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Isaac Asimov Magazine 23

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Academic year: 2021

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ISAAC ASIMOV

MAGAZINE

FICÇÃO CIENTÍFICA

NÚMERO 23

Novela

126 Cyclops - David Brin Noveleta

34 Com Muita Honra - Judith Moffett Contos

66 A Melhor Arma de Doenitz - Carlos Anfre Morés e Antonio Cesar de Oliveira 92 Os Pequenos Monstros - Amy Bechtel

104 O Prisma - Bernard Kawa Kac

112 Sentado à Beira da Piscina, Tomando Sol - Frederik Pohl Seções

5 Editorial: Suspense II - Isaac Asimov 9 Cartas

12 Depoimento: Poções de Amor - Tom Rainbow 25 Títulos Originais

26 Resenha: Linha Terminal e Amorquia - Roberto de Souza Causo 32 Biografia: Amy Bechtel - Jay Kay Klein

Copyright © by Davis Publications, Inc. Publicado mediante acordo com Scott Meredith Literary Agency. Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela

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EDITORA RECORD Fundador ALFREDO C. MACHADO Diretor Presidente SERGIO MACHADO Vice-presidente ALFREDO MACHADO JR. Departamento Comercial - Diretor ROBERTO COMBOCHI

Departamento Industrial - Diretor ROBERTO BRAGA

REDAÇÃO Editor

Ronaldo Sergio de Biasi Supervisora Editorial Adelia Marques Ribeiro Chefe de Revisão Maria de Fátima Barbosa

ISAAC ASIMOV MAGAZINE é uma publicação mensal da Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S. A. Redação e Administração: Rua Argentina, 171 - Rio de Janeiro - RJ - Tel.: (021) 580-3668 - Caixa Postal 884 (CEP 20001, Rio/RJ). End. Telegráfico: RECORDIST,

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EDITORIAL

ISAAC ASIMOV

Suspense II

Em um editorial anterior, discuti a questão do suspense de forma ge-ral, quase teórica. Gostaria agora de falar do assunto mais objetivamente.

Por exemplo: existe alguma forma de descrever o suspense de forma concisa, em uma palavra ou duas?

Alguém poderia dizer que o “perigo” é um dos ingredientes indispen-sáveis para que haja suspense. Nosso herói se encontra em sérias dificuldades e pode ser assassinado a qualquer momento pelos cruéis homens-ostras do planeta Zplchk. Conseguirá ele escapar? Como? Começamos a roer as unhas enquanto o autor estica a narrativa, chamando a atenção para o perigo, con-tando novos detalhes, tornando a situação ainda pior.

Entretanto, basta pensarmos um pouco para vermos que existem si-tuações de alto suspense que não envolvem nenhum perigo físico. Você já esperou pelo resultado de um concurso? Ou de uma eleição?

Ninguém está ameaçando atirar em você. Caso se saia mal no concur-so, o pior que lhe pode acontecer é ser reprovado. Caso se saia mal na eleição, o pior que lhe pode acontecer é ver eleito um candidato indesejável. Talvez você argumente que a reprovação pode significar o fim de uma carreira e que a escolha do candidato errado pode significar uma péssima administração para a cidade ou o país, situações potencialmente perigosas. Está certo, mas não há nenhum perigo físico envolvido.

Não, para se compreender o que é o suspense é preciso procurar algo mais do que o perigo. Para mim, o que é necessário para que haja suspense é uma “insuficiência de informações”.

Suponha que está passando por uma rua escura e deserta, no meio da noite, e alguém começa a segui-lo. Se você não ouve o som de passos, se não percebe que está sendo seguido, não há nenhum suspense. Se você ouve o som de passos, mas reconhece a pessoa e sabe que é inofensiva, também não há suspense. Tanto a falta de conhecimento quanto o conhecimento total acabam com o suspense.

Se, por outro lado, você percebe que alguém o segue mas não sabe quem é, ou, se sabe, não tem certeza das suas intenções, então há suspense para a pessoa envolvida ou (no caso de uma obra de ficção) para os leitores.

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Naturalmente, neste exemplo o perigo pode ser real, mas existem outras situ-ações de suspense que não envolvem nenhum elemento de perigo.

Considere as histórias de mistério, que quase sempre procuram man-ter um clima de suspense.

Tradicionalmente, os romances de mistério envolvem crimes graves, como o assassinato, e também situações de perigo, pois o assassino pode atacar de novo (e isso geralmente acontece nas histórias de mistério). O sus-pense, portanto, é duplo: 1) quem é o criminoso? e 2) as próximas vítimas conseguirão escapar?

Os mistérios contemporâneos costumam ser recheados de violên-cia, de modo que a sensação de perigo iminente é muito forte. Na verdade, a violência assume uma importância tão grande na trama que a questão da identidade do criminoso passa a ser secundária. O leitor pode saber quem é o assassino; o suspense todo passa para a questão de se ele será detido antes de cometer novos crimes. Na verdade, a moderna história de mistério está perdendo os elementos de mistério e se transformando em uma história de crime, ou, para ser mais preciso, em uma história de psicopatologia. (Isto talvez seja um reflexo da sociedade em que vivemos, mas, como não sou soci-ólogo, prefiro não me pronunciar a respeito.)

Assim, se quisermos considerar o suspense na forma mais pura pos-sível, teremos que voltar à época em que as histórias de mistério eram real-mente histórias de mistério. Foram as décadas dominadas por gente como Agatha Christie e Dorothy L. Sayers. Essas histórias da “velha guarda” são hoje conhecidas como “romances policiais”.

Em um romance policial, existe um número limitado de suspeitos e todos são indivíduos respeitáveis. A pessoa que resolve o mistério, um policial ou um detetive amador, tem que descobrir o assassino com base nas provas disponíveis.

Mesmo nesse caso, o elemento de perigo não está ausente, porque é quase obrigatório que ocorra um segundo assassinato (ou mesmo mais) quan-do a investigação quan-do primeiro crime começa a ficar monótona.

Isto sempre representou um problema para mim. Há muitos anos que tenho vontade de escrever romances de mistério, mas, como todos sabem, detesto violência. Vejo-me, portanto, diante do seguinte problema: como posso remover os elementos de violência, crime e perigo sem acabar com o suspense?

Já escrevi cinco romances de mistério, entre os quais três são também de ficção científica. São eles: A Whiff ofDeath, Murder at the ABA, The

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Ca-ves of Steel/Caça aos Robôs, The Naked Sun/Os Robôs e The Robots of Dawn/ Os Robôs do Amanhecer. Em cada um deles, há exatamente um assassinato.

Em quatro dos cinco livros, o crime ocorreu antes de a história começar. No quinto, o crime acontece no decorrer da história, mas fora do local da ação. Mesmo assim, consigo manter o suspense usando a técnica da insuficiência de informações.

Fui mais longe. Em 1972, comecei a escrever uma série de contos de mistério chamada “Black Widower Stories” (“Histórias dos Viúvos Negros”). Até hoje, escrevi (e publiquei, naturalmente) sessenta e cinco dessas histó-rias*. Cada uma delas é uma história de “detetive de gabinete”. Em outras palavras, um mistério é apresentado, discutido e finalmente resolvido por al-guém que jamais vai ao local onde os fatos aconteceram, mas que se limita a estudar o caso e tirar conclusões. Em apenas uma ou duas dessas histórias ocorre um assassinato, e em nenhuma delas há qualquer descrição de perigo ou violência.

Na verdade, algumas das histórias tratam de assuntos tão triviais que à primeira vista seria impossível usá-los como base para uma narrativa. Em uma delas, por exemplo (uma das minhas preferidas), o protagonista perdeu o guarda-chuva. (Não estou brincando.)

Ele estava visitando a namorada. Entrou no apartamento com o guar-da-chuva, mas saiu sem ele, e uma busca completa no apartamento foi infru-tífera. Em minhas “Histórias dos Viúvos Negros”, seis homens se reúnem em torno de uma mesa de jantar para resolver o mistério — neste caso, o que aconteceu com o guarda-chuva.

Eles não conseguem chegar a nenhuma conclusão, mas Henry, o gar-çom, observa que o guarda-chuva só pode estar em um lugar, e acerta em cheio.

Trata-se, em última análise, de uma charada, pois as pistas e os argu-mentos usados por Henry estão à disposição do leitor, e às vezes os leitores descobrem a solução sozinhos. (Eles chegam a me escrever propondo uma solução alternativa, às vezes melhor do que a minha.)

Como consigo fazer suspense a partir de um guarda-chuva perdido? É fácil: usando a técnica da insuficiência de informações.

