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Palavras-chave: exploração; superexploração; O capital; Karl Marx. Classificação JEL: B14; B51; J21.

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resumo

O

objetivo deste artigo é demonstrar que Marx elabora no Livro I de O capital não apenas uma teoria da exploração, mas, sobretudo, uma teoria do que chamaremos sinteticamente por superexploração da força de trabalho pelo capital. A compreensão da construção dessa teoria nesse livro só é possível quando se considera o modo expositivo dialético-negativo do autor. Além disso, defendemos também que apenas a teoria da exploração não seria coerente com a perspectiva revolucionária presente nesse livro, necessitando, portanto, também da teoria da superexploração, que é mais coesa com o caráter de transitoriedade do objeto investigado e exposto pelo autor.

Palavras-chave: exploração; superexploração; O capital; Karl Marx. Classificação JEL: B14; B51; J21.

abstract

The aim of this paper is to demonstrate that Marx elaborates on the 1st Book of Capital not just a theory of exploitation, but, above all, a theory of what we will call synthetically by super-exploitation of labor power by capital. The understanding of the construction of this theory in this book is only possible when one considers the author’s dialectical--negative method of presentation. Furthermore, we also argue that only the theory of exploitation would not be consistent with the present

TEORIA DA ExPLORAçãO E DA

SuPEREx-PLORAçãO DA FORçA DE TRABALHO EM

O capital (LIVRO I) DE MARx

1

carlos alVes do nascimento

Doutor em Economia Aplicada pelo IE/UNICAMP e Professor do Programa de Pós-graduação em Economia do IE/UFU.

Fernando Frota dillenBUrG

Doutor em Filosofia pelo IFCH/UNICAMP e Professor na UFRGS.

FÁBio maia soBral

Doutor em Filosofia pelo IFCH/UNICAMP e Professor da FEAAC/UFC.

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revolutionary perspective in this book, therefore, requiring also the theory of super-exploitation, which is more cohesive with the transitory character of the object investigated and exposed by the author.

Keywords: exploitation; super-exploitation; Capital; Karl Marx.

introdução

Objetivamos demonstrar neste artigo que Marx expõe no Livro I de O capital não apenas uma teoria da exploração, mas, sobretudo, uma teoria do que denominaremos sinteticamente por su-perexploração da força de trabalho pelo capital. Demonstraremos que a superexploração é uma categoria teórica em O capital. Ou seja, o autor de O capital trabalha a superexploração não ape-nas no plano do empirismo fornecendo ao leitor exemplos históricos e dados estatísticos a seu respeito. A superexploração no Livro I é um fato concreto, real, produzido pelo capital em seu desenvolvimento, que Marx reproduz no Livro I de forma lógico-histórica, realizando assim uma síntese dialética no seu modo de exposição2

do desenvolvimento real do capital. Do nosso ponto de vista, a não consideração desse modo de exposição é o que dificulta a compreensão da construção dialética da teoria da superexplora-ção no Livro I de O capital.

Para demonstrarmos isso, estruturamos este artigo nesta breve introdução e em mais duas seções. Na primeira, apresentamos a construção que Marx realiza da sua teoria da superexplora-ção, acompanhando o movimento do seu modo de exposição dialético-negativo. Dialético-nega-tivo porque a dialética de Marx, para o que apre-sentaremos, significa que, sucessivamente, ele expõe categorias, como a da exploração (e seus pressupostos teóricos), e em seguida, porque ele está expondo o desenvolvimento real do seu próprio objeto de análise, nega-as, no sentido de que supera-as em um nível mais elevado, mais profundo (no caso sob análise, superexploração, e seus pressupostos próprios, e, nesse mesmo movimento negativo, aponta o devir do qual essa categoria é portadora). Na última seção, tecemos as considerações finais.

o movimento expositivo no livro i de O capital de marx: exploração e supe-rexploração da força de trabalho pelo capital

Após expor a gênese da forma dinheiro do valor, assim como também as características do dinheiro, Marx passa a desenvolver sua teoria da exploração da força de trabalho pelo capital a partir da segunda Parte do Livro I (Capítulo IV), momento em que inicia sua análise de como o

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dinheiro pode, histórica e logicamente, transfor-mar-se em capital.

Essa análise da transformação do dinheiro em capital inicia-se no Capítulo IV (Parte II, Livro I) e conclui-se no Capítulo V (Parte III, Livro I). Nesses dois capítulos, Marx apresenta os pres-supostos com os quais desenvolve sua teoria da exploração da força de trabalho pelo capital. No Capítulo IV, após demonstrar que na esfera da circulação simples de mercadorias não é possível a criação de valor novo, Marx retoma o que já havia observado na Parte I do Livro I, que valor novo só surge com trabalho novo, na esfera da produção. Contudo, a esfera da circulação tem papel importante por conter a mercadoria espe-cífica responsável pela criação de valor novo, a mercadoria força de trabalho. No Capítulo IV, Marx chama atenção para o caráter histórico do capital, assim como de todas as demais catego-rias econômicas por ele já expostas. Ou seja, a existência de indivíduos destituídos de qualquer outra possibilidade de sobrevivência além da de vender sua própria força de trabalho é o pressu-posto histórico – e lógico – para o surgimento e o desenvolvimento do capital. Portanto, no Capí-tulo IV, Marx começa a analisar essa mercadoria especial, a força de trabalho, e aqui ele começa a expor os pressupostos sobre os quais desenvolve sua teoria da exploração da força de trabalho pelo capital.

No Capítulo IV, Marx (1988, p. 186 [grifos nosso]) afirma que a “transformação do dinheiro em

capital tem de ser explicada à base das leis ima-nentes da troca de mercadorias, e desse modo a troca de equivalentes serve de ponto de partida”. Ou seja, a troca de equivalentes, princípio da lei da troca de mercadorias, é um dos pressupostos a que nos referimos.3 Após calcular

hipoteti-camente um valor médio diário de uma força de trabalho, Marx reitera que o possuidor do dinheiro4 pagará tal valor “de acordo com nosso

pressuposto” (ibidem, p. 193).

Entretanto, a troca de equivalentes não é o úni-co pressuposto úni-com o qual Marx desenvolve sua teoria da exploração da força de trabalho pelo capital. Ainda no Capítulo IV, Marx apresenta também outro pressuposto para essa teoria. Ao tratar do valor da mercadoria força de traba-lho, Marx observa que o valor dessa mercado-ria especial corresponde a uma determinada quantidade de horas de trabalho que, por sua vez, corresponde a certa quantidade de meios de subsistência necessários para produzi-la e repro-duzi-la diariamente, não em qualquer condição, mas em condições normais de força, de saúde, de vida. Importa-nos destacar que Marx (1988, p. 191) observa que a força de trabalho em ação des-pende “determinada quantidade de músculos, de nervos, de cérebro, etc., que se tem de renovar. Ao aumentar esse dispêndio torna-se necessário aumentar a remuneração”. Ou seja, aqui Marx já começa a chamar atenção para o fato de que o valor da força de trabalho a ser pago pelo pos-suidor do dinheiro está condicionado pelo nível

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de dispêndio (desgaste) sofrido pela força de tra-balho. Aqui Marx já está observando que o valor da força de trabalho modifica-se com o aumento do seu desgaste para além daquele nível que a mantém em condições normais de força, saúde e vida. Portanto, aqui Marx já está apontando para um limite entre a exploração e a superex-ploração, de modo que esse limite diz respeito ao nível de desgaste da força de trabalho em relação à sua condição de reprodução dentro de um quadro normal de força, saúde e vida. Até o Capítulo VII, Marx manter-se-á no âmbito da te-oria da exploração; somente a partir do Capítulo VIII é que Marx desenvolve, lógica e historica-mente, isto é, teoricahistorica-mente, a superexploração, a relação entre o valor da força de trabalho e o seu desgaste acima do nível necessário para repô-la em condições normais.

