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Artigo M&A Aéreo RMRuiz - Texto 7

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CONCENTRAÇÃO E RIVALIDADE EM TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS: REFLEXÕES A PARTIR DE CASOS RECENTES1

Ricardo Machado Ruiz2 Leticiá Monteiro Hecktheuer3 Gabriel Gil Barreto Barros4

1. INTRODUÇÃO

O presente capítulo tem por objetivo apresentar os casos de concentração econômica ocorridos recentemente no Brasil e o atual cenário da concorrência no mercado de transporte modal aéreo terrestre. Para isto, é importante verificar o contexto da indústria quando ocorreram as concentrações econômicas e, consequentemente, como se deu a análise dos recentes casos envolvendo o setor. A partir deste ponto, ficarão claros quais os problemas concorrenciais encontrados e os desmembramentos dos enfoques sobre estas questões, com o objetivo de retratar como se encontra o cenário atual da concorrência.

Por questões metodológicas, optou-se pela denominação de concentrações econômicas, pois o seu sentido é mais amplo no prisma concorrencial. Concentração econômica abarca tanto os processos de fusões, aquisições, incorporações e também os acordos de cooperação entre companhias áreas, que são igualmente relevantes na avaliação da dinâmica concorrencial no mercado de transporte aéreo. Sobre a análise das concentrações econômicas propriamente ditas, esta ocorrerá quando da apresentação dos casos destacados neste artigo.

O foco será o mercado doméstico de transporte aéreo de passageiros, sem prejuízo de menção a casos que também incluam transporte de cargas e com reflexos transfronteiriços, mas cujo cerne abordado será o seu reflexo no cenário brasileiro e as eventuais medidas adotadas pelo órgão concorrencial.

2. BREVE DESCRIÇÃO DO MERCADO DE TRANSPORTE AÉREO

O transporte modal aéreo é um dos principais meios de integração nacional em países com dimensões continentais e cenários geográficos extremamente variados. Tal

1 Este artigo reflete apenas as opiniões pessoais dos autores.

2 Professor Associado da Faculdade de Ciências Econômicas e do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (FACE/CEDEPLAR-UFMG). Conselheiro do CADE no período de 2010 a 2014.

3 Mestranda em Fundamentos da Integração Jurídica (DIREITO/UFRGS). Especialista em Direito Empresarial (DIREITO/UFRGS) e Defesa da Concorrência (DIREITO/FGV). Assessora do CADE. 4Economista pela Universidade de Brasília e Assessor do CADE.

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característica também pode ser atribuída no caso brasileiro e, observando o transcurso da linha temporal deste modal no país, pode-se notar a ocorrência de importantes marcos oriundo de alterações regulatórias, técnicas e econômicas, que levou a sua posição inicial de apenas um “meio de transporte para integração nacional para outra posição: a de transporte em larga escala de passageiros, fenômeno notável principalmente no decorrer da década de 20005.

Em uma visão de longo curso sobre as mudanças na indústria, após a Segunda Guerra Mundial, os avanços na termodinâmica e nos conhecimentos de engenharia aplicadas à aviação, os novos materiais e a eletroeletrônica embarcada, os radares e os satélites e, mais recentemente a introdução de computadores e informática, permitiriam o barateamento e a oferta em escala mundial de aviões civis para o transporte de passageiros. As grandes empresas de produção de aviões passaram a buscar novos mercados além do doméstico para tornar mais rentável uma indústria intensiva em P&D, elevados riscos em projetos, produção por encomenda e produtos com elevados custos unitários. Essa estratégia dos grandes fabricantes de aviões associada às grandes empresas de transporte aéreo de passageiros impulsionou a “desmilitarização” da fabricação de aviões e a massificação do consumo deste serviço.

Em comparação a outros países, este movimento de massificação do transporte aéreo no Brasil foi tardio. Por exemplo, durante a década de 1970, nos EUA, França, Inglaterra e Alemanha já existiam grandes companhias aéreas com estratégias claras de massificação da venda de passagens aéreas domésticas e internacionais. O famoso avião “jumbo” (Boeing 747) e o DC-10 da MacDonnalds Douglas foram desenvolvidos na década de 1960 exatamente para atender esta estratégia de massificação ou popularização do transporte aéreo. No início da década de 1970, todos estes aviões de grande porte já faziam parte das frotas das grandes companhias aéreas. E mesmo o luxuoso, caro e não menos famoso avião civil supersônico Concorde era voltado ao transporte transoceânico de passageiros civis. No Brasil, como já adiantado anteriormente, somente no início da década de 2000 a indústria passou a ofertar serviços de transporte aéreo como produto para o consumo popular, em outros termos, não era mais um serviço a ser ofertado somente por consumidores de alta renda ou para executivos.

5Sobre a evolução do transporte aéreo no mercado nacional e internacional, sugere-se a leitura da obra: IPEA. Panorama e Perspectivas para o transporte Aéreo no Brasil e no Mundo. Comunicados do IPEA n. 54. Série Eixos do Desenvolvimento Brasileiro. Rio de Janeiro, 31 de maio de 2010.

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Quanto à regulação da indústria, em particular no EUA, esta passou por duas grandes reformas: da regulação estrita, até o final da década 1970, para uma política de flexibilização da aviação comercial, introduzida já início da década de 1980. Com a nova regulamentação nos anos 1980, houve uma progressiva redução do controle público sobre rotas, preços, tipo e porte dos aviões, intensidade de uso e frequência dos voos, o que levou a intensificação da concorrência na indústria de transporte aéreo de passageiros e também de cargas. Foi nesta desregulamentação que surgiram as empresas de transportes regionais, as empresas “low-cost & low-fare” e, também, um vasto mercado para empresas produtoras de aviões de médio porte, como a Embraer, Bombardier e Fokker, além de outras6.

No Brasil, a regulação prosseguiu até meados da década de 1990, quando então passou para um modelo mais próximo do padrão norte-americano. Com a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) em 20057, bem com a criação dos demais órgãos do governo para monitoramento do setor, alcançou-se o resultado em que o transporte aéreo é hoje: um serviço de transporte com elevada capilaridade e massivamente ofertado.

A atual regulação supervisiona as companhias aéreas garantindo a segurança e qualidade dos serviços, além de gerenciar e distribuir as infraestruturas relacionadas à operação dos aviões. Neste contexto, cada companhia compete livremente formatando seu modelo de negócios, em particular na gestão de sua malha e rotas e porte das aeronaves, além da oferta de serviços de bordo ou complementares ao voo8.

No destacado crescimento do setor na última década, as alterações mais notáveis foram o rápido crescimento da oferta em conjunto com mudanças no perfil de passageiros transportados. A maioria dos passageiros era antes composta por pessoas com maior poder de compra. Contudo, atualmente, o setor se popularizou, o que tendeu a ampliar a elasticidade da demanda, pois foram incorporados consumidores que antes utilizavam outros modais de transporte (substituição de oferta) ou raramente utilizavam o transporte aéreo de passageiros (frequência ou intensidade de uso). A redução no preço da passagem, as promoções, o uso da internet como sistema de venda e a discriminação de preços (momento da compra da

6 Ver Silva (2013), capítulo 3, para maiores detalhes sobre as mudanças na regulação norte-americana. 7 Lei n. 11.182, de 27 de setembro de 2005.

8 A aviação civil é regulada e fiscalizada por mais de uma estrutura governamental, com destaque para a ANAC, Secretaria de Aviação Civil (SAC), Departamento de Controle de Espaço Aéreo (DECEA) e INFRAERO.

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passagem e do voo) produziu “guerras de preços” e uma crescente oferta de assentos, fato este sustentado pela adição de novos aviões a frota, tudo financiado por variados arranjos financeiros patrocinados pelos próprios fabricantes de aviões9.

Vale destacar que a todos estes fatores soma-se o acesso as infraestruturas aeroportuárias, com destaque para aquelas nas regiões metropolitanas, nas capitais estaduais e em poucas cidades de maior porte no interior dos estados. Até a primeira metade da década de 2000, parte substancial desta infraestrutura estava ociosa e não representou qualquer entrave ao crescimento da oferta. Contudo, com o crescimento acelerado e persistente da demanda e oferta, aos localizados estrangulamentos pontuais de infraestrutura foram acrescidos outros e, já no final da década, a disputa pelo controle de infraestruturas (slots, fingers, pontos de check-in, área de manutenção e de carga etc) passou a ser o destaque da concorrência entre as empresas. Os principais pontos de tal aspecto serão destacados na discussão dos casos de concentrações, com o objetivo de elucidar as preocupações que se originaram a partir deste descompasso entre demanda e oferta de infraestruturas.

