·~hão. O cabo p;iruu:
··o
que aconti:cc c01~1vor:í':'.'""
"[si:iva tir~m!o um ,;spi-nlll> qu~ m:1c/L;cav:i meu pé."" "Po11l:a logo a bct:1. Qual o seu noinc?"' Foi ;i{t~ c1 port;t do funllu, v!ruu-sc rapidan1:-:ntc e gritou:"Ciarkc!'' Nobby gntoti corrct~trncn~~ 1-C~abo:'' e correv pclé1
pass;:i,g:e1n (scrnprc prccis~H11cs correr. qt1Jndo ci1aa1c\Ü\)S) e ficou
rigidan1e.nte coi.oca:Ju ~1 sua frente. Cn~a pau:)~l ::, depois,
s~c~1-n1c;1tc: '·Vo!h! p:1ra sLLi can1a!"
O cabo C()DlinuJva espl?fancJu e dt·vL_u110s f:1z~~r c1 ff\.C~,n10,
e:n forn1a junto Js noss:1s r.:;-1n18s. D.::.;icisi s~cJrn_=::ntc · '·CJ:n\c!·'
A. execuçJo fo: :qielicl;;, muit:1s vezes, er.qu;ir.tu nossas c;u:1lro f!ias olhavam, imobilizad~s pela ,.eíg,inha e pe!a disciplina. É:amos homens, e ali esla,·a urn hcrn.~m que ,e degrad:l\'a e degradava sua espécie ao degradar outro honwrr Baker esi ava desejando um C'.LScl e espcréiva p1·ovo,:ar t:m de f1Ó' 2 fazer <dp1;n
~Jto ou dizer al,;uma paiana que Ih·:: ramitisse ;,p:·e>entar uma queix;;Gl ..
O extreme> desse tipo de; mort:fo:ação eles sentimentos
S't encontra, evidenteme11te, na !!ter-atura sob"e os campos cJ,; concentraç2.o:
( 59) MELY!LLE, H~rman .:Vhite J acker. Ncw York, <ir ove Prcss. ';/ci,
p. IJS-.
(60) lbid .. p. 135.
(6:) LAWRENCE, "op. cir., D. 62.
Um judeu de !3rcslau, chamado Silherm:1nn, precisou ficar imóvel, enquanto o sargent<l Hoppe, ó SS, brn1:'1mentc
tortu-rou seu irmão ;1té matá-lo, Silbcrmann ficou louco ao \'Cr isso e, tarde da noite, cr.iou o p:tnico com os seus gritos alucinantes de que as barracas csta~<am pegando fog0 G2,
i II
Considerei alguns dos ataques mais elementares e dire-tos a~ cu - várias formas de desfiguração e de profanaçiio alr;1vcs das quais o sentido simbólico dos acontecimentos na presença imediata do intnnado deixa de co111'irn1ar sua con-cepção <~n.terior cio cu. Agora, go<>taria ele discutir uma fonte de ~norl1 ficação 1:1c;nos direta cm seu t:fcito. e cuja signifi-c1ç<tO para o 1nd1v1d110 não pode ser ião facilmente avalia-da: uma perlt:rbaçfto na relação usual cn!re o ator indivi-dual e seus atos.
".· A ~.rimeira p~rtt!rbação. a ser considerada aqui
é
0. ctrcuito : uma :igenc1rt que cria uma resposta defensiva do
m~crnaclo e que,_ depois, aceita essú ;-esposta como alvo para seu ataque ·.s·egurntc:. O indivíduo descobre que :;ua resposta protetora diante de um ataque ao cu folha na siluação: não p_odc defender-se da forma usuai ao estabelecer ~1ma
distân-cia entre a s_ituação mortificante e o seu cu.
Os padrões de dcf<:rênci.a nas instituições totais d;ío um
cxcmpl~
?º
efeito de circuito. Na sociedade civil, quando um md1v1cfuo prcc1s::i_ aceitar circunstância<: e ordens que ul!raicrn sua concc:pçao do cu. lcm certa mar!'cm de cx-pre:sã_o de rcaçãopara salvar as aparências - ~;au humor, omissao dos sinais comuns de clcfcíência, rahvrõcs res-mungados, ou expressões fugidias de desprezo. ironia e sar-casmo. Portanto, a obediência tende a estar associada a um;i atit~1clc m;ulifest~,quc não está sujeita ao mesmo grau cl_e pre~sao par;;_ obecl1e_r.c1a. ·Embora essa rcspo,ta cxprcs-qva(!C
auto~cfes<1 a exigências humilhantes ocorra nas ins-t1tu1çoes totais, a equipe diretora pode castigar diretamenteº'
1n:cr~ados por essa atividade, e citar o mau humor e a rnsolenc1a como bases para outros castigos . . Assim, ao des-crever a contaminação do cu rcsTi!tante do fato deto-~na_r sopa da vasilha de mendigo, Kathryn Hulme diz da rrc1rn que
. . . elimino_u de stw expressão facial a revolta que surgia em sua alma del1cada ao beber os restos. Sabia que um olhar de
reb~ldia seriir suficiente para provocar uma repetição da dcgra-daçao extraordinária qur; estava certa de não suportar nova-mente. nem por :imor ao Deus Toclo-Pocleroso'3,
(62) KocoN, op. cir,, r. 160.
(6:1) HUL'1E, cp. cil,, !'- SJ.
40
O processo d..: integração n;is instituições totais cria oulrc.s casos de circuiw. '.'-la situ·.1·;::'.) norma! Ja ·socicéaoc civil, a scgrcg:ição entre o papel e a audiência impede que as cohfissõcs e exigências implíci !as quanto ao cu, feitas-num ambiente físico de atividade, seiam verificadas na
con-d:.lla em outros ambientcsGt. Nas instituições tolais, as esfe-ras da vida são integradas de forma que a conduta do in-ternado numa área de atividade é lançada wnlra ele, pcb eqt1ipc dirigente, como comentário ·~ verificação de sua
con-duta cm outro contexto. O esforço àe um dorntc mcnt<il p:.ira apresent~1r-se de maneira hem orientada e não antago-nista durant,: um diagnóstico, ou uma conferência de trnt<i-mcnlo, pode ser diretamente perturbado por provas
referen-tes à sua ap;1tia durante a recreação ou <los comentários amargos que fez numa carta a um irmão - uma carta que este cntrcgoci ao administrador do hospital, para ser acrc'-centada à sua história clínica e levada i1 c0nfrr&nda.
Os
cstabekcimentos psiquiátricos do tipo adiantado dão exemplos excelentes do processo de circuito. pois neles o fcedhack didático pode ser elevado à eonclição de dou-trina ti:rapêutica. Pensa-se qtic uma atrnosfow de "tolcr[in-cia" estimule o paciente a "projetar" ou "c;cprimir" suas dificuldades típic-as na vida, e que depois podem ser nota-das durante as sessões de terapia de grupous.f'ortanto, através do processo de circui!o, a reação do internado il. sua situação
é
levada de volt~tà
situação, enão tem o direito de eoilservar a segregação usual des:;as fases de ação. Um segundo ;itaque ao .1·1atus do inlcnrndo como um ator pode- ser :igora citado -- um a\s;1lto descrito de form;t imprecisa sob as categoria' Jc arrcgirnent:iç:iu e tiran ização.
