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Intervenção educacional à distância em saúde mental para médicos de atenção primária à saúde

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Academic year: 2021

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE MEDICINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EPIDEMIOLOGIA

TESE DE DOUTORADO

“INTERVENÇÃO EDUCACIONAL À DISTÂNCIA EM SAÚDE

MENTAL PARA MÉDICOS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE”

DANIEL MAFFASIOLI GONÇALVES

ORIENTADORA: PROFA. DRA. SUZI CAMEY CO-ORIENTADOR: PROF. DR. ERNO HARZHEIM

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2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE MEDICINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EPIDEMIOLOGIA

TESE DE DOUTORADO

“INTERVENÇÃO EDUCACIONAL À DISTÂNCIA EM SAÚDE

MENTAL PARA MÉDICOS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE”

DANIEL MAFFASIOLI GONÇALVES ORIENTADORA: PROFA. DRA. SUZI CAMEY CO-ORIENTADOR: PROF. DR. ERNO HARZHEIM

A apresentação desta tese é exigência do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para obtenção do título de Doutor.

Porto Alegre, Brasil. 2012

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CIP - Catalogação na Publicação

Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da UFRGS com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

MAFFASIOLI GONÇALVES, DANIEL

INTERVENÇÃO EDUCACIONAL À DISTÂNCIA EM SAÚDE MENTAL PARA MÉDICOS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE / DANIEL MAFFASIOLI GONÇALVES. -- 2012.

216 f.

Orientador: SUZI CAMEY. Coorientador: ERNO HARZHEIM.

Tese (Doutorado) -- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Porto Alegre, BR-RS, 2012. 1. SAÚDE MENTAL. 2. ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE. 3. EDUCAÇÃO MÉDICA. 4. TELEMEDICINA. 5. TELEPSIQUIATRIA. I. CAMEY, SUZI, orient. II. HARZHEIM, ERNO,

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3 BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Airton Stein, Pós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Prof Dr. Ellis Alindo D´Arrigo Busnello, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Profa Dra. Ana Stela Haddad, Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo

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4 SUMÁRIO ABREVIATURAS E SIGLAS …... 05 RESUMO... 06 ABSTRACT ... 08 1. APRESENTAÇÃO ...10 2. INTRODUÇÃO... 11 3. REVISÃO DA LITERATURA 3.1. Relevância dos transtornos mentais em APS ... 14

3.2. Lacuna entre demanda e oferta em saúde mental ... 18

3.3. Integração de saúde mental à APS... 22

3.4. Telemedicina e telepsiquiatria ... 26

3.5. Educação médica à distância em saúde mental...33

4. OBJETIVOS... 44

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 45

6. ARTIGO 1... 55

7. ARTIGO 2 ... 93

8. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 122

9.ANEXOS ………...………... 124

9.1. Projeto de Pesquisa ………... 125

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5 ABREVIATURAS E SIGLAS

APS: atenção primária à saúde ESF: Estratégia Saúde da Família OMS: Organização Mundial da Saúde

OPAS: Organização Pan-americana de Saúde

THAS: transtornos de humor, ansiedade e somatização

TMC: transtornos mentais comuns (transtornos de humor, ansiedade e somatização)

TADA: transtornos por abuso ou dependência de álcool

TADAD: transtornos por abuso ou dependência de álcool e/ou drogas AVI: Anos Vividos com Incapacidade

AVAI: Anos Vividos Ajustados para Incapacidade (corresponde à sobrecarga total de doença)

MS: Ministério da Saúde

CIDI: Composite International Diagnostic Interview SRQ-20: Self-reporting questionnaire 20 itens

SCID-IV-TR: Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR

DSM-IV-TR: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – 4th version revised

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6 RESUMO

INTRODUÇÃO: Estudos estimam que a lacuna entre demanda e assistência efetiva em saúde mental varie de 30 a 80% no mundo, sendo que um estudo realizado no Brasil demonstra estimativas de 40 a 60%. Como estratégia de enfrentamento desta questão, a Organização Mundial da Saúde preconiza que o foco do atendimento em saúde mental seja redirecionado para o nível de Atenção Primária à Saúde (APS). A demora no diagnóstico e tratamento de transtornos mentais têm implicações negativas importantes no curso e prognóstico da doença, assim como na resposta aos tratamentos, independente do transtorno. A intervenção educacional para médicos e para os demais profissionais de saúde em APS é fundamental para que sejam de fato implementadas políticas públicas efetivas para o atendimento dos portadores de transtornos mentais neste nível. A telemedicina configura uma poderosa ferramenta para ampliar o atendimento em saúde mental, especialmente em locais remotos. Este projeto tem por objetivo propor um modelo de intervenção educacional à distância em saúde mental para médicos de APS e avaliar sua viabilidade e efetividade em grupo de médicos do Projeto Nacional Telessaúde – Núcleo Rio Grande do Sul. METOLOGIA: o projeto é constituído de duas etapas. Na primeira, realizamos revisão sistemática de intervenção educacional à distância para médicos de APS. Considerando que nenhum estudo foi localizado, revisamos a literatura sobre intervenção educacional à distância em saúde mental para profissionais não-médicos e intervenção educacional em saúde mental na forma presencial para médicos. Com base nos resultados, desenvolvemos uma proposta de intervenção educacional à distância para médicos de APS. Na segunda etapa esta proposta foi testada em grupo de 22 médicos participantes do Projeto Nacional Telessaúde – Núcleo Rio Grande do Sul. Foram aplicados questionários de

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7 conhecimentos teóricos em saúde mental e de confiança na abordagem de transtorno mentais antes e após a intervenção, sendo estes os principais desfechos considerados. RESULTADOS: em relação à proposta para intervenção educacional, destacamos: estruturação do conteúdo em colaboração com os participantes, enfatizar patologias mais frequentes em APS, iniciar com sensibilização sobre necessidades em saúde mental, trabalhar técnicas de entrevista e habilidades em comunicação, evitar aulas explanatórias, oportunizar participação constante dos participantes utilizando metodologias interativas e utilizar exercícios práticos a serem realizados no cotidiano de atendimento. Os resultados da segunda etapa mostraram aumento estatisticamente significativo no escore médio de conhecimentos teóricos e no escore médio de confiança na abordagem em saúde mental quando comparamos os escores antes e após a intervenção. Não houve correlação entre mudanças nos dois tipos de questionários. Em relação à satisfação com a intervenção educacional, pelo menos 60% dos participantes consideraram-na “Boa” ou “Muito boa”, independente do critério avaliado, sendo que para alguns critérios esse percentual chegou a 100%. CONCLUSÕES: A proposta apresentada para intervenção educacional em saúde mental à distância para médicos de APS pode ser considerada útil e promissora como forma de ampliar o atendimento em saúde mental, visto que melhorou os conhecimentos teóricos e a confiança na abordagem em saúde mental dos participantes. É necessário articular propostas de incentivo e participação de médicos de APS neste tipo de intervenção educacional, pois dos 156 médicos convidados apenas 30 manifestaram interesse em participar da intervenção. Este estudo pioneiro, apesar dos bons resultados, necessita ser replicado para aprimorar o modelo de intervenção educacional proposto, especialmente na forma de ensaio clínico randomizado para controlar vieses de seleção e aferição.

