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ANAIS ELETRÔNICOS ISSN

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Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1

RELAÇÃO LEITURA E ESCRITA NO ENSINO DO PORTUGUÊS

COMO SEGUNDA LÍNGUA

CABRAL, Maria do Socorro Leal Professora da EDAC1 mscoca@ig.com.br ALVES, Kledson de Albuquerque Prof.º LIBRAS na E.M. de E. Infantil e Ens. Fundamental Bilíngue para Surdos Pe.

Edwards Caldas Lins kledson.bear@gmail.com MEDEIROS, Maria Gorete de Profa. Me. Da Unidade Acadêmica de Educação da UFCG medeiros.gorete@yahoo.com.br

RESUMO

Na Educação Surda, a aquisição da língua(gem), na proposta Bilíngue, envolve o ensino e a aprendizagem da Língua de Sinais (LS) e da Língua Portuguesa Escrita (LPE), respectivamente, como primeira (L1) e segunda (L2) Língua do surdo. Sendo a Língua Portuguesa a L2, é interessante saber como ocorre a interferência recíproca entre o processo da aquisição da leitura e da escrita de português no caso de crianças surdas. Pesquisa bibliográfica e prática de ensino de Língua Portuguesa, como L2, em escola especial para surdos em Campina Grande-PB, formam a base científica deste trabalho. Pesquisadores como Sánches (1993), Fernándes (1996), Hoffmeister (1999) afirmam que a LPE pode ser aprendida pelos surdos se, ao invés de enfatizar a relação letra/som, a metodologia recorrer a estratégias visuais com base na LS, aos moldes semelhantes ao ensino de segundas línguas para ouvintes. Sob esses aportes, este trabalho pretende explicar como ocorre a relação entre a leitura e a escrita na aprendizagem da LPE pelo surdo. Também oferece algumas proposições pedagógicas para o ensino do português escrito aos surdos.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino Bilíngue. Leitura e Escrita. Língua Portuguesa Escrita.

1 EDAC corresponde a Escola Estadual de Audiocomunicação Demóstenes Cunha Lima, escola especial

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Para a maioria dos surdos que procedem de famílias ouvintes a escola é um espaço linguístico fundamental, já que se constitui no primeiro lugar em entram em contato com a Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS) de modo sistematizado. Sendo esta a primeira língua do surdo, significa que é através da Língua de Sinais (LS) que a criança surda vai adquirir a linguagem, significando que é por meio da LIBRAS que a criança surda brasileira estará concebendo o mundo usando uma língua que corresponde ao

input que lhe é específico, uma vez que possui privação de recursos físicos para

perceber os estímulos auditivos, mas possui habilidades apuradas para perceber e emitir estímulos motores e visuais.

Como diz Karnopp (2002), o ser humano não constrói significados em vácuo. Por isto, o processo de perceber o mundo e de se comunicar através da LS possibilita ao aluno surdo promover significações através da escrita, que pode ser pela escrita dos sinais da sua língua e/ou através da língua portuguesa escrita. Sendo a língua portuguesa a que é significada por meio da escrita nas escolas inclusivas aos surdos, ressalta-se que a sua aquisição depende da representação que tem enquanto língua com funções relacionadas ao acesso às informações e comunicação entre os surdos por meio da escrita. Entre os surdos fluentes em português, o uso da língua portuguesa escrita (LPE) acontece por diferentes tipos de produção textual, destacando-se a comunicação através do celular, de chats e e-mails.

Mesmo diante dessa realidade de função social da escrita em português para os surdos, as escolas ainda tendem a ensinar a LPE para crianças surdas do mesmo jeito que ensina para crianças ouvintes que adquirem o português falado. Tentativas de alfabetizar a criança surda nesta perspectiva já aconteceram, indo desde a utilização de estruturação de linguagem até o uso do português sinalizado. Contudo, o sucesso do ensino da língua portuguesa aos surdos somente é possível acontecer como sendo alfabetização de segunda língua, bem como se a língua de sinais for reconhecida, efetivamente, como a primeira língua a ser adquirida pelo surdo, uma vez que na

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português) dos conhecimentos adquiridos na LIBRAS, dos conceitos, dos pensamentos e das ideias do surdo.

