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O MITO ARTURIANO EM SEUS DIVERSOS MOMENTOS

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O MITO ARTURIANO

EM SEUS DIVERSOS MOMENTOS

Mônica Amim

*

1 – INTRODUÇÃO

Dentre todos os períodos pelos quais a civili-zação ocidental já passou, a Idade Média parece ser aquele que mais aguça a curiosidade e a ima-ginação do homem através dos tempos.

Todos os períodos subseqüentes voltaram, de alguma forma, seus olhos para a Idade Média, com maior ou menor simpatia. Do Renascimen-to à Modernidade, passando pelo Romantismo, o homem ocidental tentou discutir e analisar este estágio de sua história, seja para criticá-lo, seja para resgatar seus aspectos positivos.

Parece-nos ter o homem contemporâneo o pri-vilégio de poder voltar-se para a Idade Média com a experiência acumulada de séculos de refle-xão em vários campos do saber e das ciências. Entretanto, cabe também a este homem contem-porâneo a tarefa de reavaliar e repensar a Idade Média de modo a despojá-la dos preconceitos que sobre ela se acumularam ao longo dos tempos.

Constatado este interesse pela Idade Média, poderíamos nos perguntar porque. Qual ou quais seria(m) a(s) causa(s) que levam a civilização o-cidental a se interessar por este determinado pe-ríodo de sua história através dos tempos? Na ten-tativa de responder a este questionamento, acha-mos conveniente citar algumas palavras de Um-berto Eco:

Não se sonha com a Idade Média porque seja o pas-sado, porque a cultura ocidental tem uma infinidade de passados, e não vejo por que não se deva voltar à Mesopotâmia ou a Sinhue, o egípcio. Mas acontece que, e já foi dito, a Idade Média representa o crisol

da Europa e da civilização moderna. A Idade Média inventa todas as coisas com as quais ainda estamos ajustando as contas, os bancos e o câmbio, a organi-zação do latifúndio, a estrutura da administração e da política comunal, as lutas de classe e o pauperis-mo, a diatribe entre o Estado e a Igreja, a universi-dade, o terrorismo místico, o processo de acusação, o hospital e a diocese, até mesmo a organização tu-rística... E, de fato, nós não somos obcecados pelo problema da escravidão ou do ostracismo, mas sim por como enfrentar a heresia, e os companhei-ros que erram, e os que se arrependem, e por como se deva respeitar sua esposa e derreter-se por sua amante, porque o medievo inventa também o con-ceito do amor no ocidente.1

Nesse sentido, podemos afirmar que os textos literários deste período – ou a respeito dele – sempre atraíram a atenção não só de especialistas e estudiosos, como também a do público em ge-ral. Dentre estes textos, especial atração exercem os pertencentes ao Ciclo Arturiano ou do Graal.

2 – BREVE HISTÓRICO

DOS TEXTOS ARTURIANOS

Recuperando a importância da Matéria da Bre-tanha, ainda hoje, ao final do Século XX, tão es-tudada, comenta o conhecido pesquisador Heitor Megale:

É possível que nenhuma outra produção literária tenha sido tão difundida na Idade Média como a chamada Matéria da Bretanha, um vastíssimo com-plexo de textos em verso e em prosa centrados na figura de Artur e de seus cavaleiros da távola redonda.2

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*Mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ex-professora de Teoria da Literatura e de Literaturas de Língua

Inglesa do Centro Universitário Augusto Motta e da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO).

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Foram exatamente estes motivos que fizeram que nos interessássemos desde muito cedo pelas estórias do Ciclo Arturiano. Como estas estórias foram e vêm sendo transmitidas através dos sécu-los? Por que motivo despertaram e ainda desper-tam tanto interesse? Existiu ou não existiu real- mente um rei chamado Artur?