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8 ABSTRACT

INTRODUCTION: Studies estimate that the gap between demand and effective assistance in mental health varies from 30% to 80% worldwide, whereas a study carried out in Brazil shows estimations of 40% to 60%. As a confrontation strategy, the World Health Organization (WHO) preconizes that the focus of mental health assistance be redirected to Primary Health Care (PHC). The delay in the mental illness diagnosis and treatment has important negative implications for the development and prognosis of the disease, as well as for the treatment feedback regardless the illness. The educational intervention for physicians and other health professionals in PHC is fundamental to implement effective public policies to the assistance of these users. Telemedicine takes the form of a powerful tool to increase the assistance in mental health, especially in remote locations. This project aims to propose a model of internet-based educational intervention in mental health for PHC physicians and evaluate its viability and effectiveness in physician groups from National Project Telessaúde – Rio Grande do Sul core. METODOLOGY: the project is composed by two stages. In the first stage, we have conducted a systematic review of internet-based educational intervention for PHC physicians. Considering that no studies about it were found, we reviewed the literature about internet-based educational intervention in mental health for non-physician professionals and presential educational intervention in mental health for physicians. Based on the results, we developed a proposal of distance educational intervention for PHC physicians. In the second stage, this proposal was tested in a group of twenty-two doctors from National Project Telessaúde – Rio Grande do Sul core. Questionnaires of theoretical knowledge in mental health and confidence in approaching mental health were applied before and after the intervention. RESULTS: regarding the educational

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9 education intervention proposal, we highlight: content structuring with participants collaboration, emphasize most common pathologies in PHC, start sensitization of needs in mental health, use interview and communication skills techniques, avoid explanatory classes, give the opportunity to participation using interactive methodologies and practical exercises to be performed during the assistance routine. The second stage results have shown statistically significant increase in the average score of theoretical knowledge and the average score of confidence in mental health approach when compared to before-after intervention score. There has been no correlation between changes in both questionnaires. Regarding the satisfaction towards the educational intervention, at least 60% of the participants considered it “good” or “very good”, regardless the evaluated criterion, while for some criterions this percentage reached 100% of satisfaction. CONCLUSIONS: The presented proposal of internet-based educational intervention in mental health for PHC physicians can be considered useful and promising as a way to extend the assistance in mental health, once it has improved the participants’ theoretical knowledge and confidence in approaching mental health. It is necessary to join proposals of incentive and participation of PHC physicians in this type of educational intervention, since from the one hundred and fifty invited physicians only thirty manifested interest in participating in the intervention. This pioneer study, despite of its good results, needs to be reapplied to perfect the proposed model of educational intervention using randomized clinical trials in order to control measurement and selection biases.

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10 1. APRESENTAÇÃO

Este trabalho consiste na tese de doutorado intitulada “Intervenção educacional à distância em saúde mental para médicos de Atenção Primária à Saúde”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 09 de julho de 2012. O trabalho é apresentado em três partes, na ordem que segue:

1. Introdução, Revisão da Literatura e Objetivos. 2. Artigos.

3. Conclusões e Considerações Finais.

Documentos de apoio, incluindo o Projeto de Pesquisa, estão apresentados nos anexos.

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11 2. INTRODUÇÃO

Indivíduos portadores de algum transtorno mental, especialmente quando não tratado, apresentam comprometimento em áreas de crucial importância para o seu bem estar e funcionamento na medida em que funções cognitivas, emocionais e comportamentais estão afetadas (Beck JS, 1995).

Estudos epidemiológicos têm demonstrado sistematicamente a alta prevalência de transtornos mentais em Atenção Primária à Saúde (APS). Na maioria dos estudos em torno de 50% dos usuários de APS são portadores de pelo menos um transtorno mental (WHO, 2009; Gonçalves DM, 2008; Grandes G, 2011; Ghuloum S, 2011). Apesar da alta prevalência, existe considerável deficiência no reconhecimento do diagnóstico destas condições. Estima-se que aproximadamente 50% dos portadores de transtornos mentais usuários de APS não sejam diagnosticados (WHO, 2009; WHO/Wonca, 2008).

Associado a outros fatores, tais como problemas na estrutura dos serviços e preconceito que este tipo de diagnóstico gera, o subdiagnóstico atua como fator determinante para a grande lacuna existente entre demanda e oferta efetiva de assistência em saúde mental no mundo. Este fenômeno tem sido demonstrado há muitos anos, sendo destacado por estudos há pelo menos 40 anos (Shepherd M, 1966; Hoeper EW, 1979; Marks J, 1979).

Como forma de diminuir a lacuna entre demanda e oferta efetiva de assistência em saúde mental a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a inserção de saúde mental no cotidiano de trabalho em APS (WHO, 2001; WHO/Wonca, 2008; WHO, 2009). Os principais atributos e características dos serviços de APS determinam a sua importância em ocupar um papel central no manejo de problemas de saúde mental. Como vantagem principal possibilita maior acesso ao atendimento em saúde, o que é

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12 inerente aos sistemas de saúde orientados pela atenção primária (Aas MIH, 2002; Haggerty J, 2007; Lum AWM, 2008; Gibson KL, 2011; Grandes G, 2011).

No Brasil a recomendação de inserção do tema saúde mental em APS implica necessariamente sua inclusão entre as prioridades de atuação da ESF (Estratégia Saúde da Família), que atualmente conta com 19 mil equipes implantadas em 4.400 municípios brasileiros. Tem uma abrangência de 35,7% da população brasileira, ou seja, 66,3 milhões de pessoas (Ministério da Saúde, 2012).

Considerando que a assistência em saúde mental na atenção primária necessita ser ampliada e que o diagnóstico e tratamento de transtornos mentais neste nível precisam ser aprimorados, torna-se fundamental a intervenção educacional dos seus profissionais. Como uma potencial ferramenta para intervenções educacionais temos a telemedicina, que pode ser valiosa na medida em que tem oferece a possibilidade de alcançar indivíduos e comunidades menos assistidas, especialmente em locais mais remotos (Bahaadini K, 2009).

De um modo geral o uso da telemedicina tem apresentado resultados promissores, principalmente em relação à satisfação dos profissionais que a utilizam (Hilty DM, 2006; Gibson KL, 2011). A tecnologia da informação pode aproximar profissionais de APS e especialistas, oferecendo educação médica continuada e suporte profissional. O efeito social provável seria “independência local” (Hays BB, 1997), aumentado as chances de profissionais em áreas remotas permanecerem nos seus locais de trabalho (D’Souza R, 2000; Mitchell JG, 2001; Gibson KL, 2011).

Com o objetivo de testar o uso da telemedicina para intervenções educacionais em saúde mental para profissionais da saúde, no segundo semestre de 2009 conduzimos o estudo piloto Intervenção Educacional em Saúde Mental à distância para profissionais de ESF. Participaram do estudo um médico, um enfermeiro, um técnico de enfermagem,

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13 um dentista e um técnico de higiene bucal, todos pertencentes a uma mesma equipe. Embora a aceitabilidade dos profissionais em relação à intervenção educacional tenha sido considerada bastante adequada e a satisfação destes com os elementos utilizados na intervenção educacional também tenham sido bons (em escala de muito bom, bom, regular, ruim, péssimo, obtivemos 44% de muito bom, 48% de bom e apenas 8% de regular), ficou claro que a intervenção para o médico necessariamente deve ser diferente. Para os médicos, aprofundar questões como diagnósticos e tratamento é fundamental, enquanto que para profissionais não-médicos mais importante é a abordagem inicial e encaminhamento de portadores de transtornos mentais. Como consequência deste estudo piloto partimos para a elaboração de uma intervenção somente para médicos.

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14 3. REVISÃO DA LITERATURA

3.1. Relevância dos transtornos mentais em APS

Estima-se que no contexto mundial de 20 a 55% dos pacientes que procuram assistência médica em centros de APS tenham pelo menos um transtorno mental (WHO, 2009; Grandes G, 2011). Entre 1993 e 1994, um estudo de grandes dimensões coordenado pela OMS foi realizado para verificar a prevalência de transtornos mentais em APS. Foi conduzido em 15 centros de atendimento de 15 países, sendo sete localizados na Europa (Manchester, Groningen, Paris, Berlin, Mainz, Verona e Atenas), três nas Américas (Seattle, Rio de Janeiro e Santiago do Chile), dois em países em desenvolvimento (Bengalore e Ibadan) e três no Extremo Oriente (Ankara, Shangai e Nagasaki). Participaram do estudo 25916 pessoas que foram inicialmente avaliadas com GHQ-12 (General Health Questionnaire 12 itens), questionário de 12 itens usado para rastreamento de transtornos mentais sem especificar o tipo de patologia. Uma subamostra de 5438 indivíduos com rastreamento positivo foi avaliada com a versão para APS do instrumento de diagnóstico psiquiátrico CIDI (Composite International Diagnostic Interview). As prevalências encontradas para presença de qualquer transtorno mental variaram de 9,7% (Shangai, China) a 53,5% (Santiago, Chile), sendo intermediária em Manchester (Reino Unido), com 26,2% (Goldberg D, 1996).

