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JIHGFEDCBA
IN T E R A Ç A O S O C IA L , C O M U N IC A Ç A O E L IN G U A G E M E M C R IA N Ç A S C E G A S
M a u r o M a g a l h ã e s *
RESUMO
hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O s p r im e ir o s p a s s o s d o d e s e n v o lv im e n to s o c ia l c o m u n ic a tiv o e lin g ü ís tic o n a p r im e ir a in fa n c ia s ã o d e s c r i
-to s . A s e g u iI; s ã o e x a m in a d a s a s in te r fe r ê n c ia s q u e a c a r ê n c ia d e v is ã o p o d e te r n e s te s p r o c e s s o s , a s s im c o m o o s a s p e c to s id io s s in c r á tic o s q u e in tr o d u z e m n o c o m p o r ta m e n to in fa n til P o r fim , r e s s e lte m - s e a sp o s s ib ilid a d e s d e c o m p e n s a ç õ e s e c a m in h o s a lte r n a tiv o s q u e a s c r ia n ç a s c e g a s e s e u s p a is p o d e m tr ilh a r n a s u p e r a ç ã o d e s ta s
d ific u ld a d e s .
P a la v r a s c h a v e : D e s e n v o lv im e n to in fa n tlZ lin g u a g e m , c e g u e ir a .
S O C IA L IN T E R A C T IO N , C O M M U N lC A T IO N A N D L A N G U A G E IN B L lN D C H IL D R E N
A B S T R A C T
T h e fir s t s te p s o f s o c ia l d e v e lo p m e n t, c o m m u n ic a tio n a n d la n g u a g e a t th e fir s t c b ild h o o d a r e d e s c r ib e d
T h e in te r fe r e n c e s th a t th e v is io n la c k c a n h a v e o n th e s e d e v e lo p m e n ta I p r o c e s s e s a r e exsmined. a s w e ll a s th e
id io s y n c r e tic a s p e c ts th a t it in tr o d u c e in th e in fa n t! le b e h a v io r . F in a l/y , th e p o s s ib ilitie s o f c o m p e n s a tio n s a n d a lte r n a tiv e d e v e lo p m e n ta l p a th w a y s th a t lh e b lin d c h ild r e n a n d th e ir p a r e n ts m a y tr e c k to c a p e w ith tb e s e d iffic u ltie s
a r e d is c u s s e d
K e y w o r d s : I n fa n t d e v e lo p m e n t, la n g u a g e , b lin d n e s s .
*
yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS, Professor da graduação e da pós-graduação da ULBRA Doutorando em Psicologia Evolutiva e da Educação pela Universidade de Santiago de Com postei a (Espanha).105
I n t r o d u ç ã o
yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ouais as conseqüências que a cegueira produz
no surgimento e desenvolvimento da comunicação?
Sa-bendo-se que o desenvolvimento da interação social é
a base da capacidade de comunicação, quais recursos
poderiam ter, ou desenvolver, as crianças e seus pais
para superarem a carência de informação visual no bebê
e alcançar os requisitos fundamentais de um processo
comunicativo: intenção comunicativa e código
compar-tilhado? Como se dá a constituição e permanência dos
objetos no mundo físico e social da criança cega?
É
odesenvolvimento cognitivo um pré-requisito para o
pro-gresso na aquisição da linguagem?
Esta série de questões trazem um interesse
cien-tífico evidente, na medida em que o contexto da
ce-gueira infantil traz a possibilidade de estudar os citados
processos e variáveis de desenvolvimento numa
situa-ção crítica, e assim verificar e contrastar hipóteses
deri-vadas de teorias muitas vezes antagônicas. O estudo
do desenvolvimento psicológico das crianças cegas
poderá vir a esclarecer hipóteses sobre os
pré-requisi-tos cognitivos do desenvolvimento da linguagem,
so-bre a interdependência de processos de comunicação
e linguagem, além de verificar se as seqüências de
de-senvolvimento postuladas pelas teorias sobre crianças
normais (videntes) são fixas ou existem trajetórias
al-ternativas possíveis.