Assim, na alfabetização de surdos, a LIBRAS apresenta um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa, uma vez que o ensino do português pressupõe a aquisição da LS. Nesta ótica, convém ressaltar que não se trata simplesmente de uma transferência de conhecimentos da LIBRAS para a língua portuguesa escrita, mas se trata de um processo paralelo de apropriação e aprendizagem no qual cada uma dessas línguas demonstra seus papéis e valores sociais representados.

Nesse processo, há uma relação muito íntima entre os atos de ler e de escrever, de modo que a leitura sempre precede à escrita, sendo por isto que o objetivo deste artigo relaciona-se à necessidade de desenvolver esclarecimentos sobre como ocorre a leitura e a escrita na aprendizagem da LPE, pelo surdo. A oferta de algumas proposições pedagógicas para o ensino do português escrito aos surdos completa esse objetivo, uma vez que possibilita a contextualização de alguns dos esclarecimentos ofertados sobre as situações inerentes ao ensino da LPE a alunos surdos. Impossível é se falar na relação leitura e escrita, ou em aprendizagem de quaisquer das áreas de conhecimento na educação dos surdos, sem fazer referências à prioridade que a LS precisa exercer. Por isto, durante o desenvolvimento deste artigo o leitor sempre encontrará chamadas relacionadas a esta questão.

1 À guisa da necessidade bilíngue do aluno surdo

De acordo com conhecimentos publicados por autores como Quadros e Schmiedt (2006), pode-se assegurar que são duas as línguas que fazem parte do cotidiano da criança surda. Em se tratando da criança surda brasileira, a LIBRAS e o português fazem parte do contexto educacional e da vida fora da escola. A representação da língua portuguesa para os surdos não é a mesma para crianças

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Desta forma, as representações que as línguas brasileiras desempenham na escola e na vida dos surdos passam a ser refletidas dentro de uma perspectiva surda, entrando em cena o aspecto bilíngue na educação das crianças surdas. De acordo com esse aspecto, a LIBRAS precisa ser a língua de instrução e a LPE é a segunda língua dos alunos surdos.

Falar-se em educação bilíngue, implica admitir que, pelo menos, duas línguas precisam coexistir no contexto escolar. Por outro lado, torna-se conveniente ressaltar que as diferentes maneiras que uma escola proporciona uma educação bilíngue aos surdos dependem de decisões político-pedagógicas, de sorte que, ao optar em desenvolver uma educação bilíngue, a escola, pelo menos em tese, estará admitindo e assumindo uma política linguística2 em que LIBRAS e língua portuguesa passarão a coexistirem na escola e no processo de ensino e de aprendizagem. Deverá haver a definição sobre qual será a primeira e qual será a segunda língua dos surdos, bem como qual serão as funções que cada língua representará no ambiente escolar.

Pedagogicamente, a escola vai pensar em como estas línguas estarão acessíveis às crianças, além de desenvolver as demais atividades escolares. As línguas podem estar permeando as atividades escolares ou serem objetos de estudo em horários específicos dependendo da proposta da escola. Isso vai depender de “como”, “onde”, “quando” e “de que forma” as crianças utilizam as línguas na escola. Esse fator, provavelmente, será influenciado pelas funções que as línguas desempenham fora da escola (QUADROS, SCHMIEDT, 2006, p. 18).

No Brasil pode-se observar diversas maneiras de realizar a educação bilíngue. Assim, há escolas bilíngues para surdos nas quais:

a) A língua de instrução é a LIBRAS e a língua portuguesa é ensinada como segunda língua dos surdos.

b) LIBRAS é a língua de instrução e o português é ensinado como segunda língua nas salas de aula das turmas das séries iniciais do ensino fundamental. Nas

2 Políticas linguísticas significam ações consideradas imprescindíveis para que se reconheça, de fato, a

LIBRAS enquanto língua nacional. É a partir dessas políticas que se criam formas de cultivar a LIBRAS, de disseminá-la e de preservá-la.

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intérpretes de LIBRAS nas salas de aula e o ensino de língua portuguesa, como segunda língua para os surdos, é realizado na sala de recursos.

c) Os serviços de intérprete de LIBRAS estão presentes desde o início da escolarização. Nesse caso nas séries iniciais os intérpretes acabam assumindo a função de professores, usando a LIBRAS como língua de instrução.

d) Os professores desconhecem a LIBRAS e falta estrutura ou recursos humanos para garantir aos alunos surdos o direito à educação, à comunicação e à informação.