No Brasil, existem disponíveis na literatura apenas dois estudos conduzidos em unidades de APS. Serão brevemente apresentados de forma resumida, sendo importante salientar que os resultados não são comparáveis visto que foram usados métodos de diagnóstico/rastreamento diferentes.

O mais antigo foi conduzido em três unidades básicas de São Paulo no período de setembro de 1982 a fevereiro de 1983. Foi utilizado como instrumento para verificar

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15 a presença de transtornos mentais o SRQ-20 (Self-reporting questionnaire 20 itens). Trata-se de um questionário com 20 itens que é usado como método de rastreamento para presença de transtorno mental no momento da sua aplicação, sem o poder de discrimar patologias específicas. Neste estudo foram entrevistados 875 usuários que procuraram atendimento por qualquer motivo nas unidades de saúde onde a pesquisa foi realizada. A prevalência encontrada foi de 51% (Mari JJ, 1987).

O segundo estudo foi conduzido na cidade de Santa Cruz do Sul, RS, Brasil, durante o ano de 2006 com amostra de 754 indivíduos que buscavam assistência por qualquer motivo em uma unidade de APS. O diagnóstico psiquiátrico foi avaliado através do instrumento SCID-IV-TR (Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR) (Biometrics, 2008), baseado na versão corrente do DSM-IV-TR (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – 4th version revised) (American Psychiatric Association, 2002), sendo o único estudo realizado no Brasil aplicando diretamente em todos os participantes instrumento de entrevista psiquiátrica padronizada (considerada o padrão-ouro para diagnóstico psiquiátrico). A prevalência encontrada foi de 51,1% (IC95% 47,5-54,7%), sendo os diagnósticos mais frequentes transtornos de humor, transtornos de ansiedade e transtornos decorrentes de uso nocivo de álcool e drogas (Gonçalves DM, 2008).

Sob a ótica da saúde pública, a importância de transtornos mentais para APS aumenta na medida em que tais condições, além de apresentarem altas prevalências, representam causa importante de morbimortalidade. Em termos de morbidade, a sobrecarga decorrente da presença de transtornos mentais ocorre especialmente pela influência negativa dos sintomas nos mais variados níveis de funcionamento do indivíduo, culminando em considerável prejuízo no seu desempenho pessoal, social, familiar, laboral e até mesmo em atividades de lazer. O quadro de incapacidades que se

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16 institui progride em severidade à medida que os sintomas progridem em intensidade e frequência.

A OMS conduziu o estudo Sobrecarga Global de Doenças (Global Burden of Disease) que analisou o impacto das 130 condições médicas mais comuns em termos de prevalência. Foram avaliadas medidas de mortalidade, incidência, prevalência, AVP (Anos de Vida Perdidos), AVI (Anos Vividos com Incapacidade) e AVAI (Anos Vividos Ajustados para Incapacidade, que representa a sobrecarga total de doença). Foi estimado que na população de adultos entre 15 e 44 anos 31% do total de AVI seja decorrente de doenças neuropsiquiátricas. Também se verificou que seis das dez primeiras causas de sobrecarga total e sete das dez primeiras causas de AVI são transtornos mentais (WHO/WONCA, 2008; WHO, 2009). Onze por cento do total de AVI decorre de depressão unipolar, 3,7% de abuso/dependência de álcool, 2,7% de esquizofrenia e 2,4% de transtorno bipolar. O estudo também concluiu que, embora doenças físicas também representem impacto nas capacidades dos indivíduos afetados, este foi mais fraco quando comparado ao impacto provocado por transtornos mentais, conclusões replicadas em outros estudos (Goldberg D, 1996; Meyer C, 2004; Gonçalves DM, 2008; Grandes G, 2011). Para 2030, existe um estudo de projeção apontando que transtornos depressivos serão a primeira causa de AVAI no mundo (Mathers CD, 2006).

Além da morbidade diretamente relacionada a transtornos mentais, a morbidade decorrente do impacto negativo da presença destes transtornos em outras condições médicas também deve ser considerada. Isto é especialmente importante em nível de APS, que tem por objetivo a prevenção e manejo de patologias médicas de uma forma geral, psiquiátricas e não psiquiátricas. Este impacto negativo ocorre predominantemente de duas formas: transtornos mentais atuam como fator predisponente para patologias não psiquiátricas e influenciam negativamente na adesão

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17 a tratamentos de doenças não psiquiátricas.

Para a primeira situação, destacamos o abuso de álcool. O uso nocivo desta substância implica aumento de risco para cirrose hepática, tumores em várias localizações, acidente vascular cerebral, hipertensão arterial e doenças cardíacas (CDC, 2004).

Em relação à adesão, pacientes com transtornos mentais apresentam menores níveis de adesão a tratamentos de patologias não psiquiátricas comorbidas. Em portadores de HIV, por exemplo, transtornos por abuso/dependência de álcool são fatores de risco para baixa adesão ao tratamento com antirretrovirais. Em revisão conduzida por Rego e Rego (2010) foram avaliados 21 estudos, sendo incluídos apenas artigos originais, prospectivos ou de caso-controle, e metanálises. Em 18 estudos (85,7%) foi encontrada associação entre abuso/dependência de álcool e baixa adesão ao esquema antirretroviral, além de baixa supressão da carga viral e pior desfecho clínico. Os estudos que não encontraram associação tinham como limitação importante a amostra pequena.

Em relação à mortalidade, destacamos o suicídio. Figura como terceira causa de morte na população entre 15 e 34 anos, conforme dados de 54 países que disponibilizam essas informações. Oitocentos e quatorze mil mortes por suicídio ocorrem por ano no mundo, e estima-se que para cada suicídio consumado existam 10 a 30 tentativas de suicídio (WHO, 2000; WHO, 2003). Importante ressaltar que transtornos mentais, especialmente depressão e dependência de álcool e drogas, estão presentes em pelo menos 90% dos casos de suicídio (Sadock BJ, 2003).

Uma análise de tendência temporal no Brasil de 1980 a 2000 mostrou um aumento de 21% (de 3,1 para 4 por cem mil por ano) na taxa global de incidência de suicídio. Homens representam a maioria dos casos e apresentam aumento na incidência

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18 maior que mulheres, com uma razão de proporção de 2,3 em 1980 e 4 em 2000. Os coeficientes de mortalidade por suicídio aumentam com a idade, porém o padrão etário está mudando em direção à população mais jovem, com impressionante aumento de 1900% entre homens de 15 a 25 anos (de 0,3 para 6 por cem mil por ano) e de 300% entre mulheres desta mesma faixa etária (de 0,5 para 2 por cem mil por ano) (Mello-Santos C, 2005). Esta tendência em relação a sexo e idade vem sendo observada em todo mundo e precisa ser reconhecida como importante problema de saúde pública (WHO, 2003).

O Estado do Rio Grande do Sul historicamente apresenta o maior coeficiente de mortes por suicídio do país. Enquanto que no Brasil o coeficiente de mortalidade por suicídio para o ano de 2001 foi de 4,5/100.000, para o estado do Rio Grande do Sul foi de 9,5/100.000 (Datasus, 2012).