A maioria dos estudiosos e pesquisadores que se dedica ao Ciclo Arturiano concorda que a base histórica subjacente à figura de Artur é extrema-mente frágil. De uma maneira geral trabalha-se com as primeiras informações dadas por Nennius de Mercia em sua Historia Brittonum (800 d.C.), onde o autor apresenta Artur como um chefe guerreiro que teve papel destacado nas batalhas entre bretões e saxões, durante o século V, le- vando os bretões à importante vitória em Mont Badon, o que barrou o avanço saxão por quase cinqüenta anos. Apesar destas informações con- tradizerem as de um historiador mais antigo como Gildas, que creditava os méritos da vitória a um romano de nome Aurelius Ambrosius, elas se afi-nam e se completam com as hipóteses levantadas posteriormente por Sir John Rhys. Afirma ele que Artur ocupava um posto (Comes Britanniae) que tinha como tarefa, durante a segunda metade do século V, defender a ilha de qualquer ataque; e que, além de conter com sucesso os saxões, foi traído pela mulher e por um parente próximo (fi-lho ou sobrinho), morrendo em batalha.3 Isto é tudo que podemos considerar “histórico” sobre Artur.

O sucesso e a difusão da lenda arturiana na Idade Média foram realmente excepcionais; to- davia, as formas primitivas da lenda não nos che-garam nem em um corpo nem em uma for- ma contínua.4 Vários estudiosos, como Jessie Weston, consideram que a literatura romanesca arturiana – diferente da tradição arturiana – co-meçou com Geoffrey of Mounmouth em Historia

Regum Britanniae (1136). Esta obra, segundo o

autor, foi baseada num suposto volume (sobre o qual pairam dúvidas não só acerca do idioma co-mo da própria existência deste) que lhe foi dado por um certo Walter, Arquidiácono de Oxford. O importante é que nesta obra Mounmouth

repre-senta Artur não como um simples chefe guerreiro, mas como um supra-rei (overking, welt-kaiser), governante de um império que ia da Escandinávia a Roma, Rivalizando em potência com Carlos Magno. Já num período um pouco anterior a Geoffrey of Mounmouth, os cronistas William of Malmesbury e Henry of Hutingdon se referem a Artur como um herói popular, e chegam mesmo a classificar como “delirante” o entusiasmo britâ- nico pelo herói. Neste ponto concordamos com Jessie Weston quando afirma que tais dados com- provam que o imaginário popular se encontrava de alguma forma ocupado com o fato histórico (ou pseudo-histórico) e, nesse sentido, o trabalho de Mounmouth veio apenas dar ímpeto e forma a uma tendência já existente naquele momento psi-cológico.

3RHYS, John. Studies in the arthurian legend. Oxford: 1891.

4MARX, Jean. La légende arthurienne et le Graal. Paris: PUF, 1952,

p. 1.

5 Assim sendo, a obra de Geoffrey of

Mounmouth teve como efeito, além de um enor-me sucesso ienor-mediato, o aparecienor-mento de outros textos pseudo-históricos como o Brut, do anglo-normando Wace e sua tradução em inglês por Laymon. Tais textos acrescentaram mais elemen-tos à lenda arturiana tais como a távola redonda, detalhes sobre a traição de Mordred e o nasci- mento de Merlim.

Ocorre então, alguns anos depois, um rápido desenvolvimento literário da lenda: é nesse perío-do que aparecem as obras de Chrétien de Troyes. Poeta da corte, servidor da Condessa Marie de France (filha de Aliénor d’Aquitaine) e do Con- de de Flandres Phillippe d’Alsace, Chrétien de Troyes escreveu, utilizando como modelo o uni-verso feudal dos senhores que o patrocinavam, um importante conjunto de obras sobre a Matéria da Bretanha. Temos então Éric et Enid (1162),

Cligés ou la Fausse Morte (1164), Lancelot au le Chevalier de la Charrete (1168) – para Marie de

France –, Yvain ou le Chevalier au Lion (1173) e

Perceval ou L’estoire dou Graal – especialmente

para Phillippe d’Alsace. Esta última obra, deixada inacabada devido à morte do autor, foi “continua-da” por vários autores independentes, em sua maioria já influenciados por um outro autor, Robert de Boron.