Com o novo modelo de negócios apoiada e estimulado pela revisão da regulamentação, outra alteração foi a substituição do modelo de transporte “ponto-a-ponto” ou “origem-destino” (OD), anteriormente incentivado pela regulação governamental, pelo sistema hub-and-spoke, onde um aeroporto era eleito como centro distribuidor de rotas secundárias. A ideia de hub-and-spoke está intrinsecamente vinculada ao acesso às principais estruturas aeroportuárias, à existência de uma malha aérea ajustável as mudanças na demanda, aos equipamentos disponíveis e a tentativa de atrair consumidores com as mais diversas origens e destinos10.

Do período de 2002 a 2010, os indicadores da ANAC sobre o número de passageiros transportados por quilômetro pago (RPK) e sobre a evolução das receitas com estes serviços demonstram um evidente crescimento da demanda interna em contrapartida a um relativo modesto crescimento no mercado externo. Nesse período de oitos anos, a demanda duplicou em termos de receita e, em quantidade, o crescimento foi ainda maior, o que sinaliza uma redução de preços por passageiro 9Ver Silva (2013), capítulos 3 e 4, para uma visão sistematiza sobre o setor, em particular as mudanças regulatórias. Ver Ferreira (2009) sobre “guerras de preços” a rivalidade entre as duas empresas líderes. 10 Sobre a formação de uma malha aérea, esta é avaliada a partir de motivos eminentemente estratégicos da empresa. Assim, uma empresa pode considerar a sua atuação em dois tipos de malha: (i) malha com hubs e (ii) a malha de origem-destino. Ver Silva (2013).

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quilômetro transportado. Entre os fatores para o crescimento temos as reduções significativas nos preços das tarifas, que, segundo dados da ANAC, demonstram uma queda de aproximadamente cinquenta por cento no período 2002 a 2010.

Gráfico I - Passageiros Transportados (2002-2010)

Fonte: ANAC (2012). Ver CADE-2012 e CADE-2013).

Gráfico II- Receita de Voo Doméstico e Internacional (2002-2010)

Fonte: ANAC (2012). Ver CADE-2012 e CADE-2013).

Gráfico III - Preços Médios do Transporte Aéreo Doméstico Regular de Passageiros (2002-2011).

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Fonte: ANAC (2012). Ver CADE-2012 e CADE-2013).

Gráfico IV - Oferta e Demanda de Transporte Aéreo Doméstico Regular de Passageiros (2002-2011).

Fonte: ANAC (2012). Ver CADE-2012 e CADE-2013).

Nesta expansão, tradicionais empresas faliram e outras fracassaram na tentativa de entrada no setor, pois não conseguiram se adaptar ao novo (e tardio) modelo de negócios voltado ao consumo massivo de passagens aéreas. No início da

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década de 2000, algumas grandes empresas e/ou tradicionais firmas saíram do mercado devido a sua incapacidade de modificar suas estruturas e estratégias, como Varig, Vasp e Transbrasil. Outras se mantiveram como empresas importantes no setor e consolidaram posições, como TAM, em particular no mercado externo. Surgiram novas empresas, com destaque para Gol e, depois, as entradas de Azul e Webjet. Assim, há a entrada das chamadas empresas com estratégia de negócios de segmento “low-cost”, algumas inicialmente “low-cost & low-fare” e o crescimento marginal de empresas com perfil regionais (exemplo: Passaredo, Total e Pantanal), mas que nunca se tornaram um conjunto significativo da oferta. Contudo, estes movimentos de entrada e saída mantiveram uma característica histórica do setor: a indústria continuou marcada por uma dinâmica concorrencial tipicamente oligopolística no que tange a concentração, o que, ao se comparar com os demais países, verifica-se ser este um desenho muito comum no setor11.

As concentrações (fusões, aquisições e parcerias estratégicas) ocorridas nos últimos anos, seja no Brasil, União Européia e Estados Unidos, demonstram que as empresas aéreas procuram alianças ou aquisições para se manterem ou para se expandirem neste mercado. São várias as análises do setor que mostram os processos de concentração e de cooperação como recorrentes, e que são ainda mais intensos no transporte aéreo de cargas12. Tais constatações são atribuídas, principalmente, em virtude das bruscas mudanças de custos, das instabilidades na demanda devido a choques exógenos, pela necessidade de elevado giro dos equipamentos e dos custos de capital.

Por certo que os casos de operações de concentração e de cooperação entre empresas de transporte aéreo são motivadas, entre outros fatores, por uma incapacidade em manter a rentabilidade em patamares mínimos. Entretanto, existem também estratégias de consolidação de liderança visando a ampliação de mercados. Em âmbito mundial, na Europa, por exemplo, podem-se citar os casos KLM e Air

11Ver Ferreira (2009) sobre a concorrência em preços na indústria brasileira na década de 2000. 12 Nos últimos dez anos, tem-se o registro de cerca de vinte casos relacionados ao setor e analisados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). À exemplo, cita-se: (i) Ato de Concentração n.08012.01158/2011-49, Requerentes VRG Linhas Aéreas S.A e Delta Air lines Inc; (ii) Ato de Concentração 08012.007743/2010-63, Requerentes Alitalia – Compagnia Aerea Italiana S.p.A., Société Air France e Koninklijke Luchtvaart Maatschappij N.V.e Delta Air Lines, Inc; (iii) Ato de Concentração 08012.002635/2010-02, Continental Airlines, Inc e TAM Linhas Aéreas S.A.; (iv) Ato de Concentração 08012.003267/2007-14, Requerentes VRG Linhas Aéreas S/A e GTI S/A

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France13, Iberia e British Airlines14, Lufthansa e Swiss Air15; nos Estados Unidos o caso United Airlines e US Airways é um entre vários outros do gênero.

Tendo como sempre presente este movimento amplo e geral de organização da indústria de transporte aéreo de passageiros, passa-se a verificar os casos de concentração econômica ocorridos recentemente no Brasil.

3. ANÁLISE DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO RECENTES

Cabe destacar que ao longo da jurisprudência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) ocorreram modificações na forma de análise dos casos envolvendo concentrações econômicas no mercado de transporte aéreo de passageiros. O órgão passou a enfrentar questões referentes ao acesso, distribuição e controle de infraestruturas, forma de regulação e como estes fatores influenciam a dinâmica da concorrência no setor.

Em diferentes casos, o CADE16 utilizou a abordagem ponto de origem/ponto de destino para definição do mercado relevante em operações no setor de transporte aéreo de passageiros. De acordo com essa definição, cada trecho aéreo que conecta duas cidades configura um mercado relevante distinto, já que do ponto de vista da demanda haveria pouca substituibilidade entre trechos que conectam cidades distintas. Ou seja, cada trecho, ou pares de aeroporto (ponto de origem/ponto de destino) pode ser definido como um mercado relevante17.

Nos casos mais recentes, contudo, o CADE também avaliou que o mercado de serviços de transporte de passageiros possui relação direta com a configuração da

13 Comissão Européia. Caso COMP/M.3280 - AIR FRANCE / KLM. Disponível no sítio eletrônico

http://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/m3280_en.pdf , acessado em 10 de julho de 2013.

14 Comissão Europeia. Caso COMP/M.5747 - IBERIA/ BRITISH AIRWAYS. Disponível no sítio eletrônico

http://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/M5747_20100714_20310_802534_EN.pdf, acessado em 10 de julho de 2013.

15 Comissão Europeia. Caso COMP/M.3770 - LUFTHANSA / SWISS. Disponível no sítio eletrônico

http://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/m3770_20050704_20212_en.pdf, acessado em 10 de julho de 2013.

16 Conforme AC nº 08012.001291/2003-877, AC nº 08012.003267/2007-148, 08012.002635/2010-029 e o AC nº 08012.004855/2010-62.

17 Conforme AC nº 08012.003267/2007-14, Requerentes VRG Linhas Aéreas S/A e GTI S/A, Relator Conselheiro Luís Fernando Rigato Vasconcellos. Nesse mesmo sentido, pareceres da SEAE na AP n° 08000.006298/2004-33 (Gol Linhas Aéreas S/A); AC n° 08012.00047 (BRA Transportes Aéreos Ltda.); AC n° 08012.011318/2007-73 (TAM e TAP); AC n° 08012.014594/07-93 (TAM e Deutsche Lufthansa).