I n t e r a ç ã o s o c i a l e c o m u n i c a ç ã o e m c r i a n ç a s
n o r m a i s ( v i d e n t e s )
O desenvolvimento da linguagem tem sido visto
dentro de uma perspectiva interacionista como tendo
suas origens nas interações comunicativas que se
esta-belecem precocemente entre o bebê e sua figura de
apego (Bruner, 1983). As primeiras formas de
comuni-cação não verbal entre a criança e o adulto possuem
aspectos formais de ritmo, respeito de turnos,
manu-tenção do contato visual, entre outros, tal como
ocor-rem nas conversações reais. Sendo assim, são
chama-das
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p r o to c o n v e r s a ç õ e s . A criança vem ao mundo comum conjunto de comportamentos pré-formados que tem
por objetivo atrair e manter o interesse e a atenção do
adulto em relação às suas necessidades de
alimenta-ção, afeto e estimulação. No plano das relações
soci-ais, podem-se identificar as habilidades do
recém-nas-cido para atender a estímulos acústicos semelhantes a
voz humana, sincronizar seus movimentos corporais
com a fala do adulto, atender a configurações visuais
do mesmo tipo que o rosto humano, fixar o seu olhar
106
nos olhos do adulto e imitar os movimentos da boca
deste. O neonato é também capaz de transmitir sinais
de comunicação social através do contato visual, e
ex-pressões semelhantes ao sorriso e ao choro (Bowlby,
1983; Klaus
&-
Klaus. 1989).Estas condutas são a princípio de caráter
refle-xo; o adulto será quem Ihes atribuirá intencionalidade,
interpretando-as como se fossem dotadas de intenções.
A atitude interpretativa do adulto irá codificar os
com-portamentos do bebê produzindo os primeiros
referenciais de significação que orientarão a consistên-'
cia e regularidade dos seus comportamentos em
rela-ção ao bebê (Spitz. 1979). Deste modo serão
desen-volvidas as primeiras pautas comunicativas pré-verbais
entre a mãe e o bebê, as p r o to c o n v e r s a ç õ e s (Bruner.
1983), que nestas etapas iniciais são guiadas pelo adulto.
Ochaíta (1993) enfatiza que as condutas de
subjetivi-dade primária pré-forrnadas no bebê, somente se
con-verterão em intencionais se o adulto é capaz de
atri-buir-lhes intenções comunicativas, isto é, interpretá-Ias,
exagerá-Ias, e respondê-Ias de maneira adequada.
O desenvolvimento das interações sociais em
crianças normais segue algumas etapas previsíveis que
significam uma complexidade crescente na maneira da
criança perceber o seu parceiro adulto e,
simultanea-mente, a si mesma Nos primeiros 2 ou 3 meses de
vida, os comportamentos do bebê não possuem inten- .
ções comunicativas. Estas começam a aparecer por
volta do terceiro mês. O sorriso automático surge como
resposta à visão da face humana sorridente e vista de
frente. Pode-se dizer que esta é uma reação do bebê a
um estímulo que assinala que situações prazerosas de
contato social estão prestes a acontecer, e evidenciam
que sua capacidade de antecipação, isto é, sua vivência
do tempo, está desenvolvendo-se (Spitz. 1979). A
se-guir, produzem-se seqüências comportamentais
alternantes entre reações do bebê e do adulto, que
podem ser denominados c ic lo s d e in te r a ç ã o . A
comu-nicação com os pais irá adquirir formas mais
elabora-das na medida em que a criança aperfeiçoa sua
capa-cidade de antecipação do comportamento adulto. A
consistência e a regularidade dos comportamentos
maternos em relação à criança possibilitam que esta
aprenda a antecipar estes comportamentos em deter-'
minadas situações que assim se tornam familiares. A
antecipação é pré-requisito para a construção de
ci-clos de interação social, que se caracterizam pela
sincronicidade entre os comportamentos da mãe e da
criança (Pérez-Fereira. 1997).
Num primeiro momento, a capacidade de
ante-cipação está na dependência da iniciativa do adulto,
que é quem sustenta a interação e a conduz. São as
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p r o to c o n v e r s a ç õ e s ao nível de ir u e r s u b je tiv id e d e p á .. m á r ia (Trevarthen
&-
Hubley, I 978), onde o bebêain-da não exibe intenções comunicativas. Aos poucos a
criança assumirá a iniciativa do jogo, e isto significa
que atribui ao outro a qualidade de agente, isto é, algo
que possui capacidade de agir em resposta. A
capaci-dade de antecipação a princípio está limitada a
contex-tos caracterizados pela familiaridade e regularidade.