Por fim, temos a sobrecarga não definida (undefined burden) decorrente de transtornos mentais, ou seja, os custos econômicos para as famílias, comunidades e países. Em termos de organização do sistema de saúde, vários estudos têm demonstrado que transtornos mentais representam aumento significativo dos gastos públicos em saúde, sendo que grande parte deste custo poderia ser evitado com o diagnóstico e manejo adequado dos casos. Isto porque portadores de transtornos mentais não diagnosticados tendem a super-utilizar tratamentos paliativos, exames e consultas a especialistas em busca de solução para sintomas cuja causa primária não está diagnosticada, sendo maior quando se trata de sintomas psicossomáticos (Passamonti M, 2003; Shvartzman P, 2005;Hilty DM, 2006; Aiarzaguena JM,2008).

3.2. Lacuna entre demanda e oferta em saúde mental

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19 demonstrou que a estimativa média para a lacuna entre demanda e oferta efetiva de assistência em saúde mental é de 32,2% para esquizofrenia e outras psicoses não-afetivas, 50% a 56% para transtornos depressivos e de ansiedade e 78,1% para TADA (transtornos por abuso ou dependência de álcool e/ou drogas) (Kohn R, 2004). Em São Paulo, Brasil, as estimativas dessa lacuna são de 58% para psicoses não-afetivas, 49% para depressão maior, 43,8% para distimia, 46% para transtorno bipolar, 41% para ansiedade generalizada, 47,8% para transtorno do pânico e 53,3% para TADA (Kohn R, 2005).

Para os países em que existem estimativas para a lacuna entre demanda e oferta efetiva de assistência em saúde mental, um fato comum é que esta tende a ser maior em cidades distantes de grandes centros e principalmente em zonas rurais. Isso acontece devido à dificuldade em prover assistência em saúde mental nessas localidades uma vez que a proporção de especialistas, como psiquiatras, é muito maior em áreas urbanas e em centros maiores do que em áreas rurais e/ou municípios pequenos. Isso acontece mesmo em países mais desenvolvidos como Austrália (Hays RB, 1997). Essa situação é consenso há muitos anos entre a comunidade científica e organizações como a OMS, mas pouco tem mudado neste cenário. Alguns fatores que podem ser apontados como responsáveis pela imobilidade são: deficiências na estrutura de serviços, sobrecarga dos profissionais em APS e escassez de dados epidemiológicos oficiais que traduzam esta necessidade.

Em relação ao último aspecto, o Brasil apresenta grande escassez de informações epidemiológicas oficiais sobre saúde mental. Isto ocorre especialmente devido às práticas locais de má classificação diagnóstica, o que compromete os dados levantados. Além disso, os transtornos mentais tradicionalmente não têm recebido a devida importância como grupo de causas nos registros epidemiológicos, ficando

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20 relegados a segundo plano. Por isso transtornos mentais têm pouca representatividade nos dados epidemiológicos (Fúlvio B, 1999). Por exemplo, na lista de internações sensíveis à APS, elaborada por especialistas sob coordenação do Ministério da Saúde (MS), não consta saúde mental ou qualquer indicador correlato, como tentativa de suicídio. É alegado que esta ausência deve-se à reforma psiquiátrica e à heterogeneidade da implantação de serviços de psiquiatria no território nacional (Alfradique ME, 2009). Apesar dos argumentos, são informações preciosas que deixam de ser levantadas.

Apesar de que muitas são as razões para a existência desta disparidade entre as necessidades e a assistência em saúde mental ofertada, o subdiagnóstico parece ser fator preponderante, pois se uma condição em saúde não é reconhecida, não é diagnosticada, é como se ela não existisse. A deficiência no reconhecimento de transtornos mentais tem implicações importantes no curso e prognóstico da doença, assim como na resposta aos tratamentos, independente do transtorno (Passamonti M, 2003; WHO, 2009). Isto porque a morbimortalidade associada a estes transtornos poderia em grande parte ser prevenida com diagnóstico e tratamento adequados. No caso da depressão, por exemplo, estima-se que o tratamento adequado preveniria até 70% da morbidade decorrente desta condição (Docherty JP, 1997; McQuaid JR, 1999).

Um dos principais obstáculos para o diagnóstico de transtorno mental entre usuários de APS é a apresentação clínica mais comum destes pacientes. A apresentação clínica de portadores de transtornos mentais em APS é bastante distinta daquela manifestada por pacientes que chegam aos especialistas, tornando-se um obstáculo para o diagnóstico.

No estudo realizado entre 1993 e 1994 coordenado pela OMS em 15 países com 25916 indivíduos citado no início do item 3.1 para verificar a prevalência de transtornos mentais em APS, a sensibilidade para detecção de transtornos mentais pelos médicos

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21 participantes foi de apenas 49,8%. Como um dos principais motivos apontados para o subdiagnóstico foi a preponderância de queixas físicas sobre psíquicas. Os portadores de transtornos mentais apresentavam prioritariamente como queixa principal dor (29,3%), fadiga ou sono não reparador (6,9%), assim como outras queixas somáticas (32,8%). Somente 5,3% se apresentaram com queixas emocionais (Goldberg D, 1996; WHO, 2009).

A mescla de sintomas somáticos e emocionais, com predominância dos primeiros, entre usuários de APS é uma peculiaridade fundamental e de inexorável importância no atendimento em saúde mental neste nível. Isto não ocorre em atendimentos especializados em psiquiatria, onde as queixas via de regra são de ordem psicoemocional, até porque os pacientes já foram ¨filtrados¨. Desta forma, o diagnóstico de transtorno mental no cotidiano de APS é um verdadeiro desafio, em especial quando se trata de um indivíduo com diagnósticos não psiquiátricos já estabelecidos (Burns BJ, 1985; Aiarzaguena JM, 2008). Este fato demonstra que a dicotomia doença física/doença psíquica não é mais aceitável (Goldberg D, 1996).

Os clínicos gerais, por sua vez, diagnosticam em média 90% dos pacientes com transtornos mentais que se apresentam com queixas psiquiátricas, mas somente 50% dos que se apresentam com sintomas somáticos (McGorry PD, 2000; Passamonti M, 2003; WHO, 2009). Quando a queixa principal é de sintomas psiquiátricos, aumenta consideravelmente a probabilidade de um diagnóstico e manejo adequado, mesmo que seja referenciando para o nível secundário. Entretanto, esta não é a regra entre usuários de APS.

Um dos motivos que pode ser apontado como causa para a dificuldade em diagnosticar transtornos mentais quando se apresentam prioritariamente por queixas de ordem física é o fato de os sistemas de classificação diagnóstica em saúde mental ainda

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22 não contemplarem as apresentações clínicas mais comuns de transtornos mentais em nível de APS. Isto porque relações entre sintomas somáticos e psíquicos, que têm papel preponderante em APS, não vem recebendo a devida atenção (Nicklason JH, 1983; Regier DA, 2011).

Em conclusão, revisar e estabelecer critérios diagnósticos para transtornos mentais mais próximos da realidade do cotidiano de APS e aprimorar as habilidades diagnósticas dos profissionais de APS em saúde mental são objetivos que devem ser buscados. Como consequência teríamos a ampliação do atendimento em saúde mental para a população.

3.3. Integração de saúde mental à APS

A necessidade de integração de saúde mental e APS é bem ilustrada pelo estudo de base populacional Ontario Health Suplement. O estudo foi realizado entre agosto e novembro de 1990 em Ontario, Canadá, avaliando 9553 indivíduos com 15 anos ou mais (amostra representativa da cidade) que foram entrevistados com o instrumento CIDI (Composite International Diagnostic Interview) (Boyle MH, 1996). A prevalência de transtornos mentais na comunidade para os últimos doze meses foi de 18,6% (Offord DR, 1996). Entre estes, dos indivíduos que procuraram atendimento para problemas de saúde mental nos últimos doze meses, 49,9% procuraram seu médico de família e apenas 24,1% procuraram psiquiatra. Entre portadores de transtornos mentais que haviam sido diagnosticados e faziam tratamento, 38,2% eram atendidos apenas em unidades de APS, 35,8% eram atendidos em serviços de saúde mental e 26% em ambos os níveis de atendimento (Lin E, 1996).