Na sociedade civil, na época crn que o iíldivíduo s,: torn:i adulto já incorporou padrões socialmente accitívc:is para a realização da maioria de suas ativid<tdcs, de forma que o problema da correção de suas ações surge apenas em alguns pontos - por exemplo, quando se julga sua prociu-tividade. Além disso, pode manter o seu ritmo pessoaJGG_
(64) N::! socicd:1de civil, os crimes e 3Jgun1a-; oulrns formas de tra:is-grcs..são influem na maneira pci:l. qual o dc!inqi.icnte é rc(..ebi~o ~m todas 3s áreas da vida, rnas essa n:ptura de csíer1s 3.plica-~: princ1palme1to aos delinqüente~:. não ao grupo de poru!ação que não apresenta ~relin
qüência, ou que a apresenta mas não é apanhada .
(65) Uma ilprcsent;tção clara pod·'.! ser cncontr3.da em }{_ RAPOPORi:
e E. Sk:.ELLERN, Sorne Thcrapcutic Functiflns of Administrative
DisL1r-bance, Admini»trotire Science, li ( t 957), pp. 84-85.
(66) O período de tempo que um empregado trabcdha de ma-:i.e:ra
ind,.:pcndente, sem supervisão, pode ser considerado como urna medida de seu ordenado e de seu status numa organtzação. Ver ELUOT JAQUES, The
~Jcasu.rement o/ Responsibility: A Study oi iVork, Pa}'mf!n~. and Jndi1·i-dual Capacity, Cambridge, Harvard University Prc~s. 1956. E 2ssim tomo "amplitude de tcmro de responsab!lidadc" é um índice de posição, ta1 n-bém um longo período sem inspeção é um prêmio pela posição.
N:I·º· preci-;a e'1:1r con'>i<inlcrnt:11lc prt:ocupado com a pos-s1bil1dadt: de críticas ou ouir:1s sanções_ Além dis,o, muitas ações serão definidas como questôes de gosto pcsso:d. e, c,pccifica111cnlc. pude escolher <)entro de cc-rta ;:inp!i1~1de de poss1biJ1dades. Em milita., atividades, nãp é preci:'o consirar o julgamento e a ação da autoridade, e o i;1clivi.duo de-cidt: sozinho. Em t:iis condições, a pessoa pod·~, com pro-veito global. organiza: Sllas atividades para ajustá-Ias .,;ntrc si - um:t espécie de "economia pessoal de ação" que ocor-re, por t:xcmplo, qu:1ndo um individuo. atras;t a n.:frição por •ilgum mi1111tos para terminar um:1 tarefa •Ju abandona ·.1rn pouco mais cedo um 1rabalho a fim de encontrar
11m
am:gn para o janL1r. Numa instituição total, no entanto, os mcno-rl'S sé:gmcn!os da atividade de uma pC'ssoa podem estai· su-jeitos a n:gulamento'.> e julgamentos da cquip,: diretora; a vida do internado é cunstantcmcntc pen::trada pcJ;; in!crn-ção de 'anin!crn-ção vinda ele cima, sobretudo dtlídíl(L'. o pcriodoinicial de estada, antes de o internado aceitar os reguia-mentos sem pensar no assunto. Cada espc,:iiica.ção tir~< do indivíduo uma oportunidade para equilibrar suas nccessich-dcs e seus objetivos de maneira pcssoalm<~nte eficiente, e coloca suas ações
à
mercê de sanções. Violenta-se a auto nomia du ato.Embora este processo de- controle social atue cm quul-qucr sociedade org:rnizada, tendemos a csq11eccr até que ponto pode tornar-se minucioso e limi~ado;- numa institLli-•;ão total. A rotina d<~scrita para uma C<tdcia de jovens ddinq[icntcs apresent:i. um exemplo notável disso:
As cinco e t1inla d:i rrwnhã éramos :icorlkdos <: precisúv:1-mos sair d:<. cama. e ficar atentos. Qu:rndo e ·~uarda gri!:iva "Um", 11ós tirávamos o pij<ima; "Dciis", dobrávamos o
p:-jam~; nTrê!..i", ~irrumávamos a can1a. (Apcílas dois rninutcs
ua;a arrumar a cama, de r;;aneira difícil e complicada.) Du-ranle esse ternpo, três instrutores gritavam: "Depressa" e
"An-dem com isso"' Também nos vestíamos com números: camisas com ''.UM!", calças com "DOIS!", meias com ''TRf.51", s;;patos com "QUATRO'" Qualqner ruído como, por exemplo, derrnbar· urn sapato ou até esfrest.-lo no c!1ão seria suficiente para uma repreensão.
. . . Depois de descer, todos ficavam voltados para a parede, atentos, as mãos junto ils pernas, os polegares na•; ~osturas das-calças, cabeç?, erguida, ombros para irás, barriga encolhida, cal-canhares unidos, os olhos voltados para a frente, proibidos de se coçarem, de colocar as mãos no rosto ou na cabeça, ou de movimentar os dedos67 .
(67) HAsScER, op. cit., p. !55, citando Robert McCreery.
42
Uma cadeia p;1r:1 adultos
c!ú
outro exemplo:Os sistema de silêncio era obrigatório. Era proibido falar forn das ccl:1s nas refeições uu no trabalho.
Na cela eram proibidas "s figur;1s. Os olhares dur<1n!e as refeições eram proibidos. As casc;;s d..: p;ío só podiam ser dei-:·::adas no lado esquerdo Jo pr:,to. Os int~rnJdos er:1rn obrigados :: fic:1r cm posiçiio 'k :>cntido com o gorro n.1 miio, a:é que o Oficial, rj Vbilantç OU O guard:1 se ar;!S!:iSSCnJºº,
E num campo de conccn1r:1ç~co:
Nas banacas, os prisionl'iros a:!m dominado,; por impres-sões novl!s e confus;1s. O momento d·~ ;i;-rnrnar as camas l~ra
t,ma fonte especial para :1s m:·iJdadt'S dos SS. O:; colchiíe:; de palha disformes deviam fic:1r retos corno tiíbu:;s, o desenho dos lençóis devia ficar parafcio :l bcir;;d;t da cam:1, os tra<.'e,sciros
prccis:i.van: ser colocr1dO'.\ crn f1nguius retos. ( ... )G!J
( ... ) os SS 1nilizavam as menores ií1L-;1çôcs como oponnnid:i-dcs para castigos; ficar com as rll.::Í'JS nos bobos cm lug,ircs frios; Jevan1ar a gola do p:!lc!Ó n:1 z:lílll':t ou no_ vento; fait;; de botões; a menor marc:1 de sujeira 0:.1 mancha na roupa; sap:;lus mal cuid:1dus; ( ... ) sapato:> muito engr;ixaüos --- o q::e
i:1di-cav:i que o prisioneiro tinha dcscuiúado de outras obrig:1.çõe.;; o L:to de. n:-10 fazer a s:•t•daç:lo, a cil:1mad:1 "rostu,-.1 rcl:1xad-a .. ; ( ... ) o menor desvio n;i organí;'.açiio de coiun:1s e fiieira:;, ou coloca,·ão dos prísíopciros por ordc111 de· t:im:mho, ou q11:1iqucc ín•:linação, tosse ou espirro -- qualquer unP. dess:is coi-:a,; :.m-dcri:t prol'Oe<1r :1ma cxpíu>:io selvagem dos SS7°.