No Capítulo V, Marx finaliza a demonstração de como o dinheiro pode se transformar em capital, capítulo em que demonstra que, mesmo pagando a força de trabalho de acordo com o seu valor –, cumprindo, portanto, o pressuposto da troca de equivalentes e o da reprodução da força de trabalho em condições saudáveis, portanto, normais –, o possuidor do dinheiro se apropria, numa determinada jornada diária de trabalho, de um tempo de trabalho que a força de trabalho realiza excedendo ao necessário à sua própria reposição diária. Ou seja, a exploração da força de trabalho é perfeitamente possível ocorrer

“sem constituir uma injustiça contra o vendedor [da força de trabalho]” (ibidem, p. 218), uma vez que o mesmo está sendo pago de acordo com o seu valor (pressuposto da troca de equivalentes), o que lhe permite reproduzir-se em condições saudáveis de vida (pressuposto da condição de reprodução normal da força de trabalho). Marx reitera, no Capítulo V, a afirmação dos pressupostos com os quais ele desenvolve sua teoria da exploração da força de trabalho pelo capital através da produção de mais-valia abso-luta e relativa. Nesse capítulo, Marx demonstrou a transformação do dinheiro em capital, reve-lando que o processo de produzir valores de uso e valor envolve tempos de trabalho distintos: o que equivale à reprodução da força de trabalho e o que excede esse tempo. Ao tratar, portanto, do tempo de trabalho no processo produtivo, Marx (1988, p. 214) reafirma o que já havia desenvol-vido no Capítulo I, que “É da maior importân-cia que durante o processo de transformação do algodão em fio, só se empregue o tempo de trabalho socialmente necessário […]. Só se considera criador do valor o tempo de trabalho socialmente necessário”. Mas o que nos importa aqui destacar é que um pouco antes de concluir o Capítulo V, Marx chama atenção mais uma vez para os pressupostos com os quais desenvol-ve em capítulos seguintes sua teoria da explora-ção da força de trabalho pelo capital. Ao reiterar o tempo de trabalho socialmente necessário

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como o único criador de valor, Marx (1988, p. 220) sublinha que “Isto envolve muitas coisas”, e justamente essas muitas coisas são aqueles pressupostos.

Mas, quando se mede o tempo de trabalho apli-cado na produção de valor-de-uso, só se conside-ra o tempo de tconside-rabalho socialmente necessário.

Isto envolve muitas coisas. A força de trabalho

deve funcionar em condições normais. Se o

ins-trumento de trabalho socialmente dominante na fiação é a máquina de fiar, não se deve pôr nas mãos do trabalhador uma roda de fiar. O traba-lhador deve receber algodão de qualidade normal e não refugo que se parte a todo instante. Em ambos os casos gastaria ele mais do que o tempo de trabalho socialmente necessário para a produ-ção de um quilo de fio, e esse tempo excedente não geraria valor nem dinheiro. A normalidade dos fatores materiais do trabalho não depende do trabalhador, mas do capitalista. Outra condição é a normalidade da própria força de trabalho. Deve possuir o grau médio de habilidade, destreza e rapidez reinantes na especialidade em que se aplica. Mas, nosso capitalista comprou no mer-cado força de trabalho de qualidade normal. Essa

força tem de ser gasta conforme a quantidade média de esforço estabelecida pelo costume, de acordo com o grau de intensidade socialmente usual. (Marx, 1988,

p. 220-221 [grifos nossos])

Após ter demonstrado nos Capítulos IV e V como o dinheiro se transforma em capital, a par-tir do Capítulo VII Marx desenvolve com maior acuidade sua teoria da exploração da força de trabalho pelo capital, aprofundando a exposição

de suas análises sobre a produção de mais-valia absoluta e relativa (esta, a partir do Capítulo X). Entretanto, é nosso objetivo demonstrar que, de acordo com o nosso entendimento do modo expositivo de Marx, tanto na parte do Livro I que trata da produção da mais-valia absoluta (Parte III), quanto na parte que trata da pro-dução da mais-valia relativa (Parte IV), Marx expõe não apenas sua teoria da exploração, mas, sobretudo, expõe, na sequência imediata, dentro de cada uma dessas partes, sua teoria da supe-rexploração. Em cada uma dessas partes, Marx apresenta inicialmente sua teoria da exploração e, imediatamente em seguida, supera-a dialetica-mente, expondo sua teoria da superexploração. Foi observado anteriormente que a teoria da exploração de Marx, exposta no Livro I de O ca-pital, pressupõe, por um lado, a lei das trocas de mercadorias, cujo princípio é a troca de equiva-lentes, significando o pagamento da força de tra-balho de acordo com seu valor e, por outro lado, como resultado desse primeiro pressuposto, a reprodução da força de trabalho em condições normais de força, saúde e vida, de acordo com as exigências dessa própria força de trabalho, como bem explicitado por Marx já no Capítulo IV. Por sua vez, a teoria da superexploração no Livro I de O capital tem como pressuposto o pagamen-to da força de trabalho abaixo do seu valor e, por conseguinte, sua reprodução em condições abaixo do normal aceitável pela classe

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traba-lhadora. Procuraremos demonstrar – e isso é de fundamental importância para o interesse deste artigo – que Marx desenvolve sua teoria da superexploração sem violar (nem eliminar) os pressupostos da sua teoria da exploração, mas que a passagem da exploração para a superex-ploração dentro de cada uma das partes do livro (Parte III e Parte IV, assim com também a Parte VII) se faz negando dialeticamente os pressupostos da exploração. De acordo com o modo expositivo de Marx, como o entendemos, negar dialeticamente um pressuposto não sig-nifica em absoluto violá-lo ou suprimi-lo, mas superá-lo. E tal superação é realizada, conforme demonstraremos, não pelo desejo do autor, ou por artifícios lógicos formais, ou por esquemas teóricos pré-determinados por ele usados, mas pela exposição dialético-negativa do desenvolvi-mento do seu próprio objeto de análise. Ou seja, ao expor, de forma lógica e histórica, o desenvol-vimento do modo de produção capitalista, Marx não faz nada mais, no que respeita à sua teoria da superexploração, do que captar sinteticamen-te (de forma lógica e histórica) a criação, pelo próprio modo de produção do capital, da explo-ração e da superexploexplo-ração. O desenvolvimento do próprio modo de produção do capital é o que cria a exploração e a supera (vai além dela) com a superexploração, e a supera em um nível mais profundo (brutal, desumano)5 de

explora-ção, próprio desse modo histórico de produção social. Esse nível mais profundo de exploração,

a superexploração, não diz respeito meramen-te a diferença de grau (ou taxa de mais-valia), porque para Marx, conforme demonstraremos adiante, exploração e superexploração são duas coisas radicalmente distintas.

Na Parte terceira do Livro I, especificamente no Capítulo VIII, Marx elabora inicialmente sua teoria da superexploração. No Capítulo VII, as-sim como em Capítulos anteriores, Marx ainda se restringe a elaborar sua teoria da exploração. O que Marx desenvolve no Capítulo VII é que a relação entre a mais-valia e a parte do capital que é responsável por sua criação (capital vari-ável) pode apresentar vários resultados percen-tuais entre algo acima de zero (para garantir a existência do capitalismo) e o infinito. Ou seja, Marx demonstra, nesse Capítulo sobre a taxa de mais-valia6 ou o grau de exploração da força de

trabalho, que, mesmo obedecendo aos pressu-postos da teoria da exploração, o capital tem a possibilidade de explorar a força de trabalho ao infinito,7 sem configurar superexploração.

Mas o que nos interessa destacar em relação à teoria da exploração no Capítulo VII é que, no mesmo momento em que afirma que a taxa de mais-valia é “a expressão precisa do grau de exploração da força de trabalho pelo capital ou do trabalhador pelo capitalista” (ibidem, p. 243), Marx chama atenção, em uma nota de pé de página, que a taxa de mais-valia é apenas uma medida relativa do grau de exploração da força

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de trabalho, e que oculta a magnitude absoluta dessa exploração.

A taxa da mais-valia embora seja a expressão exata do grau de exploração da força de trabalho, não exprime, entretanto, a magnitude absoluta dessa exploração. Se o trabalho necessário = 5 ho-ras e a mais-valia = 5 hoho-ras, o grau de exploração será = 100%. Mediu-se com 5 horas a magnitude da exploração. Mas se o trabalho necessário = 6 horas e a mais-valia = 6 horas, o grau [magnitude relativa] de exploração continua a ser de 100%, enquanto a magnitude [absoluta] da exploração aumenta de 20%, de 5 para 6 horas. (Marx, 1988, p. 243, nota 30ª, Cap. 7 [grifos nossos])

No Capítulo VIII, no qual inicia o desenvolvi-mento de sua teoria da superexploração, Marx praticamente inicia esse capítulo retomando a observação feita nessa nota de pé de página.