Diante dessa diversidade de efetivação da educação bilíngue aos surdos, tem-se a dizer que isto não muda a verdade de que a efetivação da educação bilíngue depende da presença de professores bilíngues, significando que pensar em ensinar uma segunda língua implica reconhecer que existe uma primeira, a qual também deve ser conhecida pelo professor. Diante desta verdade, pode-se concluir que as escolas que se dizem bilíngues, mas que não estão atendendo à condição de ter no quadro de docentes professores conhecedores da LIBRAS estão praticando o bilinguismo de modo capenga e inadequado, ocasionando profundos prejuízos na aprendizagem dos surdos. Em nome da inclusão estão excluindo os alunos surdos, por não lhes oferecerem condições importantes, como considerar a LIBRAS como primeira língua dos surdos e como língua de instrução a estes.

2 Como ocorre a relação entre a leitura e a escrita na aprendizagem da LPE3

De acordo com Quadros (1997), a compreensão da leitura em muito ajuda no aprendizado de uma língua. Sob essa suposição, pode-se reconhecer que a leitura é uma estratégia que deve estar sempre presente no ensino de uma segunda língua. Salles (2007) completa a ideia de Quadros asseverando que, se na pedagogia da língua materna, o ato de produzir depende, necessariamente, do ato da leitura, uma vez que

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(dentre outras), pode-se afirmar que as atividades de leitura e de produção de texto implicam-se mutuamente no ensino de uma língua. Isto significa dizer que no ensino de português como segunda língua há uma relação de retroalimentação mútua entre os atos de ler e de escrever, sendo esse processo de fundamental importância para o ensino de português escrito a alunos surdos.

Tratando-se do processo da leitura, é interessante remeter-se ao conceito de Garcez (2001, apud SALLES, 2007), quando diz que a leitura abrange um processo que permite o leitor decodificar signos, compreender o mundo, mobilizando a memória e a emoção. Significa que alguns critérios são necessários para a ocorrência de uma leitura eficaz, tais como: decodificação de signos; seleção e hierarquização de ideias; associação a informações anteriores; antecipação de informações; elaboração de hipóteses; construção de inferências e de pressupostos; controle de velocidade; focalização da atenção; avaliação do processo realizado; reorientação dos próprios procedimentos mentais.

A consciência desses critérios por parte do professor é de vital importância porque, quando o aluno é submetido a uma ação pedagógica que desenvolva o hábito da leitura, terá maior sucesso neste processo uma vez que esses critérios serão cada vez mais aprimorados, mediante o exercício de leituras bem mediadas.

No caso do surdo, a leitura sempre deve preceder à escrita e sempre deverá ser realizada em LS, uma vez que esse aluno aprende através da experiência visual. É por isto que se pode assegurar que antes da aprendizagem da língua portuguesa o aluno surdo precisa aprender sua LS, uma vez que é a partir da sua língua natural que ele é capaz de processar as informações e de compreender o mundo. Quando a aprendizagem da LS já oferecer ao aluno a capacidade de se comunicar e de perceber comunicações em LS, significa que ele já está apto a iniciar a aprendizagem da LPE.

Explicando a influência dos inputs no êxito do desenvolvimento de produções escritas por parte do aprendiz, Peixoto (2006) faz um paralelo entre o desempenho da criança ouvinte com o da criança surda. A criança ouvinte tem input favorável à

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favorável à percepção e à emissão de sinais manuais e não manuais, bem como dos movimentos do corpo. Em se tratando da influência do input sonoro na produção escrita do aprendiz ouvinte, a partir do período pré-silábico, utiliza estímulos sonoros para escrever, relacionando o que escreve ao que é falado, sendo por esta compreensão que constroem hipóteses que lhes permitem prever, antecipar e corrigir seus erros. Já a criança surda, mesmo que seja exposta a estímulos sonoros não podem revelar desempenho semelhante às crianças ouvintes, pois sua privação sensorial auditiva a incompatibiliza com o estímulo sonoro, significando que a sua compatibilidade se dá pelo estímulo visual. É por isto que a aprendizagem/acessibilidade da/à língua portuguesa pela criança surda somente ocorre na sua modalidade escrita.