Entre o final do século XII e o início do sécu- lo XIII o escritor franco-cantonês Robert de

5WESTON, Jessie. Legendary cycles of the Middle Ages. In: The

Cam-bridge medieval history, vol. VI, Chap. XXV. CamCam-bridge: CamCam-bridge

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Boron (que, segundo indícios, viveu algum tempo na Grã-Bretanha) produziu uma versão não só cristianizada, mas eclesiástica da lenda arturia- na. Foi Boron, ligado à família dos Condes de Montbéliard, que iniciou a identificação da lenda com o cristianismo, através dos evangelhos apó-crifos, visto que sua versão estava intrinsecamen-te relacionada a José de Arimatéia e ao primeiro apóstolo cristão na Grã-Bretanha. No ciclo de Robert de Boron, o Graal é identificado com o cá-lice da Santa Ceia e com o vaso que recolheu o sangue de Cristo crucificado. Entre a estória da origem do Graal e a de Artur, este autor – que se utiliza de Geoffrey of Mounmouth – coloca a estória de Merlin como intermediária, nos dei-xando as seguintes obras: Le roman del’estoire

dou Graal, Le livre de Merlin e Didot-Perceval.

Foi também nos fins do século XII, que as ver-sões de Chrétiens de Troyes e Robert de Boron foram mescladas num curioso romance em prosa, de autoria desconhecida, composto na Inglaterra: Le Perlesvaus. A seguir, provavelmente antes de 1210, o escritor alemão Wolfran von Eschenbach escreveu uma das mais importantes obras do Ci-clo Arturiano – Parsifal. Para tal utilizou, segundo seu próprio testemunho, duas fontes: as obras de Chrétien de Troyes e uma fonte perdida, a qual ele afirma ser o escritor provençal Kyot, sobre cuja existência há sérias controvérsias.

Posteriormente, por volta de 1220, ocorreu na região de Meaux (França) o processo de prosifi-cação da lenda arturiana, cujo objetivo, de acordo com Heitor Megale, parece ser o de dar forma de-finitiva à lenda. Tal processo resultou em duas versões; a Vulgata e a Post-Vulgata. A Vulgata da Matéria da Bretanha ou Le Lancelot-Graal consti-tuiu-se num ciclo de grandes proporções formado pelos livros: L’estoire del SaintrGraal, L’estoire

de Merlin, Le livre de Lancelot del Iac (em três

partes), La queste del Saint Graal e La mort

le roi Artus. A Post-Vulgata da Matéria da

Bretanha, também chamada de Ciclo do Pseudo Robert de Boron, parece não ter tido, em seu país de origem, o mesmo sucesso da Vulgata, tendo em vista os escassos manuscritos franceses que foram encontrados. Compõe-se a Post-Vulgata das seguintes obras: Estoire de Joseph dÁrima- thie, Merlin com sua Suite e Queste del Saint Graal terminada com uma breve Mort d’Arthur.6

6MEGALE, Heitor. Op. cit., p. 4-6.

Esta panorâmica sobre os principais textos arturianos tem como finalidade dar uma breve noção do desenvolvimento literário do Ciclo. Po- rém, nos parece importante mencionar aqui o conjunto de estórias galesas denominadas Ma-

binogion. Parece-nos inegável que tais estórias

comprovam a existência de uma tradição arturia-na repleta de elementos mitológicos, independen-te e menos refinada, apesar de Jean Marx afirmar que algumas destas estórias não só se aproximari-am muito da narrativa de Chrétien de Troyes co-mo teriam sido mesco-mo influenciadas por ela.7 O importante é notar que estas narrativas galesas apresentam dados extremamente arcaicos, que nos remetem à sobrevivência de um conjunto de mitos, tradições e representações de indiscutível origem celta. Nesse sentido, as estórias contidas no Mabinogion nos transmitem, de forma imagís-tica e simbólica, algumas noções fundamentais – crenças, tradições, instituições – comuns à Irlan- da e ao País de Gales. Infelizmente não nos é possível aprofundar aqui os estudos a respeito deste conjunto de textos porque vão além dos li-mites propostos para este trabalho. Entretanto, devido a sua importância e ao profundo interesse em nós despertado, os textos do Mabinogion já foram objeto de um trabalho por nós publicado anteriormente.8