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infraestrutura aeroportuária. Esta avaliação reflete, em parte, a percepção de que a infraestrutura aeroportuária estava exaurida ou com baixa ociosidade, o que gerava um poder de mercado derivado exclusivamente do controle prévio destas infraestruturas. A carência de infraestrutura nos aeroportos tornou este controle prévio uma barreira à entrada, fato particularmente relevante nos chamados aeroportos coordenados. Análise da infraestrutura como parte central da análise concorrencial foi suscitada quando do julgamento do caso TAM/Pantana18, julgado em 2011. Mais recente esta metodologia foi utilizada no caso LANTAM19, Gol/Webjet20 e Azul/Trip21.

3.1. CONTESTABILIDADE INTRASETORIAL E INTERSETORIAL

A citada análise complementar do controle e acesso a infraestrutura manteve o ponto de origem e o ponto de destino (rota) ainda como mercados relevantes na avaliação antitruste nesta indústria. Como se verá ao adentrar nos casos, a maior mudança ocorreu na possibilidade de entrada ou contestabilidade. Assim, a rota continua como uma análise inicial e fundamental. A partir da rota há uma avaliação sobre as condições de entrada (criação de nova rota concorrente) e, para isto, é necessário identificar quais empresas seriam capazes de mobilizar com rapidez, ativos e pessoal, e que estariam instalados ou com acesso à infraestrutura aeroportuária para se tornar um rival na rota. Portanto, a entrada na rota (contestabilidade) ganha peso na análise antitruste, tornando-se uma mensuração importante para a avaliação do poder de mercado.

A avaliação de um caso de concentração econômica no setor de aviação civil deve considerar a flexibilidade das malhas aéreas das empresas e o modo como ocorre a regulação, em particular na criação de novas rotas e acesso a infraestrutura. O que se percebeu é que não se pode mais focar exclusivamente nas rotas origem-destino e mesmo levar para um primeiro plano a concentração na rota como indicador de elevada probabilidade do exercício do poder de mercado. A velocidade do ajuste da malha por parte de alguns concorrentes pode ser um determinante mais importante

18 Ato de Concentração 08012.000321/2010-67, Conselheiro Relator Ricardo Machado Ruiz. 19 Ato de Concentração 08012.009497/2010-84, Conselheiro Relator Olavo Zago Chinaglia. 20 Ato de Concentração 08012.008378/2011-95, Conselheiro Relator Ricardo Machado Ruiz. 21 Ato de Concentração 08700.004155/2012-81, Conselheiro Ricardo Machado Ruiz.

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que a concentração, assim como a velocidade com que a agência reguladora autoriza estas mudanças na malha.

A contestabilidade no mercado merece uma breve nota teórica. A chamada teoria dos mercados contestáveis foi popularizada no início da década de 1980 e exageradamente utilizada na crítica de algumas políticas públicas, inclusive antitruste. Baumol (1982) é uma grande referência para este momento. A proposta mais radical da teoria dos mercados contestáveis era que um mercado concentrado, ou mesmo monopolístico, poderia ter níveis de preço, produção e custos competitivos, desde que a concorrência potencial se fizesse presente. Para impedir a entrada rápida e desafiadora das posições de mercado e dos níveis de preço, restaria a um monopolista ou oligopolista manter os níveis de preços baixos e ter elevada eficiência na alocação de recursos. Caso não se alcançassem tais níveis, um concorrente poderia entrar e absorver parcela significativa dos seus clientes, o que tenderia a reduzir os preços e manter elevados níveis de eficiência.

Para um mercado ser plenamente contestável, os concorrentes devem ter acesso a tecnologias de processo e de produto, capacidade financeira e organizacional. Não existem ativos específicos ou contratualizações que demandem rigidez temporal, espacial e produtiva de recursos. A entrada deve ter modestos investimentos irrecuperáveis e os recursos alocados naquela atividade podem ser rapidamente realocados para outros fins com reduzida perda de capital.

Em suma, a noção de contestabilidade está fortemente relacionada à livre entrada e saída de firmas de um determinado mercado ou segmento de mercado; as denominadas estratégias hit and run são possíveis, neste contexto estrutural. É certo que as condições para uma elevada contestabilidade são raramente encontradas nas indústrias mais modernas, em geral com complexas tecnologias, intensivas em escala, diferenciação de produto, ativos específicos e elevados custos irrecuperáveis.

No caso do setor de transporte aéreo de passageiros, não há dúvidas que as barreiras à entrada são elevadas. Existem poucos registros de novas empresas na indústria, são necessários elevados investimentos, uma ampla e espacialmente dispersa e articulada administração, habilidades na organização de rotas, uma complexa política de precificação e longo tempo de maturação. Estas significativas barreiras à entrada são, porém, quase que irrelevantes depois que uma empresa se

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instala na indústria, pois ela passa a ter um grande potencial de contestar de modo eficaz, tempestivo e crível a posição de mercado das firmas já instaladas. Esta “assimetria” entre as elevada barreiras à mobilidade intersetorial e baixas barreiras à mobilidade intrasetorial tornam esta indústria um caso interessante, do ponto de vista concorrencial.

Segundo algumas interpretações da literatura, a indústria de transporte aéreo seria um exemplo de mercado contestável em que a simples possibilidade de entrada de novas empresas seria capaz de disciplinar a atuação das empresas em determinadas rotas, ainda que elas fossem ali detentoras de altas parcelas de mercado. Segundo Bailey e Panzar (1981):

(...) não há razão, a priori¸ para esperar que economias de escala gerem

barreiras à entrada substanciais na indústria aérea, uma vez que custos de capital, ainda que substanciais, não são afundados (...) a maior porção (a aeronave) pode ser recuperada de qualquer mercado particular a um custo pequeno ou insignificante. Tal mobilidade facilita a entrada e saída potenciais nesses mercados. (...) Assim, apesar de possuir atributos substanciais de monopólio natural, a maioria dos mercados aéreos são provavelmente de fácil contestação. Esse fato garante que, mesmo nas rotas operadas por apenas uma firma, sua performance aproxime-se do modelo competitivo. (tradução livre)

Esta assertiva fundamentava-se na percepção de que a principal parte dos custos de capital de uma empresa aérea, relativa à compra e manutenção de aeronaves, poderia ser facilmente alocada de um mercado relevante para outro – isto é, de uma rota para outra – sem que existissem maiores obstáculos. Entretanto, esta interpretação é certamente valida para a mobilidade de recursos intrasetorial e não intersetorial.

Em tal contexto concorrencial, a eventual tentativa de abuso de poder de mercado por parte de uma empresa aérea em determinada rota seria evitada de forma tempestiva somente pela concorrência oferecida por outras empresas já atuantes na indústria de aviação. Estas empresas seriam capazes de realocarem seus recursos para entrar rapidamente e a baixo custo em mercados nos quais preços supracompetitivos fossem praticados. É a contestabilidade via entrada na rota por parte de firmas concorrentes que cerceia a capacidade de uma empresa aumentar os preços nas rotas,

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mesmo que nesta rota ela seja um monopolista. Deve-se distinguir de forma precisa a entrada na rota por parte de concorrentes já atuantes na indústria da entrada na indústria pela criação de nova firma. Este ponto foi, em certa medida, introduzido no caso Tam/Pantanal e LATAM, mas foi crucial no caso Gol/Webjet e Azul/Trip, o que determinou uma análise mais aprofundada.

3.2. O CASO TAM & PANTANAL

O caso TAM/Pantanal22 representou a aquisição, pela TAM Linhas Aéreas S.A (TAM) da totalidade das ações representativas do capital social da Pantanal Linhas Aéreas (Pantanal). A operação foi realizada por razões de estratégia comercial de ambas as partes. Para a TAM, a operação teria como propósito principal a ampliação dos trechos operados pela companhia, fornecendo a seus passageiros mais opções de destinos e buscando destinos com menor densidade populacional. Já para a Pantanal, tratar-se-ia de uma oportunidade de negócio atraente por esta estar em dificuldades financeiras (recuperação judicial), além de se beneficiar com a integração da malha aérea da TAM, do compartilhamento do programa de milhagens e dos serviços de tecnologia e de manutenção.

Ao analisar o caso, não haveria num primeiro enfoque sobreposição horizontal entre as rotas operadas pela TAM e pela Pantanal para transporte aéreo regular de passageiros e poderia ser classificada como uma simples substituição de agente econômico. Contudo, mesmo não existindo sobreposição horizontal nas rotas, a operação envolvia a atuação das empresas em aeroportos denominados coordenados e caracterizados por restrita oferta de infraestrutura23.