Entre os 111ilil;1rc, c11cun11·:1rn,)s um e\c1nplo d:1~: e:;pe-c1:ic·a<;1-h~s possíveis p:tr,1 a orga:1i;:a(;:ío elo cquiparnc1:to:
A tú:iíca d~vi:l \cr doi11·:Hla de l:li fornu que o cimo for-m:1sse uma beirada rd;i. Scbrc eh, ::s •:alça~, dobradas lk acor. do com a ü1ca exala d:', túnica. com quatro úob"as virad;o_s p:lí:! a frenk. As toa!h:is c:-am dob1-:idas uma, duas, três vezes, e colocadas nu prolelor azul. A rrcntc ckstc, um colete retal!gular, Em c2da latlo, uma flOlaina e!lrolada. As cami~as eram doóraGas
é colocadas aos pares, C<)íl10 ; :1blcks. Antes delas, os c•1lç&;:s.
Enlr·~ elas, bolas b•:m ic:i<as de meia~. Nossas mochil2s ficavam abertas, com faca, ga.rfc, colher, I!av<.!ha, pentc, escova de den-tes, escova para banho, botões -- nt:SS:i ordem.7 ; .
(ó8) GADD!S, T. E. B;,-d;;um of Alcatraz. Ncw Yor.'c, Ncw Ar:1eric~n Library, 1958, p. 25. Para nn:a regra semelhante de silêüóo numa prisão briLinica, V<:r FRM"I!: NORMAN, Rang to Rights, Lon<>res, Secker e
War-bur:;, 1958, p. 27.
(69) KOGON, op. cit., p. 63. (70) J/:Jid., pp. 99-100.
(7,1) LA\VRENCEJ op. cit., p. 83. A_ respeito, ver os comentários <le
rvr. BR..J:.WSTER SMTIH sobre o C,')ilCCito de "ga.Jhhas" [Chicken] em S.\MUEL STOUF'FER et aí .. The Americnn Soldier, Princeton, Princeton Un..iversity Pres;, J 949, V. !., p. 390.
Urna_ ex ~freira conta que precisou aprender a ficar· cem as mãos irnóvcis'<"2
e
escondidas, e a aceitar o fato deque .nos bolsos
só
podia ter seis objetos espccificados1:i. Um ex-doente mental fala da humilhação de receberum
pedaço limitado de papel higiên,ico a cada vez que osolicitava 71 • ·
Como já foi sugerido, uma das formas mais eficientes para perturbar a "economia" de ação de uma pessoa é a obrigação de pedir pcrmissão ou instrumentoS' para ativida-des S"ecundárias que
a
pessoa pode- executar sozinha no mundo externo, - por exemplo, fumar, barbear-se, ir ao banheiro, telefonar, gastar dinheiro, colocar cartas no cor-reio. Esrn obrigação não apen:1s coloca o indivíduo no papel submisso, '·não-natural" para um adulto, mas também permite que suas ações sofrnm interferências da equipe diretora. Em vez de ser atendido imediata e auto.;natica-mcntc, o internado poJe sofrer caçoadas, receber uma ne-gativa, ser longamente interrogado, ser ignorado, ou, sc-gumlo sugestão de antigo doente mental, esguecido:Provavelmente alguém que nunca tenha estado numa si-tuação semelhante de desamparo pode compreender a humiihn-ção de quem tem competência física para fazer algumn. coisa,
m;is não ;iutoridadc para isso, precisar pedir repetid<Jmente coisas muilo secund<!rias: roura limpa de cnm~1. fósforos para c;garro - ;1s enfermeiras qne constantemente ;ifastam o a'.;sunto dizendo "Vou :ilcnúê-lo num momento", e úcpvis se afasé:im sem alcn-der ao pedido. l'.Jesmo os funcionários ::la cantina pilreciam íer
;i opirri:lo de que a dciicadcza sr.ria um despcrJício com
luná-: icos, e f;1ziam com que 11111 p:icicnte esperasse: inJefinídamcnlc,
cnqu:1n(o b;i<iam papo com os amígus"·'·
Já sugcri que a autoridade nas instituições lotais se dirinc vara um Qr:rndc- número de itens de conduta - rou-pa,
"co;nportamc~nto,
nrnrieiras - que ocorrem comtarile-rncnle e qu:; constantemente devem o;er julgados. O inter-nado não ·pode fugir facilmente da pressão de julgamentos oficiais .e da rede envolvente de coerção. Uma instituição total assemelha-se a uma escola de bo<)s maneiras, m·as pouco refinada. Gostaria de comentar dois aspectos dessa tendência para multiplicação de regn1s ativamente impostas. Em primeiro lugar, tais regras são muitas vezes liga-das a um;1 obrigação de executar a ativid;,idc reguiada em uníssono com grupos de outros internados. É isso que ?is vezes se denomina arregimentação.(72) HULME, op. cil., p. 3.
(73) lbid., p. 39.
(74) WARD, op. cil., p, 23.
(75) JOHNSON e DoDos, op. ci1., p. 39.
44
Em segundo lugar, essas regras difusa5 ocorrem num -"sistema de ;1ut0ridadc: c.ruilunwla: c11wlq11cr pessoa da classe
dirigente tem alguns direitos par;< impor disciplina a qu_af~ quer pessoa da classe de internados, o que aumenta mt1-damente a possibilidade de sanção. (Esta disposição. pode--se notar, é scmcll1antc ú que, cm algumas pequenas_ ci_d:.i-dcs norte-americanas, Já a qualquer adulto alguns d1re1tos para corrigir qualquer criança que não esteja perto de seus p<tis, e ddas exigir pequrnos serviços.) No 1;1undo externo, o adulto de nossa sociedade gernlmente esta sob a auton-d<>d<.: de um único supcrior im~{liato, ligado a seu trabalh_o, ou sub a autoridadt: -do cônjuge, no caso dos deveres do-rnc~sticos; a única autoridade escalonada que precisa e~fre~ tar - a policia - g:::ralm~ntc n;\o está sempre ~u s1gnr~1-cativamentc pn:scntl', a não ser taivcz no caso da 1mpos1~·ao ' ô;;s leis- de trânsito.