[…] Mas a taxa da mais-valia isoladamente não nos daria a magnitude [absoluta] da jornada de trabalho. Se fosse, por exemplo, de 100%, pode-ria a jornada de trabalho ser de 8, 10, 12 ou mais horas. Indicaria que as duas partes da jornada de trabalho, o trabalho necessário e o trabalho excedente, têm a mesma duração, mas não nos diria a duração dessas partes. (Marx, 1988, p. 261, Cap. 8; [grifos nossos])

No que respeita ao grau da exploração da força de trabalho, na teoria da exploração, interessa observar a taxa de mais-valia enquanto uma me-dida relativa, a razão percentual entre o TTE e o TTN. Mas na teoria da superexploração, o que mais importa é analisar a magnitude absoluta

da exploração, ou seja, importa indagar, como o faz Marx no Capítulo VIII, qual é o limite para a duração da jornada de trabalho.

Desde o Capítulo V, em mais de uma vez, Marx chama atenção para o fato de que, assim como procede com qualquer mercadoria, o comprador da força de trabalho, ao pagar o valor diário dessa mercadoria especial, sente-se no direito – baseado na lei das trocas de mercadorias, na lei válida no âmbito do mercado – de utilizá-la8

durante todo o dia.9 Nesse capítulo, Marx (1988,

p. 218 [itálicos nossos]) observa que “O possuidor do dinheiro pagou o valor diário da força de tra-balho; pertence-lhe, portanto, o uso dela durante o dia, o trabalho de uma jornada inteira”. No Capítulo VIII, Marx indaga sobre o limite dessa “jornada inteira”:

O capitalista compra a força de trabalho pelo

va-lor diário. Seu vava-lor-de-uso lhe pertence durante

a jornada de trabalho. Obtém, portanto, o direito de fazer o trabalhador trabalhar para ele durante um dia de trabalho. Mas, que é um dia de trabalho? Será menor do que um dia natural de vida.

Me-nor que quanto? (ibidem, p. 262 [grifos nossos]) Após apresentar essas indagações, Marx expõe os pontos de vista do capital e do trabalho. Aqui, no Capítulo VIII, após essas indagações, Marx apresenta, pela primeira vez, o ponto de vista dos trabalhadores – em contraposição ao ponto de vista do capital, personificado no capi-talista. Sobre o ponto de vista do capital, Marx

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observa que seu interesse único, apoiado na lei das trocas de mercadorias, é o de extrair a maior quantidade possível de trabalho excedente. No que respeita ao ponto de vista do trabalhador so-bre aquelas indagações, ao dar voz pela primeira vez ao trabalhador, Marx inicia a construção da sua teoria da superexploração.

Em sua fala, o trabalhador também se apoia na lei das trocas de mercadorias. Baseando-se nessa lei, o trabalhador reclama ao capital uma relação entre ambos, de modo a cumprir os pressupos-tos da (teoria da) exploração da sua força de trabalho pelo capital. O trabalhador reclama ao capital aquelas condições de normalidade, que Marx já havia pautado desde o Capítulo IV. Aqui, no Capítulo VIII, ao apresentar o ponto de vista do trabalhador frente às indagações sobre o limite da jornada de trabalho, Marx começa a discutir também o limiar entre a exploração e a superexploração, o limiar entre a teoria da exploração e a teoria da superexploração. A reclamação do trabalhador ao capital – que nos Capítulos IV e V já se apresentavam na forma de pressupostos para a (teoria da) exploração – é retomada no Capítulo VIII, no sentido de que o trabalhador reclama força, saúde e vida, por-tanto, condições de reprodução normais, diaria-mente. Aqui, nessa primeira fala do trabalhador, surgem também os primeiros adjetivos que transformam a exploração em superexploração. Em sua fala, o trabalhador reclama ao capital –

com base na lei das trocas de mercadorias – seu direito de evitar um dispêndio desarrazoado de sua força de trabalho, ou seja, um dispêndio para além do normal; da mesma forma, o traba-lhador reclama ao capital seu direito a evitar um prolongamento desmesurado da jornada de traba-lho que lhe possa comprometer sua substância vital de reprodução normal, sadia.

[A fala do trabalhador ao capital:] Pondo de lado o desgaste natural da idade etc., preciso ter amanhã, para trabalhar, a força, saúde e dispo-sição normais que possuo hoje. Estais continu-amente a pregar-me o evangelho da parcimônia e da abstinência. Muito bem. Quero gerir meu único patrimônio, a força de trabalho, como um administrador racional, parcimonioso, abstendo--me de qualquer dispêndio desarrazoado. Só quero gastar diariamente, converter em movimento, em trabalho, a quantidade dessa força que se ajuste com sua duração normal e desenvolvimento sadio. Quando prolongas desmesuradamente o dia de trabalho, podes num dia gastar, de minha força de trabalho, uma quantidade maior do que a que posso recuperar em três dias. O que ganhas em trabalho, perco em substância. (ibidem, p. 264 [grifos nossos])

Adjetivos como esses (desarrazoado, desmesu-rado) são parte dos vários adjetivos que Marx, a partir do Capítulo VIII, usa para distinguir dia-metralmente a exploração da superexploração da força de trabalho pelo capital.10 Para Marx, por

exemplo, são coisas totalmente distintas explo-ração e exploexplo-ração desmesurada; exploexplo-ração, diz

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respeito à utilização (do valor-de-uso) da força de trabalho pelo capital (como Marx já havia notado no Capítulo V, conforme destacamos anteriormente); superexploração, de forma abso-lutamente distinta, diz respeito não à utilização da força de trabalho pelo capital, mas à sua espoliação pelo capital, conforme o próprio Marx acentua enfaticamente, na voz do trabalhador ao capital: “A utilização de minha força de trabalho e sua espoliação são coisas inteiramente diversas”. (ibidem: p. 264 [grifos nossos])

Ou seja, utilização da força de trabalho pelo capital está associado à exploração da força de trabalho pelo capital (dentro daquelas condições de normalidade). Totalmente distinto, como afirma o próprio Marx, é a espoliação da força de trabalho pelo capital, que está associada a uma exploração para além da normalidade, a uma exploração que põe em risco a vida normal do trabalhador, uma exploração excessiva,11 uma

superexploração. Note-se, portanto, que superex-ploração não significa apenas um grau maior de exploração (uma taxa mais alta de mais-valia), uma vez que, por exemplo, com uma taxa de mais-valia de 100% pode haver superexploração, e uma taxa de mais-valia superior a 100% cor-responder apenas a uma exploração (dentro da normalidade). Superexploração, diferentemente da exploração, compromete a substância vital do trabalhador – essa é a diferença fundamental, para Marx.12

Dessa primeira fala do trabalhador, em sua resposta àquelas indagações, pautando o limite entre a exploração e a superexploração, importa mencionar dois últimos pontos fundamentais para entendermos as construções teóricas da ex-ploração e da superexex-ploração. O primeiro ponto é que Marx, pela voz do trabalhador, elabora um raciocínio lógico sobre a utilização ou espo-liação da força de trabalho pelo capital e sobre o valor da força de trabalho. Esse raciocínio lógico está presente permanentemente nos demais ca-pítulos do Livro I, quando Marx sucessivamente demonstra, historicizando esse discurso lógico, o rebaixamento do pagamento da força de traba-lho para abaixo do seu valor, como demonstra-remos adiante. O trabalhador adverte ao capital que ele tem consciência de que o prolongamento desmesurado do dia de trabalho pode gastar sua força de trabalho de um dia, mais do que ela pode se recompor em três dias. O prolonga-mento do desgaste diário da força de trabalho de forma excessiva (em outra palavra, superexplora-da) faz com que o trabalhador perca substância vital, e esse desgaste para além do normal exige uma remuneração maior do que a que havia sido contratada, na esfera do mercado.13 Ou seja,

aumento de desgaste, além do normal, significa aumento do valor da força de trabalho, que por sua vez, para cumprir-se o pressuposto da troca de equivalentes, faz-se necessário elevar pelo menos na mesma medida o pagamento da força de trabalho. Essa é a questão.