Lembramos, contudo, que por volta deste pe- ríodo, as Cruzadas foram a ponte de contato en- tre o mundo cristão ocidental e o mundo bi- zantino, colocando em circulação os evangelhos apócrifos, os quais tiveram importante influência na literatura medieval do ocidente. Vale também mencionar que foi Thierry d’Alasace (pai do Conde Phillippe) que introduziu em solo europeu o culto ao “Sangue Precioso”, difundido em toda Grã-Bretanha. Não podemos nos esquecer que foi exatamente na Grã-Bretanha que a abadia de Glastonbury, reformada então por monges irlan-deses, procurou afirmar sua independência au-mentando suas riquezas e seus poderes, em meio a uma terra cheia de tradições e lendas.9 Nesse

7MARX, Jean. op.cit., p. 3.

8AMIM, Mônica. Mabinogion: breve olhar sobre a literatura celta. In:

Re-vista Augustus. v. 04, n. 09. .Rio de Janeiro: Centro Universitário Augus-to Motta, dez.-99, p. 77-81.

9A este respeito, Richard Barber afirma que o descobrimento da tumba de

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sentido, os Plantagenetas mostraram-se bastante interessados em compreender e apoiar esforços para enaltecer as antiguidades cristãs de seu país, bem como as proezas dos cavaleiros do Reino de Logres (Inglaterra), de forma a fazer frente às glórias e ao prestígio ostentado pelos franceses em virtude não só do Ciclo Carolíngio, bem como da majestade e da veneração conferida às obras sacras e aos santuários franceses. Nesse contexto, todas as razões facilitaram a interpretação cristã – podemos mesmo dizer eclesiástica – dos antigos contos arturianos.10

3 – BREVE HISTÓRICO

DOS ESTUDOS ARTURIANOS

Como as obras do Ciclo Arturiano, tão difun-didas, foram capazes de provocar tão grande inte-resse, faz-se necessário mencionar alguns traba- lhos pertencentes à volumosa produção de estu- dos a respeito desse ciclo. Essa literatura Arturia-na – partindo de contos galeses e da Cornualha mesclada às tradições irlandesas – conquistou to-da Europa e modelou quase toto-da literatura dos romances de cavalaria a partir do final do século XII. Entretanto, segundo Jean Marx, podemos ve-rificar que durante os séculos XVII e XVIII caiu no esquecimento, com exceção do texto do

Parsi-fal de Eschenbach que inspirou a obra de Richard

Wagner.11 Assim Paulin Paris, através de uma sé-rie de traduções, análises e trabalhos sobre os ro-mances arturianos, tentou trazer novamente à tona o interesse pelas estórias do Ciclo, notada-mente nos seus trabalhos publicados entre 1868 e 1877. Por volta do mesmo período (1866-1871), o belga Potvin publicou uma edição em seis volumes com os textos de Chrétien de Troyes e seus “continuadores” com o título de Perceval le

gallois ou le conte du Graal.

Posteriormente, o inglês Alfred Nutt – folclo-rista e especialista em estudos celtas – publicou entre 1888 e 1902 trabalhos sobre as lendas artu-rianas nos quais, pela primeira vez, foi feita a re-lação entre o Graal e o caldeirão da abundância dos deuses e heróis celtas. Nutt mostrou ainda

fi-guras da tradição irlandesa e galesa, análogas ao Rei Pescador e a dos heróis do Graal. Estudan- do os romances do Graal sob um ponto de vis- ta completamente diferente, o austríaco Richard Heinzel foi buscar tradições litúrgicas e doutri- nas teológicas que poderiam ter inspirado as len- das. Destacou então em seu trabalho Uber die

französische Gralromane (1891) a influência dos

evangelhos apócrifos e da literatura a eles rela-cionada e indicou, pela primeira vez, a importân-cia que as cruzadas devem ter tido para a for- mação do ciclo.