Considerando-se a autoriJadc escalonad:i e os reguia-mentos difusos, novos e rigorosamente impostos, podemos esoerar que os internados, sobretudo os novos, vivam com angústia crônica quanto à Jcsobediênciit 'is regras e suas conseqliênci~1s - maus-trntos físicos ou morte num
C?f'.1?º
de concentração, "degradação" n:.1ma escola para ofr~1a1s, remoção para uma sala pior num :1ospital para doentes mentais:
No entanto. mesmo na :ip:trcnte liberdade e na amistosidade de uma enfrrmari:1 "aberta", ainda descubro um fundo de amea-ças que fazem com que 111c siQta como algo enire um prisio·1eir~ e um mendigo. O menor erro, desde um '..inloma nervoso
ª'''
uma ofensa ~cssoal a uma enfermcir:i, enfrentava a sugest.80 lk levar o tr;1nsgrcs,or p:1r;1 um:t cnfcrm:·.ri:t fcclnd:1. A idéi:i <kvoltar r<na a cnfcrn1l1ria ''f', se n~lo ~1ceif:Jssc () rncu alimerrto) passava diante de mrns olhos Uio consiantcrnenle que se lorno_11 uma obsessão, e até os :dimcnto,; que eu era capaz de: engollf me dcsan1'-!davam fisicamei1le, cnqu:;nto outros pacientes '.'.rarn
ob:igado~,
por medos~mdhante,
a fazer lr:ÍballhJS d<0sagrad.iv.2i1 ou desnecessários76 .Nas instituições totais, geralmente há '.lccessidade de esforço persistente e consciente p<ir<~ não enfrentar proble-mas. A fim de evitar possíveis incidentes, o rnternado pode renunciar <J certos níveis de sociab'lidadc com seus com· panheiros.
IV
Ao concluir esta descrição do processo de mortifica-ção, é preciso apresentar três problemas gerais.
(76) JoHNSON e Dooos, op. cil., p 36.
Em primeiro lugar, as instituições totais perturbam ou profanam exatamente as ações que na gociedade civil têm o papel de atestar, ao ator e aos que estão em sua presença, que tem certa autonomia no ~cu mundo -- que
é
uma pes-soa com decisões "adultas··, autonomia e liberdade de ação. A impossibilidade <lc manter esse tipo de competência exe-cutiva adulta, ou, pelo menos, os seus símbolos, pode pro-vocar no internado o horror de sentir-se radicalmente rebai-xado no sistema de gr<~duação de idade7;.Uma certa margem d:.o comportan1en!:o expressivo es--colhido pela pessoa - seja de antagonismo, afeição ou indiferença - é um símbolo de escolha pessoal. Esta prov~i da autonomia da pess-oa é en fraquecid::i por algumas obri-gações específicas - por exemplo, precisar cscrc•;er um:t carta semanal para a família, ou ser obrigado a não expri-mir mau humor.
t
ainda mais cnfraquccid~t qu~wdo essa ma:rgem de comportamento é usada como prova do estado psiqt1iátrico, religioso ou Je consciência política da pessoa. Algumas comodidades materiais- são provavelmente perdidas pcb pessoa ao entrar numa instituição total - por exemplo, uma cama macia78 ou o silêncio à noite79. A perd:i desse conjunto de cnmodidadcs tende a refletir tar\1bém uma perda de escolha pessoa!, pois o indivíduo procura consegui-las no momento cm que tem recursos para isso80.
A perda de decisão pessoal parece ter sido ritualizada nos campos de concentração; temos narrativas de atrocida-des onde se mostrn que os presos eram obrigados a rolar na l<Hna81, colocar a cabeça na neve, tu1bJlh:ir em s~rviços
nitidamente inúteis, sujar-se82 , ou, ro ciso de p:-esos judeus. entoar canções anti--sc:mitas8 '3. Uma versiio m<1is suav·;'. di~:so pode ser encontrnda cm hospitais parn doentes mcntJis, onde, segundo se diz. alguns auxiliarc> obrigam um
p;1-cicntc que deseja um cigarro a dizer 'por favor", ou a saltar para consegui-lo. Em todi)S esses casos, o internado deve apresentar
uma
renúncia à sua vontade. Menos ritua-lizada, mas igualmente extrema, é a pei"turbação da auto-nomia que decorre do fato de e,.tar fechado numa enfer-maria, estar c0locado numa bolsa molh:tda e apertad;1 ou amarrado num roupão, e assim não ter liberdade para pequenos movimentos de ajustamento.(77) Vor SYKES, op. cil .. pp. 73-76, "The Dcpcivot"on of Ailtonomy". (78) HuLME, op. cir., p. 18; ÜRWELT., op. cit., p. 521.
(79) H>SSLER, op. cil., p. 7S; JOHN;ON e Dooos, op. cit., p. 17. (80) Esw é uma fonte de morlificJção que o.s civis praticam contra si mesmos c!uranle férias de ca111pin.'.,', ta:vcz com .J St!pos:ç5o de que um novo scnlido do eu rode sei obtido rela renúncia voluntária a
algu-mas comodidades anteriores. (81) KoGON, op. cit .. p. 66. (82 1 Ibid., p. 61.
(83) Ibid., p. 78.
46
Ot1tra expressão clara de ineficiência pessoal nas insti-tuições totais pode ser cnwntrada no us-o da fala pelos internados. Urna suposição do emprego de palavras ·para transmitir decisõc,; a respçito da ação é que quem recebe uma ordem é visto como capaz de receber uma mensagem
e agir para complet;\r a sugestão ou :\ ordem. Ao éXCcutar
por si mesmo o ato, pode conservar cc1·to vestígio da noção de que tem liberdade. Ao responder a uma pergurita com suas palavras, pode conservar a noç;io de que é alguém '.l ser considerado, ainda que muito supl'.rf"ici"lmente. ;:: como entre ele e os o~i!ro:; só 1.nssam palavr::s, consegue m<i.ntcr pelo menos disti\nciJ física cem rebçii.o n eles, pc)r mais desagradável que seja a ordem mt a ;;firmação.
O internado numa instituição total pede vc-r que não tem sequer esse tipo de distflncia protetora e ação ;>esrna!. Sobre!udo nos hospitais parn doentes m~ntais e nas prisões para doutrinação poiítica. ~:s afirm:1çõcs que faz podem ser dcspr{'.Z1:-das como simpks sintom::s, e ~- equipe direl.orn pode prestar atenção aos <1spcctos nãr)-vcrbais de sua r~s · po~ta8r. !v!uitas vezes é cor:sidcrado como coiocado em posição Ião secundária qu:~ não reccb2 sequer pequenos cumprimentos, p<1ra não folar em atenção ao que diz85_ O internado pode também descobrir o c-;nprego de um tipo retórico de linguagem. Algumas perguntas -- por exemplo, '·Você jú tomou banho?" ou "Você col<Jcou as duas mt::las?" -- podem se;- acompanhacias pelo cxarne simultâneo que fisicarhcntc rc-wla os- tatos. o que tonia supérfluas as per-gunt;is. Er,1 vez de ouvir dizer que deve ir tJara certa dire-ção cm dctermi nado ritmo d:'. andar, ek pode ,e,· levado
pdos g;_:ardas-, ou puxado (nc ciso d•2 doentes menlais amarrados) ou :c'-·aJo aos trnmbolhêX·s. E, finalmente, como se ver',_ depois, o internado pode cicscubcir a e:<:.istên-cia de duas linguag-.cn<;, e que os fatos de:: rJiscipíina de SUé\ .vida silo traduzidos, pela equipe dirctc·r~', cm friiscs ideais
que ricicularizam o uso normal da linguagem.