Avaliando os slots24 concedidos a ambas as empresas nos aeroportos de

Congonhas/SP, os índices de concentração indicavam que TAM aumentaria o seu poder de mercado naquele aeroporto. Na época, no entanto, esta preocupação foi afastada, pois ademais a elevada concentração ser prévia a operação, existiam os seguintes fatores: (i) uma recente distribuição de novos slots a outras companhias, no caso a Gol obteve os slots de Varig, (ii) a possibilidade de efetiva rivalidade da Gol

22 Ato de Concentração n. 08012.000321/2010-67, de Relatoria do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz, julgado em agosto de 2010.

23 Para a definição de Aeroporto coordenado, recomenda-se a leitura da Resolução ANAC n° 02/2006. 24Por slot entende-se o acesso a infraestrutura em um horário estabelecido para uma aeronave realizar uma operação de chegada ou uma operação de partida.

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no caso da tentativa do uso do poder de mercado e (iii) a Pantanal estava em situação de recuperação judicial, sendo que a TAM foi a única empresa que se candidatou para a aquisição da empresa, mesmo após o leilão público. Em tal peculiar circunstância, o CADE aprovou a operação sem restrições.

3.3. O CASO LAN & TAM

No caso LATAM25 existe uma associação entre duas grandes empresas da América Latina, o Grupo TAM, no Brasil, e o Grupo LAN, no Chile. Já em 2007, as empresas haviam celebrado um acordo de compartilhamento de voos (code share) em voos na América Latina. Esse acordo estabeleceu a disponibilização recíproca de assentos nas aeronaves de ambas às empresas, permitindo aos clientes da LAN adquirir assentos em voos operados pela TAM e vice-versa. Em setembro de 2010 os dois grupos se associaram, dando origem à LATAM Airlines. A fusão representou a união dos centros decisórios das empresas e a completa coordenação de suas atividades.

No momento da análise da operação, a então SEAE26 verificou que a operação ocasionaria sobreposição em diversas atividades relacionadas ao setor aéreo. Entretanto, ao chegar para julgamento no CADE, a autarquia restringiu sua análise ao mercado de transporte aéreo de passageiros e de carga, tendo em vista que as áreas de atuação das empresas nos demais setores eram praticamente complementares ou mesmo hierarquicamente dependentes do transporte de passageiros.

Ao analisar o mercado de transporte aéreo de passageiros, verificou-se que a operação trazia mais complementaridades do que sobreposições. Entretanto, as rotas ligando São Paulo às cidades de Santiago, Buenos Aires e Lima apresentaram elevada concentração. Ademais, após avaliação cuidadosa sobre os aspectos de infraestrutura aeroportuária, observou-se que, dentre as cidades afetadas pela operação, existiam problemas de disponibilidade de slots em São Paulo, mais especificamente no Aeroporto Internacional de Guarulhos e em faixas específicas de horário.

25Ato de Concentração n. 08012.009497/2010-84, Requerentes TAM S.A. e LAN Airlines S.A, Conselheiro Relator Olavo Chinaglia, julgado em novembro de 2011.

26 Antes da entrada em vigência da nova lei da concorrência (Lei n. 12.529/2011), a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF) era na época o órgão instrutor dos processos de concentração econômica.

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Notou-se ainda que embora a instrução do Ato de Concentração não apontasse preocupações específicas decorrentes de programas de fidelidade, a opção das empresas envolvidas por uma aliança global poderia ter impactos na dinâmica concorrencial. De fato, estas alianças visam a oferecer mais destinos e uma diversidade maior de horário. Porém, apesar de trazer benefícios para as companhias, como a redução de custos, a concorrência pode ser afetada, uma vez que este tipo de associação impede a expansão de serviços por parte das participantes, seja pela supressão ou estagnação de frequências de voos, seja pelo desestímulo a entrada em mercado servido por outra companhia co-signatária. A pretensão de rivalizar das companhias associadas é indiscutivelmente diminuída, sob pena de por em risco a própria cooperação. Este efeito é potencializado quando há participação em vários acordos, principalmente se houver sobreposição de rotas.

Na operação, a TAM pertencia a Star Alliance, e a LAN pertencia a Oneworld. Mesmo antes da decisão do CADE, a autoridade antitruste Chilena, ao proferir sua decisão, proibiu as empresas de participarem de uma das alianças globais, que optaram pela Oneworld.

Após análises de rivalidade e eficiências, o CADE concluiu que era necessário adotar alguma medida que impedisse que a operação pudesse causar pontuais problemas concorrenciais. Para tanto, o órgão antitruste brasileiro determinou que a LATAM deveria efetuar permuta de slots e infraestrutura aeroportuária no aeroporto de Guarulhos, de forma que permitisse a nova empresa operar em duas frequências diárias na rota São Paulo – Santiago – São Paulo, por meio de voos diretos. Além disso, a LATAM precisou submeter ao CADE sua escolha pela aliança global que iria participar. Até então, o órgão não havia intervido em nenhum ato de concentração relativo ao mercado de transporte aéreo de forma estrutural, apenas em relação a cláusula de não concorrência, como no caso Varig/Gol.

3.4. O CASO GOL & WEBJET

Antes de adentrar a complexidade do caso propriamente dito, é importante destacar as intervenções até então feitas pelo órgão antitruste brasileiro em casos do setor. Em relação ao caso Varig/Gol, as preocupações concorrenciais se direcionaram ao uso e acesso de concorrentes à infraestrutura em aeroportos congestionados,

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porém, como dito, a intervenção foi sobre o aspecto geográfico da cláusula de não concorrência, que deveria ser restrito ao âmbito nacional27. No caso LANTAM o problema concorrencial também apresentava nexo com a relativa escassez de infraestrutura em Guarulhos, logo, a intervenção proposta pretendeu alterar as condições do mercado por meio da permuta de dois pares diários de slots no Aeroporto de Guarulhos.

Quanto ao caso Gol/Webjet28, este apresentou um espectro mais amplo de preocupações concorrenciais, pois o número de rotas e slots com sobreposição eram maiores. A operação tratou da aquisição da totalidade das ações representativas do capital social da Webjet Linhas Aéreas S.A. (Webjet) pela VRG Linhas Aéreas S/A (VRG ou Gol). Desde a sua origem o caso suscitou preocupações concorrenciais, pois era uma operação que envolvia duas empresas com forte atuação no mercado de transporte aéreo de passageiros e que tinham como modelo de negócios a denominada estratégia “low-cost & low-fare”.

Após a utilização de clássicos índices de concentração para se averiguar a possibilidade de exercício de poder de mercado pelas fusionadas Gol-Webjet, identificou-se os mercados relevantes afetados pela operação e potencialmente problemáticos, ou seja, as rotas em que a participação conjunta das Requerentes evidenciava um significativo incremento na concentração do mercado com potencial impacto concorrencial. Ao todo, das quase 100 de rotas identificadas com sobreposição horizontal, em 27 delas havia concentrações preocupantes e nos principais centros urbanos, como Brasília/DF, Porto Alegre/RS, Confins/MG, Santos Dumont/RJ, Galeão/RJ e Salvador/BA. Destacam-se ainda alguns aeroportos regionais, como de Navegantes/SC e de Foz do Iguaçu/PR29.

O ponto de maior preocupação do caso era o transporte aéreo de passageiros e, assim, procurou-se avaliar todas as barreiras à entrada, seja para novas firmas (entrada no setor), seja das firmas já instaladas em novas rotas (entrada na rota).

27 Como o voto proferido pelo então Conselheiro Furquim de Azevedo, em que sugeriu a aprovação da operação condicionada à devolução de 10 pares de slots detidos pela Varig no Aeroporto de Congonhas à ANAC. Posicionamento este que restou vencido pela aprovação da operação, condicionada apenas a alteração da cláusula de não concorrência.

28 Ato de Concentração 08012.008378/2011-95, Conselheiro Relator Ricardo Machado Ruiz, julgado em outubro de 2012.

29 No início da operação, foi celebrado entre o CADE e as empresas um Acordo para Preservação da Reversibilidade da Operação (APRO).