Podemos verificar neste estudo também a baixa prevalência de portadores de transtornos mentais tratados, que foi estimada em 20,8%; ou seja, 79,2% portadores não

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23 recebiam tratamento. Entretanto esta parcela sem tratamento não estava fora do sistema de saúde, como se poderia supor. Ao contrário, 82,9% utilizavam serviços de APS por problemas gerais de saúde, tornando evidente mais uma vez que a vasta maioria dos indivíduos com transtorno mental sem tratamento tem a oportunidade de ter sua patologia mental identificada e tratada quando em consulta com médicos de APS, mesmo que suas queixas não sejam de ordem mental (Lin E, 1996).

A criação de serviços de atenção secundária em saúde mental, como os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no Brasil, foi uma estratégia na tentativa de lidar com a deficiência na assistência em saúde mental. Entretanto tais serviços certamente não atenderão à grande demanda que saúde mental representa, além de estarem muitas vezes desvinculados da realidade das comunidades, por não estarem nelas inseridos, e desvinculados dos próprios serviços de APS. Esta desvinculação é vista mesmo em países com sistemas de saúde mais bem organizados, como no Reino Unido e Canadá (Lin E,1996; McLaren P, 1999). Algumas evidências apontam que serviços de saúde mental secundários não inseridos no cotidiano de APS podem ser um empecilho para melhora da assistência na área. Dificuldades de comunicação e de retorno dos casos encaminhados são os principais obstáculos (Burns BJ, 1985).

Tais dificuldades foram demonstradas em estudo realizado através de questionários autorrespondidos sobre atendimento em saúde mental com uma amostra randomizada de 534 médicos de família de New South Wales, Austrália. Cinquenta e três por cento dos entrevistados referiram que a lista de espera para serviços secundários de saúde mental é muito demorada, 51% que os serviços de saúde mental locais eram insuficientes para a demanda e 25% que dificuldades de comunicação entre médicos de APS e psiquiatras impedem uma assistência otimizada (Phongsavan P, 1995). Estes resultados são concordantes com outros estudos (Saltini A, 2002; Euller J, 2006).

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24 Como forma de tentar solucionar toda esta problemática tem crescido o consenso de que o foco da assistência em saúde mental seja dirigido para o nível de APS (Wang PS, 2005; WHO/Wonca, 2008; WHO, 2009). A OMS sugere políticas públicas de saúde mental que sejam inseridas no cotidiano da APS para que uma maior parcela da população possa ser beneficiada e, por consequência, diminua-se a lacuna atual entre necessidades e oferta efetiva de assistência em saúde mental (WHO, 2001; WHO/Wonca, 2008; WHO, 2009).

Profissionais de APS são a porta de entrada do sistema de saúde e influenciam de forma importante a decisão do portador de transtorno mental de se tratar e também de manter-se em tratamento (Lum AWM, 2008). Em termos de qualidade no atendimento, a conveniência e características inerentes ao atendimento em APS são de grande importância (Aas 2002; Lum AWM, 2008). A relação longitudinal entre profissionais e usuários facilita uma visão mais ampla dos últimos, melhor comunicação interpessoal, maior possibilidade de acompanhamento do tratamento e evolução dos casos e maior número de contatos. A inserção na comunidade cria oportunidades para educação dos pacientes, familiares e sociedade em geral sobre temas em saúde mental, propicia compreender as especificidades culturais locais e direcionar de forma mais dinâmica o atendimento de acordo com as demandas específicas de cada comunidade em dados períodos de tempo, como, por exemplo, intervenção para prevenção de estresse pós-traumático em uma comunidade que vivenciou recentemente alguma catástrofe coletiva. Por fim, e não menos importante, possibilita maior acesso ao atendimento em saúde, o que é inerente ao sistema de APS (Haggerty J, 2007; Starfield, 1992).

Nas recomendações gerais da OMS relatadas no World Health Report 2001 (WHO, 2001), e que se repetem nos documentos da mesma entidade sobre saúde mental

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25 de 2008 e 2009 (WHO/Wonca, 2008; WHO, 2009), destacamos:

. Oferecer tratamento em APS: fundamental para permitir que um número maior de pessoas tenha acesso mais fácil e mais rápido aos serviços, sendo necessário reconhecer que muitos já estão procurando ajuda neste nível. Além do melhor atendimento, reduz as investigações desnecessárias e tratamentos inapropriados;

. Oferecer atendimento dentro da comunidade: tem um efeito melhor que o tratamento institucional no desfecho e qualidade de vida;

. Educar o público ajuda a reduzir barreiras para o tratamento e atendimento ao aumentar a consciência da população sobre a frequência dos transtornos mentais, sua tratabilidade e o processo de recuperação. Com isso pode-se reduzir o estigma, aumentando o uso de serviços;

. Envolver comunidades, famílias e usuários; . Desenvolver recursos humanos em saúde mental;

. Monitorar a saúde mental de comunidades através de indicadores de prevalência e qualidade do atendimento.

Apesar de as evidências demonstrarem as conveniências de mudar o foco de atendimento em saúde mental para APS, isto ainda não tem ocorrido. Uma das crenças comuns para que isto não se concretize é a de que os profissionais deste nível não estariam cientes desta demanda e da necessidade de aprimorarem suas capacidades em relação à saúde mental. Entretanto, isto não se confirma nos estudos.

Um estudo com 254 médicos italianos de APS mostrou que 81,4% reconheciam seu papel na assistência em saúde mental, 89,9% consideravam que deveriam desenvolver habilidades para lidar com transtornos mentais e 77,3% referiam dificuldades em manejar transtornos mentais. Em relação às prioridades de intervenção educacional, conhecimento sobre diagnóstico e manejo de transtornos de ansiedade,

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26 humor e somatização, além de habilidades na comunicação com este tipo de pacientes foram as mais citadas. Consideraram maior envolvimento com especialistas e programas de educação médica continuada como fundamentais para melhorar o atendimento (Saltini A, 2002). A consciência destes profissionais sobre estas necessidades está em concordância com outros estudos (Phongsavan P, 1995; Geller JM, 1999).

Tem sido consensual que o desenvolvimento de recursos humanos é o pilar para que todas as demais ações para integração de saúde mental e APS tenham sucesso. A equipe de saúde deve ter conhecimento, habilidades e motivação para diagnosticar e manejar portadores de transtornos mentais no seu dia a dia. Intervenções neste sentido devem ser estimuladas, visto a baixa sensibilidade de diagnóstico de transtornos mentais em nível de APS (Burns BJ, 1985; Goldberg D, 1996; Parikh SV, 1997; Hodges B, 2001). No Brasil, o aumento das habilidades em saúde mental na formação do médico de família, especialmente do sistema público de saúde, é considerada muito relevante (Amoretti R, 2005).

3.4. Telemedicina e telepsiquiatria

Uma importante ferramenta disponível para ampliar a rede de assistência em saúde mental para profissionais de APS é a telemedicina. Telemedicina pode ser definida como o uso de comunicação eletrônica e tecnologias de informação para prover compartilhamento de conhecimento médico e atendimento clínico à distância (Thrall JH, 1998).

Este não é exatamente um conceito novo, pois a telemedicina foi usada para fins médicos pela primeira vez na década de 1950 pelo Nebraska Psychiatric Institute com o objetivo de prover educação e consultorias a profissionais da saúde assim como

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27 atendimento a pacientes (Wittson CL, 1961). Apesar de instigantes, as experiências iniciais tinham como grande limitação a tecnologia disponível para aplicá-la, e por esse motivo poucos avanços se fizeram na área durante as décadas de 1970 e 1980.

