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VIDA E MORTE NA PSICANÁLISE. Palavras-chave: Pulsão de vida, morte, mal estar, cultura

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Academic year: 2021

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VIDA E MORTE NA PSICANÁLISE.

Sônia Vicente Palavras-chave: Pulsão de vida, morte, mal estar, cultura

Para falar para vocês esta noite, depois de ter escutado essa leitura dramática magnífica sobre “Segurança Pública – A Liqüidação do Ópio” de Antonin Artaud, fiz a leitura do texto em que se baseia a peça e a releitura do artigo de Freud de 1930, o “Mal-Estar da Cultura”. Verifiquei com a surpresa típica que toda repetição comporta, o encontro dos autores em alguns pontos fundamentais, a respeito dos paradoxos entre a existência individual e a coletiva.

Para acompanhá-los neste encontro devemos marcar o ponto de vista de Freud, segundo o qual a cultura humana é definida como tudo o que se distingue da vida animal. Para ele o termo cultura comporta dois aspectos: um que significa o poder que os homens adquiriram para controlar a natureza e conseguir os objetos que satisfaçam suas necessidades e outro que significa as regras para regular os laços entre os homens e a conseqüente repartição dos ditos objetos.

Julguem vocês se não é o mesmo que diz Artaud nesta representação dramática, que há pouco assistimos. É preciso suprimir essa tendência ilusória do homem que o leva a buscar um meio para fugir às suas dores- a cultura.

No fundo, Freud e Artaud se indagam a mesma coisa. Se a natureza é anti-social, em sua essência, por que a sociedade busca reagir contra a tendência natural da humanidade? Será que o homem, desse modo, pode ser feliz? Será que a felicidade é alcançada por meio das regras de convívio social que se estabelece? Bem, o homem busca sempre a felicidade, mas nos perguntemos: como é possível a ele abrir mão do prazer individual, que Freud chama renúncia à pulsão e que Lacan atualiza com a expressão renúncia ao gozo narcisísta, em benefício ao bem estar coletivo, social. Como é possível superar o que perderá de sua natureza instintual, de sua animalidade, em função de sua entrada na linguagem, que caracteriza a humanidade?

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regido pela pulsão, o que quer dizer a reunião do instinto, ou seja, do que chamamos há pouco animalidade e da linguagem, que também há pouco chamamos condição da humanidade. Isso levou Freud a vaticinar que o homem será sempre um ser portador de uma insatisfação essencial, devido justamente à perda da sua instintualidade.

Vamos agora tratar desse encontro de Freud e Artaud de outra maneira. Ambos crêem que o homem está condenado a uma insatisfação essencial, que é devida à perda de um objeto. O objeto sempre falta. Esse é um princípio da teoria freudiana, e nisso ela se distingue da filosofia, porque esta postula que o homem tem uma essência positiva, que ela denomina o ser do homem, enquanto que a psicanálise postula que o ser do homem é sem essência e sem substância, é um ser em falta, o que observem vocês é uma intuição artaudiana.

Vou ainda explicar de outra forma o que é a perda de objeto, que chamamos de falta fundamental do homem e que há pouco atribuímos à perda instintual. Dizemos que a linguagem é um sistema incompleto, que ela não contém todas as palavras para exprimir a experiência humana, sobretudo, a experiência inefável, aquela que não se pode exprimir.

Por ser ao mesmo tempo fundado e limitado pela linguagem, o homem estará sempre fadado a repetir a busca deste objeto que viria a lhe proporcionar a tão almejada completude. Assim, vale a pena atualizar, com Lacan, o conceito de cultura, considerada como uma metáfora, ou seja, para ele cultura é um caldo de linguagem, quer dizer, a cultura depende da linguagem.

Neste sentido, vocês podem notar que a falta do objeto ou a incompletude da linguagem é o móvel do ser humano, isto é, o homem é impulsionado pela falta e faz uma tentativa vã, encontramos de novo Freud e Artaud, de suprir essa carência essencial, para a qual temos um outro nome: hiância, que é uma espécie de buraco comparável à fome, mas distinta dela pelo fato de que é impossível de preencher.