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No que se refere ao posicionamento dos consumidores, foi feita uma análise sobre a possível segregação entre os passageiros que viajam a turismo e os passageiros business. Ainda, avaliou-se a possível substituição entre os aeroportos Congonhas e Guarulhos/SP, Santos Dumont e Galeão/RJ; e a substituição entre voos diretos e indiretos. Tal foi necessário para se verificar a necessidade de um refinamento maior na análise. Sobre o perfil de passageiros, os dados não permitiriam a identificação de padrões de consumidores, assim, optou-se por considerar todos os consumidores como simétricos30.

Em relação a substituição dos aeroportos, a conclusão foi que a substituição não seria perfeita por diversos fatores (perfil das rotas dos aeroportos, deslocamento etc), e assim, por conservadorismo, manteve-se a análise tradicional para cada aeroporto.

A substituição de voos indiretos por diretos se faz mais distinta em trajetos de longas distâncias, como voos internacionais. Como a análise ateve-se ao mercado doméstico, ambos foram considerados na avaliação. E, para todos estes três fatores, a importância em relação a contestabilidade do mercado é maior e o foco na sua análise foi a essencial para verificar o cenário da concorrência no mercado de transporte aéreo terrestre e as preocupações originadas com a operação.

Foram identificadas elevadas participações de mercado nos trechos afetados, mas a grande maioria não implicou na existência de problemas concorrenciais. A jurisprudência e estudos sobre esta indústria reconhecem a existência de diversas condicionantes ao exercício abusivo de poder de mercado no setor aéreo, ainda que na presença de concentrações significativas em rotas específicas31.

A probabilidade de que um ato de concentração efetivamente decorra em um exercício de poder de mercado por parte das empresas requerentes, com danos substanciais à concorrência e aos consumidores, depende de uma série de questões. Uma vez que se verifique que a concentração gerada pela operação dá às firmas uma parcela de mercado alta o suficiente, o Guia de Análise de Atos de Concentração (2001), tal como os das principais autoridades antitruste do mundo, analisa as seguintes variáveis principais (sem prejuízo de outras eventualmente relevantes): (i)

30 Também se verificou sobreposição horizontal no transporte aéreo de cargas. Como a atuação da Webjet, segundo os dados da ANAC, era insipiente, não se aprofundou tal questão.

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se a entrada de uma nova empresa no mercado poderia ser considerada um fator provável, tempestivo e suficiente para obstar o exercício de poder de mercado por parte das firmas fusionadas; e (ii) se a rivalidade oferecida pelos demais concorrentes já instalados no mercado é um óbice efetivo ao exercício de poder de mercado.

No que se refere a possibilidade de entrada de novos competidores no mercado, este é fator que inibe o exercício de poder de mercado quando a entrada for provável, tempestiva e suficiente, isto é, quando existem baixas barreiras à entrada ou à mobilidade do capital. Em outras palavras: em um período de dois anos uma empresa pode se instalar no mercado e ofertar produtos/serviços em condições de igualdade com seus concorrentes e, como consequência, caso as empresas fusionadas ampliem seus preços ou reduzam oferta, a empresa entrante será capaz de capturar parte significativa do desvio de demanda, uma vez que ela estará operacional.

Em relação à tempestividade no mercado de transporte aéreo de passageiros, pode-se falar em dois momentos distintos. Em primeiro lugar, se é possível a entrada de um novo competidor nacional, isto é, uma firma que não atuava no transporte aéreo de passageiros e ingressa nesse mercado, mas com uma malha capaz de rivalizar com as empresas com atuação nacional. Outra possibilidade de entrada, certamente menos intensiva em capital, é a entrada de alguma empresa aérea já estabelecida em uma rota que não atuava.

A nova regulação do transporte aéreo permitiu maior flexibilidade nas estratégias das empresas, mas manteve consideráveis barreiras regulatórias, físicas, técnicas e econômicas. As barreiras regulatórias se referem ao controle de ingresso de novas empresas e de ampliação da oferta de voos e capacidade da empresa. Barreiras físicas seriam as limitações da infraestrutura aeroportuária disponível, com maior atenção para os aeroportos coordenados ou com restrição de horários. Outro tipo de barreira é a barreira técnica, que esta intrinsecamente vinculada a questões regulatórias e de infraestrutura (físicas). Esta barreira compreende as limitações não só de horários, mas para o tipo de equipamento que é permitido ou que a regra prima em determinado aeroporto. As barreiras econômicas seriam os custos envolvidos para constituição e manutenção de uma empresa de transportes aéreos, como, aquisições de aeronaves, publicidade e marketing, entre outros. Eventuais vantagens exclusivas relacionadas a posições em aeroportos coordenados também fazem parte, tendo em vista a possibilidade de constituir uma barreira à entrada de novas empresas em

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alguma rota específica envolvidas na operação, ou, até mesmo, para a constituição de uma nova malha competitiva. Os programas de fidelidade existentes nas companhias e alianças estratégias com outras empresas de atuação no mercado de transporte aéreo de passageiros são também restrições à entrada de novas empresas, em particular na indústria. Em conjunto, estas barreiras são certamente relevantes para a entrada de uma nova empresa além de criar assimetrias entre concorrentes, condicionando a operação e organização das rotas ao controle de infraestrutura aeroportuária.

Na análise do caso, uma rival efetiva das fusionadas teria elevados custos de contratação e investimentos irrecuperáveis. Por exemplo, para operação de uma empresa de tamanho médio seriam necessários mais de R$ 600 milhões em 2010 apenas com despesas de custos operacionais. Tal empresa teria ainda de operar com um mínimo de 30 aeronaves com quase 100 assentos em média.

Esta escala de operação permite a estruturação de uma malha competitiva em escala nacional, pois é menos vulnerável a competição em rotas específicas, e define uma empresa com capacidade mínima de realocação de aeronaves como reação a um aumento de preços ou redução da oferta em alguma rota específica. O perfil deste rival efetivo é uma empresa com escala para operar nos grandes mercados. Em geral, estas empresas tem posição na maioria das regiões metropolitanas e capitais de estado e, também, em várias grandes cidades, como aquelas com mais de 200 mil habitantes. Certamente as poucas, frágeis e pequenas empresas regionais existentes não eram rivais efetivas das grandes empresas com malhas nacionais, de modo que a entrada de um rival efetivo exigia outras dimensões econômicas.

Após extensa avaliação, o CADE concluiu que a indústria de transporte aéreo tem elevadas barreiras à mobilidade intersetorial, mas aparentemente modestas barreiras à mobilidade intrasetorial. Sendo improvável e intempestiva a entrada de uma nova empresa no setor com capacidade suficiente para rivalizar a Gol, isto é, com uma estrutura de malha competitiva em escala nacional (ou seja, presença nos principais centros urbanos), a concorrência via entrada na rota adquiriu dimensão fundamental da análise para se determinar a possibilidade de exercício do poder de mercado.

Dada a impossibilidade de entrada provável, tempestiva e suficiente de um novo concorrente, mereceu atenção na análise da disponibilidade de infraestrutura nos

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aeroportos, condição necessária para a contestabilidade por parte de concorrentes. Assim, a instrução do caso levou à consulta dos órgãos reguladores do setor e focou nas questões regulatórias inerentes, quais sejam, como estava o acesso à infraestrutura e os investimentos previstos nos aeroportos brasileiros. Estes fatores permitiriam auferir se uma empresa de médio ou grande porte já existente seria capaz de realocar recursos disponíveis no curto prazo, bem como ofertar assentos nas rotas onde poderiam ocorrer aumentos significativos de preços ou redução da oferta. A tabela abaixo sumariza a mobilidade intrasetorial de uma rival já instalada e alguns requisitos regulatórios.

Tabela 1 – Entrada na Rota

Procedimento Prazo Médio

Entrante dispõe da aeronave e já

é certificado. Entrada em 30 a 75 dias Entrante não dispõe da aeronave,

mas já é certificado para aquele modelo.

Entrada em 90 a 120 dias em caso de aluguel ou financiamento de aeronave já disponível, considerando-se que o processo de aprovação do HOTRAN pode ser desenvolvido em paralelo à obtenção da aeronave. Entrante não dispõe da aeronave

e não é certificado. Entrada em 6 a 9 meses considerando que o processo de treinamento pode ser desenvolvido em paralelo à obtenção da aeronave e aprovação do HOTRAN.

Fonte: CADE-2012 (Ato de Concentração 08012.008378/2011-95, Gol-Webjet).