A aplicação desta nova forma de comunicação tem sido utilizada nas mais variadas áreas da medicina (Thrall JH, 1998; McGinty 2006). Atualmente a telemedicina vem sendo testada como recurso de diagnóstico e tratamento à distância na forma de teleconsultas para pacientes e de aconselhamento e segunda opinião (teleconsultorias) para profissionais de saúde. Também tem sido testada para fins de educação médica continuada (McGinty 2006; Arora S, 2011). Entre as principais vantagens do uso da telemedicina está a possibilidade de alcançar indivíduos e comunidades menos assistidas, especialmente de locais mais remotos. De um modo geral o uso da telemedicina tem apresentado resultados promissores, principalmente em relação à satisfação dos profissionais que a utilizam (Hilty DM, 2006).

A telemedicina vem se consolidando em alguns países de extensa área geográfica, como Austrália, Estados Unidos e Brasil. Como exemplo ilustrativo, nos Estados Unidos a telemedicina tem sido utilizada como forma de propiciar suporte e intervenção educacional a centros de atendimentos de zonas mais remotas, especialmente as rurais. Para tanto foi criado o projeto ECHO (Extension for Community Healthcare Outcomes) pelo Centro de Ciências da Saúde da Univerisdade do Novo México. Utilizando tecnologias via internet, vem treinando e oferecendo suporte a profissionais de APS nas mais variadas áreas da medicina. O projeto iniciou com intervenções educacionais para atendimento de pacientes com hepatite C crônica através do aprendizado baseado em casos clínicos, interação entre membros do grupo e videoconferências com especialistas na área. Diferente de alguns projetos de telessaúde, onde a base acaba sendo o atendimento de pacientes por médicos especialistas via

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28 internet, o projeto ECHO assume como prioridade a intervenção educacional do médico de APS nas áreas prioritárias em saúde pública, a fim de que possa criar sua independência na tomada de decisões frente a situações do seu cotidiano.

Devido à disseminação de boas práticas através do projeto ECHO no atendimento em hepatite C crônica para populações que de outra forma não teriam acesso ao atendimento especializado adequado, aliado à boa aceitabilidade e satisfação por parte dos médicos, atualmente o projeto vem sendo expandido para outras áreas prioritárias, incluindo saúde mental. Ainda sobre as vantagens observadas com a implantação do projeto, foi verificado que se trata de uma forma de intervenção custo-efetiva, sendo que possibilita atendimento de alta qualidade com custos bem inferiores aos que seriam necessários no caso de se utilizar atendimentos de nível secundário e terciário (Arora S, 2011).

No caso do Brasil, a telemedicina também vem sendo testada como forma de prover assistência a profissionais de APS. Considerando que a realidade da saúde no Brasil mudou com a implantação da ESF, fazendo com que o atendimento em APS fosse consideravelmente ampliado, nos últimos 10 anos o Ministério da Saúde (MS) tem investido na multiplicação de alternativas de intervenção educacional para a ESF.

Nesse sentido, foi criado o Projeto Nacional Telessaúde, com o objetivo de sanar algumas deficiências no sistema de APS. Criado pela portaria no 35 de 04 de janeiro de 2007 (Ministério da Saúde, 2007), ampliado e redefinido como forma de suporte ao programa Estratégia Saúde da Família pela portaria no 402 de 24 de fevereiro de 2010 (Ministério da Saúde 2010), atualmente é no mundo o maior programa de telemedicina oficial inserido dentro do sistema de saúde de um país.

A telemedicina é especialmente importante em um país de dimensões continentais como o Brasil ao possibilitar que áreas remotas possam ter acesso ao

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29 auxílio de que necessitam sobre problemas e situações duvidosas que surgem no cotidiano da APS. Muitos casos onde haveria necessidade de transporte por longas distâncias e utilização de centros de referência secundários e terciários, em geral sobrecarregados, atrasando diagnósticos e tratamentos algumas vezes de forma a comprometer o prognóstico do paciente, podem ser resolvidos através da comunicação via telemedicina. Esta ferramenta parece ser particularmente significativa na área de saúde mental onde o diagnóstico e acompanhamento dos casos é feito basicamente através da avaliação clínica, necessitando minimamente de exames complementares sofisticados que poderiam ser um empecilho para o atendimento integral em locais remotos e/ou sem recursos.

O Projeto Nacional Telessaúde oferece quatro modalidades de suporte à distância: teleconsultorias, segunda opinião formativa, telediagnóstico e tele-educação.

Teleconsultoria é definida, conforme artigo 2o da portaria 2.546 de 27 de outubro

de 2011, como “consulta registrada e realizada entre trabalhadores, profissionais e gestores da área da saúde, por meio de instrumentos de telecomunicação bidirecional, com o fim de esclarecer dúvidas sobre procedimentos clínicos, ações de saúde e questões relativas ao processo de trabalho” (Ministério da Saúde 2011). Através das teleconsultorias as demandas do cotidiano de profissionais de APS podem ser resolvidas sem a necessidade de encaminhamentos ou consultorias a serviços secundários e terciários. Na experiência do Telessaúde – Núcleo Rio Grande do Sul, ficou demonstrado que a cada duas teleconsultorias solicitadas por profissionais médicos um encaminhamento de paciente para outros níveis de atenção é evitado (Castro Filho 2012).

Segunda opinião formativa é definida através da portaria 2.546 de 27 de outubro de 2011 como “resposta sistematizada, construída com base em revisão bibliográfica,

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30 nas melhores evidências científicas e clínicas e no papel ordenador da atenção básica à saúde, à pergunta originada das teleconsultorias, e selecionadas a partir de critérios de relevância e pertinência em relação às diretrizes do SUS” (Ministério da Saúde 2011).

Em relação ao telediagnóstico, este é definido através da portaria 2.546 de 27 de outubro de 2011 como “o serviço autônomo que utiliza as tecnologias de informação e comunicação para apoiar o diagnóstico através de distâncias geográfico e temporal” (Ministério da Saúde 2011). Como exemplo ilustrativo, no Brasil temos o projeto Minas Telecardio que implantou um serviço à distância em municípios de Minas Gerais. Através da internet médicos e docentes de hospitais universitários analisavam com auxílio de especialistas em cardiologia eletrocardiogramas e discutiam casos, possibilitando diagnóstico e manejo de casos complexos que em outra situação necessitariam de encaminhamento (Ribeiro 2010).

Por fim, em relação à tele-educação, esta modalidade ainda necessita ser melhor explorada, assim como em outros países que já utilizam a telemedicina.

O piloto do Projeto Nacional Telessaúde – Núcleo Rio Grande do Sul, iniciado em dezembro de 2007, realizou levantamento com os profissionais participantes sobre quais seriam os temas considerados prioritários para ser objeto de intervenção educacional. Concordante com a importância dos transtornos mentais em APS e a consciência dos profissionais de APS desta importância, como citado anteriormente, uma análise de tais demandas mostrou que as quatro primeiras são na área de saúde mental, quais sejam: álcool e outras drogas (77,3%), depressão e transtornos de humor (64,8%), psicoses (56%) e transtornos de ansiedade (49,5%) (Fontanive PVN, 2009). Outros projetos de telessaúde também apontam para temas em saúde mental como prioridade de demanda em intervenção educacional. Entretanto é interessante notar que, embora pareça paradoxal, as solicitações em consultoria para saúde mental foram muito

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31 aquém do esperado pelo levantamento de necessidades citado. Isto pode-se dever ao fato de que, embora os profissionais entendam como uma necessidade temas relacionados à saúde mental, não possuem condições técnicas de identificar os portadores de transtornos mentais e objetivar suas dúvidas.

O uso da telemedicina para fins de auxílio e assistência a profissionais e pacientes na área de saúde mental denomina-se telepsiquiatria. Vários programas de telepsiquiatria existem no mundo, estando concentrados principalmente nos Estados Unidos, Noruega, Austrália e Canadá. A seguir citaremos alguns exemplos pioneiros.