Nas histórias de mistério, é importante que o leitor seja colocado dian-te de um quebra-cabeça. O quebra-cabeça pode ser difícil de resolver. Pode

*No Brasil, uma coletânea de doze dessas histórias foi publicada em 1981, com o título Enigmas dos Viúvos Negros, pela Editora Melhoramentos. (N. do E.)

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ser até que a solução pareça impossível. (John Dickson Carr foi o mestre dos crimes impossíveis.) Isto acontece, porém, apenas porque o autor esconde certos fatos do leitor. Ele não faz isso por omissão, o que não seria honesto, mas apresentando as pistas de forma tão casual, disfarçadas por tantas cir-cunstâncias irrelevantes, que escapam à atenção do leitor. Confrontado com informações insuficientes, o leitor fica curioso para saber a solução e continua a ler a história com interesse, mesmo que o mistério se resuma a um simples guarda-chuva desaparecido.

Se você conta com um detetive muito esperto (um Sherlock Holmes ou um Hercule Poirot), como vai evitar que o mistério seja resolvido logo no começo da história? É simples. Invente um amigo com pouca imaginação para o detetive (o Dr. Watson, o Capitão Hastings) e deixe esse amigo contar a his-tória. Ele jamais conseguirá resolver o mistério, e levará o livro inteiro para descobrir o que o detetive está pensando.

Eu uso um sistema mais simples. Faço com que seis membros dos Viú-vos Negros escutem um convidado apresentar o enigma. Todos são tratados igualmente. Podemos ouvir as pessoas falarem, mas sabemos apenas o que dizem; jamais revelo os seus pensamentos. No decorrer da história, cada um propõe uma ou mais soluções, mas todas são inverossímeis e servem apenas para tornar o mistério ainda mais denso.

Meu garçom esperto, Henry, é capaz de descobrir a solução logo de saída. Na verdade, tenho certeza de que é isso que acontece, mas ele nunca é ouvido até que todos os outros tenham tido oportunidade de expor suas teorias e o leitor esteja convencido (assim espero) de que não existe nenhuma explicação lógica para o mistério.

Aí, e só aí, é que Henry aparece com a solução, e, o que é mais, explica como chegou a ela, baseando-se em fatos que são de conhecimento público ou estão escondidos na própria história. A esta altura (assim espero) o leitor dá um grande suspiro de alívio e se maravilha com a minha inteligência.

Admito que as minhas histórias dos Viúvos Negros não atraem tanta atenção quanto os contos de terror e de espionagem, que usam o medo e a violência para realçar o suspense. Por outro lado, minhas histórias têm um público fiel, ainda que pouco numeroso. Quanto a mim, disponho de um nicho para escrever no qual me sinto muito à vontade.

Talvez seja esta a moral deste artigo: um escritor deve encontrar seu próprio nicho, mesmo que não represente uma das correntes que estão na moda.

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CARTAS

Caro Editor:

Em relação à carta do leitor Carlos Alberto Ângelo, publicada no n0

16 da IAM, concordo inteiramente com a sua crítica à tradução do conto “Vai que é mole, Miss Molly!” Na minha opinião, o grande mérito da literatura é o de se constituir numa via privilegiada de comunicação de valores e imagens referentes a realidades distintas, peculiares, muitas vezes “individuais”. Nesse sentido, torna-se imprescindível a tradução o mais literal possível dos assim denominados “regionalismos”, com a complementação do texto com notas de rodapé explicativas, que permitam a compreensão das suas sutilezas e especi-ficidades. Já pensou se o tradutor de Clockwork Orange adaptasse o texto de Burgess substituindo as suas gírias pelas de “malandros cariocas”? Nada a ver, pois, a idéia de “adaptá-lo à realidade em que vive o leitor”, não é?

Sheila Brasileiro Salvador, BA

Sheila, sua opinião coincide com a da grande maioria dos leitores. Daqui em diante, procuraremos evitar adaptações como as que foram feitas na tradução do conto “Vai que é mole, Miss Molly”. O exemplo de Clockwork Orange, porém, não me parece feliz, já que nesse caso não se trata de traduzir regionalismos, e sim de expressar da melhor forma possível, em uma tradução para o português, os termos de uma linguagem (o “nadsat”) inventada pelo autor.

Sr. Editor:

Fiquei muito surpreso ao ler na IAM 16, pág. 10, a afirmação: “ ...por um erro do nosso computador, seu...”, na resposta à carta do leitor Flávio Mar-ques de Oliveira. Ora, o erro pode ter sido do digitador que entrou com os dados, da pessoa que pediu a listagem, do programador que criou o progra-ma que estava sendo utilizado ou de outra pessoa, progra-mas muito dificilmente a responsabilidade terá sido da máquina em si. Este tipo de responsabilização é comum no dia-a-dia, mas surpreende-me encontrá-la em uma revista que, por coerência, deveria estar consciente do respeito aos computadores, robôs, autômatos e outros seres eletromecânicos programáveis.

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Luciano dos Santos Flor Curitiba, PR

Luciano, você está com toda a razão ao afirmar que os computadores raramente erram; na imensa maioria dos casos, a falha é humana. Na verda-de, o que queríamos dizer (mas infelizmente não dissemos) era: “... por um erro em nosso centro de processamento de dados...” Perdão pelo nosso deslize.

Prezado Editor da IAM:

Você já deve estar cansado de receber parabéns pela revista, mas não posso deixar de dizer eu também que a IAM é uma dádiva aos leitores estrean-tes de FC no Brasil (classe em que me incluo: no mesmo dia em que envio esta carta, envio também um dos meus contos para avaliação). Gostaria apenas de dar-lhe dois lembretes: 1) Não mudem o formato da revista. Ela está ótima, e o preço é supercamarada; 2) Daria para vocês chegarem às bancas mais ou menos no mesmo dia do mês? Com o dia de chegada muito variável, eu nunca sei quando ela chegou ou não, e muitas vezes vou ao centro por nada.

Mas o principal objetivo desta carta é perguntar-lhe algo: além de vá-rios contos que pretendo enviar, está surgindo na minha mente a possibilidade bem forte de escrever um artigo sobre Marte, principalmente sobre o grande mal-entendido Viking. Gostaria de saber se o endereço para enviá-lo é o mes-mo dos contos. Ou vocês não aceitam artigos para publicação? Eu não tenho nenhuma especialização formal em astronomia (estudo na 8a série), mas leio

muitos livros e artigos sobre o assunto, e acho que seria capaz de escrever algo que preste.

Alysson Fábio Ferrari Caxias do Sul, RS

Alysson, você pode enviar seu artigo para o mesmo endereço que os contos. Ele será avaliado com toda a isenção pelo nosso corpo editorial. Quan-to à data de publicação da nossa revista, procuramos manter uma certa regu-laridade, mas nem sempre isso é possível. Por que você não preenche o cupom que aparece no final da revista e passa a receber a IAM pelo reembolso postal? Assim, será avisado pelo correio sempre que um novo número for publicado.

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DEPOIMENTO

POÇÕES DO AMOR

Tom Rainbow

“Embora seja exaltado nas poesias, romances e anúncios de camisi-nhas, o amor nada mais é do que um processo cerebral executado por um grupo de células, algo semelhante à digestão ou à excreção. Você jamais escre-veria um soneto sobre a micção, não é mesmo? A não ser que seja ainda mais anormal do que sugere nossa pesquisa de mercado.”

Você já olhou, cheio de esperança, bem nos olhos de alguém, homem ou mulher, primata ou ruminante, apenas para descobrir que suas chances com essa pessoa eram totalmente nulas? Que para ela, do ponto de vista ro-mântico, era como se você fizesse parte da radiação cósmica de fundo de 4 kelvins, essa espécie de chiado de microondas que permeia todo o universo e é freqüentemente confundido com a queda de cocô de pombo na antena dos radiotelescópios? Se você é homem, já experimentou convidar todas as garo-tas da sua classe de Física II para o baile da primavera, apenas para ser alvo de risos, piadas sem graça e telefonemas de namorados ameaçando transformá--lo em sabão se sequer pensar em repetir a façanha?

Pois eu, já. Na verdade, acho que convidei as garotas da minha classe de Estudos Sociais, mas o resultado foi o mesmo: outra noite de sexta-feira assistindo a Jornada nas Estrelas — A Nova Geração e imaginando como é que o Comandante Picard faz para ter tantas namoradas. Através dos estudos demográficos que fazemos aqui na IAM, sabemos que muitos de vocês são como eu: cara de bobo, rosto cheio de espinhas, o desembaraço social de um lhama mongolóide, impossibilitado de chegar a menos de 50 metros de um membro do sexo oposto sem que alguém chame o IBAMA. Nossa pesquisa de mercado revelou que, se você fosse popular na escola, estaria lendo Playboy neste momento, em vez da IAM, de modo que não adianta disfarçar.

