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ALGUMAS NOTAS SOBRE O CAMPO E A CIDADE, O URBANO E O RURAL NA OBRA DE HENRI LEFEBVRE

Prof. MSc. Michell Tolentino Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins michelltolentino@gmail.com

Resumo: Neste trabalho, temos como objetivo realizar uma breve reflexão de questões relacionadas à dialética cidade-campo e urbano-rural presentes no pensamento do filósofo Henri Lefebvre. Para tanto, utilizamo-nos de obras escritas pelo filósofo, como: “O direito à cidade” (LEFEBVRE, 2001), “De lo rural a lo urbano” (LEFEBVRE, 1978), “A revolução urbana” (LEFEBVRE, 2008); e obras de autores que utilizem o pensamento lefebvriano enquanto base de suas reflexões, como é o caso de Carlos (2004), Marques (2002, 2011) e Martins (1993, 2011). Partindo da hipótese da “urbanização completa da sociedade”, a relação “urbano-rural”, “cidade-campo” é discutida por este estudioso de maneira distinta daquela que estamos acostumados a pensar. Utilizando um eixo que vai de 0 a 100%, partindo da ausência de urbanização até a culminação do processo, o filósofo produz uma periodização que vai do período agrário, dominado pelo campo, passando pelo período industrial, atingindo o período urbano. No entanto, na reflexão lefebvriana o urbano não é apenas ordem, coação, produtivismo, tal qual quando induzido pela industrialização. O urbano é antes fruição, tem como papel primordial a Festa, o valor de uso. É antes obra que produto. A urbanização induzida pela industrialização não passa de coação, plano, valor de troca, ordenamento repressivo, ao mesmo tempo é eivada de resíduos, do sentido da Festa. E resíduo não é algo impotente para Lefebvre, algo que rapidamente irá desaparecer, mas sim aquilo que tem potência por ser o negativo daquilo que predomina na sociedade.

Palavras-chave: cidade-campo; urbano-rural; Henri Lefebvre.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo refletir de maneira sucinta acerca de questões relacionadas à dialética urbano-rural e cidade-campo presentes no pensamento do filósofo francês Henri Lefebvre.

“A urbanização completa da sociedade”, esta é a hipótese que Lefebvre coloca logo nas linhas iniciais do seu livro “A Revolução Urbana”, em um capítulo curiosamente intitulado “Da cidade à sociedade urbana”.

Um olhar mais apressado e até mesmo preconceituoso diria que não há como defender a urbanização nos dias atuais, nem tampouco imaginar que a mesma vá se

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expandir para toda a sociedade. “Como se pode defender o mundo enquanto uma grande cidade?”, poderiam colocar alguns.

Detendo-nos sobre a obra de Lefebvre veremos, no entanto, que vários conceitos e ideias como “urbano”, “sociedade urbana”, “rural”, “campo”, “cidade” e “industrialização” são retomados por este filósofo de maneira distinta da forma com que estamos acostumados a vê-los e pensá-los a partir de outros teóricos.

Os processos de industrialização e urbanização, por exemplo, não são vistos enquanto semelhantes, muito menos idênticos, mas sim dialéticos. Nesse sentido, de acordo com Lefebvre (2001, 2008), na sociedade moderna, a industrialização se coloca enquanto indutor da urbanização, entretanto dialeticamente, ao mesmo tempo, a urbanização seria o sentido da industrialização.

Além da introdução e considerações finais, o artigo conta com mais dois tópicos. Um primeiro intitulado “Do período agrário à sociedade urbana”, no qual expomos a periodização construída por Lefebvre que parte do período agrário, dominado pelo campo, passando pelo período industrial e culmina na sociedade urbana; no segundo tópico, refletimos sobre a “sociedade urbana” enquanto proposta de Lefebvre de superação do período industrial.

DO PERÍODO AGRÁRIO À SOCIEDADE URBANA

“Mas o que seria essa tal de sociedade urbana?”, deve questionar-se o leitor. Para respondermos, recorremos à Lefebvre (2008).

Aqui, reservaremos o termo “sociedade urbana” à sociedade que nasce da industrialização. Essas palavras designam, portanto, a sociedade constituída por esse processo que domina e absorve a produção agrícola. (LEFEBVRE, H. 2008, p. 13).

