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Palavras-chave: Primeira República; Lima Barreto; crônica; ensino de história; literacia histórica.

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486 O 15 DE NOVEMBRO DE LIMA BARRETO E O ENSINO DE HISTÓRIA

Vanessa Kiara Rodrigues Milian Orientadora: Profª Dra Márcia Elisa Teté Ramos

Universidade Estadual de Londrina

Resumo: Apresenta-se uma discussão sobre o uso das crônicas do autor Lima

Barreto no ensino, considerando o período histórico da Primeira República. A militância social do autor fica evidente em diversas obras; nos seus romances, diários, contos e em suas crônicas. Barreto registrou de forma crítica as impressões, contradições e reflexões sobre o período, principalmente no que se refere à desigualdade social, econômica e política vivida pelas camadas mais pobres. A utilização da crônica 15 de Novembro do autor como fonte histórica em sala de aula pode permitir que os estudantes sejam inseridos no fazer historiográfico e discutam as diferentes visões deste momento da história do país desenvolvendo conceitos de segunda ordem além dos conceitos substantivos. Consideramos resultados parciais de pesquisa referente a esta possibilidade de utilização da fonte histórica como forma dos discentes estabelecerem e refletirem sobre traços de continuidade e descontinuidade históricas, relacionando a formação atual da sociedade com mudança vivida pelo Brasil na passagem do século XIX para XX. Espera-se que a fonte literária no ensino de história seja não apenas uma ferramenta didática, mas principalmente o caminho para os estudantes construírem uma literacia histórica.

Palavras-chave: Primeira República; Lima Barreto; crônica; ensino de história;

literacia histórica.

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487 Introdução

O presente trabalho1 discutirá o uso da crônica 15 de Novembro2 do autor Lima Barreto no ensino de história, mais especificamente para o ensino dos conteúdos referentes à Primeira República. O uso desta fonte literária em sala de aula permite aos alunos o trabalho com documento, possibilitando que eles acessem uma diferente narrativa a respeito do conteúdo estudado.

No entanto, a abordagem por meio desta fonte não visa ilustrar o pensamento daquele período, mas tem como finalidade problematizar o período republicano e por meio desta problematização inserir os alunos no fazer historiográfico permitindo-os desenvolver por meio da análise do documento formas de ler e compreender o mundo historicamente.

A habilidade de se situar e compreender as relações temporais que são próprias do pensamento histórico, entre elas os processos de mudanças e permanências, possibilitam a construção de um conhecimento específico e inerente à História, a própria literacia histórica.

Os alunos podem sugerir seus próprios critérios para acessar a mudança, e ver as formas nas quais a “história” (de qualquer maneira simplificada) muda como um resultado, fazendo suas próprias interpretações, não numa fantasia juvenil, mas acessando o significado da mudança e os temas modelos. Uma estrutura permitirá aos alunos elaborá-la e diferenciá-la no encontro com novas passagens da história, consolidando sua coerência interna, fazendo conexões mais complexas entre os temas e subdividindo e recombinando temas para propósitos diferentes. (LEE, 2006, p. 147)

Estas conexões poderão ser feitas quando os estudantes, em um primeiro momento, recorrem aos seus conhecimentos prévios, e a partir daí começam a entender a história como uma disciplina relacionada com sua vida, complexa, a qual trabalha com o passado, mas sempre interligada com o presente.

O reconhecimento do aluno como protagonista do processo de ensino e aprendizagem é um passo importantíssimo, o qual permite discussões não apenas sobre como ensinar história, mas como este processo acontece atualmente. Flavia

1

Este artigo apresenta reflexões que serão desenvolvidas em maior profundidade em Dissertação de Mestrado ainda em elaboração.

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A crônica 15 de Novembro foi publicada inicialmente na revista Careta no dia 26 de novembro de 1921.

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Caimi (2009) reflete sobre os desafios de ensinar história contemporaneamente devido a grande diversidade social e cultural que estes alunos estão imersos. Entretanto, apesar deste quadro, a autora adverte que o reconhecimento da complexidade do universo vivido pelos alunos, bem como a singularidade de cada sujeito, é o primeiro passo para um ensino promissor.

