1
A ´
Algebra do corpo dos n´
umeros complexos
1.1
Preliminares
Suponhamos fixado no plano um sistema retangular de coordenadas. Como usual, designare-mos os pontos do planos pelas letras α, β, γ, . . . , e a nota¸c˜ao (a, b) indicar´a o ponto de abscissa
a e ordenada b e, portanto, anoataremos α = (a, b). Fixados oa pontos α = (a, b) e β = (c, d),
chamaremos soma destes pontos o ponto cuja abscissa e ordenada s˜ao dadas, respectivamente, por a + c e b + d, isto ´e,
(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d).
Chamaremos produto dos pontos α = (a, b) e β = (c, d) o ponto de abscissa ac− bd e ordenada
ad + bc, ou seja,
(a, b)(c, d) = (ac− bd, ad + bc).
Desta forma, temos definido duas opera¸c˜oes alg´ebricas sobre o conjunto de todos os pontos do plano, quais sejam, a soma(adi¸c˜ao) e o produto acima. Nosso objetivo inicial ´e mostrar que estas opera¸c˜oes satisfazem as mesmas propriedades satisfeitas pela soma e produto emR e Q, quais sejam:
A) Propriedades da Adi¸c˜ao A.1) Comutatividade ´
E simples ver que (a, b) + (c, d) = (c, d) + (a, b)∀ a, b, c, d ∈ R A.2) Associatividade
N˜ao h´a problema tamb´em em verificar que (a, b) + [(c, d) + (e, f )] = [(a, b) + (c, d)] + (e, f )∀ a, b, c, d, e, f ∈ R
A.3) Existˆencia do elemento neutro
Note que (a, b) + (0, 0) = (0, 0) + (a, b) = (a, b)∀ a, b ∈ R e al´em disso (0, 0) ´e o ´unico ponto que satisfaz tal propriedade. Como usual anotaremos 0 = (0, 0).
A.4) Existˆencia do sim´etrico
Para cada ponto (a, b) existe um ´unico ponto (−a, −b) tal que (a, b) + (−a, −b) = 0 e, da´ı,
−(a, b) = (−a, −b).
P) Propriedades do Produto P.1) Comutativa
Tal como acima ´e simples verificar que (a, b)(c, d) = (c, d)(a, b)∀ a, b, c, d ∈ R. P.2) Associatividade
Dados pontos (a, b), (c, d) e (e, f ) no plano teremos
e
(a, b)[(c, d)(e, f )] = (a, b)(ce− df, cf + de) = (ace − adf − bcf − bde, acf + ade + bce − bdf) o que prova a associatividade do produto.
P.3) Existˆencia do elemento neutro
Basta observar que (a, b)(1, 0) = (1, 0)(a, b) = (a, b)∀ a, b ∈ R e al´em disso (1, 0) ´e o ´unico ponto que satisfaz tal propriedade. Como sempre anotaremos 1 = (1, 0).
P.4) Existˆencia do inverso
Consideremos β = (c, d)̸= 0 e notemos que (c, d) ( c c2+ d2, −d c2+ d2 ) = (1, 0) = 1. Logo, (c, d)−1 =(c2+dc 2,c2−d+d2 ) .
Temos, ainda, a propriedade que relaciona as duas opera¸c˜oes acima, qual seja a distributi-vidae.
D) Dados pontos (a, b), (c, d) e (e, f ) no plano teremos
[(a, b) + (c, d)](e, f ) = (a + c, b + d)(e, f ) = (ae + ce− bf − df, af + cf + be + de) e
(a, b)(e, f )+(c, d)(e, f ) = (ae−bf, af +be)+(ce−df, cd+de) = (ae−bf +ce−df, af +be+cf +de o que prova a distributividade, isto ´e, quaiquer que sejam α, β e γ no plano teremos
[α + β]γ = αγ + βγ .
Ressaltamos que dado um ponto α no plano, −α e α−1 representam, respectivamente, o sim´etrico e o inverso de α dados em A.4 e P.4 acima, isto ´e, −α ´e o ponto que somado com α produz o elemento neutro da adi¸c˜ao e α−1 ´e o ponto cujo produto com α resulta no elemento neutro do produto. Aproveitamos para introduzir as nota¸c˜oes α− β e αβ. Sendo α e β pontos arbitr´arios no plano o ponto α + (−β) ser´a indicado por α − β. Sendo β ̸= 0 o ponto αβ−1 ser´a indicado por αβ.
Defini¸c˜ao 1 Chamaremos corpo dos n´umeros complexos o conjunto R2 munido das opera¸coes
de soma e produto definidas acima. Tal corpo ser´a indicado por C e cada elemento deste corpo ser´a dito um n´umero complexo.
Teorema 2 Sejam α, β e γ n´umeros complexos com α̸= 0. Ent˜ao, a equa¸c˜ao
αX + β = γ possui uma ´unica solu¸c˜ao em C.