Para denominar a sociedade pós-industrial, ou seja, aquela que nasce da industrialização e a sucede, propomos aqui este conceito: sociedade urbana, que designa, mais que um fato consumado, a tendência, a orientação, a virtualidade. (LEFEBVRE, H. 2008, p. 14)

É, pois o processo de industrialização, o ponto de partida para se pensar a sociedade urbana. É este processo, a industrialização, que durante muito tempo foi o

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responsável pelas transformações de monta da nossa sociedade que nos fornece o ponto-chave para refletirmos acerca das mudanças nos processos sociais.

O leitor, entretanto, pode se questionar: “mas o que havia em períodos que precederam a industrialização? Se Lefebvre coloca a urbanização enquanto o sentido da industrialização, o que havia antes? O campo? Mas também havia cidades também.”

Para começarmos a elucidar esta questão, destaquemos o eixo que Lefebvre traça, indo de 0 a 100%, partindo da ausência de urbanização até a culminação do processo. Ao mesmo tempo, retomemos, a periodização que este filósofo nos oferece, iniciando no período agrário, dominado pelo campo, passando pelo período industrial, atingindo o período urbano. Neste caminho, em seu início, há o período agrário, os primeiros grupos humanos, nômades que vivem da coleta, da pesca, da caça. Mais tarde, os camponeses, sedentarizados, utilizam-se das topias fundadas por aqueles grupos, modificando-a, entretanto sem transformá-las profundamente. Uma verdadeira civilização camponesa se ergue. A cidade? A cidade segue a aldeia. De início a cidade política, onde vivem príncipes, sacerdotes e a nobreza. Esta cidade controla e administra o território ao seu redor, composto por milhares de camponeses com seu modo de vida eivado de estilo. Para a cidade afluíam as trocas, realizando-se entre outros, o comércio. Apesar das trocas, não era o valor de troca que dominava e sim o valor de uso que se colocava como primordial, eram as obras antes dos produtos. As próprias cidades eram obras, valores de uso. O uso primordial da cidade, a Festa, se fazia na prática.

Com o aumento da troca e do comércio, um espaço como o mercado, por exemplo, passa a afrontar a cidade em sua função hegemonicamente política. Os mercadores aumentam, as feiras e mercados também. A cidade política se vê ameaçada por este crescimento e resiste através de interdições sobre os espaços de troca de mercadorias. Entretanto, a cidade política não resiste, a cidade comercial se anuncia já fazendo os primeiros anúncios da era industrial.

Nesse período há uma inflexão no espaço e no tempo, uma descontinuidade, uma mudança. Se a cidade política e a cidade comercial controlavam, reuniam e organizavam as trocas de uma civilização camponesa, com a intensificação das trocas comerciais, o peso da cidade se torna tal que ocorre uma inflexão do agrário para urbano. Como bem coloca Marques (2011):

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A produção agrícola deixa de ser a principal atividade e a riqueza deixa de ser sobretudo imobiliária. A cidade torna-se o locus principal da produção, passando a influenciar diretamente o sentido e o ritmo da produção no campo. Completa-se a vitória da cidade sobre o campo bem como sua forma de organização do trabalho. Completa-se a vitória da cidade sobre o campo, retirando-se a última aparência de naturalidade no interior da divisão do trabalho e desencadeando-se uma ampla monetarização das relações de trabalho e a crescente alienação do trabalhador. (p. 105-106).

Nesse processo os signos e mitos do campo perdem força frente aos signos do urbano. À necessidade do período agrário, marcado pela fome e pela escassez, se impõe uma sociedade marcada pelo trabalho e que acaba fetichizando a produtividade, devastando a natureza, expulsando seus deuses, profanando o solo. A espontaneidade se vê afrontada pelo plano, pelo racionalismo. Os tempos cíclicos do agrário, quase que inseridos nos tempos da natureza, passam a se subordinar ao tempo linear da indústria. O racionalismo da indústria se coloca frente à espontaneidade do agrário. Apolo toma o lugar de Dionísio sem no entanto destruí-lo. A relação campo-cidade, estabelecida historicamente, é marcada por uma forte descontinuidade com a industrialização, passa a ser uma relação entre centro e periferia. Contudo a cidade mesmo tornando-se dominante enquanto centro, se vê vilipendiada pela indústria. A cidade é atacada por esta última. A indústria só se aproxima da cidade em busca dos capitalistas, dos capitais e da força de trabalho barata que a cidade concentra. A Festa se vê atacada pela ordem repressora da indústria que se impõe sobre a cidade e seus usuários.