BARBER, Richard. King Arthur in legend and history. London: Cardi-nal, 1973.

10Idem, p. 6-7. 11Idem.

Todavia, foi com o francês Gaston Paris, atra-vés de artigos em diversas publicações e posteri-ormente reunidos no volume Mélanges de Gaston Paris (1910), quem chamou a atenção para algu-mas características que diferenciavam os textos da Matéria da Bretanha das canções de gesta. A forma de conceber o maravilhoso, o sentido trági-co/mágico das relações amorosas e a noção de honra concomitantemente primitiva e cavaleires-ca fizeram com que Gaston Paris aproximasse as obras do Ciclo Arturiano de textos irlandeses e galeses, que ainda eram pouco conhecidos e mal datados naquela época. Relacionar os textos artu-rianos aos das literaturas irlandesa e galesa era, segundo Gaston Paris, o caminho para se encon-trar a chave do enigma arturiano.

Entre 1897 e 1915, a inglesa Jessie Weston publicou trabalhos importantes e de grande re- percussão sobre as estórias arturianas, dentre eles The legend of Sir Gavain, The legend of Sir

Parceval: its origins, development and position in the Arthurian Cycle e From ritual to romance.

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obje-tos, garantida pela realização do ritual, traria de volta a fertilidade ao país devastado ou sob en-cantamento. O terceiro, e a nosso ver o mais gra-ve equívoco cometido pela autora foi ter pro- curado a explicação para essas provas na influên-cia de cultos esotéricos e secretos trazidos do Oriente, e nos rituais descritos por James Frazer em O Ramo de Ouro relacionados a Attis, Osiris e Adonis. Parece-nos bastante evidente que teria sido mais simples e correto procurar a explicação para tais provas nas tradições celtas.

Outro importante estudioso que deve ser men-cionado é William A. Nitze. Dentre os seus vários trabalhos publicados sobre o Ciclo Arturiano en-tre 1909 e 1949, destacamos Perceval and the

Holy Graal: an essay on the romance of Chrétien de Troys. Apesar de algumas de suas idéias te-

rem sido fortemente criticadas, a importância de suas contribuições é inegável, principalmente no tocante ao problema das fontes de Chrétien de Troyes. Nesse sentido, o autor examina a influên- cia do ritual bizantino na Procissão do Graal e na concepção da Santa Lança, tentando esclarecer como o poeta, partindo de imagens celtas, chega a novas concepções sob influências cristãs.

Também de inegável importância são os traba-lhos de Albert Pauphilet, publicados entre 1921 e 1940, consagrados à edição e ao estudo do tex- to de A demanda do santo Graal, nos quais de- monstrou a influência cisterciense sobre o referi-do texto.

Gostaríamos ainda de fazer referência a dois trabalhos que, pela novidade das sugestões e pela nova orientação que deram aos estudos arturia-nos, marcaram a época em que foram publica- dos. O primeiro foi o do comparativista George Lyman Kittredge, da Universidade de Havard, in-titulado A study of Sir Gawain and the Green

Knight (1916), onde o autor mostra a

permanên-cia neste texto (e em outros textos arturianos) de temas e aventuras clássicas das narrativas celtas – galesas e irlandesas -, tais como a expedição ao Outro Mundo e o apelo ou fascínio da Fada sobre o herói terrestre e as relações amorosas entre eles. O segundo, composto por três artigos publicados por Marcel Mauss e Henri Hubert em 1926 na

Revue Celtique, chama a atenção para a

impor-tância das noções do Potlatch – sistema de dons e prestações recíprocas – nas sociedades celtas em geral e nas narrativas arturianas em particular.