Prova. Suponhamos x1 e x2 solu¸c˜oes da equa¸c˜ao proposta. Ent˜ao, teremos
αx1+ β = αx2+ β ⇒ α(x1− x2) = 0⇒ x1− x2 = 0⇒ x1 = x2.
X + 1 = 0
possui exatamente duas solu¸c˜oes em C.
Prova. Busquemos X = (a, b) um ponto que seja solu¸c˜ao da equa¸c˜ao proposta. Temos que
X2 = (a, b)(a, b) = (a2− b2, 2ab) e, portanto,
X2 + 1 = (a2− b2, 2ab) + (1, 0) = (a2− b2+ 1, 2ab)
e para que a equa¸c˜ao seja satisfeita devemos ter a2−b2+1 = 0 e 2ab = 0 o que s´o ser´a satisfeito
se a = 0 e b = 1 ou a = 0 e b = −1 o que nos fornece as duas solu¸c˜oes da equa¸c˜ao, quais sejam (0, 1) e (0,−1).
Observa¸c˜ao 4 Salientamos que, doravante, o conjunto universo que trabalharesmos ser´a o conjunto C, isto ´e, quando nada for dito estaremos sempre trabalhando no conjunto dos n´umeros complexos.
1.2
A inclus˜
ao de
R em C
Consideremos o conjunto K = {(a, 0), a ∈ R} ⊂ C. ´E simples ver que as opera¸c˜oes de soma e produto definidas em C induzem opera¸c˜oes de soma e produto em K, j´a que,
(a, 0) + (b, 0) = (a + b, 0) e (a, 0)(b, 0) = (ab, 0).
. Temos ainda que, em K, estas opera¸c˜oes satisfazem as propriedades apresentadas na se¸c˜ao anterior, isto ´e, soma ´e comutativa, associativa, possui elemento neutro e sim´etrico (em K) e a multiplica¸c˜ao tamb´em ´e comutativa, associativa, possui elemento neutro e todo elemento n˜ao-nulo possui inverso. Como emC vale ainda a distributividade, o que faz de K um subcorpo deC. Vejamos que tal subcorpo, a menos de representa¸c˜ao, ´e o corpo dos n´umeros reais. Para tando, definimos a fun¸c˜ao f :R → K por
f (a) = (a, 0)∀ a ∈ R.
Podemos verificar, facilmente, que a fun¸c˜ao f ´e bijetora e satisfaz
f (a + b) = f (a) + f (b) e f (ab) = f (a)f (b),
isto ´e, f ´e um isomorfismo entre os corposR e K, o que nos diz que, em se tratando de estrutura alg´ebrica, a ´unica diferen¸ca entre R e K ´e a forma como representamos seus elementos, o que nos permite escrever
R = K ⊂ C.
Bem entendido, ao anotarmos, por exemplo, π ∈ C, temos em mente o n´umero complexo (π, 0)∈ C. Tal como enfatizado ao definirmos a fun¸c˜ao f acima, temos que,
1.3
A unidade imagin´
aria i
Introduziremos, agora, uma forma de representarmos um n´umero complexo que nos permitir´a trabalhar as opera¸c˜oes de soma e multiplica¸c˜ao de maneira mais natural e fugirmos da ambi-guidade que pode surgir quando pensamos em um n´umero complexo como um par ordenado. Comecemos indicando o n´umero complexo (0, 1) pela chamada unidade imagin´aria, anotada por i, isto ´e, doravante escreveremos
(0, 1) = i.
Ao introduzirmos tal representa¸c˜ao e usando a se¸c˜ao anterior temos
i.i = (0, 1)(0, 1) = (−1, 0) = −1
ou ainda
i2 =−1.
Fa¸camos, agora, o produto de um n´umero real b por i. Vejamos
bi = (b, 0)(0, 1) = (0, b).
Obtemos, assim, a nossa representa¸c˜ao desejada, qual seja,
(a, b) = (a, 0) + (0, b) = a + bi.(Representa¸c˜ao alg´ebrica de um n´umero complexo) `
E simples ver que, usando tal representa¸c˜ao, a soma e multiplica¸c˜ao de dois n´umeros complexos podem ser feitas simplesmente usando a distributividade, por exemplo,
(3 + 2i)(4− i) = 12 − 3i + 8i − 2i.i = 14 − 5i.
Observa¸c˜ao 5 Dado o n´umero complexo z = (a, b) = a + bi, os n´umeros reais a e b ser˜ao ditos, respectivamente, parte real e parte imagin´aria de z e ser˜ao anotados por
ℜ(z) = a e ℑ(z) = b.
Se ℜ(z) = 0, z ser´a dito um imagin´ario puro e, como salientamos acima, se ℑ(z) = 0, z ser´a considerado um n´umeo real. Sendo z um n´umero complexo e n ∈ N, anotamos zn = zzz . . . z(nvezes). Se n ´e um n´umero inteiro negativo, anotamos zn = 1
z−n. Consideramos, ainda, sendo z ̸= 0, z0 = 1.