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homem sai à procura, é o que diz Artaud, de objetos metafóricos que substituam a falta essencial de objeto e é aí que a droga se oferece como objeto ideal, um objeto que sendo de algum modo, específico, uma substância química, faz função de um objeto metafórico, faz semblante, ou seja, faz de conta que é um objeto que poderia suprir a carência humana do desejo que falta. Isso leva tanto Freud como Artaud a dizer, que o homem não poderia viver sem o vício ou que o vício é próprio à natureza humana.

É assim que explicamos a busca pela felicidade, mas logicamente o homem lança mão de outros recursos que não a droga, lança mão de outros laços sociais, tais como a religião, a ciência, a arte, acreditando poder estar assim protegido das agrúrias da vida. Essa substituição, que na teoria chamamos de sublimação, é uma exigência da vida em sociedade, a qual vimos claramente Artaud criticar, que impõe ao homem civilizar essa incompletude de estrutura, ou seja, os efeitos da incompletude que são induzidos justamente por esta falta da qual estamos falando.

É aí que podemos introduzir a noção de agressividade, que tem aparência natural, mas que no fundo é um elemento da cultura, da exigência que faz a cultura da renúncia ao prazer individual. Então, o homem lança mão da lei na tentativa de aplacar o mal-estar, dado que, como diz Freud, “o programa que nos impõe o princípio do prazer, o de sermos felizes, é irrealizável”. Utilizamo-nos das leis para nos proteger das ameaças, mas nem mesmo o sacrifício da satisfação sexual de cada um é suficiente para estabelecer regras gerais e nos livrar do desconforto.

Deve-se notar que a agressividade humana é, do ponto de vista psicanalítico, uma disputa narcísica induzida pelo reconhecimento de que tanto eu quanto o outro podemos estar interessados pelo mesmo objeto de desejo que nos falta.

Tudo isso se passa numa dimensão inconsciente, não sabida pelo sujeito, dimensão que chamamos de real, na medida em que é a dimensão do impossível de dizer e toda vez que o homem se encontra em uma tal dimensão inexplicável, indizível, inefável, recorre ao mito, à forma romanceada, ficcional, de dizer o indizível.

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Jupiter seccionou e que a partir daí ficou vagando à procura de sua parte perdida. Como eu disse ,essa é a função do mito, a função de dizer o indizível.

De acordo com o mito, Eros, a pulsão de vida, tem a função de unir o que foi separado, função de unificação que se traduz por amor e Tânatos, seu oposto, tem a função de desunir, de separar, também chamado de pulsão de morte, que se apresenta numa função destrutiva e seu apaziguamento está associado ao amor, ao ideal, ao outro. Eros é o amor, Tânatos é o ódio. Eros é a vida, Tânatos é a morte.

Se transformamos esta mitologia em termos da realidade sexual do homem e da mulher, dado que são os dois gêneros de seres humanos, diríamos que Eros é o gozo que une, em nossa convenção, o gozo masculino e Tânatos o gozo que desune, inominável, o gozo da Mulher. Dessa forma, a presença do sexo está também ligada a morte, ou seja, o que a pulsão integra de saída é uma dialética entre a vida e a morte.

Queremos evidenciar, que a pulsão de morte é conceitualizada não como uma experiência extrema de angústia, não como uma experiência fenômenica, não como uma experiência existencialista e sim que para a psicanálise a experiência mais crucial, a experiência verdadeiramente traumática para o ser humano, não é a angústia de morte, mas a angústia de castração, ou seja, de que algo lhe falta.

A cultura oferece, cada vez mais, objetos substitutos, entretanto, paradoxalmente, a incidência massiva destes objetos oferecidos pelo discursos da ciência deixa os ideais à deriva, ou seja, favorece a queda dos ideais e das identificações que, na cultura, sempre regulam o campo do gozo pulsional, ocasionando os efeitos devastadores que vemos na contemporaneidade dos assassinatos de crianças nas escolas, da expansão do uso de tóxicos, do alastramento do HIV. Isso torna o acasalamento entre a vida e a ciência muito problemático, portanto, tal como se elabora na espécie humana, a evolução da cultura é uma luta entre a vida e a morte.

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