Nos Estados Unidos o Serviço de consultoria de saúde mental eMental Health Consultation Service coordenado pelo Davis Medical Center da Universidade da Califórnia oferece teleconsultorias - via correio eletrônico e telefone - e educação médica continuada via internet a médicos generalistas da zona rural e do subúrbio. Em uma análise da efetividade do serviço que avaliou diretamente 289 pacientes cujos médicos utilizaram um ou mais desses recursos, os pesquisadores concluíram ter havido melhora significativa no tratamento em saúde mental. Um fato interessante foi que os médicos participantes manifestaram seu interesse em aprimorar suas habilidades de identificação e manejo de transtornos mentais de forma independente, deixando as consultorias para casos mais complexos, especialmente para que haja diminuição da demanda para este recurso. Os autores sugerem que tais intervenções educacionais devam ser consideradas como promissores meios de se melhorar a assistência em saúde mental prestada por APS (Neufeld JD, 2007).

Na Noruega a telepsiquiatria é utilizada amplamente na forma de teleconsultoria para médicos de APS. Em análises sobre o serviço, verificou-se que estimulou mais diagnósticos, propiciou menor uso de atendimento secundário, preveniu baixas involuntárias e readmissões, assim como propiciou alta mais precoce de pacientes

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32 quando internados. Analisando o custo-efetividade do uso da telepsiquiatria, foi demonstrado que os custos podem ser diminuídos tratando pacientes psiquiátricos em APS com suporte via telemedicina comparando com os métodos tradicionais (Aas MIH, 2002).

Psiquiatria foi uma das primeiras especialidades a usar telemedicina na Austrália. Atualmente o principal projeto é o Serviço de Saúde Mental Remota e Rural da Austrália do Sul, que oferece rotineiramente consultorias com psiquiatras para problemas agudos em pacientes rurais tendo como base o Glenside Hospital em Adelaide. Há 25 unidades de videoconferência em hospitais rurais da Austrália do Sul. Os pacientes são vistos com o médico de APS e o psiquiatra, sendo depois o caso discutido. O médico de APS fica responsável pelo manejo do paciente (Swanson B, 1999).

Por fim, no Canadá o Alberta Hospital Ponoka, em Alberta, implementou um serviço de telepsiquiatria em 1997, oferecendo suporte em saúde mental via internet através de teleconsultorias para cinco hospitais gerais de áreas rurais. O projeto foi avaliado na fase piloto e depois de ser instituído como rotina. Altos níveis de satisfação e de aceitação foram verificados nas duas fases. A experiência canadense vem se expandindo com a participação de outros centros acadêmicos e novos projetos. Atualmente vem tomando lugar como forma oficial de oferecer suporte para profissionais e assistência médica direta a pacientes em saúde mental, com ênfase nas comunidades rurais e aborígenes mais remotas (River Valley Health, 2006; Brasfield C, 2007; Gibson KL, 2011).

Como pode ser visto, a tecnologia telessaúde na área de saúde mental vem sendo utilizada prioritariamente na forma de teleconsultorias e para atendimento direto a pacientes. A sua utilização como meio de prover educação médica continuada a médicos

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33 em saúde mental tem sido menos praticada, embora os próprios médicos considerem que necessitam de intervenções educacionais (Haggerty J, 2010; Taft AJ, 2011; Morrell CJ, 2011).

3.5. Educação médica à distância em saúde mental

Como apresentado na introdução, no segundo semestre de 2009 conduzimos um estudo piloto de intervenção educacional em Saúde Mental à distância para profissionais de ESF. Como conclusão principal, verificamos que a estrutura de intervenção para o médico necessariamente deveria ser diferente da estrutura de intervenção para profissionais não médicos. Isto porque para os médicos aprofundar questões como diagnóstico e tratamento é fundamental, enquanto que para profissionais não médicos mais importante é a abordagem inicial e encaminhamento de portadores de transtornos mentais.

Tendo por objetivo buscar a dinâmica e estruturação de intervenções educacionais à distância em saúde mental para médicos de APS, realizamos uma revisão sistemática sobre o assunto. Foram pesquisados artigos publicados em língua inglesa ou portuguesa nas bases de dados Pubmed, Lilacs, Embase Cochrane até 30 maio de 2012. Utilizamos como termos de pesquisa (e-mental health OR telepsychiatry OR (telemedicine AND psychiatry)) AND (education OR training) nos resumos ou títulos. Localizamos 390 artigos através desta busca, sendo então analisados todos os resumos a fim de verificar se algum dos artigos correspondesse ao nosso objetivo. Deste total, localizamos 15 artigos onde havia menção à utilização de educação médica em saúde mental via telemedicina. Após leitura e análise destes artigos, não localizamos nenhum artigo cujo objetivo fosse avaliar de forma isolada uma intervenção em saúde mental à distância para médicos de APS. Optamos então por analisar os estudos com

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34 intervenções aplicadas simultaneamente a médicos e outros profissionais de APS.

Resultaram apenas 4 artigos em que houve apresentação de intervenções em saúde mental à distância com avaliação isolada de outras formas de intervenção, tais como teleconsultorias. Todos os estudos são oriundos da Austrália, país pioneiro na área. Três estudos foram com delineamento tipo antes-depois e quantitativos e um foi estudo de dois casos e teve análise qualitativa. A seguir uma breve apresentação dos estudos.

O primeiro estudo foi um programa concebido com base no protocolo da OMS para diagnóstico e tratamento de transtornos mentais em APS. Seiscentos profissionais de saúde mental participaram de 60 módulos quinzenais de duas horas cada na forma de videoconferência, sendo que metade recebeu o treinamento na forma presencial e metade na forma à distância. Além da apresentação explanatória dos tópicos do protocolo da OMS, foram fornecidas vinhetas de casos clínicos para que fosse definido um diagnóstico para cada caso. A avaliação foi feita através da satisfação com o treinamento e impressões gerais dos participantes sobre o treinamento. Os participantes declararam que o número de aulas foi excessivo (60) além de que as aulas foram muito longas (2 horas). Solicitaram que os próximos treinamentos fossem de frequência semanal, mais breves e com menos aulas. Também acharam que deveria ter no máximo 5 pontos à distância por videoconferência (eram 15). A satisfação e o aprendizado foram considerados bons e semelhantes no curso à distância e no presencial (Janca A, 2002).

Outro estudo testou um treinamento à distância para médicos de família e agentes comunitários de saúde da zona rural do sul da Austrália. Participaram 46 agentes comunitários de saúde mental de nove áreas e 20 médicos de cinco áreas. Foram oito módulos de uma hora cada abrangendo os seguintes tópicos: depressão e ideação suicida na psicose; síndrome de descontinuação de IRSS (antidepressivos inibidores da

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35 recaptação de serotonina) com identificação e manejo; manejo da esquizofrenia; manejo da primeira psicose; mudança de antipsicóticos típicos para atípicos; terapia cognitivo comportamental nos transtornos mentais; visão geral do transtorno obsessivo compulsivo; e manejo do transtorno borderline. Estes temas foram definidos por experts da área e a partir de questionamentos aos próprios profissionais alvo da intervenção educacional. Cada módulo era composto por uma parte onde o tópico era apresentado seguido por breve discussão. Os desfechos considerados foram os mesmos do estudo anteriormente citado, ou seja, satisfação com os módulos e impressões gerais sobre o treinamento. A satisfação foi avaliada em escala Likert de 5 pontos. A médica no escore de satisfação foi de 4,6 para os profissionais de saúde mental e 4,1 para médicos. Estes últimos relataram que o serviço ajudou a reduzir o sentimento de isolamento, contribuiu com necessidades de aprendizado, atendeu necessidades clinicas, ajudou no desenvolvimento profissional e na confiança e competência em manejar pacientes com transtornos mentais. Por fim, foi útil ao evitar viagens para receber treinamento (D’Souza R, 2000).