Como a minha chance de publicar um artigo na Playboy é a mesma de conseguir namorar uma das minhas colegas, ou seja, zero, tenho um in-teresse financeiro em manter, ou mesmo aumentar, a população de leitores de ficção científica. O que pode ser feito para assegurar que um grupo com tão poucos atrativos continue a se reproduzir? Inseminação artificial? Como

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estão fazendo com os ursos panda? Irk! Talvez se eu pudesse arranjar um traje espacial emprestado na NASA e conservasse os olhos fechados... Um trata-mento anticaspa obrigatório em todas as reuniões do CLFC? Não, a solução ideal seria criar uma poção do amor, algo que já foi testado e comprovado em muitas obras de FC/fantasia. O que tenho em mente é algo tão forte que até a garota mais popular da classe de Estudos Sociais começaria a implorar ao nosso panaca* para ser seu par no baile da primavera. Depois do baile, daria prontamente à luz os seus dezesseis filhos panacas e leitores de ficção científica. Para as mulheres panacas, estou certo de que poderíamos arranjar algo semelhante, talvez envolvendo um útero artificial. Mas de uma forma ou de outra, nós, panacas, vamos começar a nos reproduzir como coelhos! Em pouco tempo, toda a humanidade pesará mais de 100 quilos, usará uma cami-seta com os dizeres “Viva Spock” e se parecerá com uma acne ambulante! Por mais maravilhoso que seja conviver apenas com indivíduos da nossa espécie, recomendo com veemência que você mande seccionar seus nervos olfativos...

A Verdadeira Natureza do Amor

Embora seja exaltado nas poesias, romances e anúncios de camisi-nhas, o amor nada mais é do que um processo cerebral executado por um grupo de células, algo semelhante à digestão ou à excreção. Você jamais es-creveria um soneto sobre a micção, não é mesmo? A não ser que seja ainda mais anormal do que sugere nossa pesquisa de mercado. Também não há ra-zão para confundir amor com romantismo. A emoção do amor resulta de um certo padrão espaço-temporal dos impulsos nervosos. Diminua ligeiramente a freqüência desses impulsos e o amor se transforma em desinteresse. Aumen-te a freqüência e ele poderá se transformar em agora-fobia, quem sabe? É importante reconhecer que a emoção mais forte da raça humana é produzida por um amontoado de limões muito pequenos, com fios muito finos de cobre e zinco espetados, como em uma experiência de ciências do primeiro grau. Acho que só um panaca total escreveria um soneto sobre uma experiência de ciências do primeiro grau.

Ora, se pudermos manipular as células cerebrais que controlam o amor, poderemos ligar e desligar a emoção, como se estivéssemos abrindo e fechando uma torneira. Teremos, então, uma Poção do Amor. Para fabricar uma Poção do Amor, portanto, temos primeiro que localizar os circuitos

cere-*Você sabe o que é um panaca. Toda escola está cheia deles, embora em alguns lugares sejam chamados de babacas, mongos ou paspalhos.

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brais responsáveis pelo amor. Isto é análogo a aplicar engenharia reversa a um microcomputador, exceto pelo fato de que o número de circuitos em um cé-rebro humano é um quatrilhão de vezes maior do que no mais sofisticado PC. Como identificamos os circuitos cerebrais? Bem, nos vertebrados infe-riores, abrimos seus pequenos crânios a golpes de talhadeira e submetemos os cérebros a várias experiências que permitem correlacionar a atividade de neurônios específicos a certos processos fisiológicos ou comportamentais. Para localizar os circuitos cerebrais envolvidos na visão, por exemplo, pode-mos submeter os olhos de um animal anestesiado a um clarão e verificar com o auxílio de eletrodos, quais as regiões do cérebro que mostram uma ativida-de elétrica aumentada logo ativida-depois do clarão.

O problema com este método é que você teria que examinar todos os quatrilhões de circuitos cerebrais para poder identificar com segurança o circuito do amor. Mesmo que fosse capaz de examinar um circuito por se-gundo, a tarefa levaria um milhão de anos, período que a maioria dos órgãos financiadores provavelmente consideraria excessivo. Mesmo que você fosse o Flash e pudesse executar as experiências com uma velocidade sete vezes maior que a da luz, isso apenas reduziria o prazo em uns 900.000 anos, porque os próprios neurônios são dispositivos relativamente vagarosos, levando cerca de um décimo de segundo para transmitir uma mensagem complexa como “Estou apaixonado!”. Agora, se o Flash quisesse mapear o circuito do amor no Flash Jr. ou na Super-Moça, que têm neurônios super-rápidos, a experiência seria exeqüível!

Infelizmente, o Flash é apenas um herói de ficção. Às vezes, acho difícil acreditar até na existência de Isaac Asimov. Existe, porém, um método para levantar os circuitos cerebrais que permite que um cientista comum examine simultaneamente as atividades de todos os neurônios. O animal recebe uma dose de glicose radioativa e depois o cérebro é examinado para verificar quais foram os neurônios que se tornaram radioativos em resposta a um certo estí-mulo. Os neurônios são como os músculos: quanto mais trabalham, mais gli-cose consomem. É trabalho duro gerar os pequenos impulsos elétricos que os neurônios usam para se comunicar. Meu cérebro é responsável por cerca de dois por cento do meu peso corporal, mas usa aproximadamente 30 por cento da minha energia metabólica — um pouco mais quando leio Scientific

Ameri-can, um pouco menos quando assisto Dallas. Cerca de 40 por cento da glicose

é usada para gerar impulsos eletroquímicos Você talvez tenha a impressão de que o seu coração é o órgão que mais trabalha, pois está sempre batendo no seu peito. Comparado com o cérebro, porém, o coração é um verdadeiro

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vagabundo: pesa cerca de 1 por cento do seu peso corporal e usa apenas 2 por cento do seu metabolismo global. É provável que uma das funções do sono seja proporcionar um merecido repouso a esses sujeitinhos que habitam a sua cabeça. Durante o sono profundo, aquele em que você não sonha, o metabo-lismo cerebral se reduz a 60 por cento do valor habitual.

Misturando um pouco de glicose radioativa com o açúcar normalmen-te presennormalmen-te no sangue, podemos verificar quanto trabalho um neurônio rea-lizou: quando mais duro ele trabalha, mais glicose radioativa ele consome e mais radioativo ele se torna. Mais tarde, a gente mata o animalzinho, corta fatias finas do seu cérebro com uma espécie de cortador de frios e coloca as fatias em contato com um filme fotográfico. A glicose radioativa emite elé-trons, que expõem os grãos da prata do filme, da mesma forma que um fóton de luz teria feito. Se iluminarmos o animal com uma luz forte enquanto seu cérebro está absorvendo glicose radioativa, obteremos um mapa completo das regiões do cérebro que estão consumindo glicose em resposta a uma luz forte e de quanta glicose estão consumindo. Isto, por sua vez, nos dá uma in-dicação de quais são os circuitos cerebrais responsáveis pelo processamento de informações visuais.

Isto sugere uma forma de mapear os circuitos cerebrais responsáveis pelo amor. Pegamos um palhaço que acabou de se apaixonar, damos uma in-jeção de glicose radioativa e depois fatiamos o cérebro dele. Infelizmente, ex-periências interessantes como essa foram consideradas ilegais por um tribunal de Nuremberg, em 1946, e permanecem ilegais até hoje. Ao que parece, é ilegal executá-las até mesmo nos meus repulsivos alunos de graduação. Existe, porém, uma versão não-invasiva do método da glicose radioativa que pode ser usada legalmente em seres humanos. Em vez de injetar glicose emissora de elétrons, injetamos glicose emissora de pósitrons. Os pósitrons são partí-culas de antimatéria, e, como qualquer panaca sabe, matéria e antimatéria se aniquilam mutuamente, produzindo uma chuva de raios gama. Os raios gama têm energia suficiente para penetrar a mais dura das cabeças, de modo que, colocando detectores em volta do crânio do paciente, podemos localizar as regiões do cérebro que estão consumindo a glicose batizada com um emissor de pósitrons.

O problema desta técnica é que sua resolução espacial não é muito boa. Na melhor das hipóteses, podemos mapear circuitos cerebrais com uma precisão de cerca de dois milímetros. Isto corresponde a uma resolução 100 vezes menor que a proporcionada pelo método do cortador de frios, que mal é suficiente para localizar com precisão aceitável os circuitos cerebrais. Este

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li-mite de dois milímetros é a distância que os pósitrons viajam, em média, antes de colidirem com um elétron. A menos que seja possível modificar as leis da física no interior de um cérebro humano, de modo a diminuir a energia cinéti-ca dos pósitrons emitidos, conseguiremos no máximo obter uma imagem fora de foco do circuito do amor.