A segunda consideração refere-se üs justificai ivac; para os ataques ao cu. O proolema tende a c0'.ocar as
institw-ç-ões lOtais e seus internados em três agrupamentos dis1in~os.
Nas instituições rcligios~.s são cxpliótamente re-co-nhecid~cs as conseqüências das dispo3ic_:ões ambientais para
n
el'.:Est.: é o sentido d:: vid·a contemplati,a, o sentido tle todas as regras secundári2.s, abstinências, obediências, penitências, hu-milhações e tr:ibalhos que constirucm a rotina de um mosteiro
(8-.1-> Vc: AL-P'1ED H . .')TANTOS' e MOR.RIS S. S·:f-IW\RTZ, :rJi.: .~1ental
Jiosp;:raf, 0!cw York, Ba:..!c 13001-\s, 1954. pp. 200, ·20J. 205-206.
(85) Par~ um exemfiln desse u·Zílamento de não-pessoa, ver JoKN-SON e Dt:!)DS, op. Cil., :1. 12.!.
con°ccmplativo: tudo isso. serve. para. nos lembrai· quem somes, e quem é Ócm. que podemos ficar doentes quando nos vemos, e podemos no,; voltar para Ele; que, no fim, descobriremos que Ele está em nús, cm nossas naturezas purificaá:1s que se
torna-ram o espelho de Sua extraordinátia bondade e de Seu infinito amor. ( ... )~"
Os int·~rnados, bem como os diretores, ativ;1mcnte bus-cam essas reduções do <::u ele forma que a mortificação seja complementada pela automortificação, as restrições pela re-núncia, as p::ncadas pela <1utoflagclação, a rnquisição pela ccnLssão. Como os estabelecimentos rc-ligiosos se interessam explicitamente pelo processo de mortificação, têm um valor
específico parn o estudioso.
Nos ·~:;rnpos de concentração e. cm menor extensão, nas prisões, algumas mortil'icaçõcs parecem :o:er org-anizaJa:; apenas ou principalmente pelo ~cu poder de mortificação. por exemplo, quand/) alguém urina num prisioneiro
-mas nesse caso o intern>H.lo não aceita e nem facilita a des-truição de set1 eu.
- Em muitas das OLnras instiluiçõcs tot:.1i<;, as mortifica-ções são oficialmente racionaliza:fas com outros fundamen-tos, ia is como, por exemplo, higiene (no caso do uso do banheiro), :csponsabi!idade pela vida (no caso de alimen-tdção forçada), capacidade de combate (no caso de regras do exército para a aparência pessoal), ··segurança" (no
caso de restriçôcs em regulamentos de: prisões).
No encanto, nas instituições totais dos trbs tipos, as várias jusi:ific:itivas para a mortificação do eu são muito freqlientemcn te simples racional!zaçõc3, Cíiadas por esfor-ços para coqtrolar a vida diária ::!e grande número de pes-soas em espaço rcst rito e com pouco gasto de: recursos. Além disso,- as mutilações do cu ocorrem nos três tipos, mesmo quando o internado está cooperando e a direção tem interesses ideais pelo seu bem-estar.
Dois prnb!crnas já foram considerados: o sentido de ineficiência pessoal do internado e a relação entre seus de-sejos e os interesses ideais do estabelecimento. A relação entre esses dois problemas é variável. As pessoas podei11 voluntariamente decidir entrar para uma in.'>tituição total e, a partir de então, podem lament~.r a perda da possi~ilidade de tomar decisões importantes. Em outros casos, prmc1pa!-mentc entre os religiosos, os internados podem partir de um desejo voluntário de perder a decisão _p-:!ssoal, e man_te_r esse desejo. As instituições totais são fatais para o eu e!V!l do internado, embora a lignção do internado com esse eu civil possa variar consideravelmente.
(86) MERTO>I, op. cit., r. 372.
48
-·
,
Os proce,sos de mortifica1ão que considerei· até a_qu . -:::~ "' referem às conscqliências, para o eu, q11c pessoas ôn~_n . · ~ :5; idas para determinado idioma cKpressivo
poderiar:~
, tira·-<li
;;_ aparência, da conduta e da situação geia! domdtv;1~9,_;
-!
;··Jcste contexto, desejo considerar um lcrcc<ro e último pro'· · ·': blcma: a relação entre esse csqucrna simbólico ele interação ... para a consideração do destino do cu e o esquema 79ny~p_"·'<:z~ ciona!, psicofisiológico, centralizado no conccllo de l_e,i- · e.~;Neste relatório, os fatos básicos a respcit,:i do cü ,cS't!f apresentados de acordo com wn;i perspectiva sociológica, e sempre levam de volta a um;; descriçãc das disposições institucionais que delineiam as prerrogativas pessoais de um •Jarticipantc. Evidentemente. ad1J1itc-se também uma
supo-~ição
psicológica; os processos cognitivos são inv<1i'Íavel-mcntc inclu!dos, pois as disposiçocs soci:üs precisam ser "lidas" pelo indivíduo e pelos outros, para que encont're a ma imagem ai suposui. No entanto, como j<i sustentei, a relação entre esses proCL'ssos cognitivos- e outros prnccssos psicológicos é muito v<iriável; segundo a linguagem exprês-siva e geral de nossa soci•2úadc, o fato de nossa cabeça ~cr raspadaé
facilmente percebido como uma mutilação fo cu, mas, se essa mortificação pode cnfur,~ccr um doentemental, pode agradar a um monge. _ .
A mortilicaç~ío ou mutilaç~o do cu tendem a 111du1r aguda tensão psicológica para o indivíduo, mas parn um indivíduo desiludido do mundo ou com sentimento de culpa, a mortificação pode provoc:1r alívio psicológico. Além dis-so, a tensão psicológica frcqlicntcmcnte criada por ataques ao eu pode L:irnbém ser provocada por questões não-per-cebidas como ligaclJs :tc•s territórios do cu -- por exemplo, perda do sono, aiimt~ntn insuficic_nt~, indecisão ,cr?nirn. Também um elevado nível de :rnguslla, ou J ausenc1a de materiais de fantasia -- por exemplo, fitas de cinema e livros - podem aumentar muito o efeito de uma violaç_ão das fronteiras do eu, rnas em si mesmas essas cond1çcx:s facilitador:ts nada têm a ver com a mortificação do cu. Portar.to, empiricarnenlc, o cstud•) da tensão e das invasõi:~ do cu estará muitas vezes ligado, m.is, anal1t1camentc, at existem dois csquenv.s diferentes.