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Em função desse entendimento, o trabalha-dor faz seus cálculos, lógicos: se em um dia de trabalho sua força de trabalho é desgastada o equivalente a três dias de trabalho, portanto, seu valor diário se eleva ao equivalente a três dias de trabalho, de x horas. O trabalhador continua seu raciocínio lógico: se trabalhando em condições normais de reprodução da sua força de trabalho (exploração) ele tivesse em média 30 anos de vida útil, então, em tais condições, o valor diário de sua força de trabalho seria igual a 1/(365×30) do seu valor global de trinta anos. Entretanto, se o capital procura consumir sua força de trabalho útil em apenas 10 anos (portanto, espoliando-a, superexplorando-a), reduzindo sua vida útil de 30 anos para 10 (em virtude de realizar em um dia de trabalho o desgaste correspondente a três dias), desse modo, o valor diário de sua força de trabalho elevar-se-á, implicando não mais em 1/(365×30) do seu valor global de trinta anos, mas em 1/(365×10) desse valor global. 1/(365×10) é três vezes maior que 1/(365×30), ou seja, se o desgaste diário da força de trabalho passou a equivaler a três dias de trabalho, então, o seu pagamento diário deverá também se multipli-car por três. Se entre 1/(365×30) e 1/(365×10), se entre A e 3A, o capitalista eleva, por exemplo, o pagamento apenas para 1,5A ou 2A ou 2,5A, o trabalhador não poderá repor sua força de traba-lho em condições normais; portanto, do ponto de vista do trabalhador, mas não do capitalista, esse resultado fere a lei das trocas de

mercado-rias. Não devemos esquecer que trabalhador e capitalista, neste momento, encontram-se no âmbito da produção, e não mais no mercado. A utilização (exploração) ou a espoliação (supe-rexploração) da força de trabalho pelo capital é algo posterior ao contrato firmado no mercado, segundo a lei das trocas de mercadorias. Em outras palavras, trabalhador e capitalista firmam no mercado um contrato de trabalho relativo ao valor-de-troca da força de trabalho, e o que ocorre no âmbito da produção diz respeito à utilização ou à espoliação do valor-de-uso da força de trabalho. Sobre isso, o próprio Marx é enfático: “A lei da troca pressupõe igualdade ape-nas para os valores-de-troca das mercadorias que se intercambiam. Pressupõe mesmo diversidade entre seus valores-de-uso, e nada tem a ver com o emprego [utilização ou espoliação; exploração ou superexploração] delas, que só começa depois de con-cluído o negócio” (ibidem, p. 680 [grifos nossos]). Portanto, utilização (exploração) ou espoliação (superexploração) da força de trabalho pelo capital, sem violar ou eliminar a lei das trocas de mercadorias, é produto da luta histórica entre os proprietários da força de trabalho e os proprietários do capital no âmbito da produ-ção, que, por sua vez, reflete-se na atualização recorrente dos parâmetros (da lei) das trocas de mercadorias (no caso, o preço da mercadoria força de trabalho), no âmbito do mercado.14 Ou

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do a superar dialeticamente o pressuposto das trocas de equivalentes, uma vez que a lei das trocas de mercadorias confere direitos a ambas as partes. O que para os trabalhadores significa uma violação dessa lei, porque seu direito não foi respeitado, para o capitalista, não há violação dessa lei, porque ele está sustentando seu direito de uso do valor-de-uso da mercadoria cujo valor ele pagou no mercado. Portanto, a triplicação do desgaste diário (e, por conseguinte, do valor) da força de trabalho acompanhada, por exem-plo, apenas pela duplicação do seu pagamento, incorrendo, portanto, em pagamento abaixo do valor da força de trabalho, será violação ou não da lei das trocas de mercadorias a depender da resultante das forças em antagonismo. “Entre di-reitos iguais e opostos decide a força”. (ibidem, p. 265) Entre exploração ou superexploração decide a luta de classes, entre trabalho e capital, e isso não tem a ver com a lei das trocas de mercado-rias aprioristicamente,15 pelo contrário, uma vez

que os parâmetros dessa lei é que são modifica-dos pela luta entre capital e trabalho.

O último ponto da primeira fala do trabalhador é que este finaliza sua primeira fala exigindo a exploração (nos termos com os quais Marx a está teorizando – troca de equivalentes e condições normais de reprodução da força de trabalho): “Exijo, por isso, uma jornada de trabalho de duração normal […]. Exijo a jornada normal, pois exijo o valor de minha mercadoria como qualquer outro vendedor”. (ibidem, p. 264

[gri-fos nossos]) Essa finalização da primeira fala do trabalhador é fundamental para este artigo porque ela revela que a teoria da exploração de Marx sozinha não coaduna com sua perspectiva da revolução, uma vez que o trabalhador está exigindo não o devir histórico da revolução, mas tão somente as condições próprias, asseguradas pelos pressupostos, da (teoria da) exploração. Em função dessa compreensão é que entende-mos que a teoria da superexploração é que se apresenta como a portadora de um desdobra-mento teórico para uma perspectiva revolucio-nária no Livro I de O capital de Marx. Não sem razão, Marx finaliza o Capítulo IV – momento de saída do mercado para adentrar o campo da produção – retratando um trabalhador (um indivíduo) cabisbaixo diante de um capitalista ridente, e finaliza o Capítulo VIII – em que descreve os abusos do capital, no âmbito da pro-dução, e a longa luta histórica dos trabalhadores para impor limites a esses abusos, via lei fabril – chamando a atenção de que após esse longo suplício e confronto de forças, aquele trabalha-dor não é mais o mesmo, pois se deu conta de que, além de não ser nenhum agente livre, para proteger-se dos abusos do capital tem que se unir a seus pares, como classe.16

A partir do Capítulo VIII, portanto, Marx come-ça a demonstrar que os trabalhadores devem se dar conta que não é possível para o capital ape-nas explorar a todos. Enquanto subsistir o modo de produção do capital, a exploração sobre uma

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parte dos trabalhadores coexistirá com a supe-rexploração sobre a outra parte. Nos termos dos pressupostos da teoria da exploração de Marx, a luta de classes, entre capital e trabalho, não é de-terminada pela exploração, mas pela superexplo-ração (que é a negação daqueles pressupostos).17

O capital não é capaz de apenas explorar a todos (nos termos da teoria da exploração de Marx), necessita também de superexplorar parte da classe trabalhadora. A superexploração revela--se a contradição máxima do capital, enquanto relação social de produção, uma vez que sua existência, ao mesmo tempo em que é a válvula de segurança desse sistema social,18 constitui-se,

por outro lado, a portadora do devir revolucio-nário, da transitoriedade do capital para uma forma superior de organização social. Ou seja, a contradição fundamental que pode criar uma nova síntese é a da superexploração, e não a da exploração.