Entre as principais barreiras a entrada constantemente avaliada pela jurisprudência internacional e agora com maior atenção no Brasil é a restrição na oferta de infraestrutura principalmente nos horários considerados de alta demanda. Conforme observou Borenstein (2003), grande parte das análises sobre o setor de transporte aéreo aponta a escassez de capacidade aeroportuária como o fator concorrencial crítico. Tal fenômeno também é reconhecido por diferentes autoridades de defesa da concorrência32 e está registrado em parecer Analítico da SEAE sobre Regras Regulatórias nº 003/COGTL/SEAE/MF33, sobre a questão concorrencial ligada à possível ausência de infraestrutura aeroportuária suficiente para acomodar a entrada de novos agentes:

32 Em um caso recente, por exemplo, a Comissão Européia (2013) observou que a indisponibilidade de slots é reconhecida por constituir a principal barreira a entrada ou expansão em casos de aviação e a liberação de slots tem sido o principal remédio endereçado a preocupações concorrenciais em casos antitrustes. Este aspecto foi igualmente ponderado quando da decisão de reprovação pelo órgão antitruste britânico ao reprovar a operação de aquisição da AerLyngus pela Ryanair (OFFICE OF FAIR TRADING, 2013).

33 Parecer Analítico sobre Regras Regulatórias nº 003/COGTL/SEAE/MF, de 14 de junho de 2006. Minuta de resolução para regulamentar a alocação de horários de pousos e decolagens em aeroportos mais movimentados, folhas 1-2.

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O acesso à infraestrutura aeroportuária representa uma das principais barreiras à entrada de novas empresas no mercado. Nos aeroportos de grande movimentação, o espaço físico e o tempo são extremamente limitados, principalmente nos horários de pico. Para a ampliação de uma infraestrutura aeroportuária exige-se um amplo espaço físico e elevados investimentos, sendo, em muitos casos, inviável a ampliação da capacidade do aeroporto. Assim, a disponibilidade de slots torna-se condição essencial para a efetiva entrada de novos concorrentes.

Não por menos que a necessidade de acesso à estrutura aeroportuária é considerada como acesso a um recurso essencial (essential facility34) para a existência da empresa no setor de aviação civil. Sem acesso a esta infraestrutura, torna-se inviável a implementação de um negócio e, por decorrência, a própria oferta aos clientes. Trata-se de um problema relevante no caso de existência de competição entre um agente estabelecido verticalizado, detentora do recurso, e firmas entrantes, que necessitam do mesmo para operarem no mercado – o que abre espaço para práticas anticoncorrenciais e exercício do poder de mercado35.

Um estudo realizado pelo BNDES (2010) revelou que os 15 aeroportos do Brasil concentram cerca de 80% das origens e destinos domésticos, sendo que os aeroportos de São Paulo concentram a maior parcela do tráfego, com fluxos principalmente com os aeroportos do Rio de Janeiro (Galeão e Santos Dumont), Brasília, Belo Horizonte (Confins) e Salvador. No estudo prévio realizado pela NMcKinsey&Company (2010), já existiam fortes indícios de que os diversos aeroportos brasileiros tinham estrangulamentos e a necessidade de significativos investimentos para ampliação de oferta.

É certo que em 2010 e 2011, Congonhas, Guarulhos, Santos Dumont e em certa medida Brasília já enfrentavam congestionamento para a utilização de sua infraestrutura em vários “horários de pico”. Congonhas, no entanto, apresenta uma situação mais crítica para os dias de semana, fato este registrado em outros estudos e análises já de meados da década de 2000. Segundo dados apresentados no voto dos casos Gol-Webjet e Azul-Trip, nos aeroportos congestionados e que se revelaram preocupantes na análise, a possibilidade de investimento nos próximos anos era insipiente, sendo nulo, por exemplo, em Santos Dumont/RJ.

Outro passo é o arcabouço legal e regulatório destas infraestruturas aeroportuárias. No caso, verificou-se a existência de várias normas que atuam no controle do ingresso de 34 Ver OCDE (2012).

35 Na tradição antitruste norte-americana Estados Unidos, a ênfase dada ao problema do recurso escasso surgiu com o caso United States v. Terminal Railroad Association.

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novas empresas e na ampliação da oferta de voos36. Tal como a experiência europeia tem

demonstrado, mecanismos baseados em grandfather rights acabam por dificultar a entrada de novas companhias em mercados relevantes e o pool de slots disponíveis acaba sendo pequeno e formado por slots de menor valor comercial. A SEAE37 inclusive se posicionou que as

regras de alocação de slots vigentes no Brasil deveriam ser aprimoradas para permitir maior concorrência nos aeroportos coordenados.

A questão de rentabilidade dos horários de voo, a quantidade ofertada de slots, a disponibilidade de slots e hotrans e as condições de infraestrutura nos aeroportos foram elementos imprescindíveis para se aferir a real possibilidade de entrada nos mercados relevantes da operação, de maneira suficiente para garantir a contestação de eventual exercício de poder de mercado, atendendo aos requisitos de contestabilidade. Esta questão levou a uma apreciação, em cada aeroporto, da disponibilidade de slots por faixas de horários. Os problemas concorrenciais foram analisados nesta dimensão, verificando-se a possibilidade de rivalidade efetiva ou potencial, ao se criar rotas em determinadas faixas de horários nos aeroportos selecionados (ver tabela abaixo).

Tabela 2 - Classificação dos Aeroportos Aeroporto Utiliz.% Observação:

Florianópolis, SC (SBFL) 38 Ampla disponibilidade. Fortaleza, CE (SBFZ) 20 Ampla disponibilidade. Foz do Iguaçu, PR (SBFI) Nd Ampla disponibilidade. Goiânia, GO (SBGO) 22 Ampla disponibilidade. Maceió, AL (SBMO) 7 Ampla disponibilidade. Natal, RN (SBNT) 11 Ampla disponibilidade. Navegantes, SC (SBNF) Nd Ampla disponibilidade. Porto Alegre, RS (SBPA) 42 Ampla disponibilidade. Porto Seguro, BA (SBPS) 12 Ampla disponibilidade. Recife, PE (SBRF) 26 Ampla disponibilidade. Salvador, BA (SBSV) 27 Ampla disponibilidade. Uberlândia, MG (SBUL) 17 Ampla disponibilidade.

Brasília, DF (SBBR) 49 Utilização intensa 8-10h, 18 e 20h. Campinas, SP (SBKP) 58 Utilização intensa 7-9h, 12, 17 e 21-2h. Confins, MG (SBCF) 61 Utilização intensa 7-11h e 18-22h. Curitiba, PR (SBCT) 58 Utilização intensa 8-9h; quase Aberto. Galeão, RJ (SBGL) 44 Utilização intensa 9 e 21h; quase Aberto. Guarulhos, SP (SBGR) 66 Utilização intensa 6-8h, 11, 14, 16, 17, 19 e 21h. Congonhas, SP (SBSP) 97 Sem disponibilidade.

Santos Dumont, RJ (SBRJ) 90 Sem disponibilidade.

Fonte: Dados da ANAC para o primeiro semestre de 2012. Ver CADE-2012.

36 Para compressão sobre o tema, recomenda-se a leitura do Relatório de Auditoria Operacional do TCU denominado TC-011.088/2005-9.

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No filtro da análise nos aeroportos selecionados, restaram as rotas envolvendo os aeroportos de Brasília/DF, Santos Dumont/RJ, Galeão/RJ, Guarulhos/SP, Congonhas/SP e Confins/MG, pois são aeroportos restritos e alguns com regras específicas de distribuição. Avaliando a estrutura destes aeroportos, o único que trouxe grandes preocupações foi o aeroporto de Santos Dumont/RJ.

Após avaliar o comportamento dos preços pré e pós aquisição, e afastando a tese de que se estaria eliminando a Webjet por ser uma maverick38, o CADE concluiu que existiriam eficiências econômicas específicas do ato de concentração, mas não foram suficientes para mitigar os problemas concorrenciais pontuais identificados na operação, como o controle de

slots em Santos Dumont/RJ.