V
Ao mesmo tempo em que o processo de mortifi:ação se desenvolve, o internado começa a rc:cP.ber instrução for-mal e informai a respeito do que aqui será denominado sis-tema de privilégios. Na medida em que a ligação do inter-nado com seu cu civil foi abalada pelos processos de
'
'
} pojamenlo da instituição, é em grande parte o sistema de privi!Çgios que dá Ll!11 esquema para"ª reorganização pes-soal. '~É possível mcncionu três elerr;entos bi!sicos do
sis-tema?
Em primeiro iugar, existem as "regras ela casa'', um conjunto relativamente explícito e formal de prescrições e proibições quG cxp&: as princip;1is exigências quanto à con-duta do intern;1do. Tais regras especificam a aüstcra rotina diária do internado. Os processos de admissão, que tir;:rn do novato os seus ;1poio-; «ntcriorc:;, podem ser vistos como a forma ck ;: instituição prepará-!o para comcç;1r a viver de acordo com as regras da casa.
Em segundo lugar, cm contraste com esse ambiente rígido, aprcscuta-sc um pequeno nC1mcro de prémios ou pi·i-vilégios clararnenk definidos, obtidos em troca de obediên-cia, ein ação e espírito, à equipe dirigcnt(:. f' importante ver que muitas dessas satisfações potenciais são p;irtc da corrente de apoio que, ar1tcs, .o internado ;1ccirnva éomo in-discutível. No mundo externo, por exemplo, o internado provavelmente pouia decidir, sem pensar muito
a
respeito, como descjav~. o seu café, se acenderia ou não um cigarro, quando falaria ou não; na instituiçiío, tais dirciios· podern tornar-se problemáticos. Apresentadas ao inicrnac!o como possibilidades, essas poucas reconquistas parecem tc1· um efeito reintegrador, pois restabelecem as relações -::om todo o mundo perdidoe
s"L;avizam os sintomas de afastamento com rdação a ele e com relação ao cu perdido pelo indi-víduo. Principalmenle no início, a atenção do ir.tcrn1;do passa a fixar-~c nesses recursos e a ficar obse::ida por eics. Pc;de passar o dia, como um faná:ico .. cm pensamentos c·0i:-c.cntrndos n respeitod<.
possibilidaded<.:
conseguir :a;s satisfações. ou n:t contcmpl:ição da hora cm que devem sn distribuídas. A descrição que.: Mclviilc: apresenta da vida n.1 marinha dá um exemplo típito disso:N<J. marinha norte-americana, v. lei permite uin oitavo d~ lltro [um gil!] de bebid1 alccólica a c1da marinheiro. Em duas porções, é servida antes cio café clê. manhã e ante-: do j3nlar. Ao t<.;que do tambor, os marinheiros se reúnem em torno de. um grande barril cheio com o líquido; e, à medida que seu:,· nomes são chamados por um aspirante, levantam-se e recebem a bebida numa pequena vasilha de lata denominada "tol .. ("go-le"). Até mesmo alguém que leva urna vida suntuos;; ao
recebe:-º
tócai [vinho licoroso da Hungria] de um aparJcior luxuoso não lamberia os lábios com maior satisfação do que o ma ri. nheiro diante de seu "gole". Na vercladc, para muitos deles, e pensamento de seus goles diários constitui uma perspectiva per-pét11a de paisagens fascinantes, mas que se 11fos!arn cada vn50
m:tis. Esse -~ seu grande ''prospecto n<t vid:i". Sem 11 bebiJ:1, a
vida
/t
não apresenta encantos para clcs'7.N:t marinhii, um dos castigos mais coml!ns p11ra erros mi•ito triviais é "proibir"' um marinheiro de receber a bebida por um di« ou uma semana. E corno a maioria Jú muito valor ao "gole", sua perda é geralmente considerada como grave cas1igo. Às ve-:zes podemos ouvi-los dizer: prefiro que o ·.;cnto pare a perder
meu goic0 B.
A construção de um rnt:ndo cm. torno desses privil~ aios secw1Júrios é Lii··1cz o aspecto mais impo1·tante da
cul-~u1a dos internados., embora seja algo que dificilmente um estranhe pode apreci~:-, mc,,1110 :iuc anlcs- tenha vivido essa
cxpcriênci~ .. Às vez.;3, esse interesse por privilégios leva os internados 'l uma divisi.ío generosa; quase ~emprt! conduz
;;o desejo de pedir algumas coisas ---- por exemplo, cigar-ros, baias e jornais. Com!_:>rc,.:nue-sc que a conversa dos i1terna<los muitas vezes se centraliza numa ".I antasia de J<ber!ação", isto é, u:na descrição do que a pessoa _f~rá c!Ltr<:tntc uma liccnç<, cu quando for desligado da rnst1tu1çao. Essa fantasia se liga ao scntimcrno de que os civis n;ÍLl com-prccndcn' como su;l \ida é marnvi!hosa8~. . . , . . ,
O terceiro elemento no :;1stcma de pr:vileg10 esca ligado nos castigos; z:s\cs são l',cfinidos como comcqü~ncia~ de desobediência iis rc.gr:is. Um conjunto de ta1,; cast:gos e formado t)Cia re:::is;, lcnipm1íria ou pcrn:ancc~te de priviié-gios ou
Pela
climin.1çfo cio d:rci~o ele trntar consc_gu!-l_:-1s. De modo ge1·al. o'; ::a<;tigos enirentadc:; n:ls 1r1s! 1tuF,:oc.<i totais são mais severo,. do yuc qualquer c0i~a jií e11contrada pelo internado cm Sl'ª vida fora da instituição:D;
qu<1iqu~r l'r);·rna, as C)ndiçõcs cm que algt,ns potKOS p; tv1icg1os f;ic11-men1.e controlados s~to tJ.o impoJt<:ntcs siio as 111crn1:is qv~ / azcrn com que .;cp ti;o terrível 0 seu afas"c<1rncnto.Devemos notar a1,g:1ns aspectos cspcd:"icos do si·;tema
ele privilégio. . . . , . _ ,
Em primeiro lugar, os castigos e pnv1kg:os sao r.1coos de organ::c11câo peculiares às instituiçõe> 1.0ta1s. Qudqu·::r que s.:-ja ,.._ s~a. severidade, os castigcs são cm grrinde parte conhecidos, no mund•J externo do internado, como <ilgo aplicado a ani;-Ilais e ;:;rianças; esse :nodelo :::omport~n:,cn·· tista e de condicionamento nãc é mvtto apl1c1do a :10u1tos, pois, geralmente, o fat0 de não Ll8.ntcr os pajrõcs e.>cigidos
(87) Mc1.vrr.LE, op. cil .. pp. 62-63.
(88) /{;id_, f). l40. f~ara exemplos d:i ·nesmo plO\~CSSO Cnl C;1íl~_i)OS. de prisioneiros de guerra. ver EDGAR H. SCI!OK" > The ChUlCSC Indo-:tI l!Jat1on Pr0gram íor Prisiconers of \Var, Psrcliiatn•. XIX (i9S6). pp. !60-(l.