Sinto muito. Não existe maneira de mapear os circuitos cerebrais do amor, o que significa que jamais conseguiremos criar uma Poção do Amor. Gostaria de admitir também que outros tópicos que discuti nesta revista, como os superpoderes e a imortalidade, são, na melhor das hipóteses, altamente improváveis, e, na verdade, é quase certo que jamais se tornarão realidade. Francamente, vocês deveriam ter mais juízo e não acreditar nas coisas que eu escrevo, só porque tenho um Ph.D. e sou professor de uma universidade de renome. Talvez eu devesse pedir desculpas, mas, pensando melhor, a culpa é minha se vocês acreditam em tudo que lêem? Tentar sobreviver com o salário de professor assistente foi a principal razão pela qual Lex Luthor resolveu con-quistar o mundo. Se eu não me tivesse voltado para a prostituição intelectual, provavelmente teria construído um amplificador hipnótico-telepático e vocês todos a esta altura estariam fazendo flexões. Pelo bem desta revista, porém, se vocês são assinantes, espero que não cancelem a assinatura. Ter uma base sólida de assinantes é importante para uma revista como esta, que não vive de anúncios. Por favor, passem logo para a resenha, que este mês está ótima! A propósito: aqueles de vocês que gostam dos meus artigos vão ficar felizes de saber que a partir do mês que vem vou começar a escrever a seção de moda masculina da Playboy. O meu primeiro artigo será sobre abotoaduras.

AH! AH! ENGANEI UM BOBO!! Claro que existe uma forma de mapear os circuitos cerebrais do amor! Basta usar uma técnica diferente!! Oh, Ah! Ah! Ah! Você é mesmo um trouxa!! Caiu direitinho!! Talvez queira se apresentar como voluntário para uma interessante experiência na qual injetamos glicose radioativa na sua veia e vemos com o cortador de frios quais os circuitos cere-brais que não funcionam. As informações podem ser úteis para os seus filhos e/ou parentes! Oh, AH! AH!

A técnica a que me referi é chamada de tomografia por ressonância magnética nuclear. Um forte campo magnético é aplicado ao seu cérebro, fazendo girar de noventa graus o eixo de rotação dos prótons do cérebro. É como se você inclinasse um pião até ele começar a rolar no chão. Quando o campo magnético é removido, os prótons voltam ao alinhamento anterior, emitindo um pulso de ondas de rádio no processo. É uma espécie de grito de

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indignação. Através de uma análise tomográfica do pulso de ondas de rádio, é possível identificar qual foi o próton que gritou, entre os 1020 existentes no

cérebro.

Não existe nenhum limite teórico para a resolução de uma tomografia de ressonância magnética nuclear. Com um campo suficientemente intenso e uniforme e um bom computador para ínterpretar os gritos dos prótons, seria possível medir mudanças no consumo de glicose em circuitos individuais do cérebro. Assim, bastaria examinar o cérebro de uma pessoa que está se apai-xonando e verificar quais os circuitos mais ativos. Isto por sua vez nos permiti-ria mapear os circuitos cerebrais que controlam o amor, um passo necessário para desenvolver uma Poção do Amor.

O Amor em Pequenos Animais

Vamos fazer uma breve digressão. Dada a importância do assunto, se-ria de esperar que a maior parte dos mecanismos biológicos do amor já fosse conhecida. Que nada. Muito pouco se sabe a respeito da fisiologia do amor. Por outro lado, sabemos quase tudo sobre os mecanismos biológicos da mic-ção e da digestão. Isso não quer dizer, porém, que nós, cientistas, estejamos mais interessados em um Big Mac ou em uma boa mijada do que no amor. A maioria dos cientistas que conheço tem marido/mulher ou namorado/namo-rada, e, nos intervalos entre suas tentativas de mandar o mundo pelos ares, dá um grande valor a esse relacionamento. Também não se pode dizer que o conhecimento da base neurológica do amor não tenha nenhuma aplicação prática. Pense no aumento de produtividade que ocorreria no momento em que alguém descobrisse um tratamento para o amor não correspondido. Sabe por quantas garotas me apaixonei quando estava na faculdade? Um monte. E quase todas me tratavam com a mesma consideração que reservariam para um leproso com um buraco no lugar do nariz. Bolas, se houvesse uma cura para as doenças do amor, eu já teria terminado meu amplificador hipnótico--telepático há muito tempo!

As razões provavelmente são duas. Em primeiro lugar, ainda não se chegou a um consenso quanto à fenomenologia do amor. É difícil explicar um processo em termos mecanicistas a menos que sua fenomenologia seja bem compreendida. Que queremos dizer exatamente quando afirmamos que al-guém está amando? O tipo de amor que eu gostaria de induzir com uma Poção do Amor seria aquela emoção intensa, escravizante, que está para os roman-ces de sexo como a glicose está para o cérebro: “Ela admirou os olhos azuis e

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sensuais do Dr. Rainbow, maravilhou-se com a covinha no queixo e os braços fortes, musculosos. ‘Observe como eu mato este rato e extraio o cérebro dele!’, exclamou o médico, com um sorriso ao mesmo tempo cruel e cativante. Ela quase desmaiou de êxtase quando os músculos do Dr. Rainbow se contraíram como cabos de aço, fazendo descer a lâmina da guilhotina e decepando com um só golpe a cabeça do animal. ‘Um portador a menos de peste bubônica, um degrau a mais na longa escalada da pesquisa neurológica!’, observou o doutor, em um tom que fez o corpo da moça fremir de prazer.” Este tipo de

reação seria excelente.

A questão fenomenológica consiste em determinar até que ponto o amor romântico, escravizador, está relacionado a outros tipos de amor. Além do amor romântico, existem o amor entre pai e filha, entre irmão e irmã, entre cidadão e pátria, entre escritor de ficção científica e ruminante comum etc. Se existem diversos tipos de amor, talvez haja diferentes mecanismos neurológi-cos, o que complicaria a busca dos circuitos cerebrais relevantes. Em minha opinião, porém, todos esses tipos de amor apresentam a mesma natureza emocional, escravizante, do amor romântico, e portanto provavelmente estão associados aos mesmos mecanismos neurológicos. A diferença está no grau em que ativam os circuitos nervosos ligados ao sexo, com o amor patriótico quase ignorando esses circuitos e o amor ruminante os fazendo entrar em ação com intensidade máxima.

Isto nos leva a outro problema: a falta de um modelo animal para o amor. Não existem provas de que o amor romântico ocorra em nenhum outro mamífero além dos hominídeos. Na verdade, foi sugerido que o amor nasceu como forma de manter o tipo de ligação duradoura entre um casal que seria necessário para educar os filhos. Os mamíferos não-racionais, com infâncias mais curtas, não teriam necessidade de formar ligações duradouras. A razão pela qual sabemos tanta coisa a respeito da digestão e da micção é que outros animais também fazem essas coisas, o que nos permite estudar os mecanis-mos à vontade. Acontece que, embora a monogamia seja tão estranha a esses animaizinhos quanto aos participantes de uma convenção de ficção científica, eles praticam um bocado de sexo. Sexo libertino e indiscriminado, para falar a verdade. Assim, é possível, por exemplo, executar experiências para desven-dar os mecanismos neurológicos da luxúria dos roedores. Essas experiências nos ensinaram coisas muito interessantes. Para começar, o desejo sexual, ou libido, depende de certos hormônios. Nos ratos, a libido, tanto nos machos como nas fêmeas, é controlada pelo hormônio estrogênio, enquanto que nos primatas, incluindo os humanos, a libido depende de outro hormônio, a

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tes-tosterona. Isto talvez lhe pareça estranho, dado que o estrogênio é um hor-mônio “feminino” e a testosterona é um horhor-mônio “masculino”, mas nos ratos existem enzimas nos cérebros dos machos que transformam a testosterona em estrogênio, ao passo que as glândulas supra-renais das fêmeas humanas produzem testosterona. Remova os hormônios de um rato ou de uma pessoa e terá um animal com o mesmo impulso sexual de um pedaço de madeira.

Se injetarmos estrogênio ou testosterona radioativa em um rato, po-deremos usar o método da auto-radiografia, a que nos referimos anterior-mente, para identificar as regiões do cérebro que são sensíveis a esses hormô-nios. O hipotálamo, uma parte do nosso cérebro que surgiu há cerca de 400 milhões de anos, é a região que contém a maior concentração de neurônios que absorvem os hormônios radioativos. Investigando as ligações entre es-sas células e o resto do cérebro, é possível fazer um mapa dos circuitos res-ponsáveis pelo sexo dos ratos. Nos ratos, o sinal produzido pelo hipotálamo é transmitido para partes mais antigas e mais recentes do cérebro, chegando finalmente à medula espinhal, onde os músculos do comportamento sexual são ativados. Temos até uma idéia dos mecanismos bioquímicos através dos quais os hormônios induzem o desejo sexual: genes específicos são ativados nesses neurônios que aumentam a produção de proteínas capazes de modi-ficar a atividade dos neurônios. Não se sabe exatamente quais as proteínas cuja síntese é ativada por esses hormônios, mas é provável que se trate de proteínas envolvidas na transmissão dos impulsos nervosos.