Finalmente não poderíamos deixar de citar os trabalhos de Arthur Brown e Roger Sheman Loomis os quais, apesar de terem chegado a con-clusões equivocadas, levantaram questões impor-tantes no tocante às origens celtas. No caso de Arthur Brown nos parecem bastante interessantes algumas idéias por eles apresentadas em seus tra-balhos entre 1921 e 1943, entre eles The Grail

and the english Perceval, The bleeding lance e The origin of the Grail legend. Nestes trabalhos o

autor relaciona as relíquias que acompanham o Graal com os tesouros trazidos pelos Tuatha De

Danann – povo de deuses que, segundo a história

mitológica da Irlanda, teriam vindo do norte para ocupar o território irlandês e trazido consigo o Druidismo – aproximando a lança que sangra da lança de sangue e fogo Luin de Celtchar, presente na mitologia celta e nas narrativas épicas irlande-sas. Seguindo esta linha de raciocínio, o autor vê no caldeirão do deus Dagdá o protótipo do Graal, e nas viagens ao Outro Mundo e ao mundo das fadas o mesmo tipo de Busca que leva os heróis do Graal ao castelo do Rei pescador. Entretanto, nos parece infundada sua conclusão final, quando Brown afirma que os romances arturianos se pas-sam no país das fadas após a morte terrestre de Artur e toda a sua corte. Baseado nesta afirmação completamente errada, ele vê nas lutas de Artur e seus companheiros contra os malfeitores as bata-lhas dos Tuatha De Danann (para ele espíritos i-luminados, deuses solares) contra os Fomoré (espíritos obscuros e malfeitores do mundo dos mortos). Na verdade não existe esta diferença maniqueísta entre os espíritos do Outro Mundo, e é justamente da corte terrestre de Artur que os he-róis e cavaleiros da Távola Redonda partem para as aventuras que os levam ao Graal e ao Outro Mundo.

A obra de Roger Sherman Loomis é de grande importância para os estudos arturianos, pois, além de farto e volumoso material, apresenta um pro-fundo conhecimento de toda a literatura relacio-nada ao assunto. Dentre os trabalhos publicados no período de 1927 e 1949 destacam-se Celtic

myth and arthurian romance, Arthurian legend in medieval art e Arthurian tradition and Chrétien de Troyes. Em suas obras, Loomis levanta

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entre alguns fatos e heróis das estórias arturianas e determinados acontecimentos e personagens da mitologia celta, tais como o herói Cuchulainn e o Rei Curoi. Todavia, o problema fundamental do caminho traçado por Loomis reside no fato de ele ter utilizado a teoria dos deuses e heróis solares, a qual além de já ser bastante questionada à época da publicação, não constitui um elemento essen-cial dentro da mitologia celta como já foi de-monstrado por alguns estudiosos, especialmente Jean Markale.

4 – CONCLUSÃO

Ao longo de nosso breve histórico é evidente que tendemos a concordar ou discordar, em maior ou menor grau, dos estudos já realizados. Entre-tanto, torna-se necessário esclarecer que partimos de dois pressupostos básicos para a construção de nossas observações: a indiscutível origem celta do argumento para as estórias do Ciclo Arturiano e a estreita relação do Graal e suas relíquias com os tesouros dos Tuatha De Danann.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

MEGALE, Heitor. A demanda do Santo Graal. São Paulo: Edusp, 1988.

RHYS, John. Studies in the arthurian legend. Oxford, 1891.

MARX, Jean. La légende arthurienne et le Graal. Paris: PUF, 1952.

WESTON, Jessie. The Cambridge medieval history, vol. VI. Cambridge: Cambridge University Press, 1929.

AMIM, Mônica. Mabinogion: breve olhar sobre a lite- ratura celta. In: Revista Augustus, vol. 04, n. 09. Rio de Ja-neiro: Centro Universitário Augusto Motta, dez.-99, p. 77-81.

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