(89) f: inte1"Cssantc no~ar que às vc::cs existe um;i "~olia" cn_r:.espon-dcntc anlcrior à adm:ssãn, durante a qual o futuro noviço part1c1pa de
;itividadcs que, segundo :-;ah~, logo depois não est<irJo ao seu alc:«nc~.
P:trct cxcmrh ~!ltcressante a re5pcito dC'- f-c11 as, ver HULME, op. c1
t P.
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k\ a a conv~qüências dcsvantajo:;a,; indiretas, e não :1 qual-quer c:.istign imediato-~ c•:pecífico"º E, dc·.c-"-' ,,c.;ntu'''" os pnvilégios na instituiçãu total não :;ão iguais a prerrogati-vas, favores ou valores, mas apcn:1s a ausênci'a de priva-ções que comumentc a pessoa não espera sofrer. As noções de castigos e privilégios não são retiradas do padrão da
vida civil.
Em segundo lugar, o problema da liba<fode futura se inclui no sistema de privilégio. Alg11ns atos- passam a ser conhecidos como um aumento, ou não-redução, do período de estada, enquanto outros se tornam conhecidos como meios para reduzir a sentença_
Em l<:rcciro lugar, os castigos e priviíégios passam a ligar-se a um sistema de trabalhe interno. Os locais d·c tra-b;1lho e os locais de dormir se tornam chramentc dd;n!d1)S como locais onde há certos tipos e níveis de privilégio, e os internados são freqüente e visivelmente levados de um local para outro, corno um recurso administrativo para du o castigo ou o prêmio justificados por sua cooç,eração. Os internos são mudados, não o sistema. Por isso, podemos esperar cert;t especialização esp~_ciai; uma enfermaria ou uma barraca adquirem a reputação de local de castigo para internados muito teimosos, enquanto alguns postos-de guar-da se tornam reconhecidos como castigo para os fun--cionárics.
O sistema de privilégios é forni:.ido por número rchtr-varnr~ntc pequeno de cornponcntcs. reunidos com algum;i intenção racional e claramen•e apn:scntados aos participan-tes. A conseqüência geral é que ;;e consegue a cooperação de pessoas que muitas vezes têm r::izão parn não coopcra;91
. Um cxcmpio desse univer·so-moclc;o pode ser obtido em es-tudo recente de um hospital estadual para doo:ntes mentais: A. m1toridacíc do auxiliar para '.l utilização de seu sistema
de controle csiá assegurada· por poder positivo e negativo. E:;tc poder é um elemento ess~ncial de s-~u controle da enfermaria. Pode dar privilégios 20 paciente, e pode castigá-lo. Os privilé-gios consistem em ler o melhor serviço, rnelhores quartDs e camas, alguns luxos secundários (µor excmp!o, café na
enfer-(90) Ver S. F. NADEL, Sccioi Conlrol ond Sclf-Reguiation, Social Forces, XXXI (1953), PP- 265-7.1.
-(91) Corno rcslrição n isso, já se sus-t,,2ntou que, cm alguns casos, esse sistema não é muito efidcnte. e nem muito.- utiliz:1do. Em zilgumas prisões, os prêm:vs que podem ser obtidos s~\o dJ..dos na '2ntrada. e apa-renlcmentc há pouca possibilidade de meJ:r1oria oficial de rosição - a única mudança pos:dvel consiste na perda de privilégio (SYKES, op. cit.,
pp. 51-52). Já se argumentou, t?,mbé·rn, qut.: 5:::; um im.ernado for
sufiden-tcrnente despojado, em vez de ::<.p·:gar-sc ~10 Cfde resta, pode ver pouca diferença entre is::;o e expropriação comp!et-:i, deixando 2.Ss·m de estar su-jeito ao :poder da equipe diri~t·nte para mo'civá-!o para obediênci~,
pr.ind·-paJmente quando a desobediência pode significar prestígio aos olhos dns outros internados (ibid.).
52
·~·
m;1ria), um pouco m;:is de inti1ni<Llde <lo que o racicnk
m<'<li~,
->: .. ,
a possibilidade de salf~ª- e~ftrmaria
sem super;'.são,1c'.
.ma1~-.-·.1---.
acesso que o paciente mcd10 a companhia do auxiliar oo (Jé pe~- _soai especializado (por exemplo, médicos), e gozar algur11as c01- __ sas intangíveis, mas vitais - por exemplo, ser tratado com_ re~·>.:c' peilo e delicadeza pessoal. . . _ _ . ~ -.-: Os castigos que podem ser aplicados pe10 auxiliar da .en- __ krmaria são: suspensão de tudos os privilégios, maus tra~os
-.-J
usicológicos - por exemplo, ridicularizaçfo, c::içoadas, castigo .;.,f!
J físico leve e , às vezes severo, ou <rn1caça e ta ;;asugo, d 1 ' ' h re~·-. ar o oacien!e num quarto isolado, negação ou deformação <!.1 aCe$SO
~o pessoal médico, ameaçar colocar ou efetiv2mente colocar o paciente na lista da terapia de eldrochoque, transfe;ência para enfermaria:; indesejáveis, indicação do paciente para tarefas dr.sa-gradáveis, entre as quais o serviço de lirnpeza9
~-Um paralelo a isso pode ser encontrado na> prisõ~s britànic2.s, cm aue se emprega o "sistema de <;Uatro esta-dios" com aumento, cm caéa estádio, de pagamento por trabalho, período de '\:·onfraternização" com outros p~esos, possibilidade de ler jornais, aL<ncntação em grupo, penodos de recreação93
• _
Ao sistema de privilégios estão associados alguns pro-cessos importantes na vida das instituições t?ta1s.
Cria-se uma "gíria institucional", atrav~s. da qual os in tcrnados descrevem os acontecimentos d_cc1:1v?s em seu mundo :.specífiC<l. A equipe dírigen ~e, piinc1pa1mentc em seus níveis inferiores, conhece tambem essa lmguagcmi" e pode usá-la 10 faíar com os intcrnad~s, embora pa~~ a
·:n-ruagcm mais padrornzada quaitdo tala com super.ores _e
~stranhos. Juntamente com urna gíria, os rntcrnad,o~ adqui-rem conhecimento dos vários postos e wnc1onanos, um
conjunto de "lendas" 5obre c esrabelecimento, bem corno certa informação comparativa sobre a vida em outras
in~-".ituiçõcs letais semelhantes. . ,
Além d!sso, a equipe dirigente e
º'
internados tem clara consciência do que, nos hospitais parJ doent~;· rn:.::n-tais, nas prisões e nos ac:amparnentosS:
e_nten?epor
m:t::--sc numa embrulhada". A embrulhaaamc!u.1
um proce0so complexo de participar de advida~es proibidas (entre _ast t d f·•ga) ser
atJa-quais às vezes se incluem as ten a 1vas e '-' ~ , .