Além da forma como Marx começa a edificar sua teoria da superexploração, no Capítulo VIII, tal como a descrevemos anteriormente, ainda nesse mesmo capítulo, Marx também fornece a primeira indicação do determinante funda-mental da superexploração da força de trabalho pelo capital. Marx faz isso no momento em que retoma aquelas mesmas indagações acerca do limite da jornada de trabalho, agora dando voz ao capital, externando a lógica do capital em relação à jornada de trabalho e o emprego que

este faz da força de trabalho durante o dia de trabalho. Marx volta a indagar:

Que é uma jornada de trabalho? Durante quanto tempo é permitido ao capital consumir a força de trabalho cujo valor diário paga? Por quanto tem-po se tem-pode prolongar a jornada de trabalho além do tempo necessário para reproduzir a própria força de trabalho? (ibidem, p. 300)

Ainda sobre essa lógica do capital, que revela sua permanente disposição para extrapolar ao máximo os limites da exploração (ou seja, supe-rexplorar), Marx faz uma observação importante para sua teoria da superexploração. A de que o determinante desse impulso incontido e perene do capital para supliciar os trabalhadores (supe-rexploração) é a concorrência intercapitalista

À queixa sobre a degradação física e mental, morte prematura, suplício do trabalho levado até à completa exaustão responde [o capital]: Por que nos atormentarmos com esses sofrimentos, se aumentam nosso lucro? De modo geral, isto não depende, entretanto, da boa ou dá má vontade de cada capitalista. A livre competição torna as leis imanentes da produção capitalista leis externas,

compulsórias para cada capitalista individual-mente considerado.19 (ibidem, pp. 306-307 [grifos nossos])

Observe-se que, a despeito de metodologica-mente o Livro I tratar do “capital em geral”, não se pode negar que, em vários momentos20

do Livro I Marx tem que recorrer à relação que os diferentes capitais (pluralidade dos capitais)

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118

exercem entre si, relação de concorrência. Não se pode esquecer também que o “capital em geral”, embora seja a forma pura de se investigar as leis de funcionamento do capital, pressupõe perma-nentemente aquela relação.21

O “capital em geral” é uma abstração metodo-lógica, mas, por outro lado, não é apenas mera abstração, porque também é real, tem existência concreta (Rosdolsky, 2001), assim como é real a relação de superexploração da força de trabalho pelo capital, que Marx demonstra de forma lógica e histórica, ou seja, em uma síntese dialé-tica, teórica. E se tomarmos em consideração a perspectiva revolucionária do autor de O capital, como ele mesmo deixa bem claro no posfácio à segunda edição do Livro I, temos que também compreender o “capital em geral” não apenas como a forma pura de exame das leis de funcio-namento do modo de produção do capital, mas também, e tão ou mais importante quanto, de análise das leis de desenvolvimento e transforma-ção do modo de produtransforma-ção sob crítica. Dessa for-ma, superexploração – e a imanência da concor-rência intercapitalista (pluralidade dos capitais) determinando-a – está intimamente relacionada à perspectiva revolucionária do Livro I.

Naquele posfácio, ou seja, após quase seis anos da publicação da primeira edição, o próprio Marx faz questão de – e esse é o teor principal do posfácio – esclarecer qual é o método por ele exposto no Livro I.22 Ao comentar a

interpre-tação que a revista positivista parisiense fez de seu Livro, Marx (1988, p. 13) ironiza-a, chamando atenção que essa revista acusa-o de tratar “[…] a economia metafisicamente e, ao mesmo tempo – adivinhem! – que me limito à análise crítica de uma situação dada”. Mais adiante, reportando-se a uma crítica no jornal de São Petersburgo Men-sageiro Europeu, Marx reitera qual é seu método dialético, ou seja, que não é apenas de desvendar a lei de funcionamento, mas principalmente desvendar as leis do desenvolvimento e da transito-riedade do seu objeto de análise. Por ser esse seu método, sua dialética, finaliza o posfácio afir-mando que seu modo de exposição dialético tem a perspectiva revolucionária, não apenas crítica. Portanto, seria incoerente com essa perspectiva – e com o próprio desenvolvimento real do seu objeto de análise e de sua exposição dialética – Marx limitar-se a teorizar apenas a exploração no Livro I, sem teorizar a superexploração. Para a teoria da superexploração da força de trabalho pelo capital, o Capítulo XIII é central no Livro I. Do ponto de vista do movimento ex-positivo do Livro I, nesse capítulo Marx acom-panha o desenvolvimento da fase industrial moderna do capitalismo, a fase em que o capital autonomiza-se,23 e passa a prescindir da sua

velha amarra: a força de trabalho qualificada. Ainda no Capítulo VIII, Marx já havia adianta-do, em uma nota de pé de página, que o que ele estava demonstrando em relação ao pagamento

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da força de trabalho abaixo do seu valor decor-rente do prolongamento da jornada de trabalho além do normal, ele também o demonstraria, mais adiante, dentro da própria jornada consi-derada normal.24 Isso ele faz magistralmente no

Capítulo XIII.

Logo no início do Capítulo XIII, Marx chama atenção para a importância de se fazer distinção entre máquina e ferramenta, ou seja, entre a fase da indústria moderna e a fase anterior da manufatura. Marx ocupa-se, nesse capítulo, em revelar o verdadeiro sentido econômico dessa diferenciação entre o período das ferramentas e o período das máquinas. E o sentido econômico revelado por Marx, como bem observaremos, é a confirmação da sua teoria da superexplo-ração, superando dialeticamente sua teoria da exploração.25 O sentido econômico que o próprio

desenvolvimento maduro do modo de produção do capital resulta está intimamente associado à relação entre o capital e o trabalho. Se na fase das ferramentas (manufaturas) o capital achava--se limitado pelo trabalho qualificado, e essa relação possibilitava ao trabalho uma posição frente ao capital que permitia a possibilidade lógico-histórica de viabilidade dos pressupostos da exploração (troca de equivalentes e repro-dução normal da força de trabalho), na fase da grande indústria a posição do trabalho frente ao capital se enfraquece e coloca-se historicamente a condição para a possibilidade da inviabilida-de lógico-histórica do cumprimento daqueles

pressupostos, criando-se, portanto, as condições para a (teoria da) superexploração da classe tra-balhadora pelo capital. Para ter essa compreen-são, faz-se mister acompanhar o desenvolvimen-to histórico e lógico do capital na sua transição da fase manufatureira para a da grande indús-tria moderna, como Marx a expõe notavelmente no Capítulo XIII. Eis como Marx apresenta essa questão já no início do Capítulo XIII:

É mister portanto investigar como o instrumental de trabalho se transforma de ferramenta manual em máquina e assim fixar a diferença que existe

entre a máquina e a ferramenta. […] Matemáticos

e mecânicos, seguidos nesse ponto por alguns economistas ingleses, consideram a ferramenta uma máquina simples, e a máquina uma ferra-menta complexa. Não vêem nenhuma diferença

essencial entre elas e chamam de máquinas as

po-tências mecânicas simples, como alavanca, plano inclinado, parafuso, cunha etc. Na verdade, toda máquina é constituída por aquelas potências simples, qualquer que seja o modo por que se disfarcem e combinem. Mas, essa explicação não

tem utilidade do ponto de vista econômico, pois lhe falta o elemento histórico. (ibidem, p. 424 [grifos

nossos])

O que mais nos salta aos olhos ao ler esse Capí-tulo XIII é que, ao longo de todo ele, o sentido econômico do desenvolvimento do capitalismo industrial que Marx ressalta recorrentemente é o impulso incessante do capital para se liberar dos custos do trabalho, através da substituição permanente do trabalho vivo pelas máquinas.

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Marx expõe esse movimento do desenvolvimen-to histórico do capital comparando em vários momentos da exposição os efeitos econômicos da fase da grande indústria com os da fase da manufatura.

Na fase da manufatura, coincidente com a fase do desenvolvimento do capital mercantil, parti-cularmente na sua fase de abertura de mercados ultramar, o capital demandava crescentemente contingentes de trabalhadores qualificados cuja oferta não lhe correspondia suficientemente – o mercado de trabalho que até então já se encon-trava à disposição do capital mercantil tinha uma característica inversa da fase seguinte, da grande indústria, ou seja, inexistia abundância de trabalhadores à disposição do capital.

As lutas por salário dentro da manufatura pressupunham a manufatura e não se dirigiam contra sua existência. Os que combatem a criação

de manufaturas não são os assalariados, mas os

mestres das corporações e as cidades privilegia-das. Por isso, os escritores do período manufatu-reiro consideram a divisão do trabalho sobretudo o meio de suprir virtualmente a carência de

trabalhadores, mas não de dispensar realmente tra-balhadores. […] Durante o período manufatureiro,

os ofícios manuais, embora decompostos pela divisão do trabalho, continuaram sendo a base da produção. O número relativamente pequeno dos

trabalhadores urbanos, que constituíam legado da

Idade Média, não podia satisfazer as exigências

dos novos mercados coloniais, e as manufaturas

propriamente ditas abriam novos campos de

pro-dução para a população rural expulsa das terras com a dissolução do sistema feudal. (ibidem, p. 491 [grifos nossos])

Essa situação de relativa carência de trabalhado-res qualificados na fase manufatureira é o que permite a possibilidade da viabilidade lógico--histórica do cumprimento dos pressupostos da (teoria da) exploração, como também se pode apreender do que Marx ressalta no primeiro item do Capítulo XXIII (que do ponto de vista histórico corresponde ao da fase das manufatu-ras, fase em que a composição do capital cresce muito lentamente): de que a necessidade de acumulação do capital nessa fase pode

[…] ultrapassar o crescimento da força de traba-lho ou do número de trabalhadores, a procura de trabalhadores ser maior que a oferta, ocasionando

assim a elevação dos salários. […] Nas condições de

acumulação até agora admitidas, as mais

favorá-veis aos trabalhadores, sua relação de dependência

para com o capital se reveste de formas

suportá-veis ou, conforme diz Éden, “cômodas e liberais”.