Esta pesquisa não nos ajudará a desenvolver uma Poção do Amor, mas talvez nos ensine como fabricar um afrodisíaco. A diferença entre um afrodi-síaco e uma Poção do Amor é que o primeiro induz apenas um desejo sexual não específico, enquanto a segunda nos torna escravos de uma determinada pessoa. Nos humanos, a testosterona pode ser considerada como um afrodisí-aco, já que um tratamento prolongado com este hormônio aumenta a libido. Entretanto, pode levar semanas para que isto aconteça, e, nas mulheres, a testosterona tem efeitos secundários masculinizantes. Pessoalmente, já estou cansado de namorar mulheres barbudas e bigodudas. O álcool e a maconha também podem ser considerados como afrodisíacos, mas o efeito deles con-siste em diminuir as inibições, e não em aumentar o desejo. Além disso, com base na minha experiência pessoal, não são nada confiáveis. Usando as in-formações conseguidas em nossa pesquisa sobre a luxúria dos roedores, po-deríamos desenvolver um afrodisíaco de verdade. Ele seria, por exemplo, um vírus obtido por métodos de engenharia genética que fosse capaz de infectar apenas os neurônios do circuito do sexo, da mesma forma que o vírus da

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po-liomielite infecta apenas os neurônios motores da medula espinhal. Depois de penetrar nas células apropriadas do cérebro, o vírus produziria grandes quantidades das proteínas responsáveis pela libido, provocando um verdadei-ro ataque epiléptico de desejo!

O Amor em Hominídeos

Embora não negue que uma droga desse tipo talvez fosse útil, eu não confiaria nela. A julgar pelo que já me aconteceu no passado, qualquer mulher que eu infectasse com o vírus do sexo provavelmente iria para o motel mais próximo com uma batedeira de bolos. Uma Poção do Amor estaria menos sujeita a esse tipo de acidente. Entretanto, para criar uma Poção de Amor, temos primeiro que compreender o que é que torna o amor romântico hu-mano tão específico a ponto de gerar um comentário do tipo: “Tom, você é muito bonzinho, mas acontece que eu não amo você.” Embora não existam provas de que os roedores e outros mamíferos irracionais sejam capazes de sentir o amor romântico, eles mostram clara preferência por certos parceiros sexuais. O que torna uma rata sexualmente atraente para um rato e vice-versa é uma complicada troca de estímulos olfativos e auditivos que comunicam o estado do aparelho reprodutor dos animais envolvidos e a probabilidade de que sejam produzidos rebentos. Em geral, as ratas preferem ratos mais velhos e bem-sucedidos na vida, enquanto que os ratos apreciam ratinhas jovens e inexperientes. Isto não é muito diferente do que acontece nos congressos de ficção científica ou da Sociedade de Neurologia, exceto pelo fato de que a abordagem dos ratos costuma ser mais direta. Parte da seletividade romântica dos humanos provavelmente resulta de algum tipo de avaliação sociobiológi-ca: “Chi, ele é um panaca! Eu jamais poderia realizar todo o meu potencial genético se ficasse com ele! Os genes dele devem ser um lixo!” E, embora isso talvez explique por que alguém como eu tem que assistir a Jornada nas

Estre-las nas noites de sábado, parecia haver uma certa seletividade mesmo entre

os tipos populares da escola onde estudei, com a chefe da torcida organizada preferindo o capitão do time de basquete ao igualmente boa-pinta capitão do time de vôlei.

Talvez, como no caso dos ratos, seja tudo feito com o auxílio de fero-mônios: os tipos populares parecem sentir de longe o cheiro de pessoas atra-entes do sexo oposto. Infelizmente, minhas tentativas de recolher secreções vaginais da chefe da torcida organizada foram frustradas por uma tentativa do capitão do time de basquete de extirpar minhas glândulas sexuais. Minha

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outra hipótese de trabalho era de que os tipos populares tinham um mode-lo do ser amado armazenado nas profundezas do cérebro. Eles comparavam constantemente as características dos tipos populares do sexo oposto com esse modelo, e quando encontravam alguém que apresentasse um índice de coincidências de 80 por cento ou mais... Na mosca! Procura-se um motel! Os mísseis de cruzeiro funcionam dessa forma; eles são programados para com-parar certas características do terreno com informações relativas ao alvo, ar-mazenadas na memória do computador de bordo.

Quais são as provas de que as pessoas que se apaixonam se compor-tam como um míssil de cruzeiro? Quando uma garota me dava uma resposta do tipo “Você é muito bonzinho, mas acontece que eu não amo você”, eu geralmente perguntava por quê. Em geral, a resposta era a seguinte: “Porque você não é o meu tipo.” Ora, isso mostra claramente que eu estava sendo comparado com um modelo. Embora, na maioria dos casos, esta compara-ção fosse simplesmente do tipo “Evite os Panacas!”, também ouvi o mesmo comentário da boca de panacas-fêmeas, para as quais eu constituiria um par perfeitamente aceitável. Estranhamente, muito poucas dessas fêmeas sabiam me dizer qual era o tipo delas; limitavam-se a me informar que eu não era. É como a diferença entre você reconhecer uma música e ser capaz de cantá-la; a segunda opção é geralmente mais difícil.

Como é programado o nosso modelo? No meu caso, posso dizer que me apaixonei pelo mesmo tipo de mulher desde que comecei a prestar aten-ção nas minhas colegas de jardim-de-infância. Isso parece indicar que o mode-lo se estabelece relativamente cedo, aos 4 ou 5 anos de idade. Um freudiano diria que nos apaixonamos por pessoas que nos fazem lembrar os nossos pais. Sem nenhuma ofensa para minha mãe, que às vezes lê as coisas que escrevo, as fêmeas pelas quais venho me sentindo atraído desde o jardim-de-infância até a universidade não são nada parecidas com a minha mãe. Eu estaria mais inclinado a acreditar que qualquer semelhança do modelo com um genitor do sexo oposto é mera coincidência. O modelo é determinado pelos nossos genes? Talvez. Isto faria sentido do ponto de vista sociobiológico; seus genes especificariam o parceiro com características mais apropriadas para aumentar as probabilidades de sobrevivência da sua prole, e portanto o número de có-pias dos seus genes. A sua felicidade seria um fator totalmente irrelevante no processo, o que explica por que tantas das minhas musas poderiam ser con-fundidas com Darth Vader. Uma previsão fácil de testar seria a de que gêmeos idênticos tenderiam a se apaixonar pelo mesmo tipo de pessoas. Infelizmente, não tenho conhecimento de nenhuma pesquisa neste sentido. Talvez seja

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por-que os gêmeos idênticos não só tendem a se apaixonar pelo mesmo tipo de pessoa, mas tendem a se apaixonar pela mesma pessoa, e é tão difícil marcar um encontro com ela que nunca têm tempo de conversar com os sociobió-logos. É possível! Também pode ser que os duendes existam! Tanto os bons como os maus! Talvez a IAM me pague um milhão de dólares por este artigo!

Uma Poção do Amor

Para resumir o que eu disse a respeito dos mecanismos cerebrais do amor: armazenado nas profundezas do nosso cérebro, existe um modelo do Ser Amado. Os detalhes deste modelo podem estar escritos em nossos genes. Nas circunstâncias apropriadas — não temos que pagar a conta do cartão de crédito no dia seguinte, não recebemos uma carta da IAM recusando nosso último artigo, não estamos apaixonados por ninguém no momento —, en-contramos alguém que corresponde às características do modelo e nos apai-xonamos por essa pessoa. A emoção do amor é causada pela ativação de um circuito cerebral específico e caracterizada por uma fixação compulsiva no ser amado. Freqüentemente leva ao sexo, embora, por experiência própria, eu possa assegurar que nem sempre isso é verdade.