[...] o aprender implica um processo construtivo/reconstrutivo do sujeito, dado que o conhecimento não se copia, não se transmite, mas se estrutura progressivamente nas interações qualificadas entre o sujeito, o meio físico, social, simbólico (CAIMI, 2009, p. 68)

Os alunos e os professores estão inseridos em um meio social que deve ser considerado, pois a vivência pessoal e coletiva deles faz parte de uma realidade histórica “a qual deve ser analisa e trabalhada, com o objetivo de convertê-la em conhecimento histórico, em autoconhecimento, uma vez que, desta maneira, os sujeitos podem inserir-se a partir de um pertencimento” a qual permite a “ordem de vivências múltiplas e contrapostas na unidade e na diversidade do real” (SCHMIDT; GARCIA, 2006, p.11).

Ensinar história não se limita à metodologia adotada para abordar determinado conteúdo, mas engloba também considerar e compreender que diversos fatores significam e resignificam a história ensinada. A partir da interação entre o conhecimento prévio do sujeito com o mundo social, aqui, em específico, o professor, os demais estudantes, o conteúdo a ser trabalhado em suas diferentes narrativas, surgirá algo novo, uma nova interpretação do passado, a qual terá um significado singular para cada agente envolvido.

A partir de tais considerações sobre os conceitos de aluno, ensino e aprendizagem, fizemos um recorte temporal para presente pesquisa, definindo os conteúdos históricos e a temática a serem trabalhados em sala de aula. O período da Primeira República, marcado por diversas transformações, resultados, em um primeiro momento da abolição da escravidão (1888), da mudança de sistema político (1889) e das reformas urbanas ocorridas no início do século XX. Pretendemos discutir com os alunos como estes processos marcaram o início do novo sistema político.

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489 A fonte literária no ensino de história

Um dos maiores problemas em ensinar história é desconstruir a visão consolidada em que grande parte dos alunos tem de que ela é uma disciplina que estuda o passado, dotado de uma única verdade, única versão3. Isto porque, muitas vezes o único material que eles têm acesso é o livro didático, o qual por si só, não “dá conta” de discutir a construção do conhecimento histórico e nem tampouco as diferentes narrativas sobre o mesmo passado. Aí a importância do professor em trabalhar com diferentes fontes históricas em sala de aula, além de discutir que a história é também uma narrativa, construída por historiadores, os quais escolhem um objeto e, por meio da análise dele, constroem novas narrativas.

O passado é o objeto de estudo do historiador, apenas acessível pela linguagem que o ordena; a história é um discurso que os historiadores produzem como resultado de um longo trabalho de seleção de fontes, de seleção do método e de seleção da teoria, mergulhado em importantes conflitos e lutas políticas do presente. (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p.117)

Não se pretende fazer dos estudantes pequenos historiadores, mas é de extrema importância eles entenderem como a história é construída e que eles sejam inseridos neste processo. O caminho para tal prerrogativa é o uso do documento em sala de aula, por meio da análise de fontes, resultando na construção do conhecimento histórico.

Assim como na pesquisa histórica, há vários elementos que devem ser considerados ao trabalhar com a fonte literária em sala de aula, o primeiro passo, como já mencionado é investigar o que os alunos conhecem sobre o conteúdo em questão, depois é preciso contextualizar o documento a ser analisado. A contextualização da fonte já é uma narrativa possível sobre o período estudado, podendo ser contraposta com o material didático à disposição dos estudantes. Deste modo, a fonte lhe é apresentada e deverá ser questionada a partir de problematizações estabelecidas pelos alunos e o professor.

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Diversos trabalhos têm investigado estas concepções dos alunos sobre o que é a disciplina e o estudo de história. Entre eles, BARCA (2001), LEE (2008) e SCHMIDT (2011).

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O “professor de História na escola estabelece as diferenças entre os discursos que se propõem a recriar o passado e o relato historiográfico” discutindo a especificidade de cada narrativa, e refletindo que cada qual é uma representação do passado. Este que pode ser lido, “através dos vestígios deixados pelas gerações anteriores” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p.119).