(ibidem, pp. 713-714 [grifos nossos])

[…] Desse modo, podem ampliar seus gastos, provendo-se melhor de roupas, móveis etc., e formar um pequeno fundo de reserva em dinhei-ro. Roupa, alimentação e tratamento melhores e maior pecúlio não eliminam a dependência e a exploração do escravo, nem as do assalariado. (ibidem, pp. 717-718 [grifos nossos])

O irromper da fase da grande indústria moderna inverte radicalmente a relação entre o capital e o trabalho, de forma profunda e crescentemente

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desfavorável a este último. Nessa nova qua-dra histórica, a possibilidade da inviabilidade lógico-histórica do cumprimento dos pressupos-tos da (teoria da) exploração torna-se um fato real, concreto, o que implica, por outro lado, a viabilidade lógico-histórica (portanto, teórica) da superexploração da força de trabalho pelo ca-pital. São vários os argumentos lógico-históricos da superexploração (pagamento da força de tra-balho abaixo do seu valor) expostos por Marx ao longo do Capítulo XIII: alguns, relacionados ao impacto direto da indústria (máquina) na força de trabalho (desgaste, desqualificação, família); outros, relacionados ao impacto no pagamento da força de trabalho em decorrência da nova dinâmica econômica afetando o mercado de trabalho.

Nesse último caso, vale a pena comparar algu-mas análises feitas por Marx acerca do paga-mento abaixo do valor da força de trabalho decorrente de alterações no mercado de trabalho em virtude do avanço das máquinas, com uma observação que Marx faz no Capítulo X a respei-to do pressuposrespei-to da troca de equivalentes. No Capítulo X, quando Marx vai explicar como se produz mais-valia relativa – o aumento do tem-po de trabalho excedente ao mesmo temtem-po que se reduz o tempo de trabalho necessário, numa dada jornada de trabalho –, inicialmente ele cogita que “[…] esse resultado só seria possível rebaixando o salário do trabalhador aquém do valor de sua força de trabalho”. (ibidem, p. 361)

Porém, em seguida, Marx rejeita essa possibili-dade, lembrando do pressuposto por ele adota-do, o da troca de equivalentes:

Apesar do importante papel que esse método [pagar o salário abaixo do valor da força de trabalho] desempenha no movimento real dos salários, ele não é aqui objeto de consideração em virtude do pressuposto de as mercadorias se-rem vendidas e compradas por seu valor integral, inclusive, portanto, a força de trabalho (ibidem, p. 361)

Esse trecho recortado do Capítulo X, no nosso entendimento, não pode ser usado para susten-tar uma interpretação de que Marx não teria tratado teoricamente o que estamos designando sinteticamente por superexploração, porque, exatamente, segundo esse tipo de interpretação, Marx estaria limitado no Livro I pelo pressu-posto da troca de equivalentes. Primeiramente, observe-se que, no Capítulo X, Marx restringe--se a explicar a exploração da força de trabalho pelo capital, via extração de mais-valia relativa, dentro de uma jornada normal de trabalho fixa, historicizando essa exploração nos Capítulos XI e XII, nos quais o capital já encontra formas de elevar a mais-valia relativa através da coopera-ção e da manufatura (divisão técnica do traba-lho). Porém, esta ainda é uma fase da possibili-dade da viabilipossibili-dade lógico-histórica da troca de equivalentes entre capital e trabalho – fase da subsunção apenas formal do trabalho ao capital. Em segundo lugar, é no Capítulo XIII em que

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122

Marx expõe a superação dialética da explora-ção (melhor dizendo, do pressuposto da troca de equivalentes entre capital e trabalho), desta vez, dentro da jornada normal de trabalho. Isso ocorre em decorrência do desenvolvimento do modo de produção do capital, ao passar da fase das manufaturas para a fase da grande indústria (subsunção real do trabalho ao capital).

Ou seja, se na fase da manufatura havia a pos-sibilidade lógica da troca de equivalentes entre capital e trabalho, no momento do “contrato de trabalho” – sendo a exploração ou a superex-ploração determinadas no âmbito da produção, conforme explicado anteriormente –, o que era potência na fase das manufaturas transforma-se em ato na fase da grande indústria. Em outras palavras, com a grande indústria a superexplo-ração já pode se iniciar – como possibilidade (potência) que se efetiva (ato) – no âmbito das trocas, no mercado (de trabalho), de modo que os trabalhadores já adentram o “chão de fábrica” com seu valor não pago de acordo com a troca de equivalentes. Vejamos alguns dos exemplos disso exibidos por Marx no Capítulo XIII, que vão no sentido contrário daquela objeção que ele mesmo fez no Capítulo X, de não se poder co-gitar o preço da força de trabalho abaixo de seu valor. Em um determinado momento do Capí-tulo XIII – cujo objetivo, como mencionamos, é demonstrar o sentido econômico da passagem da fase das manufaturas para a da grande indústria –, Marx observa, por exemplo, que o avanço das

máquinas em alguns ramos “provoca tal excesso de oferta de trabalho (redundancy of labor, diz Ricardo) em outros ramos, que nestes a queda do salário abaixo do valor da força de trabalho impe-de a aplicação das máquinas, tornando-a muitas vezes impossível, supérflua, do ponto de vista do capital” (ibidem, p. 448 [grifos nossos]).

Em outro momento, mais um exemplo de queda do salário abaixo do valor da força de trabalho:

O instrumento de trabalho, ao tomar a forma de máquina, logo se torna concorrente do próprio trabalhador. A auto-expansão do capital através da máquina está na razão direta do número de trabalhadores cujas condições de existência ela destrói. […] O trabalhador é posto fora do merca-do como o papel-moeda retiramerca-do da circulação. A parte da classe trabalhadora que a maquinaria transforma em população supérflua, não mais imediatamente necessária à auto-expansão do capital, segue uma das pontas de um dilema inarredável: ou sucumbe na luta desigual dos velhos ofícios e das antigas manufaturas contra a produção mecanizada, ou inunda todos os ramos industriais mais acessíveis, abarrotando o mercado

de trabalho e fazendo o preço da força de trabalho cair abaixo do seu valor. (ibidem, pp. 492-493

[gri-fos nossos])

Um terceiro exemplo, de redução do preço da força de trabalho para abaixo do seu valor, está relacionado à concorrência entre os capitais, acirrada pelas variações do ciclo industrial pró-prio da fase das máquinas, nas quais

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Excetuados os períodos de prosperidade,

travam--se entre os capitalistas os mais furiosos combates,

procurando cada um deles obter uma partici-pação no mercado. Essa participartici-pação está na razão direta do barateamento do produto. Por isso, rivalizam-se no emprego de maquinaria aperfeiçoada que substitui força de trabalho e na aplicação de novos métodos de produção. Mas,

em todo ciclo industrial, chega o momento em que

se procura baratear as mercadorias,

diminuindo--se à força o salário abaixo do valor da força de trabalho.26 (ibidem, p. 519 [grifos nossos])