Num padrão de desenvolvimento ótimo, aos nove
meses a antecipação associa-se à coordenação da
aten-ção às pessoas e aos objetos, e a criança exibe
com-portamentos que supõem o compartilhar da
perspecti-va do outro. Estes últimos são os seguintes: atenção
conjunta, p r o to im p e r a tiv o s e p r o to d e c la r a tiv o s . Estas
são pautas comunicativas intencionais denominadas por
Trevarthen e Hubley (1978) de in te r s u b je tiv id e d e s e -c u n d á r ia . Neste momento, o bebê deixa de
interessar-se interessar-separadamente pelos objetos ou pelas pessoas e passa
a comunicar-se com estas a respeito dos objetos, em
um processo denominado tr ia n g u la ç ã o . A atenção
con-junta pode observar-se no que Campos e Stenberg
( I 981) denominaram de episódios de referência
soci-al: a criança observa a reação social do adulto diante
de novas situações, objetos ou pessoas, a fim de
codi-ficar o fato como algo perigoso, bom, interessante, etc.
O p r o to im p e r a tiv o refere-se a gestos nos quais a crian-ça pede que o adulto facrian-ça algo que não tinha intenção
prévia de fazer. A criança agora gesticula para a mãe,
pedindo o copo de água. Antes, apenas estendia os
braços e chorava, sem considerar a presença da mãe.
O p r o to d e c la r a tiv o refere-se aos comportamentos que
expressam o desejo que a criança tem de que o adulto
preste atenção a objetos ou fenômenos que a ela
pare-cem interessantes, a fim de compartilharem um
inte-resse comum. Um exemplo ilustrativo é o
comporta-mento de acender e apagar a luz, vocalizando
'Ahh!"
e mostrando o fenômeno que lhe parece interessante
para o adulto
(Pérez-Pereira,
1997).Nos comportamentos acima citados, o parceiro
é mais do que um agente, pois a criança mostra ser
capaz de ler a intenção do outro. Ela não faz
mera-mente algo para o outro, mas o contato visual aparece
na busca de ler a intenção do outro que é agora
consi-derado como um sujeito com intenções e desejos
pró-prios
(Górnez
et al., 1995). Os preto-imperativos e osprotodeclarativos constituem a primeira forma de
co-municação intencional na criança, pois ela é capaz de
transmitir uma intenção ou interesse em relação a um
objeto ou fenômeno a outra pessoa.
De acordo com Bruner (1983), os jogos com
objetos constituem a base para a elaboração das
se-qüências de turnos implicadas nas conversações. Estes
jogos permitem o intercâmbio de papéis entre os
par-ceiros, em ações do tipo "dar e tomar", "esconder e
mostrar", e, neste sentido, são precursores dos meca-'
nismos deíticos implicados nas conversações verbais
futuras, tais como as distinções "eu", "tu", "aqui", "ali".
O avanço da comunicação social está
imbrica-do com os avanços do desenvolvimento da
personali-dade, com a constituição de uma imagem de si, e
tam-bém com o estabelecimento das ligações afetivas
essenciais entre a criança e os seus cuidadores. A
li-gação afetiva definida se manifesta de modo
ostensi-vo através da angústia do oitavo mês, isto é, o medo
de estranhos e a busca constante da presença
mater-na. Pode-se dizer que a construção do si mesmo é
simultânea e solidária com a construção das relações
sociais com um o u tr o percebido de modo cada vez
mais complexo e de importância afetiva cada vez mais
específica e definida.
A possibilidade destes avanços descritos ocorre-.
rem da maneira esperada está na dependência da
sen-sibilidade materna para interpretar o comportamento
do seu filho e responder adequadamente. As respostas
da mãe e as situações por ela criadas devem ter
carac-terísticas de regularidade, estrutura previsível e de
ca-ráter repetitivo, permitindo a alternância de
comporta-mentos sincronizados entre ela e seu bebê. Estas
características constituem a essência do que Bruner
( 1983) denominou fo r m a to s .
É
inegável a importância da informação visual noestabelecimento destas situações de interação social tão
essenciais para o desenvolvimento da linguagem e da
comunicação. Neste sentido, devemos perguntar-nos
quais seriam as conseqüências da carência de
infor-mação visual para o desenvolvimento destes processos
na criança cega. As crianças cegas têm sido vistas como
apresentando déficit no desenvolvimento social eco-'
municativo devido à carência da informação visual (eg..