O trabalho com documento em sala de aula se torna fundamental para desconstruir a ideia de que o passado é posto tal como existiu e que existe apenas uma verdade em história, de modo que, “num mundo de informação plural, será desejável que os alunos aprendam, de forma gradual, a comparar e a seleccionar criteriosamente narrativas e fontes divergentes sobre um determinado passado” (BARCA, 2006, p. 96).

O trabalho com múltiplas fontes e visões em sala de sala, baseando-se em critérios históricos científicos, permite a desconstrução de ideias já interiorizadas, de preconceitos e paradigmas que o aluno possa estar habituado. É uma atividade constante que gradativamente o fará levar para vida uma “história substantiva” (LEE, 2006, p. 140), assim o passado deixa de ser uno e a história é destituída de uma verdade universal.

Só quando as crianças compreendem os vestígios do passado como evidência no seu mais profundo sentido – ou seja como algo que deve ser tratado não como mera informação mas como algo de onde se possam retirar respostas a quês que nunca se pensou colocar – é que a história se alicerça razoavelmente nas mentes dos alunos enquanto actividade coma algumas hipóteses de sucesso. (LEE, 2003, p. 25)

A fonte literária pode ser tida como evidência a partir do momento em que os alunos compreendam-na como um discurso construído e carregado de significados referentes àquele período. Se os estudantes entenderem então que a análise da fonte terá um novo significado e não reproduzirem a mesma narrativa tal como fora escrito, o ensino de história estará cumprindo seu papel.

Optamos por trabalhar as crônicas do autor Lima Barreto (1881-1922)4, o qual observou e registrou suas impressões sobre o período republicano. Grande parte da

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Batizado como Afonso Henriques de Lima Barreto, filho de professora e funcionário da Tipografia Nacional, o autor se reconhecia como mulato. Cresceu vendo as transformações políticas e sociais da passagem do século XIX para XX. Chegou a cursar Engenharia na Escola Politécnica, mas abandona o curso após várias reprovações em uma disciplina. Com a doença do seu pai, Lima

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sua vida foi marcada pela sua intensa produção literária como jornalista. O autor foi contribuinte de vários jornais e revistas5, além de ter escrito diversos gêneros como romance, contos, crônicas e diários.

O caráter urbano e o realismo social estão presentes nos textos do escritor, mas principalmente a sua origem social é refletida em sua forma de pensar. Lima Barreto tentou a vida inteira dissociar o conceito de inteligência relacionada à condição social, entretanto “a violência da sociedade brasileira que, pelo preconceito, restringe as possibilidades de vida aos negros e aos seus descendentes, está presente em toda obra de Lima Barreto” (MACHADO, 2002, p.57).

As condições existenciais de Lima Barreto e o intenso sofrimento que delas decorreu foram marcas tão fortes em sua literatura, que lhe imprimiram não só a temática dominante – a questão do preconceito enlaçada em traços bibliográficos – como também a forma literária que rompe com os cânones estabelecidos até então no universo literário brasileiro. Sua obra transforma em um grito de protesto contra sua origem, contra o sofrimento dos que vivem nas mesmas condições. (MACHADO, 2002, p.58).

Lima Barreto durante sua trajetória considerou a literatura como objeto máximo de sua vida, introduziu ao campo a temática social, a militância literária e vivenciou a própria transformação da imprensa e se tornou um grande colaborador de jornais com cunhos sociais e políticos. O autor buscou estabelecer o papel entre o intelectual e seu público, por meio de uma linguagem clara e uma escrita simples.

Nicolau Sevcenko (2003) faz um estudo intenso sobre este período a partir do dialogo historiográfico com as obras de Lima Barreto e Euclides da Cunha. Este momento foi caracterizado por uma transição política a qual necessitava inserir o país dentro do contexto exterior a si, o da Belle Époque, mas que vivia o paradoxo da sua realidade social: modernizar-se a todo custo, mesmo que para isto fosse necessário excluir grande parte da população que não condizia com este ideário civilizado.