Observando-se esses exemplos27 e alguns

ou-tros expostos por Marx no Capítulo XIII, não encontramos nenhuma objeção semelhante a que Marx fez no Capítulo X sobre o método de reduzir o preço da força de trabalho para baixo de seu valor. Por que no Capítulo XIII está au-sente aquela objeção? Nossa interpretação é que, diferentemente da forma expositiva do conceito de mais-valia relativa no Capítulo X, na qual Marx cogita (rejeitando-a), por ele próprio, ar-bitrariamente, reduzir o salário para abaixo do valor da força de trabalho,28 no Capítulo XIII o

pagamento abaixo do valor da força de trabalho não é uma decisão arbitrária do autor do livro, mas, ao contrário, trata-se do resultado natural do desenvolvimento do modo de produção do capital em sua fase madura, desenvolvimento histórico e lógico, que Marx tão somente o reproduz com seu método dialético de exposição desse desenvolvimento. Em outras palavras, no Capítulo XIII, o que está representado na

expo-sição de Marx é que o próprio desenvolvimento do seu objeto de análise (o modo de produção do capital) resulta em determinadas condições (mercado de trabalho abarrotado de desempre-gados, ciclo industrial acirrando a concorrência entre capitais nas fases recessivas) que implicam preço da força de trabalho abaixo de seu valor. Portanto, como o capital não consegue apenas explorar, conforme destacamos anteriormente, no período das manufaturas o capital sentia-se ameaçado porque sua expansão estava limitada pela imposição lógico-histórica de ter que cum-prir o pressuposto da troca de equivalentes, já que a acumulação exigia mais força de trabalho que não havia em abundância. Mas agora, no período da grande indústria, a possibilidade lógico-histórica de superar essa ameaça, quer dizer, conseguir romper o que lhe impedia de se expandir (e ter sobrevida), que era ter que ape-nas explorar, assegura ao capital uma expansão que se alimenta da exploração e, sobretudo, do preço abaixo do valor da força de trabalho, da exploração excessiva (superexploração). Como podemos ver, é o próprio processo de desenvolvimento da economia capitalista indus-trial moderna – que Marx expõe no Capítulo XIII – que nega dialeticamente (histórico--lógico) o pressuposto da troca de equivalentes. Portanto, não se trata de uma violação desse pressuposto, mas de que o desenvolvimento do próprio objeto de análise nega-o, supera-o, diale-ticamente.29 E essa negação evidencia –

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diferen-124

temente do demonstrado para a fase manufatu-reira – a possibilidade (histórico-lógico) do não cumprimento daquele pressuposto, portanto, da possibilidade teórica da superexploração da força de trabalho pelo capital. O pressuposto da (teoria da) exploração (a troca de equivalentes) é histórico e lógico,30 assim como sua negação,

pela (teoria da) superexploração, também é his-tórica e lógica, isto é, teórica.31

O desenvolvimento do modo de produção do capital (a “vida da matéria”), na sua fase do irrompimento da grande indústria, provoca a superação dialética também do conceito de valor da força de trabalho – que também reforça a superação dialética do pressuposto da troca de equivalentes. Se na fase da manufatura o valor da força de trabalho – como Marx esclarece no Capítulo IV – compreendia a reprodução de toda a família do trabalhador, na fase da grande indústria, Marx observa (Capítulo XIII) que o valor da força de trabalho de um trabalhador se relaciona agora apenas à sua própria reprodu-ção, não mais da família. A reprodução desta está condicionada agora ao emprego da força de trabalho dos demais membros (mulher e filhos). O resultado disso é que mesmo se o preço do conjunto dos membros da família superar o preço anterior do único membro, ainda assim pode não superar a maior exploração familiar, portanto, pode não se equiparar ao novo valor do conjunto da força produtiva familiar agora mais explorada (antes, mulher e filhos não eram

explorados como agora, portanto, seu novo valor é maior que o anterior). Ou seja, o próprio desenvolvimento do capital superou dialetica-mente o valor da força de trabalho individual (e familiar) implicando a superação dialética do pressuposto da troca de equivalentes, uma vez que o preço do conjunto da força de trabalho familiar pode ficar abaixo do novo valor dessa força de trabalho.

O mesmo acontece com o conceito de valor. Se na fase das manufaturas o valor correspondia a tempo de trabalho socialmente necessário, na fase do capitalismo industrial valor não é mais apenas quantidade de trabalho em extensão, mas também em intensidade.32 No tocante à

mer-cadoria força de trabalho, a maior intensidade, uma intensidade de trabalho além do normal (socialmente necessário) – assim como Marx já o demonstrou no Capítulo VIII, tratando do pro-longamento da jornada de trabalho além do nor-mal33 – eleva o desgaste da força de trabalho para

além do normal, exigindo, porque o valor da força de trabalho mais extensa e/ou intensamente empregada (espoliada) se eleva, um acréscimo do seu pagamento na mesma proporção. Isso não necessariamente ocorrerá, uma vez que se trata de uma decisão, como discutido anteriormente, no âmbito não do mercado (porque comprador e vendedor da força de trabalho aí já acertaram o valor a ser pago, dentro da normalidade), mas no campo da produção, posterior ao acordado no mercado. Assim sendo, o capitalista pode elevar

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o pagamento, mas pode este ficar abaixo do novo valor da força de trabalho. Essa superação dialética (teórica) do pressuposto da troca de equivalentes, Marx a expõe não violando esse pressuposto, mas tão somente reproduzindo, com seu modo de exposição dialético-negativo, a “vida real da matéria”, reproduzindo no plano ideal o desenvolvimento das contradições inter-nas do capital, o capital em desenvolvimento. No que respeita, portanto, ao Capítulo XIII, elencamos alguns dos exemplos expostos por Marx de como o próprio desenvolvimento do modo de produção do capital engendra as pos-sibilidades da superação (lógico-histórica) da exploração (troca de equivalentes) pela superex-ploração, dentro da jornada de trabalho normal. Todo esse movimento expositivo da teoria da superexploração deságua no Capítulo XXIII, numa explícita síntese dialética. Marx o inicia anunciando que o objetivo desse Capítulo é exa-minar o efeito da acumulação de capital sobre a sorte dos trabalhadores. A Seção 1 desse Capítu-lo, como já mencionamos anteriormente, situa--se na fase das manufaturas, fase do crescimento lento da composição do capital, das condições mais favoráveis para os trabalhadores, portanto, da viabilidade lógico-histórica do cumprimen-to do pressuposcumprimen-to da troca de equivalentes. A Seção 2 e seguintes desse capítulo constituem o momento histórico da possibilidade da não viabilidade do cumprimento daquele pressupos-to. Esta é a fase histórica da grande indústria,

fase de crescente aumento da composição do capital, da queda relativa, portanto, do capital variável, fase da concentração e da centralização de capital, cuja consequência sobre a sorte dos trabalhadores é nada mais que a formação de um exército industrial de reserva (EIR), o qual passará a regular o preço da força de trabalho de modo que este não mais possa conter ou ameaçar o avanço do sistema do capital. E o motor desse moderno processo é nada mais que a interação da “pluralidade dos capitais” entre si em sua luta fratricida pela apropriação de uma fração cada vez maior da mais-valia do “capital em geral”.

Nessa luta fratricida, capitais individuais vivem permanentemente ameaçados de morte pela concorrência de outros capitais individuais. A superexploração da força de trabalho por aqueles capitais individuais mais fracos, de menor composição orgânica, de menor produ-tividade, torna-se sua válvula de sobrevida. Por outro lado, a existência crescente do exército industrial de reserva gera uma situação de concorrência também entre trabalhadores, entre os da ativa e os da reserva, e essa concorrência é determinante para que a superexploração ocorra também sobre os trabalhadores empregados pe-los capitais individuais mais fortes, uma vez que o receio de também se tornarem parte do EIR os faz se submeterem a jornadas e intensidades de trabalho além do normal. Desse modo, a supe-rexploração da força de trabalho pelos capitais

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126

individuais no âmbito da produção e a interação (concorrência entre si) desses capitais individu-ais na esfera da circulação, no mercado, é uma unidade dialética. Marx expõe a síntese dessa unidade entre superexploração e concorrência dos capitais (e trabalhadores), a síntese entre a essência da produção e a essência do mercado. considerações Finais

A riqueza de detalhes que acompanha o movi-mento expositivo em todo o Livro I de O capital de Marx acerca do que aqui apresentamos está longe de caber em um espaço curto como o des-te des-texto.34 Contudo, a despeito disso, julgamos

ter deixado claro como ocorre a construção da teoria da superexploração no Livro I de O capital de Marx: como uma superação dialética, teórica, da sua teoria da exploração, superação que resul-ta da reprodução (e exposição) ideal, feiresul-ta por Marx, do próprio desenvolvimento real do modo de produção do capital. Portanto, só se com-preende a construção da teoria do que estamos denominando sinteticamente por superexplora-ção se se considera o modo expositivo dialético--negativo de Marx. A exploração e, sobretudo, a superexploração da força de trabalho pelo capital constituíam a realidade concreta, real, da relação capital-trabalho dominante na Inglaterra de meados do século XIX, fase de consolidação da grande indústria moderna. Esse é o nível de abstração real trabalhado por Marx no Livro I.