Dunlea, 1989, Preisler, 199 L Urwin, 1984). Este
dé-ficit pode ser agravado se os pais não são capazes de
interpretar apropriadamente os comportamentos e os
sinais emitidos pela criança cega, dificultando o
esta-belecimento de vias alternativas no desenvolvimento
de relações sociais.
Interação
social e comunicação:
os efeitos da
carência de visão
A expressão emocional do sorriso aparece
niti-damente a partir do terceiro mês em crianças videntes.
107
Este processo está relacionado com a maturação
neurofisiológica da visão (Spreen, Risser
&-
Edgell,1995). Spitz (1979) considerou o sorriso automático
do terceiro mês como um precursor do objeto, pois
esta é uma reação limitada à face humana sorridente e
vista de frente (a criança não sorri quando o rosto está
de perfil); e também indiferenciada, no sentido que o
bebê sorri a toda e qualquer face. Por outro lado, o
aparecimento da resposta de sorriso é um fator
rele-vante para a estimulação dos comportamentos sociais
dos pais, que sentem-se mais motivados para a interação
com o bebê. Neste período, começam a aparecer os
primeiros ciclos de intercâmbio de comportamentos
alternantes entre a mãe e o bebê. Nestes ciclos,
torna-se fundamental a percepção visual por parte da
crian-ça das expressões e reações da mãe.
O estabelecimento de um ciclo interativo pode
ser comparado a uma "dança" (Bee, 1986). na qual
há o entrosamento dos comportamentos de ligação
afetiva. Para o adulto, o ingrediente crítico na
forma-ção de uma ligaforma-ção afetiva genuína com o seu bebê é
a oportunidade de desenvolver uma mutualidade de
comportamentos de ligação afetiva, isto é, praticar uma
"dança" até que ao seguirem um ao outro ambos
ob-tenham calma e prazer. Isto leva tempo e muitos
en-saios. No início, os pais iniciantes não sabem
inter-pretar as pistas fornecidas pelo bebê e a interação
não terá as características ótimas de sintonia e
sincronicidade. Mas à medida que cuidam do bebê,
brincam e falam com ele, o processo se aperfeiçoa.
Quanto mais fácil e previsível se tornar o encaixe dos
comportamentos, maior satisfação os pais parecem
sentir e mais forte se torna a ligação afetiva com o
filho (Bee, 1986).
De acordo com Bowlby (1983), tanto os bebês
como os adultos possuem condutas pré-figuradas,
ca-racterísticas da espécie humana, que os predispõem
para a interação mútua e resultam na formação do
vín-culo de apego sob as condições adequadas. O bebê
nasce com uma série de condutas reflexas que buscam
o contato corporal. como por exemplo a sucção e a
preensão; apresenta comportamentos perceptivos
diri-gidos para estímulos sociais, além de manifestar sinais
de comunicação, tais como a fixação do olhar e a
pre-ferência por sons semelhantes à voz humana. Estas
condutas são a princípio não intencionais, mas irão
adquirir intencionalidade na medida em que
recebe-rem atenção e resposta adequada por parte dos
adul-tos que a rodeiam.
No caso da criança cega, evidentemente, esta
situação está dificultada, pois carece de um sistema
sensorial tão importante como a visão para perceber as
reações maternas e associar e produzir
comportamen-tos contingentes às mesmas. As vocalizações e
respos-tas de sorriso da criança cega não são contingentes aos
comportamentos da mãe (Ais, Tronick
&-
Brazelton.1980; Rowland, 1984; Messer. 1994) Por outro lado,
é freqüente que a criança cega mantenha-se em
silên-cio diante da estimulação da mãe, o que pode ser
erro-neamente interpretado como inexpressividade.
deixan-do a mãe desconcertada e desmotivada para a interação
(Ais et al., 1980).
Fraiberg (1977) estudou um grupo de bebês
cegos que sorriam menos e, obviamente, não
mostra-vam o fitar mútuo. Depois de algum tempo, a maioria
dos pais destes bebês cegos começaram a achar que
eles os rejeitavam; ou concluíam que os bebês estavam.
deprimidos. Estes pais sentiam-se menos ligados a seus
filhos cegos do que aos outros filhos. Nestas famílias, a
autora observou que as mães cada vez mais evitavam
os seus bebês.
Ochaíta (1993) considera muito importante
as-sinalar que os problemas acima citados não derivam
diretamente da cegueira, visto que os bebês possuem
um repertório mais amplo de condutas pré-figuradas e
de vias alternativas para relacionar-se com os adultos.