Barreto se inscreve e é aprovado para o cargo de amanuense na Diretoria do Expediente da Secretaria de Guerra em 1903 e continua neste cargo até sua aposentadoria em 1917. Durante toda sua vida se sentiu frustrado por não conseguir se manter financeiramente com sua produção literária.

5

Ver mais em ENGEL, Magali Gouveia. Crônicas cariocas e o ensino de história. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.

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Lima Barreto, segundo Sevcenko, traz à literatura uma originalidade a qual não distingue estilos literários, elevando assim seus escritos a um caráter combativo, social, além da busca pelo estético. Barreto conseguiu assim discutir uma amplitude de temas diversos, mas sempre se ocupou do cotidiano, as baixas camadas sociais, as transformações dos ambientes, ou melhor, do Rio de Janeiro. Elementos estes que são importantes para o estudo historiográfico do período, segundo o historiador:

O estudo da literatura conduzido no interior de uma pesquisa historiográfica, todavia, preenche-se de significado muito peculiares. Se a literatura moderna é uma fronteira extrema do discurso e o proscênio dos desajustados, mais do que o testemunho da sociedade, ela deve trazer a si a revelação dos seus focos mais candentes da tensão e mágoa dos aflitos. Deve traduzir no seu âmago mais um anseio de mudança do que os mecanismos da permanência. (SEVCENKO, 2003, p. 29).

Por fim, o escritor carioca, neste sentido, deixou uma obra muito vasta. Caracterizado como um romancista social e um grande cronista, colocou como protagonistas de seus romances personagens viviam à margem do sistema. Com seu estilo simples e ao mesmo tempo muito crítico, por meio de suas crônicas, posicionou sua visão de mundo e suas reflexões acerca da Primeira República.

O estudo

Nosso trabalho é dividido em duas partes, a primeira está centrada no uso das crônicas de Lima Barreto em sala de aula6 para o ensino da Primeira República. Em um primeiro momento, por meio de questionários escritos, investigaremos as ideias dos alunos não apenas sobre o período estudado, mas também a respeito da própria disciplina. Ainda nesta primeira etapa, faremos conjuntamente a análise das crônicas selecionadas, e discutiremos como a narrativa histórica é construída.

A Educação Histórica é nosso referencial teórico para o desenvolvimento desta pesquisa, pois visamos investigar como os alunos compreendem e assimilam a história – além do conteúdo em si – pois eles, assim como o professor, são os

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Trabalharemos com duas turmas de 8º ano em escolas diferentes na cidade de Londrina-PR. Uma turma de escola estadual periférica na zona norte da cidade e outra turma de uma escola privada na região leste de Londrina.

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agentes principais do processo de ensino e aprendizagem. Outro aspecto importante é que “nessa área, os investigadores procuram focar a sua atenção nos princípios, fontes, tipologias e estratégias de aprendizagem histórica [...] investigando o significado da aprendizagem histórica nos artefatos da cultura escolar” (CAINELLI; SCHMIDT, 2012, p. 509).

O trabalho com a fonte histórica em sala permite que o aluno desenvolva a compreensão do pensamento histórico, por isto o ensino não pode ser centrado apenas na acumulação de conteúdos, em torno destas questões que pauta a Educação Histórica:

Como os alunos compreendem a disciplina História?

Por essa pergunta, entendamos que ela não está questionando os conteúdos, quanto os alunos sabem sobre quando ou onde algo aconteceu. Ao invés disso, a preocupação é com o que eles entendem que seja a História. Essa compreensão requer dos alunos um entendimento de que História é uma disciplina específica, com uma metodologia própria. Tem idéias e um vocabulário característicos, como fontes, investigação, verdade, validade, etc. Requer a percepção de que História não existe por si mesma, mas é produto de um trabalho de determinadas pessoas. É um conhecimento específico (COSTA; OLIVEIRA, 2007, p. 156).

Após conhecermos as ideias prévias dos alunos, e do trabalho com as fontes literárias e aula, entraremos na segunda etapa do trabalho, a qual nos fornecerá e constituíra também nossa fonte da pesquisa, ou seja, as próprias narrativas dos alunos após as intervenções na aula de história.