Portanto, o problema concorrencial que mereceu destaque foi a elevada concentração de slots em Santos Dumont sem nenhum indicador de eficiência suficiente para mitigar estes problemas específicos. Assim, vinculado ao cumprimento de um acordo com as empresas denominado Termo de Compromisso de Desempenho (TCD), o CADE aprovou a operação, condicionada a:

(i) utilização dos slots de Santos Dumont/RJ com uma eficiência mínima de 85% para cada slot seja para pouso ou decolagem;

(ii) caso as compromissárias não alcancem os índices de 85% de uso para cada

slot em apuração trimestral (média simples dos índices de cada mês do

trimestre), a Gol devolverá a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) o

slot com uso abaixo do mínimo estipulado e um segundo slot para formar um

par de slot com tempo de solo operacionalmente eficiente;

(iii) o índice de eficiência mínimo de 85% de uso dos slots vale para todos os

slots controlados pelas compromissárias em Santos Dumont/RJ;

(iv) a obrigação é restrita à utilização efetiva dos slots, podendo haver alteração das rotas;

O ponto principal na solução deste caso foi que, ao atribuir uma eficiência mínima de 85% em cada slot, se condicionaria o uso eficiente da infraestrutura disponibilizada às compromissárias do acordo pela ANAC. Esta obrigação de uso dos slots colocou um

trade-off para a Gol. Caso a empresa não utilizasse os slots, ela os devolveria à ANAC. Para não ter

os slots devolvidos à ANAC, a empresa teria que utilizá-los ofertando voos, em outras palavras, a Gol não poderia reduzir a oferta de voos em Santos Dumont/RJ. Esta oferta de 38Geralmente, as empresas Maverick competem por meio de um novo modelo de negócios e tecnológicos sendo que tal competição pode se expressar por meio de uma conduta agressiva nos preços.

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assentos tem custos fixos elevados, qual seja, o de operar uma aeronave. É importante destacar que as obrigações pactuadas foram inseridas pelo CADE no contexto de obter as eficiências que mitiguem os problemas concorrências identificados na instrução.

3.5. O CASO AZUL &TRIP

A análise do caso Gol-Webjet foi uma referência para o caso Azul/Trip39. Depois da exaustiva instrução no caso anterior, o CADE já tinha uma percepção bastante apurada do mercado aéreo. Soma-se a isso o fato de a operação ter sido considerada pró-competitiva ou benéfica para a dinâmica competitiva do setor, além de apresentar modestas sobreposições em rotas, quando observando o número de rotas e o volume de passageiros transportados pelas empresas.

A Azul foi fundada em 2008 e vinha apresentando rápido crescimento, principalmente por meio da criação de novas rotas: conexões entre mercados de menor porte e alguns aeroportos centrais, em particular o aeroporto de Viracopos de Campinas/SP; fato semelhante à estratégia da Gol, que utilizou o Galeão/RJ em seu primeiro ano de operações.

Já a Trip, fundada em 1998, era uma empresa aérea regional. Em 2010, a empresa contava com a maior frota de aeronaves regionais, cerca de 40 (quarenta) aeronaves, atendendo mais de 80 (oitenta) cidades em todas as regiões do Brasil40.

A operação de fusão entre as duas empresas foi formalizada em maio de 2012 e teria como objetivo o desenvolvimento de linhas regionais e a consolidação da presença da empresa no mercado nacional. A fusão da Azul e da Trip conferiria musculatura e relevantes economias de densidade, tornando a empresa mais robusta a disputar a liderança do mercado. Nestes eventos motivadores da fusão, já se nota a importância de uma malha nacional, mesmo que marcada por rotas regionais, como estratégia necessária para concorrer com outras duas grandes empresas nacionais41.

Foram detectadas apenas vinte rotas sobrepostas, entretanto, diferentemente do caso Gol/Webjet, as sobreposições eram, em sua maioria, em aeroportos regionais onde havia ampla disponibilidade de infraestrutura nos mais variados horários. A 39 Ato de Concentração 08700.004155/2012-81, Conselheiro Ricardo Machado Ruiz, julgado em março de 2013.

40 Valor Econômico. Análise Setorial: Transporte Aéreo. Novembro de 2010.

41 Ato de Concentração 08700.004155/2012-81, Conselheiro Ricardo Machado Ruiz, julgado em março de 2013.

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exceção era novamente o Aeroporto de Santos Dumont, no Rio de Janeiro. A decisão do CADE não estaria muito diferente da decisão proferida no caso Gol/Webjet, se não fosse por um acordo de compartilhamento de voos entre Trip e TAM.

No decorrer da instrução do caso, a Superintendência Geral do CADE detectou renovados acordos de cooperação entre TAM e Trip. É certo que os acordos de cooperação entre as empresas de aviação civil podem gerar sinergias, como ganhos de escala, maior nível de ocupação, facilidades para os passageiros nas conexões e complementariedades em serviços. Contudo, sob outro prisma, também podem propiciar a coordenação entre as empresas e até mesmo desincentivar a entrada de determinada firma naquele mercado, com potenciais efeitos deletérios à concorrência. Assim, quando se analisa uma fusão e aquisição entre duas empresas, é importante verificar inclusive se existem entre elas e outros concorrentes quais acordos que afetem sua estratégia no mercado42.

No caso específico da operação Azul/Trip, a observância do acordo de codeshare entre Trip e TAM deu novos rumos à análise do CADE. O acordo foi firmado num contexto pré-concentração, entretanto, com a fusão, a Trip passou a ser associada à Azul, empresa com perfil mais próximo ao da TAM, por ter inserção em aeroportos mais centrais (ainda que com porte muito menor). Ao mesmo tempo, a nova companhia Azul-Trip passou a ter uma participação de mercado relevante e em crescimento: 12% e com possibilidade estimada de alcançar até 20% em três anos, ou seja, a posição de uma empresa dominante.

Com o ato de concentração, o code share anteriormente firmado com a TAM deixou de ter como contraparte uma empresa de porte regional pouco significativo e, de outro lado, perdeu o seu caráter de mera complementaridade de malhas. Essa alteração no caráter do acordo poderia gerar efeitos concorrenciais negativos, segundo análise do CADE. Tal suposição pode ocorrer caso a nova empresa seja capaz de ganhar mais mercado e disputar passageiros em rotas operadas pela TAM. Na medida em que isso aconteça, a tendência seria que a tensão concorrencial se intensificasse, mas com o acordo em vigência, existiria o risco de que a disputa fosse arrefecida por uma potencial retaliação da líder.

42 Para uma leitura sobre uma descrição da experiência comparada e das preocupações aqui aportadas, recomenda-se Ragazzo (2006).

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Na avaliação do CADE, a manutenção do acordo de codeshare poderia ser danosa à concorrência no contexto pós-fusão. Tal constatação levou o CADE a aprovar a operação condicionada à extinção do compartilhamento de voos entre Trip e TAM. Vale destacar que com o fim do codeshare, a Trip passou a ser uma rival da TAM, posicionamento antes incerto do ponto de vista concorrencial. Com a conexão da malha de Trip com a de Azul, teríamos não somente um concorrente de maior porte, mas também a redução do poder de mercado de TAM por meio da articulação operacional com Trip. Por estas duas razões, a operação foi considerada pró-concorrencial. Por fim, também neste caso, o Termo de Compromisso de Desempenho (TCD) pactuado incorporou um compromisso de eficiência no uso de slots no Aeroporto de Santos Dumont/RJ, semelhante àquele recomendado no caso Gol/Webjet.

Estes dois últimos casos ilustram como se pode interpretar a dinâmica competitiva no mercado de transporte aéreo de passageiros, dada a atual forma de regulação e os condicionantes estruturais, em particular o acesso a infraestrutura e sua ociosidade. Sobre como estas operações podem ter refletido no setor, far-se-á agora uma breve avaliação sobre como a indústria da aviação civil tende a se comportar na atualidade.

4. ALGUMAS NOTAS SOBRE A ESTRUTURA DE MERCADO ATUAL

Não obstante as grandes mudanças estruturais e regulatórias e as entradas e saídas de empresas, o setor de transporte aéreo de passageiros manteve sua histórica estrutura oligopolista (ver gráficos em anexo). Mais recentemente, com a massificação do consumo, um número modesto de firmas passou a atuar em escala nacional, em particular nos grandes mercados metropolitanos e regionais, possuem frotas com dezenas de aviões, operam em múltiplas rotas, tem agressivas políticas de marketing e de fidelização de clientes.

Neste novo contexto concorrencial, as firmas regionais não foram capazes de se apresentarem como concorrentes efetivos das grandes empresas aéreas; atualmente pode-se mesmo notar que este modelo de negócios não é mais economicamente

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viável; o que também ocorre em outros países e regiões43. O que se percebe é que as empresas que mais perderam participação de mercado foram as regionais.