1.4
Conjugado e m´
odulo de um n´
umero complexo
Defini¸c˜ao 6 Sendo z = a + bi um n´umero complexo, definimos o m´odulo de z, denotado por |z|, como
|z| =√a2+ b2.
Definimos, ainda, o conjugado de z, denotado por z, como z = a− bi.
Exemplo 7 (a) Determine |3 − 5i|
(b) Determine (1−1 2i)
Teorema 9 Sendo z, w n´umeros complexos, teremos: (a) z± w = z ± w, zw = z w, (z w) = z w, |z| = |z| (b) ℜ(z) ≤ |ℜ(z)| ≤ |z|, ℑ(z) ≤ |ℑ(z)| ≤ |z|, ℜ(z) = z+z2 e ℑ(z) = z−z2i (c) |z| =√zz ou zz =|z|2 (d) |zw| = |z||w| (e) |wz| = |w||z|, w ̸= 0 (f ) |z + w| ≤ |z| + |w| (g) ||z| − |w|| ≤ |z − w|. Prova.
Os itens (a), (b) e (c) ser˜ao deixados como exerc´ıcios.
(d) (Prova sem fazer uso do conjugado!) Sejam z = a + bi e w = c + di. Temos
|zw|2 =|(a + bi)(c + di)|2 =|(ac − bd) + (ad + bc)i|2 = (ac− bd)2+ (ad + bc)2 =
= a2c2− 2abcd + b2d2+ a2d2+ 2abcd + b2c2 = a2c2+ b2d2+ a2d2+ b2c2 =
a2(c2+ d2) + b2(c2+ d2) = (a2+ b2)(c2+ d2) =|z|2|w|2. Portanto,
|zw| = |z||w|.
(Prova usando item anterior) |zw|2 = zwzw = z zww =|z|2|w|2 e o resultado segue. (e) Fa¸camos z w = z′ e, da´ı, temos z = wz′ ⇒ |z| = |wz′| = |w||z′| ⇒ |z′| = |w||z| ⇒ |wz| = |w||z|. (f) |z + w|2 = (z + w)(z + w) = (z + w)(z + w) = zz + zw + wz + ww = =|z|2+ zw + zw +|w|2 =|z|2+ 2ℜ(zw)+|w|2 ≤ |z|2+ 2|z||w|+|w|2 = (|z|+|w|)2, seguindo da´ı o resultado.
(g) A desigualdade ´e equivalente a mostrar que|z| − |w| ≤ |z − w| e −(|z| − |w|) ≤ |z − w|. Note que
|z| = |z − w + w| ≤ |z − w| + |w| ⇒ |z| − |w| ≤ |z − w|.
Permutando z e w teremos a segunda desigualdade e o resultado est´a provado.
1.5
Exerc´ıcios
1) Colocar na forma a + bi os seguintes n´umeros complexos. (a) 1i (b) 1+2i3−i (c) i3−ii202−i+i517
2) Para cada n∈ Z determine in.
3) Sendo a, b, c, d n´umeros naturais, determine as condi¸c˜oes para que o n´umero
a + bi c + di
seja:
(a) imagin´ario puro (b) real
4) Para quais n´umeros complexos z, temos z =−2zi? Justifique!
5) Para quais n´umeros complexos z, temos zz + (z− z) = 13 + 6i? Justifique! 6) Para quais n´umeros complexos z, temos z3 = z? Justifique!
7) Para quais n´umeros complexos z, temos z2 = i? Justifique!
8) Determine:
(a) ℜ(−i(2 − 3i)2) (b) ℑ((1−i√3)2
−2+i )
9) Mostre que, para quaisquer n´umeros reais z, w, temos
|z + w|2
+|z − w|2 = 2|z|2+|w|2.
10) Mostre que para qualquer n´umero complexo z, temos (a) ℑ(iz) = ℜ(z). (b) |ℜ(z)| + |ℑ(z)| ≤√2|z|
11) Mostre que para qualquer n´umero complexo z ̸= 1 e n n´umero natural temos 1 + z + z2+ z3+ . . . + zn = 1− z
n+1
1− z .
12) Sejam z1, z2, z3 n´umeros complexos tais que |z2| ̸= |z3|. Mostre que
| z1
z2+ z3
| ≤ |z1|
||z2| − |z3||
.
13) Mostre que o produto de dois n´umeros complexos ´e igual a 0(zero) se, e somente se, pelo menos um deles ´e igual a 0.
14) Sendo z, w ∈ C, sob quais condi¸c˜oes teremos |z + w| = |z| + |w|? Justifique! 15) Sendo z1, z2 n´umeros complexos, mostre que
(a) |1 − z1z2|2− |z1 − z2|2 = (1− |z1|2)(1− |z2|2). (b) |z1+ z2| ≥ 12(|z1| + |z2|)||zz1 1| + z2 |z2|| 16) Resolver a equa¸c˜ao 1 2x 2+ (1 + i)x− i = 0.