0 _
l·hado em falia receber 1 algc• semelhante "- c"st1bo con-~
' - ( t i pF'Vl
pleto. Usualmente existe uma a!teraçao no .s a us \~, . '
_-•~gio cateaorizado par uma frase que eqmvale ~
_,z,,ra._-,..,
'
º
b 'h d -o- bng· ,bebt--sc" _ As infrações típicas na em rui a a sa - _,, e- 1·oo--; insu-Ja, tentativa de suicídio, frac:isso nos exam ~, " '
(92) BELKNAr, OP- cii., P- 164. 99-!0J.
(93) Por exemrlo, Dr;NDR!CKSON e THOM", oP- cit.,
PP-
53--1'--
-.
'-_,...
bord.ipação. homo-;scxu:ilidadc.
liccnç~
não-aulorizada, par-lic1p;fção em revoltas cok11vas. Embqbt 1ais infrilçõcs sejam gt.!rafmcnte alribuídas a COrrUpção, maldade Oll "doenç<t", na rêalic!:tde com;titucm um vocabulário de ações inslitu- · cionalizadas, mas um vocabulário limit;c1do,de
tal forma que a mesma emlJrulhada pode ocorrer por diferentes razões. Por exemplo, os internados e a equipe dirigente podem ;admitir tacitamente que dclcrminacJa embrulhada é um forma de os internados mostrnrcm ressentimento diante de •1111a situar;ão considerada como injusta nos tcrr.1os dos acordos idormais c1;tre inlernados e equirc dirigcnte9-t,
ou uma forma ele adi~r a saída sem precisar admitir, diante dos outros internados, que a pe~soa realmente não deseja sair. Qualquer que ,;cja o senti<.b atribuído a elas, as em-brulhadas 1êm algun1as funções sociais importantes para a instituição. Tendem a limitar a cigidcz que ocorreria se a antigliidade (o:;!'e a C11ii(a forma de nobreza no sistema de privilégio; além disse:, o rcb~1ixamcnto; por causa das em-brulhadas, coloca cn1 contato os internados mais antigos com os mais novo';, colucados cm posições sem privilégio, ao sistema e às pessoas que ilÍ estão colocadas.Nas instituiçôr~s lotais há também um sistema que poderia ser· denominado ajustamentos secundários, isto é, prfüicas que não clc~:tl"iam diretarnc:.·nrc a equipe tfüigentc, nrns que permitem qué os i111crn:tdos consigam \;lli:,façõe:; proibicJas ou obtcnh:;;n, por meios proibidos, as s:iti:;fações permitidas. Tais prií.tic<is :·cccbcm vúrios nom,,:s: "os ângu-los", "saber qL.e apítu tocar'', "conivências'', "tr'ltos". Tais aJ;iptaçõcs ap<1rcntcmcnte atingem seu rlorescim.cnto com-pleto nas prisões, 1111s. cviclcntcmentc, outras instituições totais também as pmsticm~·;_ 0.-; ajustamento~ secundários dão áO internado 11111:1 prn\'a cvicknte de que
é
ainda um homem autônomo, com certo con:.role de seu ambie11lc; às vezes, urn ajustamcJ<to secundúr!o se torna qw!se uma forma de :ibrigo paía o eu, um« churinga, em que a aima parece estar vfojacla96A partir da preoença de ajustamentos secundários, µo-demos predizer que o grupo de internados criou algun1 tipo de código e algum meios de controle social informal
para-(94) Paoa bibliogr3fi.J, \.'~F lvtoRn~s G. CALDWELL, Group Dynam_ics
in the Prison Con1munity, ./;mrnal o{ Crimi;1al Law, Cri111i11ology and Po-lice Science, XLV[ (1956). p. 656.
(95) Por exemplo. ver NOR.'.f.\N S. HcYNER e E1.us AsH, The Pri-so;-1er Community as a Soci~d Group, _,f.·ne.rican Socio/c,gical Rei·i·:w, IV
( 1939), p. 364 >:3 ~-'i., sobre· prOCCSSOS de ''conivência"; VCf também C,,LD-1\Tl.L, op. ôr., pfl. 650-5 L
_ . (96} Vef, por exemplo, a extensa de:;.crição de l\-fe\-,'ii!e sobre a luta de s-eus companheiros nn rn:ni11ha pare. imj)C<!fr o ·.:orte de suas barbas·, embora o cone fosse obrigo.:ório pelo rcgulc__m~nto da marinha. !V1EL1llLU:, op. cit., pp. 3)3-47.
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.im~dir que um internado informe a l"4uipc clirigenk quanto aos ajuo~amcntos sc:cunJúrios ck oulro. À partir da
~1esnia base, podemos esperar que um;1 dimcn';ão Jc tipo-iogi:i. social entre os internado>: seja esse problema de segu-rança, o que leva a definir as pcsso;is como "dedo duro", "ratos", de um lado, e '·bo<ls praças" de outrc'.!7
. Quando os novos internados podem desempenhar um papel no sis-tema de: ajustame;1tos secumlários -- ror exemplo, consti-tuir membros novos de uma facciio, ou novos objetos sexuais -- suas "boas-vindas" podém ser re;J!rnente umc< seqüência de conccssôcs inicíais, e não de priv;1çôcs cxa-gerad;:sca. Dados os ajust;imentos secundários, podemos en-ccilf :·:ir !<lmbém ",~s!ratos de- cozinha'·, um tipo
ue
estrati-ficaçi.ío rudimcnta:, cm gra~dc parte informa!, de interna-dos, com base cm ;\cesso di!'c;-cnci:tl a bens ilíci;o~; dispn·· níveis; também aqili, encontramos wn'L ·,ipologi,1 social par:;clesi;~r,ar as pessoas po<.lcrosr,s no sistema de mercado in-fonnaJ!l!i.
Se o sistema de privilégios pmecc dar <J principal esqut:rn:i t:entro do qual o:::orre a reorga11i:rnçiio do cu, exis-tem outI"os falorcs que geralmente k1·:1r11, por ouUo:;
cami-nhos, ií ;w~sm:.i direç~ío gcr:il. O alivio <ie rc,pons:ibilitlacks cconô111ic; s e soci;1is -- su;ic;·c~:tirn~H.lo como p:-irtc ela tera-pia nos héispitais para cloc~tcs mcnl:.lis ·- é um dcks. em-bora c11 muito·; caSilS, ap:;rcntc'.rncnre, o el'cito c!c:sorgani-zador dcs:;a rnmatór!a seia mais sir;nif:cativo do que seu ckilo organiz,:dcr. ~-L1is ;mportan!r::. co;110 uma i11f111ência
rcc!1·ganiz~doía, { nrocesso' de confratnni:Lação, <1:rnv(·s do qual: pes:;o.1s soei i1;,1rntc distai1tes dcsc:11'olvcm apoio mútuo e ícs1s1ênc1a a urn oistcrna que as f<xço11 ~i int1rn1dadc 1;u111a
Cinica co1rninich1d,: i;~ualitúri~; de destino'º". O rcc2m<1dmi1ido frcqüeiJU:mcnte D~t'~tc de <iigo scrne\fiaqt,~ às co:1cci:-çõcs
errad<~'.; e poputa':cs da equipe dirigente c._uanló