Reforçando-se uma informação já dita anteriormente, torna-se a afirmar que a aquisição da habilidade de escrever textos sempre é antecipada pela habilidade de ler, significando que a leitura antecede a escrita. Para o aluno ouvinte, o ato de ler se processa tanto oral como silenciosamente, mas para o surdo a leitura silenciosa é a técnica mais frequente. Mais para o surdo do que para o aluno ouvinte, os recursos gráficos e visuais constituem-se em elementos imprescindíveis para auxiliar a realização da leitura. (SALLES, 2007 e SÁNCHEZ, 1993)

Para o aluno ouvinte a aquisição da LPE é tranquila porque seu input é sonoro e é através da língua portuguesa que percebe o mundo, desenvolve e expressa suas ideias. Assim, como a LPE promove a representação da língua oral, tanto a leitura quanto a escrita são realizadas pelo ensino que é efetivado através do sistema alfabético. Para o aluno surdo é diferente porque, sendo seu input visual e gestual, é necessário realizar a leitura através da LS para, pelo alcance da compreensão do que foi lido nesta língua, lhe seja possível proceder à escrita em LPE. Este esclarecimento implica na dedução de que, ao ser submetido a uma modalidade de ensino de LPE nos mesmos moldes em que é um aluno ouvinte, o aluno surdo fica prejudicado no seu

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aprendizagem em geral.

O desenvolvimento na aprendizagem de uma segunda língua está profundamente relacionado ao nível de domínio que o aprendiz possui na sua primeira língua, significando que para o aluno surdo o desenvolvimento na aprendizagem da língua portuguesa dependerá da proficiência por ele adquirida em LIBRAS. A explicação disto está no fato de que é por meio da sua primeira língua (LIBRAS) que o aluno surdo faz a sua primeira leitura de mundo para, posteriormente fazer a leitura da palavra em língua portuguesa, para ter acesso à LPE. Deste modo, concorda-se com autores como Quadros (1997), Almeida (2000), Peixoto (2006) e Salles (2007), quando reconhecem e explicam que/como a LIBRAS se constitui num instrumento de suma importância para a aprendizagem da língua portuguesa pelo surdo brasileiro.

A estruturação das mensagens escritas de surdos tem muita relação com a estrutura da LIBRAS, uma vez que é a sua primeira língua que lhe influencia na aprendizagem da segunda. Para se esclarecer melhor como isto acontece, sugere-se refletir, brevemente, o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira por parte de uma pessoa ouvinte. Por exemplo, em se aprender a língua inglesa, por mais que se possua um vocabulário razoável para a realização de escritas, a princípio sempre se apresenta problemas de estruturação do texto porque se está muito preso à estrutura da língua portuguesa. Neste caso, o aumento gradativo da leitura de textos escritos em inglês ajuda o aprendiz a internalizar, gradativamente, a estrutura dessa língua estrangeira. Assim, quanto mais leitura o aluno ouvinte realizar de textos escritos no idioma inglês, mais rapidamente se apropriará do modo como escrever textos em inglês, atentando à aplicação da gramática desta língua.

Entre os surdos adultos, há uma diferenciação no nível de internalização da estrutura da língua portuguesa mesmo entre surdos que apresentam características em comum, como serem surdos de nascença, filhos de ouvintes e fluentes em LIBRAS (mesmo pela aprendizagem tardia desta língua). Essa diferenciação é ocasionada pela intensidade da prática de leitura que o surdo apresenta. Assim, o surdo que tem o

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escrita em português do que aquele que não possui esse hábito, significando que quanto mais prática de leitura o surdo tem maior será o nível de internalização da LPE, acontecendo inversamente com aquele que tem menos prática de leitura.

Na LIBRAS o tempo não está codificado por meio de processos flexionais no verbo, mas há marcadores de tempo não-verbais (como ontem, amanhã, hoje, futuro, passado) e recursos que consistem na repetição de sinais para indicar a progressão ou repetição do evento. Assim, a concordância verbal em LS é denotada pelas formas que se seguem:

1ª – Concordância número-pessoal: as pessoas do discurso são marcadas pela orientação. O ponto inicial concorda com o sujeito e o final com o objeto.

2ª – Concordância de gênero: acontece através de verbos classificadores, nos quais a concordância está marcada pela configuração de mão.

3ª – Concordância com a localização: é marcada pelo ponto de articulação, iniciando ou terminando em um determinado lugar, onde a pessoa, coisa, animal ou veículo, que está sendo colocado, carregado, etc.