A Poção do Amor ideal faria uso de todos esses conhecimentos. Servi-ria ao mesmo tempo para reprogramar o modelo, estimular o circuito do amor e ligar os neurônios da luxúria. Talvez também pudesse ativar os circuitos audi-tivos, para que você ouvisse os sinos da igreja! Isto provavelmente seria feito por um ou mais vírus, geneticamente manipulados para infectar apenas os neurônios envolvidos nos circuitos do modelo, do amor e da luxúria. Dentro desses neurônios, os vírus obrigariam a célula a produzir as proteínas ainda desconhecidas que definem o modelo e estimulam o amor e a luxúria. A pro-dução de proteínas é muito rápida, de modo que a Poção do Amor levaria ape-nas alguns minutos para fazer efeito. Poderíamos reprogramar o modelo de diferentes formas. Uma delas tornaria o modelo totalmente não-específico, permitindo que a vítima se apaixonasse pela primeira pessoa que encontrasse pela frente. Isto resultaria na tradicional Poção do Amor da ficção científica e da fantasia. Outra tornaria o modelo extremamente específico, fazendo com que a pessoa infectada só se apaixonasse, digamos, pelos homens de sobreno-me Rainbow que possuam um Ph.D. em neurologia e escrevam para revistas de ficção científica. Em seguida, bastaria introduzir o vírus no suprimento de água de uma cidade como Nova York, por exemplo.

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vírus provavelmente afetaria apenas as mulheres acima dos oitenta, todos os homens e os animais do Jardim Zoológico.

Suspiro! Uma vez panaca, sempre panaca. Em um dia de sorte, consigo derramar apenas duas xícaras de café na minha calça, e geralmente me lem-bro de fechar o zíper, ou pelo menos ninguém me vê puxar o zíper. Além de ser sodomizado pelos New York Rangers ou por um búfalo apaixonado, que outras conseqüências poderia trazer uma Poção do Amor? Uma dose excessiva pode-ria causar problemas. A vítima se tornapode-ria tão ciumenta que você sepode-ria proibi-do de manter qualquer tipo de contato com o sexo oposto e se veria forçaproibi-do a passar o resto da vida em um harém masculino ou feminino. Além disso, uma dose muito grande poderia causar efeitos mais duradouros do que o que seria de se desejar. Lembro-me de uma história em quadrinhos da revista Cripta do

Terror em que uma mulher usou uma Poção do Amor para atrair um homem,

que logo depois morreu em um desastre de automóvel. Os efeitos da Poção do Amor foram tão fortes que o corpo mutilado saiu do túmulo para procurar a amada. Sempre achei que este tipo de história era o melhor argumento a favor da cremação.

Uma conseqüência ainda mais insidiosa poderia ser que talvez você se cansasse de uma relação unilateral. Digamos que um panaca macho típico infecciona a chefe da torcida organizada com o vírus do amor. Em questão de minutos, ela se esquece do namorado Ricardão, o capitão da equipe de judô, e fica loucamente apaixonada por Eugênio, que é essencialmente uma acne ambulante. A princípio, Eugênio está vibrando porque finalmente conseguiu uma namorada, particularmente uma que não pesa mais de 100 quilos nem sua como um aspersor. Os dois fazem juntos tudo que ele gosta: visitar todos os sebos da cidade, ver Jornada nas Estrelas III pela 234a vez, escrever sonetos

a respeito de experiências de ciências do primeiro grau. E ela adora tudo isso. Aos poucos, porém, Eugênio começa a perceber que provavelmente pode-ria passar por cima dela com uma jamanta que ela adorapode-ria. Não há nenhum suspense, nenhuma reciprocidade neste tipo de relação. Graças ao vírus, é irrelevante se Eugênio a ama ou não; ela continuará a amá-lo, aconteça o que acontecer. Finalmente, ele se cansa de ter uma fêmea servil a seus pés, injeta nela uma dose de soro antivírus e a devolve ao Ricardão. Entretanto, assim que ela se mostra de novo indiferente, ou mesmo superior, ele torna a se apai-xonar, e fica louco para infectá-la de novo.

Qual é a Moral? Uma vez panaca, sempre panaca. O que o espinhu-do devia fazer era infectar outra garota. Quanespinhu-do se cansasse dela, infectaria uma terceira. É assim que procedem os escritores de ficção científica! Sujeitos

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como Eugênio me fazem ter vergonha das minhas origens. Aqui estou, lutando por uma vaga de professor, para que eu possa ajudar a comunidade dos pana-cas a obter o tipo de arma pelo qual o pessoal do Serviço Secreto daria a vida, e um palhaço qualquer a rejeita porque não está apaixonadol Para que revista ele acha que eu vou escrever? Playboy? A respeito de abotoaduras? A última vez que tentei usar abotoaduras, aqueles ganchinhos ficaram presos no meu zíper. Tiveram que cortar um pedaço da minha calça para me soltar. Eu sei! Eu sei! Vi O Retorno de Jedi o mesmo número de vezes que você: do destino ninguém escapa...

Títulos Originais

Cyclops/Cyclops (March 1984/76)

Com Muita Honra/Not Without Honor (May 1989/143)

Os Pequenos Monstros/Little Monsters (Analog, November 1989/Vol. CIX n0

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Sentado à Beira da Piscina, Tomando Sol/Sitting Around the Pool, Soaking Up the Rays (August 1984/81)

Suspense II/Suspense II (April 1991/169&170) Poções do Amor/Love-Potions (April 1985/90)

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Linha Terminal, Jorge Luiz Calife. Ficção Científica GRD, São Paulo, 1991, 184 págs.

Dono de uma das mais impressionantes retrospectivas dentro da FC nacional, Jorge Luiz Calife iniciou sua carreira auspiciosamente, após Arthur C. Clarke ter-lhe agradecido a inspiração para o seu 2010 — Uma Odisséia no

Es-paço II. Calife enviara a ele uma possível seqüência para os acontecimentos de

2001, mais tarde vista na forma de um conto publicado na revista Manchete, em 1985, com o título “2002”.

Um ano antes, seu “Uma Semana na Vida de Fernando Alonso Filho” terminara em segundo lugar no Prêmio Fausto Cunha, no concurso de contos amadores promovido pelo Clube de FC Antares, de Porto Alegre. Foi o primei-ro conto escrito por Calife, permanecendo como um de seus melhores traba-lhos em ficção curta, destacando-se mesmo entre a meia dúzia de histórias publicadas em revistas masculinas como Playboy e Ele&Ela.

Mas a maior realização de Calife está na trilogia iniciada em 1985 com

Padrões de Contato, e seguida por Horizonte de Eventos, em 1986. Os dois

livros primam pela fluência narrativa e pela imaginação ambiciosa do autor, além do sólido embasamento científico. De repente, descobrimos que um bra-sileiro podia fazer FC hard muito próxima da que estávamos acostumados a ver através de Clarke, Asimov, Niven e outros autores consagrados.

Padrões de Contato mostra a humanidade afastando-se cada vez mais

da Terra rumo às estrelas, após o contato com um batedor da Tríade, uma inteligência coletiva cujo lar é a galáxia inteira. Pródigo em lapsos temporais, o livro tem como fio condutor através da alternância de séculos a personagem Angela Duncan, tornada imortal por graça da Tríade.

Já Horizonte de Eventos apresenta situações mais localizadas, girando em torno do conflito entre o mundo volante de Éden Seis e uma espécie alie-nígena hostil, os nictianos. Ao mesmo tempo que abandona os grandes saltos cronológicos trazendo vastas transformações para a espécie humana, Calife questiona o futuro hedonista construído ao longo do volume anterior. A ques-tão é: uma humanidade condicionada ao desfrute de um contexto totalmente seguro será capaz de enfrentar adequadamente a súbita ameaça? O esboço de uma reflexão sobre a maturidade de um ideal utópico.

No segundo volume da trilogia, Calife também introduz um enfoque específico sobre o Brasil, numa metáfora mordaz mas um tanto estereotipada da ditadura militar, quando Éden Seis encontra a nave de gerações “Brasil”, onde uma milícia de segurança assume o controle em nome do “bem-estar e

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dos valores” da tripulação.

Horizonte de Eventos trouxe uma flexibilidade maior ao autor como

ro-mancista, porém, como na maior parte dos volumes intermediários em trilo-gias, ficamos sem saber como o universo ficcional construído até então se fe-chará. Temos ainda Angela Duncan e sua estranha relação com a Tríade, além de mais duas mulheres imortalizadas: Dafne e Luciana Villares. Mas o final não nos deixa com uma idéia consistente do que está por vir e, mais inquietante, qual é a proposta maior da trilogia.

As situações complicaram-se ainda mais quando a editora dos dois pri-meiros volumes foi atingida pelo Plano Cruzado 1 e incluiu Linha Terminal, o volume-fecho, em sua lista de cortes.

Finalmente, passados quase seis anos e por iniciativa do editor Gu-mercindo Rocha Dorea, a trilogia Padrões de Contato se completa.