Como coloca Lefebvre (2001):

A cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana, refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma realização do valor de uso (p. 14).

Dialeticamente, ao mesmo tempo que a cidade é atacada pela industrialização, a cidade cresce fortemente.

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Engels (2010) faz alusão a este fenômeno de crescimento das cidades a partir da industrialização, ao descrever de maneira detalhada a cidade de Londres no período da Revolução Industrial.

Uma cidade como Londres, onde é possível caminhar horas e horas sem sequer chegar ao princípio do fim, sem encontrar o menor sinal que faça supor a vizinhança do campo, é verdadeiramente um caso singular. Essa imensa concentração, essa aglomeração de 2,5 milhões de seres humanos num só local, centuplicou o poder desses 2,5 milhões: elevou Londres à condição de capital comercial do mundo, criou docas gigantescas, reuniu milhares de navios, que cobrem continuamente o Tâmisa. (...)

Mas os sacrifícios que tudo isso custou, nós só descobrimos mais tarde. Depois de pisarmos, por uns quantos dias, as pedras das ruas principais, depois de passar a custo pela multidão.(...)Até mesmo a multidão que se movimenta pelas ruas tem qualquer coisa de repugnante, que revolta a natureza humana. (...) A desagregação da humanidade em mônadas, cada qual com um princípio de vida particular e com um objetivo igualmente particular, essa atomização do mundo, é aqui levada as suas extremas consequências (p. 67 - 68).

Conquistada pela indústria a cidade explode, levando toda a sociedade ao fenômeno da urbanização. Urbano e cidades não são sinônimos. A industrialização, marcada pelo plano, pelo racionalismo cartesiano, pela ordem e pela coação, se instaura na cidade e sendo movimento indutor produz um urbano marcado pela coação e repressão dos usuários. Com a industrialização, o urbano, levado a toda sociedade, é um urbano empobrecido das características que outrora a cidade possuía.

Com a industrialização o fenômeno urbano conhece uma gigantesca expansão, ultrapassa os limites das cidades e vai aos campos. A produção agrícola perde sua autonomia, sendo hegemonizada pela indústria, tornando-se um setor desta última. Ainda que guarde resíduos do valor de uso sobre o valor de troca, da obra sobre o produto; o campo passa a seguir, predominantemente, as ordens e coações da indústria. Nesse ínterim, sistemas de valores e sistemas de objetos característicos do urbano “desembarcam” no campo. Objetos como a água encanada, eletricidade, televisão entre outros, chegam junto a um novo sistema de valores como o consumo, a música urbana e modifica as necessidades das pessoas que vivem no campo.

No campo que se industrializa, o urbano que chega, mesmo gigantesco, é um fenômeno que generaliza um urbano atacado, empobrecido enquanto obra, é o urbano antes como produto. Um urbano induzido pelo processo de industrialização.

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Entrementes, se a industrialização, enquanto processo indutor, alinha o campo ao urbano, ela não consegue transformar o campo em seu idêntico. Se no campo industrializado e urbanizado tudo parece facilmente calculável, quantificável, homogeneizado, isso só ocorre devido a uma mirada descuidada que não percebe os resíduos, eivados de potência.

Apesar da força do processo de industrialização, a mesma nunca se fez completamente, mas de maneira dialética. Mesmo que Lefebvre utilize um eixo que vai de 0 a 100% para refletir sobre os fenômenos de industrialização e urbanização, além do fato de realizar uma periodização, isso não quer dizer de modo algum que Lefebvre tenha uma compreensão linear da história. Estes são muito mais recursos teóricos utilizados por este filósofo na exposição das ideias. O período industrial não suplanta o agrário de maneira total. Não há a substituição de uma realidade por outra, mas antes a dialetização do agrário e do industrial, sobre a hegemonia deste último. O campo e seus signos possuem uma relação dialética com a cidade, muito embora haja uma forte descontinuidade que transformou a relação.