Quando o surdo não tem frequente hábito de ler, na LPE tem dificuldade em utilizar o verbo na estrutura desta sua segunda língua, mas a maior intensidade de leitura pode ocasionar que na escrita em português o surdo estabelece a concordância com o sujeito, utiliza corretamente os verbos auxiliares, gerúndio, modo imperativo e flexões temporais.

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gramatical. Somente quando o aprendiz surdo tem maior grau de leitura é que apresenta o uso dos artigos na escrita da segunda língua, mesmo que aqui e acolá faça algumas omissões desses elementos.

O surdo leitor mais assíduo também apresenta nas escritas em língua portuguesa o uso do “que” sem ser exclusivamente em contexto interrogativo, como acontece na LIBRAS. Na LS o verbo “ter” não é utilizado no sentido de necessidade, como é usado na língua portuguesa, mas na produção em LPE do surdo que muito lê é comum a presença de “ter” como necessidade, indicando que essa possibilidade foi interiorizada através do ato de ler em LPE.

O modo incomum pelo qual os surdos usam a LPE, mesmo que a muitos possa parecer absurdo, reflete a lógica que é inerente ao modo como escreveriam os sinais da LIBRAS, se estivessem escrevendo em Escrita de Sinais4. Este dado implica em se dizer que a escrita dos surdos na língua portuguesa é construída a partir das regras inerentes ao uso da LIBRAS, sendo isto muito normal e natural, uma vez que é através desta língua que os surdos organizam suas experiências de mundo e no mundo.

Se para os ouvintes a leitura é muito interessante para a apropriação da escrita da língua portuguesa, para o surdo ela é indispensável para o aprendizado da escrita de uma língua oral. A escrita em língua portuguesa é o único acesso que o surdo pode ter à língua majoritária do seu país, significando que no Brasil, aprender a LPE significa aprender a língua portuguesa. Assim, escrita e língua associam-se em um único conhecimento vivenciado por meio da leitura.

Entender a lógica da escrita do surdo e reconhecer a importância da leitura na apropriação da LPE gera compreensões necessárias ao entendimento do valor que a LIBRAS tem para aprendizes surdos, também no que concerne à aprendizagem da LPE como segunda língua. Entende-se que esclarecimentos do tipo em muito pode

4 Escrita de Sinais corresponde a um sistema de escrita dos sinais denominado de Signwriting. Através

deste sistema, o surdo pode escrever ou produzir textos escritos na sua própria língua, representando cada sinal necessário e atendendo à gramática da Língua de Sinais. Este sistema pode ser conhecido através do acesso ao link http://www.signwriting.org/downloads/

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para a realização de leituras de textos escritos em língua portuguesa, bem como para o professor efetuar as mediações necessárias tanto no processo de leitura quanto no processo de escrita em língua portuguesa (FERNÁNDEZ, 1996 e HOFFMEISTER, 1999).

3 Algumas proposições pedagógicas para o ensino do português escrito aos surdos

Expor o aluno surdo a um contato maior com sinalizadores surdos, promovendo, com isto, a aquisição de forma espontânea da LS através de:

 Roda de conversa dirigida;

 Relatos de experiências;

 Leitura em grupo, dupla ou individual dos diversos gêneros textuais;

 Conto e reconto de histórias, adaptadas em LIBRAS;

 Exibição de DVD’s com narrativas em LIBRAS;

 Promoção e participação de eventos, datas comemorativas, movimentos surdos.

Expor o aluno surdo a contatos com textos em LPE e à realização de leituras dos mesmos, através de recursos como: slides em Power Point, cartazes, textos escritos na lousa, textos xerecopiados, livros de literatura, folder e outros e diversos portadores de textos.

Mediar os alunos surdos nas realizações de atividades que envolvam a exploração e/ou a interpretação de textos em LPE, enfatizando:

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 Destaque de palavras conhecidas – a partir do título é suporte, pista para compreensão do texto.

 Destaque de palavras desconhecidas e oferecer sinônimos ou, ainda e às vezes, antônimos, informando que é um antônimo para que o aluno conduza a leitura no seu ritmo.

 Desenho, palavra, sinal.

 Desenho de partes do texto no quadro com transcrição.

 Dramatização do texto.

Idem, nas realizações de atividades que envolvam leitura e escrita do tipo das que se seguem:

 Copiadas da lousa ou xerocopiadas.

 Requer preenchimento de lacunas.

 Trabalho com palavras chave.

 Correspondência alfabeto manual com letras da LPE.