E são estes adultos, próximos à criança, que podem
alterar seus comportamentos com relação ao bebê por
causa da cegueira deste. Porém, o trauma afetivo
re-sultante do nascimento de uma criança cega, as
difi-culdades em aceitar o fato, e as expectativas paternas
catastróficas em relação ao futuro do bebê, formam
um contexto sombrio a ser superado. O comportamento
do bebê não apresentará as características clássicas de'
um bebê normal. e os pais tendem a afastar-se,
princi-palmente se levarmos em conta que o olhar e a
expressividade facial são as condutas pré-figuradas mais
importantes no momento de eliciar os
comportamen-tos de tipo maternal. Sendo assim, o que pode ser
alte-rado são os sistemas de condutas do adulto, pois estes
devem ser instruídos em programas de educação
espe-ciais a aprender a identificar as condutas pré-figuradas
alternativas que o bebê possui, a fim de que possam
dirigir estas primeiras interações e empreender o
tra-balho de codificação e atribuição de intencional idade
aos comportamentos do bebê. Este tema será
aborda-do mais adiante.
A dificuldade do bebê cego em perceber a
re-gularidade dos comportamentos maternos e a
conse-qüente incapacidade de antecipar o que vai ocorrer na.
interação resulta na ausência de instâncias de jogo
so-cial convencional entre mãe e bebê cego, tal como
observado por muitos investigadores (Ais et al.. 1980;
Rowland, 1984; Urwin. 1984).
Devido aos mesmos motivos citados, acima não
se observaram instâncias de protoimperativos
(condu-tas de petição) nem protodeclarativos (condutas de
atenção) na criança cega. Não ocorrem gestos
comu-nicativos típicos, nem miradas dirigidas ao outro ou ao
objeto ou acontecimento em questão. Preisler (1991)
interpretou a ausência destes comportamentos como
carência de intersubjetividade secundária, isto é, a
in-capacidade de compartilhar suas intenções ou
conhe-cimentos com outros.
A semelhança destes limitações das crianças
ce-gas com o comportamento de autistas levou alguns
autores a argumentarem que elas possuem
dificulda-des no dificulda-desenvolvimento do seu ego (Burlingham, 1964;
Wills, 1979), e uma deficiência na consciência de si,
que por sua vez levaria a atrasos na utilização de
pro-nomes pessoais e no estabelecimento do jogo
simbóli-co (Fraiberg, 1977; Dunlea. 1989). Estes são traços
cornportamenrais que têm sido observados nas
crian-ças autistas (Frith, 1989; Hobson, 1993).
Hobson (1993) considera que, embora em
al-guns casos existem fatores de comorbidade explicativos
das semelhanças entre autistas e cegos, os sintomas
tí-picos de autismo podem produzir-se em crianças
ce-gas que são normais em outros aspectos. As crianças
cegas apresentam ecolalia, problemas na capacidade
de estabelecer o jogo simbólico, na capacidade de
com-partilhar, e no uso de pronomes pessoais; porém,
so-mente alguns poucos poderiam ser diagnosticados como
autistas. Este autor assinala que, na maioria das
crian-ças cegas, a maior parte dos problemas parecem
resol-ver-se em torno dos sete anos.
Hobson (1993) considera que a hipótese mais
adequada para explicar estes fatos é uma falha no
de-senvolvimento social da criança, mais especificamente
no processo denominado
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tr ie n g u ls ç é o . que a cegueiraproduz. Triangular no relacionamento eu-tu significa
compreender a perspectiva do outro em relação a um
objeto que está no campo de percepção de ambas as
partes. O triângulo de relação neste caso é formado
pela criança, pelo adulto, e pelos objetos e fenômenos
do meio externo aos quais os comportamentos de
am-bos fazem referência. A triangulação se produz
quan-do a criança" encontra-se em condições para captar a
diferença entre o que significa o objeto para ela e o
que significa para outra pessoa" (Hobson, 1993, p.24).
Porém, a carência de informação visual traz uma
limi-tação dramática para a percepção das atitudes
psicoló-gicas exteriorizadas de outras pessoas em relação a
fe-nômenos e objetos específicos. A criança deve
primei-ro reconhecer que determinados objetos podem ser o
alvo de atenção de outras pessoas, a seguir deve
iden-tificar as atitudes emocionais das mesmas em relação a
estes objetos, e finalmente contrastar os seus próprios
sentimentos e atitudes com os das pessoas. Esta é a
situação em que se produz uma triangulação entre duas
"atitudes psicológicas" e um único "objeto" ao qual se
referem.