As ideias prévias e as narrativas resultantes do trabalho em sala de aulas são partes fundamentais da nossa investigação, pois por meio da comparação e análise entre elas poderemos averiguar se houve uma progressão no conhecimento histórico dos estudantes, e se os usos das fontes possibilitaram o desenvolvimento da literacia histórica nos mesmos. Observaremos também, se os discentes conseguiram relacionar as diferentes temporalidades por meio da análise das fontes, destacando processos de continuidade e descontinuidade.

Outro aspecto importante na compreensão histórica e na forma de ler o mundo historicamente é conceito de empatia histórica trabalhada por Peter Lee. A empatia, neste sentido é o que fazem os alunos entenderem como os agentes

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históricos tinham uma perspectiva sobre o seu mundo, e como eles agiam em determinados momentos específicos (LEE, 2003, p. 20).

O uso de diferentes fontes e a problematização de diferentes narrativas sobre o passado histórico, contribuem para que os estudantes olhem o passado de forma “honesta”, sem os julgamentos do presente, e este, segundo Peter Lee é um dos maiores propósitos da disciplina.

Dificilmente se poderá dizer que entenderam a História se os alunos que frequentam a disciplina de História e que mantêm uma rejeição completa relativamente às pessoas no passado, que não as vêem como seres humanos com direito ao mesmo respeito que exigimos para nós. Se os alunos não têm essa disposição para tratar as pessoas o passado honestamente, reconhecendo os motivos que o fizeram – pelo menos como uma assunção geral – então a disciplina de história falhou os seus mais importantes e fundamentais propósitos. (LEE, 2003, p. 21)

Pensando em todos os aspectos já mencionados, para a contextualização e discussão acerca da Primeira República, selecionamos quatro crônicas de Lima Barreto para serem trabalhadas em sala de aula. A primeira intitulada A Derrubada foi publicada inicialmente no Jornal Correio da Noite, em 31 de dezembro de 1914, no ano seguinte em 19 de janeiro As Enchentes foi publicada no mesmo periódico, a terceira crônica Pais Rico saiu na revista Careta em oito 8 de maio de 1920 assim como a crônica 15 de Novembro datada de 26 de novembro de 19217.

Focaremo-nos neste trabalho o uso da crônica 15 de Novembro no ensino de história, seguindo a metodologia acima citada. Esta crônica fora escrita no dia seguinte ao trigésimo segundo aniversário da República e contém uma análise profunda sobre o quadro do país naquele período. Embora o texto seja da década de 20, Lima Barreto faz uma reflexão mais ampla, não focando apenas nos problemas de então. Embora a produção do autor seja extensa, muitas das suas obras contêm traços comuns. No que diz respeito às crônicas, podemos encontrar traços similares referentes às críticas do autor nas questões sociais, políticas e urbanas da cidade do Rio de Janeiro.

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495 15 de Novembro é um texto que permite aos alunos indagarem várias

problemáticas expostas nela, não como uma narrativa única e verdadeira, mas justamente questionar os motivos que levaram o autor a tocar em determinadas questões e não em outras, além de refletir quem são os personagens históricos apresentados na crônica. Outro aspecto importante é relação entre o passado e o presente que pode ser estabelecida, permitindo aos discentes identificarem traços de continuidades e rupturas com a República atual. Podemos refletir o pensamento de Lima Barreto nos seguintes fragmentos:

Veio, entretanto, vontade de lembrar-me o estado atual do Brasil, depois de trinta e dois anos de República. [...] Eu me comovi com a exposição do doutor Ciro, mas me lembrei ao mesmo tempo do aspecto da Favela, do Salgueiro e outras passagens pitorescas desta cidade.Em seguida, lembrei-me de que o eminente senhor prefeito quer cinco mil contos para reconstrução da avenida Beira-Mar, recentemente esborrachada pelo mar. Vi em tudo isso a República; e não sei por quê, mas vi. Não será, pensei de mim para mim, que a República é o regime da fachada, da ostentação, do falso brilho e luxo de parvenu, tendo como repoussoir a miséria geral? (BARRETO 1921)

Dentro da temática abordada no texto, podemos discutir com os alunos diferentes conceitos, como miséria, favela, modernização, República entre outros, sempre os contextualizando dentro daquele momento histórico e buscando tecer a relação com a nossa sociedade hoje em dia. Assim, quando os estudantes “compreendem que nós podemos colocar questões e que essas fontes não foram desenhadas para responder, pode ser possível que os alunos pensem em termos de evidência”, assim eles podem enxergar a fonte não mais como relato (LEE, 2008, p.18).