Esta modesta participação das empresas regionais é uma informação importante para avaliação do setor: a concorrência ocorre em escala nacional e não em mercados regionais ou em um conjunto específico de rotas. Assim, concorrência requer um footprint nacional, o que significa dizer que o perfil destas empresas é de players com escala para operar nos grandes mercados, com posição na maioria das regiões metropolitanas e capitais de estado e, também, em várias grandes cidades, como aquelas com mais de 200 mil habitantes. Tal posicionamento e escala de negócios é necessário para que a firma seja competitiva e capaz de resistir à concorrência das líderes.

Atualmente, quatro empresas respondem por praticamente toda a atividade do setor, qualquer que seja o indicador usado: TAM, Gol, Azul-Trip e Avianca. As duas empresas líderes são Gol e TAM e as duas de menor porte são Azul-Trip e Avianca.

No mercado externo temos um duopólio, com a TAM atuando como líder destacada, posição esta reforçada pelo fato de TAM fazer parte do grupo LATAM, o que lhe dá acesso a uma ampla malha aérea internacional complementar a doméstica, além de sinergias com suas próprias rotas internacionais. Na segunda e distante posição temos a Gol, que está construindo uma articulação internacional com a empresa norte-americana Delta, além de outras parcerias estratégicas. Vale relembrar que a Gol adquiriu as rotas internacionais de Varig, mas não foi capaz de operar em rotas internacionais, o que colocou a TAM na liderança e atrasou o processo de internacionalização de Gol.

Azul e Avianca têm posições mais modestas no mercado externo, mas um posicionamento mais relevante no mercado interno, mesmo que ainda distantes das duas líderes. Entre estas duas empresas existem também alguns diferenciais: Avianca tem acesso a uma malha aérea na América do Sul complementar a sua malha doméstica, enquanto que Azul ainda não apresentou uma posicionamento estratégico no que se refere a conexões internacionais. As estratégias que guiarão estas duas empresas na concorrência mundial parecem que estar em aberto, ainda mais quando

43 Sobre as empresas aéreas que foram atuantes no Brasil, para uma leitura resumida do tema, recomenda-se O que o Brasil pode fazer para não perder o voo? Senado em Discussão. Ano 1, n° 5 de novembro de 2010.

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se observa o processo de consolidação recente associado à internacionalização das empresas.

Na disputa pelo mercado interno restaram quatro empresas com fortes assimetrias e em um contexto de progressiva exaustão da infraestrutura aeroportuária. Estas assimetrias têm várias dimensões: tamanho de malha, de frotas, porte de aviões, modelos de negócios, posições em aeroportos e articulações internacionais. As estratégias e estruturas empresariais atuais foram montadas durante um período de massificação dos serviços de transporte aéreo de passageiros, crescente poder de compra da população e barateamento das passagens, que foi em parte estimulada por uma taxa de câmbio valorizada que impactou positivamente nos custos variáveis das empresas.

Contudo, desde 2010 e então progressivamente, estas estratégias e estruturas começaram a ser pressionadas por um ambiente microeconômico e macroeconômico não tão favorável. No momento, ambas as líderes passam por sérias restrições operacionais e econômicas. A indústria registrou um crescimento persistente que durou quase uma década, mas que produziu um excesso de oferta. A ociosidade elevada impacta severamente nos custos e as mudanças na taxa de câmbio pressionam ainda mais a estrutura de custos. Com custos pressionados e ociosidade elevada, a redução na taxa de crescimento da demanda torna o cenário ainda mais adverso. É exatamente neste contexto que ocorrem (i) a aquisição de Webjet pela Gol e (ii) a fusão da Trip com a Azul, (iii) a fusão LAN-TAM, (iv) a aquisição da últimas empresas regionais de porte (aquisição da Pantanal pela TAM) e, por fim, (v) a “articulação estratégica” entre Gol e Delta, sendo a Delta um investidora minoritária em Gol.

No caso específico da Webjet, os dados indicavam que a empresa já não tinha mais potencial de crescimento autônomo, ou seja, crescimento a partir de geração própria de recursos. Sua baixa rentabilidade, elevada endividamento e desatualiza frota colocava em dúvida sua acumulação interna de recursos e sua capacidade de crescimento. Além destas características específicas da empresa, a entrada da Azul colocou maior pressão em rotas antes atendidas pela Webjet, onde a concorrência com Gol e TAM já era acirrada. Com a sua aquisição pela líder Gol, saiu do mercado uma empresa que tentou concorrer de “igual-para-igual” com as duas empresas líderes. Nesta disputa com as líderes, a Azul optou por um posicionamento estratégico

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diferenciado: explorou rotas em mercados antes não atendidos pelas duas líderes, sem uma focar na concorrência em preços, tal qual Webjet. No caso da Avianca, seu posicionamento nos grandes aeroportos brasileiros (Congonhas, Guarulhos e Santos Dumont) lhe permite enfrentar a concorrência com duas líderes em melhores condições, vantagem esta que a Azul não tinha como late comer.

Quanto ao caso da fusão da Azul com Trip, pode-se considerar que a nova empresa terá maior capacidade de concorrer com as duas líderes. Assim, esta fusão foi pró-concorrencial, enquanto que no caso da aquisição da Webjet pela Gol, devido a todas as circunstâncias destacadas, o impacto concorrencial foi nulo ou irrelevante. No caso Azul-Trip, a Trip deixa de ser uma empresa regional e hierarquicamente subordinada a TAM e passa a ser parte de uma estrutura empresarial de maior porte. A nova empresa fusionada apresentará maior escala e liberdade estratégica, o que a torna um concorrente mais forte e efetivo de Gol e TAM. Pode-se ponderar, inclusive, que talvez agora a empresa Azul-Trip esteja em condições para forçar um estruturação industrial em direção a um “triopólio equilibrado”.

Sobre a Avianca pouco pode se afirmar. Em 2011 e 2012, a empresa estruturou e fez uma oferta par a aquisição da empresa estatal português TAP, mas sem sucesso. A aquisição da TAP mudaria, certamente, o posicionamento da Avianca no cenário nacional e internacional, pois mudaria sua escala e estrutura de forma significativa. Estes movimentos internacionais e a crescente atuação no mercado interno - mesmo que em patamar ainda modestos - deixam dúvidas sobre a estratégia e posicionamento da Avianca no Brasil. Sua articulação na América do Sul pode auxiliá-la a se sustentar no mercado interno ou, então, se tornar um ativo valioso para outras empresas atuantes ou entrantes.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise dos últimos casos envolvendo o setor, percebe-se a existência de diversos condicionantes que tornam uma avaliação não trivial pelos órgãos concorrenciais, seja no Brasil, seja no exterior.

A princípio, a concentração entre empresas atuantes em um mercado não é inerentemente prejudicial à concorrência. Atos de concentração podem surtir efeitos positivos, na forma maior autonomia estratégica, reduções de custos e outras

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eficiências que, eventualmente, incrementam o bem-estar econômico. Em outro momento, uma concentração entre firmas concorrentes pode ser prejudicial à coletividade, na medida em que facilita o exercício de poder de mercado e possibilita, por exemplo, aumentos de preços e maiores transferências de renda do consumidor. Não por outra razão, a maioria dos países, hoje, tal como o Brasil, possuem regramentos para a análise de atos de concentração.

A complexidade que envolve esta indústria de transporte aéreo e suas potencialidades revela também a necessidade de monitorar e rever a regulação. Por certo que o desafio dos órgãos envolvidos seja o de verificar com a maior previsibilidade e de acordo com as melhores informações disponíveis os possíveis cenários quando ocorrem situações de concentrações econômicas, ou mesmo a relevância de uma entrada na definição do modo de regulação.

Sobre o perfil da indústria após as recentes concentrações econômicas, é certo que o cenário “externo a indústria” tem desempenhado um importante papel na determinação das estratégias das empresas. A recente crise das duas empresas líderes deu espaço para empresas de menor porte assumissem posição de destaque no mercado doméstico. Somados a isto, ao menos no período de crise que reflete este capítulo, estas duas empresas líderes também já registram sinais de exaustão nas suas estratégias. O crescimento de empresas de menor porte foi incrementado pela exploração de rotas regionais, até então pouco aproveitadas pelas líderes, contudo, em virtude do estrangulamento de algumas infraestruturas aeroportuárias, tal fato impede uma maior contestabilidade por parte destas duas empresas médias. O surgimento da Azul-Trip, como terceira força no setor aéreo e a recente expansão de Avianca pode desencadear uma disputa ainda mais acirrada entre as líderes. Para tanto, a maior oferta de infraestrutura aeroviária terá um papel fundamental.

Referências

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