O livro começa com Luciana Villares sendo convocada para uma ex-pedição a um estranho planeta onde fora encontrada a nave de Michele Dar-rieux, desaparecida no primeiro volume. Mas tal mundo é apenas a porta para uma profusão de maravilhas — muito bem descritas pelo autor — rumo à tentativa de fechar as trilhas abertas pelos romances anteriores: a investiga-ção das atividades ancestrais dos djestares, a espécie alienígena criadora da Tríade; a construção de uma máquina do tempo pela comunidade galáctica e a ação solitária de Angela para encontrar no passado de um Brasil alternativo — onde não aconteceu a ditadura militar — pistas sobre os djestares e a real natureza da Tríade.

Como nos trabalhos anteriores, encontramos a costumeira fluência de Calife, desta vez numa narrativa um tanto despojada demais, o que ten-de a agilitar sobremaneira a leitura, contudo distanciando o leitor dos perso-nagens. De modo semelhante e representando uma tendência do autor, os protagonistas são vistos como protótipos derradeiros do ser humano, como modelos desfilando em uma passarela de plástico metalizado, vestindo roupas sintéticas costuradas a laser — belas imagens extraídas da ciência e da técnica, entretanto impessoais. Podemos observar a trajetória de Angela, Luciana e Dafne, mas não podemos acompanhá-las, sentir com elas.

Assim, o romance em si corre o risco de ter o mesmo efeito: uma his-tória rica em impressões visuais muito belas, conceitos científicos instigantes, referências a obras de FC em literatura e cinema — mas com um tom incômo-do de artificialidade e frieza.

A publicação de Linha Terminal é ainda um acontecimento no cenário da ficção científica brasileira. Ela nos possibilita uma visão mais abrangente

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das potencialidades de Calife como romancista, e fecha uma obra ambicio-sa dentro da retrospectiva da FC nacional, permitindo o surgimento de uma eventual tradição de FC hard caracterizada — como nas obras mais recentes de Greg Bear, David Brin e Gregory Benford — pelo uso audacioso de concei-tos científicos e penetração no tempo e no espaço.

O problema é que o romance, embora uma leitura agradável, não é efetivo em justificar as perspectivas grandiloqüentes, multifacetadas e provo-cantes sugeridas nos volumes anteriores. O livro é ligeiro e consideravelmente menos substancial que os outros em implicações. A história é por vezes muito fragmentada, com capítulos demais quebrando o ritmo, além de alternar o uso da primeira e da terceira pessoa, sem que isso traga grande variação. Há ainda um prólogo perfeitamente dispensável.

Jorge Luiz Calife alcança com a trilogia Padrões de Contato uma impor-tante realização como autor brasileiro de ficção científica. Mas seu valor como romancista permanece como uma potencialidade à espera de um momento superior.

Sabemos que ele tem outros livros preparados. Pois deixem-nos vê--los.

Amorquia, André Carneiro. Editora Aleph, São Paulo, 1991, 197 págs.

No mercado editorial americano de hoje impera a chamada genre fic-tion — a ficção de gêneros, com a ficção científica na posição de carro-chefe. No Brasil, porém, a FC é ainda uma literatura marginal e esporádica.

Algumas iniciativas tentam reverter essa condição, trazendo-nos obras recentes e significativas. Um desses esforços é representado pela Coleção Ze-nith, da Aleph, que nos apresentou Orson Scott Card, o mais popular (entre público e crítica) autor de FC/fantasia do momento, e Bruce Sterling, um dos cabeças do Movimento Cyberpunk e um extrapolador consagrado.

Mas, diante da exigência dos fãs mais apaixonados de ver publicada a nossa ficção científica, uma pergunta se faz obrigatória: que brasileiro incluir entre nomes tão expressivos? A Editora Aleph escolheu André Carneiro como resposta. E escolheu bem.

Artista polivalente, mais conhecido no Brasil como poeta (segundo lu-gar no Prêmio Nacional Nestlé de poesia, em 1989), é o único escritor surgido na década de 1960, como parte da geração GRD, a alcançar expressão interna-cional. Possui inúmeros contos publicados em revistas estrangeiras e antolo-gias internacionais. Em 1980 publicou a novela Piscina Livre — obra também

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publicada na Suécia.

Mais de uma década depois, a Aleph lança o seu Amorquia, que segue a linha desenvolvida em Piscina Livre, que por sua vez é derivada do conto “Di-ário da Nave Perdida”, título de uma significativa coletânea do autor, publicada em 1963 (esse conto tem em “Nave Circular”, escrito em 1990, uma seqüência imediata). O mundo vive uma utopia social centrada no desfrute dos prazeres sensuais. Em Amorquia, contudo, Carneiro abstém-se de uma investigação so-ciológica mais nítida, em favor da ênfase na caracterização do sexo no futuro. André Carneiro possui um certo prestígio no exterior, onde o público reconhece o impacto de suas histórias que abordam o homem como ser so-cial, modelado pelo ambiente e o quanto pode ser relativa nossa percepção da realidade. E sempre com muita elegância e sensibilidade

Em Amorquia, todas essas ricas abordagens estão demasiadamente obscurecidas num texto composto de fragmentos. A prosa de Carneiro parece ter evoluído para uma tentativa de síntese extrema, objetivando um efeito sinóptico, pleno de sugestões deixadas a cargo do leitor. Teria alcançado su-cesso se de tal brevidade destilasse emoção e entendimento, bem como se a circunstancialidade dos fragmentos narrativos compusesse um mosaico sutil, mas inteligível. Infelizmente, porém, o leitor sai com a sensação de que nada irrompe do livro. Apesar da boa fluidez do texto, ele se torna de difícil progres-são, à medida que as situações e personagens apresentados não se amarram num enredo instigante. A recorrência permanente ao sexo acaba cansando, embora a descrição dos intercursos sexuais seja elegante e de bom gosto — porém anti-séptica e estéril.

Terminada a leitura, o leitor pode até retomar o início do livro, à pro-cura de uma chave que feche o romance num todo satisfatório. Poderia ser a menção ao hipnocine, explicando que todos os momentos circunstanciais onde os personagens têm vidas alheias ou trafegam no tempo e no espaço seriam na verdade realidades virtuais que suprem suas necessidades de ten-são, medo e dor, morte e renascimento. Mas pode igualmente não ser, pois muitas coisas não se encaixam nem mesmo neste esforço de racionalização dos fragmentos apresentados.

Deixar um livro em aberto é um recurso sofisticado, provocante e co-rajoso, mas Amorquia não possui nem um pano de fundo consistente nem personagens suficientemente bem caracterizados para fornecer um mínimo de suporte para que o leitor possa se situar. Pode-se pensar no livro como um estudo das relações homem-mulher em torno do sexo, mas as reflexões nele contidas são superficiais e o autor produz uma série de inversões de papéis

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que pouco iluminam da nossa visão da sexualidade humana. Pode-se pensar no livro como uma utopia, uma sociedade que superou as imperfeições da nossa. Mas um livro depende de algum interesse maior sob a forma de um conflito ou descontentamento entre os personagens. O autor tentou introdu-zir esse interesse e ao mesmo tempo salvar a sua utopia como proposta de um caminho para a humanidade, mas o resultado final não se fecha num todo coerente, parecendo antes um quebra-cabeça de peças antagônicas que não se encaixam.

Amorquia me parece um exemplo vivo de que a boa ficção científica

depende de boas histórias a serem contadas. Apesar de persistir um senti-mento de que uma obra importante está ali esboçada, ao fechar o livro tem-se a nítida impressão de que faltou história.

Por outro lado, talvez leitores mais interessados nas recorrências que um texto elegante pode despertar — leitores que se identifiquem com a ex-ploração sutil de citações da literatura mundial, bem como com a abordagem diferenciada que Carneiro dá às relações humanas — possam encontrar aqui a boa leitura que foi negada a mim e a outros fãs de André Carneiro.

Mas a Aleph não escolheu o autor certo para inaugurar a participação brasileira na Zenith? Sim, ela apenas escolheu o livro errado.

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Biografia - Amy Bechtel

Jay Kay Klein

Adaptação de Ronaldo Sérgio de Biasi

Muitos escritores de ficção cientifica fazem coisas incríveis sem se considerarem pessoas fora do comum. Amy Bechtel parece genuinamente surpresa quando alguém lhe diz que operar um tigre de 300 quilos é algo de extraordinário. “Uma simples cirurgia de rotina”, explica. Já o avestruz que comeu três quilos de parafusos, pregos, cartuchos de rifle, moedas, uma luva e outros objetos variados... “Isso é muito mais interessante.” Não admira que muitas de suas histórias sejam a respeito de veterinários.

Amy nasceu no Texas e fez o curso de graduação na Texas A&M, onde também obteve o doutorado em veterinária.