Outro aspecto importante a ser trabalhado em aula é a desconstrução da história como narradora de grandes eventos e grandes homens, mostrando para os alunos que ela é feita por diferentes agentes em suas vidas cotidianas. O trabalho com a crônica permite alcançar o caráter deste cotidiano como aponta Magali Engel:

as crônicas são, de fato, fonte ricas e atraentes para história em suas mais diversas dimensões. Tecidas no cotidiano da vida, revelam-se muitas vezes mais coloridas e dinâmicas do que os textos dos livros didáticos ou de outros tipos de fontes. Através de uma linguagem mais enxuta, que dialoga com os leitores de forma direta e objetiva, as crônicas falam de um dia-a-dia que, mesmo distante, pode revelar alguma afinidade com o osso tempo, ao procurar dar conta das dimensões mais comuns do vivido. (ENGEL, 2008, p. 12)

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E embora tenha se passado quase um século da República que Lima Barreto escrevia, podemos estabelecer relações históricas entre o passado histórico e o nosso presente, buscando traços de permanência no cotidiano apresentado e discutindo o porquê destes persistirem em nossa história.

Considerações finais

Como já apontado em outros momentos, a preocupação central é refletir a importância do uso da fonte histórica em sala de aula, para que, desta forma, seja possível para os estudantes serem agentes ativos do fazer historiográfico. Além de inseri-los neste processo, é possível, desmistificar a ideia de que a história é única, universal e que o passado de nada se relaciona com o presente.

A partir do entendimento de que os alunos são sujeitos históricos, reflexivos e capazes de construírem conhecimentos e suas próprias identidades, percebemos que se torna necessário investigar as suas ideias sobre a história na possibilidade de estimularmos a desconstrução e construção de conceitos, e, principalmente, investigarmos porque pensam de uma determinada forma e não de outra.

Os pesquisadores do ensino de história, bem como o professor/pesquisador, têm um desafio grande quando propõe refletir sobre o papel da história hoje e principalmente sobre a sua implicação na vida prática de todos os agentes envolvidos. Entretanto, apenas a partir de uma reflexão contínua e uma prática exaustiva entre o fazer histórico e o ensinar história, que é possível superar a visão da disciplina enquanto detentora de uma verdade absoluta, ou possuidora de passado esvaziado de sentido.

[...] Se este é o ponto de partida da ciência da História, pode ser também assumido como finalidade da aprendizagem da História. Isso porque parte-se do pressuposto de que parte-se aprende História porque a vida cotidiana nos impõe determinados interesses relacionados a nossa necessidade de orientação no fluxo do tempo (passado, presente, futuro) e de nos apoderamos do passado, a partir do presente, por meio do conhecimento. (SCHMIDT, 2011, p. 83)

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Schmidt aponta que o ensino de história pode e precisa partir do mesmo pressuposto da ciência histórica. Assim, o ponto de partida para ida ao passado, não é por uma ação mecânica, mas devido a necessidades e interesses impostos pela vida cotidiana. Assim, é possível que os sujeitos envolvidos nos processos educacionais compreendam que “o ensino de história afeta o aprendizado de história e o aprendizado de história configura a habilidade de se orientar na vida e de formar uma identidade histórica coerente e estável” (RÜSEN, 2006, p. 16).

Fonte

BARRETO, Lima. 15 de novembro. Revista Careta, Rio de Janeiro, ano XIV, n. 701, p. 01, 26 nov. 1921. Acervo da Biblioteca Nacional.

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