 Enumeração de colunas.

 Textos não verbais.

 Textos verbais.

 Elaboração de frases ou pequenos textos, com ou sem ilustração. Por fim, considerando-se que há um ciclo de retroalimentação quando, a partir da leitura de um texto A, um novo texto B é produzido em LIBRAS e traduzido para a LPE, propõe-se que o texto B seja lido em LIBRAS e, a partir dele, o aluno possa gerar alguns outros textos, podendo ser em gêneros diferenciados, e assim sucessivamente.

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Muito embora ainda não seja uma prática nas escolas inclusivas aos surdos, a escrita da LS torna-se emergente para a continuidade do processo de alfabetização dos surdos. No Brasil, já existem algumas experiências com o sistema Sign Writing, enquanto sistema escrito de sinais que expressa as configurações de mãos, os movimentos, as direções, a orientação das mãos, as expressões faciais associadas aos sinais, bem como relações gramaticais que não são captados pelo sistema alfabético de escrita.

Quando a criança surda passa por um processo de alfabetização cujas relações cognitivas são estabelecidas através da LS para a organização do pensamento, dispõe de mais elementos para registrar as relações de significação que estabelece com o mundo. Por outro lado, para criar hipóteses no processo de alfabetização da segunda língua, primeiramente a criança surda precisa experimentar a alfabetização na sua LS.

Experiência com sistema de escrita significa ler esta escrita, implicando que leitura é um elemento imprescindível para se aprender a escrever durante o processo de alfabetização. No caso do surdo, ler sinais é fundamental para que esse processo de apropriação da escrita se constitua. Esse processo de leitura deve estar orientado por objetivos pedagógicos como os que se seguem:

 Desenvolver o uso de estratégias relacionadas à resolução de problemas.

 Exercitar o uso de jogos de inferência.

 Trabalhar com associações.

 Desenvolver as habilidades de discriminação visual.

 Explorar a comunicação espontânea.

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 Oferecer constantes literaturas impressas na escrita dos sinais.

 Proporcionar atividades para envolver a criança no processo de alfabetização como autora do próprio processo.

As relações de significação da LS não podem ser captadas pela escrita alfabética. Isto significa que a escrita alfabética expressa significados que serão organizados pela criança surda, mas de outra forma. Muito embora seja de suma importância que a criança surda interaja com a escrita alfabética para o seu processo de alfabetização em português acontecer com êxito, é necessário ressaltar-se que esse processo seria mais eficaz se a criança fosse alfabetizada na sua própria língua.

Referências

ALMEIDA, E. O. C. de. Leitura e surdez: um estudo com adultos não oralizados. Tese de doutorado na Faculdade de Educação da UNICAMP, 2000.

FERNÁNDEZ, M. P. Reflexiones sobre la escritura y la alfabetización de ninos surdos.

Revista de Logopedia, fonologia y audiologia. V. 16, n. 2, p. 79-85, 1996.

GARCEZ, Pedro. Deixa eu te contar uma coisa: o trabalho sociológico do narrar na conversa cotidiana, In: RIBEIRO, Branca Telles; LIMA, Cristina Costa; DANTAS, Maria Tereza Lopes (orgs.) Narrativa, identidade, clínica. Rio de Janeiro: Edições IPUB/CUCA, 2001.

HOFFMEISTER, R. Famílias, crianças surdas, o mundo dos surdos e os profissionais da audiologia. In: SKLIAR, C. (Org.) Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. V. 1 – 2.

KARNOPP, L. B. Língua de sinais e língua portuguesa: em busca de um diálogo, In: LODI, A. C. B., HARRISON, K. M. P., TESKE, O. (orgs). Letramento e minorias. Porto Alegre: Ed. Mediação, (2002.

PEIXOTO, R. C. Algumas considerações sobre a interface entre a língua brasileira de sinais (LIBRAS)e a língua portuguesa na construção inicial da escrita pela criança surda. Campinas: Cadernos Cedes, 2006, vol. 26, n. 69, p. 205-229.

QUADROS, R. M. A educação de surdos: a aquisição de linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

QUADROS, R. M., SCHMIEDT, M. L. P. Ideias para ensinar português para alunos

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prática pedagógica. Brasília: MEC, SEESP, 2007. V. 1-2ª Edição, 2007. SÁNCHEZ, c. Vida para os surdos. Revista Nova Escola, set./1993.

Referências

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