Como bem coloca Carlos (2004):

A extensão do capitalismo (...) articulou a cidade e o campo num outro patamar deslocando a contradição cidade/campo vinda da história (do aprofundamento da divisão do trabalho, do estabelecimento da diferenciação de classes e do poder de uma classe), para a contradição centro periferia, estabelecendo uma nova hierarquia espacial entre espaços dominados e dominantes a partir da construção de novas centralidades. (p. 08).

No entanto, ainda que posto enquanto periférico frente à cidade, o rural possui potência, Recordemos, por exemplo, das particularidades entre os grupos do período agrário. Por mais que a industrialização e sua tendência à homogeneização tenham transformado-as significativamente, ela nunca conseguiu reduzir tais diferenças a uma homogeneidade total. Contudo, a indústria transforma tais particularidades ao mesmo tempo que as traz para o urbano.

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Lefebvre diria que é o urbano é uma forma, a “forma urbana”, a forma da simultaneidade, da reunião, da centralidade. É a centralidade o essencial do fenômeno urbano.

Amontoamento de objetos e de produtos nos entrepostos, montes de frutas nas praças do mercado, multidões, pessoas caminhando, pilhas de objetos variados, justapostos, superpostos, acumulados, eis o que constitui o centro urbano. Se a cidade sempre se oferece a si própria como espetáculo, do alto de um terraço, de um campanário, de uma colina, de um lugar privilegiado ( de um lugar elevado que é o alhures onde se revela o urbano), não é porque o espectador percebe um quadro exterior à realidade, mas sim porque o olhar reúne. Ele é a própria forma do urbano revelada.(LEFEBVRE, H., 2008, p. 108).

Lefebvre destaca que alguns geógrafos tratando da relação campo-cidade trouxeram um novo termo, rurbano. O filósofo critica esse neologismo ao expor que o pensamento que elabora essa compreensão destaca uma neutralização recíproca do rural e do urbano, não percebendo nenhuma centralidade nessa relação, seja do urbano seja do rural.

Para Lefebvre a ideia de centro adquire um significado extremamente forte na sua reflexão, dialetizando-se com outras ideias chaves como urbano e totalidade.

O urbano reúne, centraliza, se torna fenômeno total. A totalidade se dialetiza com a centralidade que marca a forma urbana. Como já sabemos, o campo ao ser trazido para a esfera do urbano perde sua autonomia. No entanto, na reflexão lefebvriana o urbano não é apenas ordem, coação, produtivismo e indústrias. O urbano é antes fruição, tem como papel primordial a Festa, o valor de uso. É antes obra que produto. Esse urbano que é coação, plano, valor de troca, ordenamento repressivo é pleno de resíduos. E resíduo não é algo impotente para Lefebvre, algo que rapidamente irá desaparecer, mas sim aquilo que tem potência por ser o negativo daquilo que predomina na sociedade.

É o urbano enquanto fruição a proposta lefebvriana. O urbano como Festa. A centralidade urbana deve pois ser regida pelo sentido da Festa, pelo lúdico. As trocas, nesse sentido, não são somente trocas econômicas, regidas pela linguagem homogeneizante da mercadoria, mas sim trocas que se constroem a partir do direito à diferença.

O centro para Lefebvre não é um grande “digestor” de diferenças que vomita homogeneização, e sim um centro constituído pela diferença, por trocas entre diferentes.

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O centro seria, pois, o aspecto relacional entre as particularidades. O urbano ao ser a forma da centralidade, é pois este centro, aquilo que produz a relação entre as particularidades (as diferenças!).