O terceiro estudo foi realizado com profissionais de um distrito rural na região centro-leste de Newfoundland e Labrador (Austrália). Todos profissionais envolvidos com atendimento de saúde mental e 34 pessoas de várias áreas, tais como clérigos, polícia e professores, participaram. Um levantamento de necessidades foi feito com 20 profissionais, que serviu de base para definição dos tópicos a serem discutidos. O objetivo foi verificar o grau de confiança em lidar com 26 questões de saúde mental, considerando abordagens de aconselhamento e terapêuticas. Também tinha como objetivo verificar os modos preferidos de treinamento, suporte e consultoria avaliado por entrevista autorrespondida aplicada no início e novamente ao final do projeto, juntamente com outras questões sobre a utilidade da intervenção. Ao final de cada

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36 videoconferência por satélite era solicitado aos participantes que preenchessem um questionário autorrespondido sobre satisfação com o conteúdo, processo e aspectos técnicos da sessão.

Baseado nas necessidades da comunidade, três tipos de recursos foram produzidos: website, recursos bibliográficos por vídeo e impressos de auto-ajuda e uma série de videoconferências via satélite. O treinamento foi realizado em 12 videoconferências durante 14 meses onde os assuntos definidos a partir das necessidades dos participantes eram apresentados de forma explanatória e depois era propiciada interação entre os participantes e o capacitador. Como pontos positivos foram destacados: aumento do conhecimento e habilidades em saúde mental; aumento da sensibilidade para questões de saúde mental; aumento das conexões interdisciplinares; e melhoria da coesão e suporte entre todas as áreas participantes (Cornish PA, 2003).

Por fim, um estudo de dois casos foi relatado com análise qualitativa em que objetivava avaliar a aceitabilidade de um programa de treinamento à distância em psiquiatria infantil dirigido a todos os profissionais de saúde de duas cidades do sul da Austrália - Roxby Downs e Coober Pedy, que se voluntariaram para o estudo durante dois anos (1998 e 1999). O treinamento foi provido pelo Serviço de Saúde Mental para crianças e adolescentes do Hospital da Criança e da Mulher de Adelaide. Os tópicos, definidos pelos participantes, foram os seguintes: autismo e síndrome de Asperger, auto-agressividade, implicações clínicas de problemas de apego, luto e manejo clínico de adolescentes deprimidos. Os módulos foram gravados na forma de palestra e distribuídos aos participantes. Como resultados, verificaram que, apesar de problemas técnicos ocasionais, houve uma atitude bastante positiva em relação à tecnologia à distância. O fato de o curso ter sido ministrado através de videoconferências não foi de

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37 nenhuma forma impeditivo para uma boa comunicação entre capacitadores e participantes. Além disso, os participantes mostraram-se bastante motivados no uso da ferramenta pois permitiu acesso ao desenvolvimento profissional permanecendo na própria cidade, com economia de custos e tempo com viagens, além de permitir contato com especialista (Mitchell JG, 2001).

Devido à inexistência de estudos sobre treinamento à distância em saúde mental especificamente para médicos de APS, buscamos na literatura os artigos mais relevantes sobre este tipo de intervenção na forma presencial. Pesquisamos nas bases de dados Cochrane, Lilacs, Pubmed e Scielo artigos originais ou de revisão em língua inglesa ou portuguesa publicados entre 01 de janeiro de 2000 a 30 de maio de 2012 com os seguintes termos de busca (medical training OR medical education) and (mental health) and (physician OR general practitioner) nos resumos ou título. Resultaram 136 artigos. Analisados os resumos, foram incluídos 14 artigos.

Destacamos a seguir alguns estudos analisados sobre intervenções educacionais em saúde mental na forma presencial.

O estudo randomizado de Lin et al (1997) testou o treinamento sobre tratamento de depressão em 44 médicos, sendo 22 o grupo que recebeu a intervenção e 22 o grupo controle. A intervenção foi baseada no AHCPR Depression Guidelines, sendo feita na forma presencial (workshops) de um turno versando sobre o tratamento da depressão. Depois os médicos poderiam fazer consultorias para manejo em conjunto dos pacientes. Os desfechos avaliados foram mudanças nos sintomas depressivos medidos por mudanças no Inventory of Depressive Symptomatology (IDS) e nos 20 itens de depressão do Symptom Checklist 90 (SCL-90). A satisfação do paciente foi medida em escala Likert de 5 pontos de pobre a excelente. Outros desfechos foram seleção de antidepressivo, adequação (dose e duração) da farmacoterapia, regularidade e

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38 frequência no seguimento. Não foi verificado melhora em nenhum dos desfechos após o período de intervenção. O estudo sugere que o treinamento do médico apenas é insuficiente, e que uma reestruturação do serviço para atender às demandas em saúde mental se faz necessária.

Outro estudo foi realizado na área de captação dos serviços de saúde mental do sul de Bristol, Reino Unido. Quinze unidades de APS participaram de treinamento para disseminação do CID-10 PHC (Primary Health Care), protocolo de diagnóstico e manejo editado pela OMS. Outras quinze unidades compunham o grupo controle. Não houve impacto da intervenção em relação à sensibilidade e especificidade na detecção de transtornos mentais menores entre os grupos. Também não foi verificada melhora nos escores de incapacidade e qualidade de vida dos pacientes ou na satisfação dos pacientes com as consultas (Croudace T, 2003). Interessante notar que nos dois estudos recém descritos, assim como na maioria dos estudos com resultados negativos, a intervenção foi focada basicamente em treinamento para disseminação de protocolos de reconhecimento e manejo de patologias mentais, com pouca ou nenhuma ênfase nos aspectos da entrevista psiquiátrica e das habilidades em consulta. Ou seja, parece que focar intervenções em protocolos apenas pode não ser uma boa estratégia, mesmo que este seja direcionado para o atendimento em APS e modificado de forma colaborativa por médicos de APS participantes da intervenção e psiquiatras, como no segundo estudo.

Por outro lado, um estudo realizado na Suíça utilizou programas educacionais para diagnóstico e tratamento de depressão para médicos generalistas da ilha de Gotlândia, Suécia entre 1983 e 1984, com enfoque em habilidades de comunicação. As entrevistas de base ocorreram em 1982, uma primeira avaliação da intervenção em médio prazo em 1985 e em longo prazo em 1988. Os resultados mostraram benefícios

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39 como aumento na frequência de tratamento, melhora no padrão de prescrição de drogas psicofarmacológicas e diminuição na frequência de suicídio. Uma análise de custo benefício em termos de morbimortalidade demonstrou um impacto econômico significativo com esta intervenção (Rutz W, 1990). Porém, em 3 anos de seguimento, os índices de suicídio e de hospitalizações por razões psiquiátricas voltaram a aumentar e o padrão de prescrição estabilizou (Rutz W, 1992).

Analisados este estudo, levantamos o que deve ser considerado para que um programa de educação tenha sucesso?

Com base na revisão de literatura que realizamos, para que uma intervenção educacional seja bem sucedida alguns pontos são fundamentais. Primeiro, deve haver cooperação entre quem propõe a estratégia e quem será capacitado. Para que isto aconteça é prioritário que ambos concordem com os tópicos que serão trabalhados, o que parece óbvio porém nem sempre é considerado. Isto porque o que psiquiatras que desenvolvem tais intervenções consideram fundamental para ser estudado nem sempre é a realidade e necessidade dos médicos de APS. Os primeiros tendem a visualizar o atendimento em APS como uma simples extensão do atendimento especializado, o que está muito distante da realidade (Lin EH, 1997; Brown JB, 2000; Thompson C, 2000; Styra R, 2004; White G,2011).

Em revisão realizada por Hodges et al de 400 artigos publicados de 1950 a 2000 sobre o assunto, esta questão está abordada com propriedade. Os autores afirmam que para os psiquiatras é mais fácil abordar critérios diagnósticos e tratamento aplicados em nível especializado, pois esta é sua prática comum. Entretanto médicos de APS lidam com casos mais complexos, com portadores de transtornos mentais apresentando prioritariamente queixas somáticas e com apresentações clínicas não devidamente especificadas nos manuais diagnósticos. Estes obstáculos no diagnóstico devem ser

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