Sempre teve vontade de escrever, mas achou melhor aprender pri-meiro uma profissão financeiramente mais compensadora. Entretanto, levan-tar às quatro da manhã para atender a emergências, ou ter que trabalhar o dia inteiro e fazer plantão à noite, não deixa muito tempo livre para escrever. Na sua profissão de veterinária não é incomum ter que visitar uma fazenda à meia-noite e ser obrigada a sair em perseguição de uma vaca antes de operá--la no campo, à luz dos faróis de uma camionete. Ela também trabalhou como fazendeira, professora de equitação e especialista em doenças hiperbáricas, tratando mergulhadores em câmaras de descompressâo. Em sua opinião, o pior emprego que teve foi o de secretária.

A carreira de escritora começou em 1984, quando freqüentou o famo-so Clarion workshop, onde teve como profesfamo-sores Robin Scott Wilfamo-son, Harlan Ellison, A.J. Budrys, Elizabeth Lynn, Damon Knighf e Kate Wilhelm.

Atualmente, Amy Bechtel mora 100 quilômetros ao norte de Los Ange-les, não muito longe da Base Aérea de Edwards. Para escrever, costuma levar os seus três cachorros para um passeio nas montanhas, onde passa os dias deitada no chão, com uma caneta e um caderno espiral. Tem uma admiração especial pelos autores capazes de abordar uma grande variedade de temas e cuja prosa é simples e acessível.

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A festa não estava muito barulhenta; o ruído do telefone foi ouvido sem dificuldade. Bill Nash atendeu e passou-o imediatamente para a pessoa mais idosa entre as presentes, que pousou o prato e os talheres, acabou de rir da piada de Seth Gibson, olhou para a tela e disse:

— Oi, Gordon.

— Preciso de você aqui embaixo agora mesmo, Patsy.

A velha mulher se retraiu; desde os tempos de ginásio que ninguém, exceto o patrão, a chamava de Patsy, mas parecia incapaz de fazê-lo abando-nar aquela mania.

— Será que não dá para esperar uma hora, mais ou menos? Estamos no meio de uma festa aqui em cima.

— Não, não dá — disse ele, laconicamente. — Sinto muito. O “Sinto muito” não soou muito sincero. A tela era pequena demais para mostrar a expressão do rosto com nitidez, mas Pat teve a impressão de que estava preo-cupado com alguma coisa e sentiu uma pontinha de interesse.

— Qual é o problema? — perguntou. — Desça aqui e direi a você. Agora.

Cortou a ligação e Pat desligou, sentindo-se ofendida. Normalmente, não gostava tanto assim de festas, mas nessa, como convidada de honra, esta-va se divertindo bastante; além disso, o bolo estaesta-va uma delícia.

A festa, um evento com dupla finalidade, fora organizada para come-morar ao mesmo tempo o sexagésimo oitavo aniversário de Pat Livingston e o término da missão dela em Marte — a construção de um biômio aquático-flo-restal. Será que Gordon tinha descoberto algum grilo no sistema operacional ou detectado algum erro na prestação de contas? A NASA era uma verdadeira peste verificando os livros; devia ser isso. Alguma coisa trabalhosa de acer-tar. Pat deveria voltar logo para casa; as pessoas na idade dela não se davam muito bem em Marte, e já vinha trabalhando na Biosfera VII havia dez meses, mais tempo do que seria aconselhável. Não se podia dizer que estivesse ansio-sa para partir; trabalhar no projeto do biômio da selva tinha despertado seu interesse de forma mais absorvente e agradável do que todos os outros pro-jetos em que já estivera, incluindo os dois anos que passara isolada na Bios-fera IV no deserto do Arizona. Entretanto, a perspectiva de não precisar pular como uma mola toda vez que Gordon Anderson resolvesse acioná-la pareceu bastante atraente naquele momento. Depois de colocar o fone de volta no gancho, afastou o prato onde ainda restava um pouco do bolo de aniversário e, virando-se para os outros, convivas, brincou:

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contro-lar.

Murmúrios de protesto encheram a sala. A assistente de Pat, Jackie Billington, dirigiu-lhe um sorriso. Os jovens que trabalhavam no projeto eram atenciosos e gentis com ela, enquanto demonstravam uma indisfarçável anti-patia pelo chefe.

— Se eu fosse você, comeria mais uma fatia antes de sair. Johnny está de olho naquele bolo. Deixe o velho rabugento de molho um pouquinho, não vai fazer mal nenhum a ele — disse Jackie.

— É isso aí — concordou Seth. — Se ele precisa tanto assim falar com você que não pode esperar nem um instante, poderia muito bem ter vindo até aqui.

Um bolo não era fácil de se arranjar, aliás como muitas outras coisas, ali na Esfera. Resolveu seguir o conselho de Jackie. Entretanto, quando o tele-fone chamou novamente minutos depois, imediatamente livrou-se do prato, colocando-o sobre uma mesa.

— Digam àquele rato que já estou indo — pediu, parecendo resignada. Uma caminhada de oito minutos através da selva, com suas árvores, flores, papagaios, passarinhos e insetos, pela vegetação rasteira da savana la-deada pelo pequeno “oceano”, passando pelo caminho cercado entre os can-teiros da horta e pelos campos cultivados, a separava do Escritório. A Biosfera VII tinha praticamente a mesma estrutura da que conhecera na Terra, só que era um pouco maior e construída com muito mais esmero (tinha que ser). Os habitats eram muito bonitos no deserto do Arizona; nos desertos ermos de Marte, eram de tirar o fôlego e emocionar até as lágrimas. A luz do dia marciano, que se filtrava em quantidades controladas por frestas de ventila-ção automaticamente reguladas, resplandecia na superfície das águas, cuja placidez só se alterava sob a ação da máquina de ondas. Estava tudo tão novo e bem-cuidado, era tão excitante e inspirado que o mau humor de Pat desapa-receu nos primeiros metros do percurso. Entrou no Escritório com um sorriso nos lábios, sacudindo o farelo do suéter e levando na mão, para Gordon, uma fatia de bolo enrolada num guardanapo de papel.

Encontrou-o debruçado sobre uma tela de vídeo. Ele recusou o bolo com um gesto.

— Que droga, Patsy, quando eu digo agora, quero dizer “agora”. Pat ergueu as sobrancelhas. Gordon podia não ser lá muito popular com a equipe, mas era sem dúvida um administrador competente, de cabeça fria. Nunca o vira antes tão agitado e percebeu que a situação exigia tato. Afi-nal, o homem era quinze anos mais moço do que ela, e muito menos famoso.

(37)

Ser o comandante daquela empreitada e ter Pat Livingston como oficial subor-dinado teria sido um trabalho difícil mesmo para alguém com mais experiên-cia e maior serenidade que Gordon.

— Bem, estou aqui agora — disse em tom conciliador. — O que está havendo?

— Isso aí, por Deus do céu — disse, espetando o dedo na tela. — Dê uma espiada nisso e me diga o que acha que pode ser.

Pat olhou para o receptor. De onde estava, ainda no meio da sala, não conseguia ver a imagem direito. Deu a volta na escrivaninha para olhar me-lhor. Gordon chegou para o lado para permitir que ela se aproximasse um pouco mais. Finalmente, sentou-se com o nariz quase encostado na tela.

A imagem estava imprecisa e tremida, uma composição em preto, branco e cinza. Mostrava um grupo de formas sobre um fundo neutro. Mesmo considerando a baixa resolução, as figuras certamente não pareciam pesso-as. Pareciam outra coisa qualquer: animais, talvez; um número de circo com cachorros atuando vestidos com calças e saias pretas e suéteres brancos. Ca-chorros ou ursos; era impossível avaliar o exato tamanho deles. Eram estra-nhos, desajeitados. Usavam pequenos chapéus pretos com lóbulos igualmen-te pretos, que lembravam a Pat alguma coisa que ela não sabia precisar. Mas aquelas coisas que pareciam cobras se movendo dos dois lados dos rostos deles — se é que aquilo eram rostos — não se pareciam com nada que jamais tivesse visto na Terra.

— É uma transmissão ao vivo — resmungou Gordon. — Ou melhor, era, quando a gravei uma hora atrás.

— Ao vivo? Enviada de onde?

— Do espaço, bem perto daqui, posso garantir. Há também a parte do áudio.

Efetivamente, um som débil vinha dos alto-falantes. Gordon apertou algumas teclas e, de repente, o cabelo da nuca de Pat ficou arrepiado, quando aquelas criaturas começaram a entoar uma “canção” pungente, intensa.

— Cristo Todo-Poderoso! — É isso aí — disse Gordon.

— Isto está sendo transmitido para “nós”?

— Como é que eu vou saber? É a freqüência que usamos para falar com Houston.

— Mas que coisa! Quem poderiam ser? Russos, chineses? Os japone-ses? Os suecos?

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