Nesse sentido, se o período agrário é marcado pelas particularidades destacadas, pela vida em comunidades que pouco se relacionavam entre elas, emergindo daí uma grade espacial marcada pela heterogeneidade, mas sem centralidade; o período industrial é marcado por uma tendência fortíssima a homogeneização a partir de um centro repressivo, sendo as particularidades vistas como “defeitos”, a diferença sendo colocada como pertencente ao originário. O espaço, pleno de diferenças herdadas de períodos anteriores é visto como vazio. Qualquer coisa pode ser construída sobre ele! Já na sociedade urbana, hoje virtual, amanhã real, as diferenças retomam sua força. Forma-se um tempo-espaço diferencial, contudo sobre a égide de um centro herdado da era industrial, mas totalmente diferente do que imperava até então. São particularidades e não particularismos, uma vez que se relacionam a partir de uma centralidade, de uma totalidade urbana. A cidade reúne as particularidades, como em épocas anteriores ao período industrial, porém ao tornar-se fenômeno total, processo inicialmente induzido pela industrialização, o relacional (permitido e coagido pela cidade) toma sua primazia, a totalidade dinâmica e dialética se afigura.

Relacionadas las unas con las otras en el seno de múltiples redes yuxtapuestas, superpuestas, conexas, interferentes o concurrentes, estas particularidades cambian. Aquellas que resisten se convierten en diferencias dentro del tiempo-espacio urbano. Aquí todavía se descubre la lucha titánica entre los poderes homogeneizantes y las capacidades diferenciales. (LEFEBVRE, H., 1972, p. 89-90)

A cidade na sociedade urbana, enquanto centro, ainda predominaria sobre o campo, entretanto a relação não é de imposição das espacialidades e temporalidades da primeira sobre o último. As diferenças entre o campo e a cidade são dialéticas. Não há a predominância total de um sobre o outro, tampouco a cisão total destes espaços ou sua neutralização, mas sim a dialetização a partir de uma centralidade urbana.

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O estudo aqui exposto, baseado em reflexões sobre a dialética urbano-rural, cidade-campo presentes na obra do filósofo Henri Lefebvre permite-nos algumas considerações.

Primeiramente, destacamos a construção, por parte de Lefebvre de uma periodização que parte do período agrário, atravessa o período industrial e chega ao período urbano. Este eixo que vai do 0 ao 100% de urbanização, mais que um mero recurso teórico, quando interpretado a partir do movimento do pensamento do autor nos coloca uma compreensão dialética da realidade. Esta compreensão dialética pode ser percebida, por exemplo, quando o filósofo se vale do conceito de “resíduo” para demarcar o negativo dos períodos. Compreendendo o “resíduo” de períodos precedentes enquanto potência na sociedade atual, Lefebvre aponta para o futuro sem olvidar-se de construções históricas da civilização. Isto o exime de qualquer “etapismo” no seu pensamento e de qualquer acusação de concepção linear do tempo, valendo-se de uma interpretação resguardada pelo método regressivo-progressivo.

Além do mais, a compreensão da realidade composta por resíduos cheios de potência nos revela uma dialetização do tempo e do espaço. Isso se coloca uma vez que Lefebvre ao pensar os resíduos enquanto originados em tempos precedentes ao atual, compreende que as várias temporalidades se dialetizam. Destarte, se estas temporalidades se dão simultaneamente, estas se dão em um espaço, que é meio e produto das relações sociais perpassadas por diversas temporalidades.

Ao tomar em consideração a problemática espacial, revelada em nossa análise, na discussão sobre a relação urbano-rural e cidade-campo, Henri Lefebvre nos oferece uma proposta a saber: a revolução urbana.

Compreendendo o urbano a partir do sentido da Festa, da fruição e ainda como forma – a forma da centralidade, da reunião da simultaneidade - Lefebvre percebe que o urbano, embora empobrecido pela industrialização, possui potência. Essa potência está nos resíduos da Festa, da fruição, do lúdico. A industrialização ao agigantar o urbano e torna-lo fenômeno total expandiu para todo o espaço geográfico o urbano, ainda que empobrecido. Dialeticamente, o sentido do urbano, resguardado em seus resíduos também são expandidos. Daí advém a potência do urbano e a proposta da revolução urbana.

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BIBLIOGRAFIA

CARLOS, A. F. A. A questão da cidade e do campo: teorias e política. In: Mercator. Fortaleza: UFC, 2004

ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010.

LEFEBVRE, H. El manifiesto diferencialista. Ciudad de México: Siglo Veintiuno, 1972.

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MARQUES, M. I. M. O conceito de espaço rural em questão. In: Terra Livre. São Paulo: USP, 2002.

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Referências

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