As circunstâncias históricas35 da passagem do

século XIX para o século XX modificaram a re-lação capital-trabalho na Inglaterra, assim como nos demais países industriais avançados, fazen-do com que a força fazen-dos trabalhafazen-dores fizesse valer seu direito de vendedor da sua mercadoria especial, assegurando-lhes uma nova condição de predomínio da exploração (dentro da norma-lidade) sobre a exploração excessiva (superexplo-ração).36

Durante a fase de ouro do capitalismo pós-2ª guerra mundial, fase da construção planejada do Estado de Bem-Estar Social em países de capitalismo avançado, é possível a superexplora-ção ter sido amenizada de forma planejada. Mas o que dizer da situação da classe trabalhadora nesses países pós-década de 1960, particularmen-te em virtude da reação do capital, recompondo o exército industrial de reserva, em relação à vantajosa situação em que se encontrava a classe trabalhadora e, por outro lado, pelo acirramen-to progressivo da concorrência intercapitalista decorrente do avanço da globalização do capital, forçando os capitais individuais a progressiva-mente eliminarem (e precarizarem as condições do) trabalho vivo?37 Nesse mesmo sentido,

Mészáros (2011) sustenta a tese de que o capital é incontrolável (os fracassos do Estado keynesiano e do soviético em relação ao controle do capital ilustram essa tese). O acerto dessa tese imprime mais sentido ao que indicamos neste artigo, ou seja, de que Marx deixa claro no Livro I de O

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ca-pital que o caca-pital não consegue apenas explorar (troca de equivalentes e reprodução normal da força de trabalho) a todos os trabalhadores, tendo também que – no movimento permanente de rompimento dos controles que as sociedades lhe tentam impor – superexplorar parte (crescente) dessa classe.

A situação de predomínio da exploração na fase de ouro do capitalismo fez com que a força revolucionária da classe trabalhadora dos países de capitalismo avançado se acomodasse. Ou seja, a condição de predomínio da exploração amor-teceu o germe revolucionário daqueles trabalha-dores. A degradação dessa exploração, o retorno progressivo a situações de superexploração, pare-ce estar reanimando aquele germe. Na América Latina, a reação à superexploração foi contida por uma rede orquestrada de ditaduras militares e, mais recentemente, na fase da redemocratiza-ção neoliberal, pode estar sendo refreada pelas políticas sociais.

Por fim, cabe recordar que Marx, desde 1847,38

havia descoberto que as categorias econômicas não são eternas, senão históricas. Se a superex-ploração observada por Marx na Inglaterra de meados do século XIX havia sido ocultada no século XX, isso é próprio das categorias, que são históricas. Assim como elas podem reaparecer, como resultado da própria movimentação do capital em escala mundial.

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128

notas

1 O presente artigo é uma versão modificada do texto, com mesmo título, publicado nos Anais do XIX ENEP/ SEP (2014). É também uma versão bastante ampliada do artigo “(Super)Exploração e Luta de Classes em O Capital” apresentado no “I Encontro do Núcleo Marx-Engels de Pesquisas e Estudos: trabalho, trabalhador e capitalismo no século XXI”, em Abril de 2014, na UFMS (a ser publicado como capítulo de livro pela UFMS).

2 Sobre o modo de exposição em O capital de Marx, ver, entre outros, Müller (1982), Benoit (1996; 1999; 2003). 3 Mas não podemos deixar de observar que a troca de equivalentes, não obstante seja o pressuposto adotado por Marx ao longo de todo o Livro I, configura-se apenas como “ponto de partida” para sua exposição da transformação do dinheiro em capital, ou seja, para exposição da relação social de produção baseada na exploração e na superexplo-ração da força de trabalho pelo capital. É “ponto de partida” porque, para demonstrar teoricamente (lógico-histórico) a exploração, Marx não necessita de recorrer à não-equiva-lência, assim como para demonstrar também teoricamente a superexploração a troca de equivalência é seu ponto de partida – não transgredindo-a, mas, exatamente, aplicando-a. 4 O “capitalista em embrião”, como o denomina Marx (1988, p. 209) no Capítulo v, uma vez que ainda está para ser demonstrada a transformação do dinheiro em capital e, por conseguinte, a transformação definitiva do possuidor do dinheiro em capitalista.

5 Adjetivos usados pelo próprio Marx.

6 A taxa de mais-valia (m’) é a relação entre a mais-valia (m) e o capital variável (v), m’=m/v, ou a relação entre o tempo de trabalho excedente (TTE) e o tempo de trabalho neces-sário (TTN), m’=TTE/TTN

7 Infinito como um limite matemático, uma tendência plau-sível do ponto de vista matemático (como m’=TTE/TTN’, então, m’ tenderá ao infinito à medida que progressivamen-te se eleva TTE e se rebaixa TTN).

8 Importante reter esse verbo (utilizar), porque no Capí-tulo vIII Marx fará uma decisiva distinção desse verbo em relação a outro, de modo a também diferenciar decisiva-mente exploração de superexploração.

9 “O capitalista paga, por exemplo, o valor diário da força de trabalho. Sua utilização, como a de qualquer outra mercadoria, por exemplo, a de um cavalo que alugou por um dia, pertence-lhe durante o dia […]. Ao penetrar o trabalhador na oficina do capitalista, pertence a este o

valor--de-uso de sua força de trabalho, sua utilização, o trabalho”. (Marx, 1988, p. 210 [grifos nossos])

10 Uma lista, entre outras tantas formas de Marx (1988) se referir ao que estamos chamando sinteticamente de

superexploração (da força de trabalho pelo capital): “tra-balho desmesurado” (p. 264), “condições monstruosas de trabalho” (p. 266), “crueldade civilizada do trabalho em ex-cesso” (p. 266), “abusos desmedidos, cruéis” (pp. 294, 340), “trabalho em excesso” (diferente de trabalho excedente) (pp. 282, 266, 283, 303 etc.), “excesso de trabalho” (p. 287), “algo que realmente horroriza” (p. 292), “usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do trabalhador” (pp. 300/301), “orgias do capital” (p. 316), “exploração abusiva” (p. 538), “brutalidade do trabalho excessivo” (p. 539), “exploração sem limites” (p. 544), “exploração desenfreada” (p. 547), “trabalho excessivo mais desumano” (p. 548), “monstruosidades extremas da exploração capitalista” (p. 561). São diversas, portanto, as expressões, mas, indubitavelmente, o sentido de todas elas é o mesmo: designamo-lo por superexploração.

11 Exploração excessiva (ou trabalho excessivo) não é a mesma coisa que a categoria trabalho excedente. Trabalho excedente pode ocorrer dentro da normalidade (explo-ração) ou para além da normalidade (nesse último caso, transmutando-se em excessivo, desmesurado, desumano, superexploração).

12 Exploração, nos termos de Marx, corresponde ao valor que a força de trabalho (capital variável) é capaz de produzir além do seu próprio valor e do qual ela não se apropria. Quanto maior for aquele valor (mais-valia), comparativamente ao valor da força de trabalho, maior será o grau de exploração, e este é medido de forma exata pela taxa de mais-valia. Mas se observe que a taxa de mais-valia – “expressão precisa do grau de exploração da força de tra-balho” (Marx, 1988, p. 243) – relaciona trabalho excedente (TE = mais-valia) com trabalho necessário (TN = valor da força de trabalho). Trabalho excedente é, para Marx, como agora podemos ver, fundamentalmente distinto de trabalho excessivo. Por outro lado, nos termos expostos por Marx

Referências

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