É
evidente que a carência de informaçãovi-sual traz dificuldades sérias para o cumprimento deste
processo de triangulação. Neste sentido, Urwin (1984)
salientou que a visão joga um papel importante na
regulação que faz o bebê da atenção do adulto, pois
são os olhares e gestos de assinalar que permitem a
este saber o que a criança quer fazer, suas intenções
em relação aos objetos. Os p r o to d e c la r a tiv o s e p r o to im p e r a tiv o s são comportamentos de caráter
pre-dominantemente visuo-rnanual. Além disto, enquanto
que a criança vidente no final do primeiro ano irá
indi-car o interesse que possui sobre determinados objetos
do mundo exterior, a criança cega não terá ainda
construido representações permanentes destes objetos.
A permanência dos objetos em crianças cegas é
cons-tituída com um atraso entre 8 e 36 meses em relação
às crianças videntes. Somente após a aquisição da
no-ção de objeto permanente é que a criança cega
pode-rá interessar-se por objetos fora de seu entorno irnedi-:
ato e iniciar o diálogo sobre os mesmos através de
p r o to d e c la r a tiv o s ep r o to im p e r a tiv o s por vias alternati-vas à visão.
Os estudos realizados levam a crer que são as
chaves tácteis mais do que as auditivas que
condu-zem a criança cega a localizar e compreender a
per-manência dos objetos (Ochaita, 1993). Neste
senti-do, sob condições adequadas, o bebê cego e o adulto
podem estabelecer sistemas de comunicação
pre-ver-bal sobre os objetos com os quais o primeiro tenha
experiência táctil. mesmo que a iniciativa para a
co-municação tenha que partir do parceiro adulto nestas
primeiras etapas. Este caminho alternativo será
exa-minado no tópico a seguir.
A capacidade de compensação
e o
estabelecimento
de formas alternativas de
interação
e comunicação
nas crianças cegas
A porcentagem de crianças cegas que
apresen-tam características comportamentais semelhantes aos
autistas. assim como um atraso generalizado
envolven-do outras áreas do desenvolvimento, é de
aproxima-damente 20% da população de cegos de nascimento
109
(Fraiberg, 1977). Este padrão de desenvolvimento não
é hegemônico graças ao estabelecimento de formas
alternativas de relação social desde o estabelecimento
da
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in te r s u b je tiv id a d e p r im á r ia (ciclos de interação, fo r -m a to s ) e, a seguir, no desenvolvimento da in te r s u b je ti-v id a d e s e c u n d á r ia (jogo social e comunicação).Os caminhos alternativos para o
desenvolvimen-to se constróem primeiramente através da
compreen-são por parte da mãe que o comportamento de ficar
quieto do seu filho não significa apatia mas sim uma
forma de prestar mais atenção à estimulação que se
apresenta. A mãe deve estar ciente que são possíveis e
necessárias formas alternativas de interação social que
não requeiram o uso da visão. O emprego do tato e da
motricidade, junto com a vocalização são recursos
al-ternativos indicados (Ais et al.. 1980; Urwin. 1984).
Neste sentido, a mãe pode segurar a mãozinha de seu
bebê e realizar movimentos rítmicos e regulares
acom-panhados de vocalização, que aos poucos resultarão
em ciclos de interação ou jogos. Estas estratégias
de-vem ser estabelecidas muito cedo, antes dos cinco
meses; pois nessa etapa de in te r s u b je tiv id e d e p r im á r ia
a criança não tem intenções comunicativas e é o
adul-to que deve guiar a interação e atribuir intenções as
ações do bebê. Sendo assim, é importante que os pais
recebam informações e aprendam a compreender
si-nais comunicativos alternativos à visão. Urwin (1983)
encontrou um desenvolvimento satisfatório da interação
entre crianças cegas e suas mães, no qual observou
que estas buscavam encontrar no comportamento dos
bebês sinais ou expressões que pudessem significar
al-guma classe de resposta às suas próprias iniciativas.
Preisler (1991) também observou padrões
semelhan-tes a este em díades mãe-bebê cego. Em
conseqüên-cia, sabe-se que os intercâmbios visuais não são
im-prescindíveis para as primeiras formas de comunicação
criança-adulto. As mães de crianças cegas devem
po-der interpretar outros indícios que estas manifestam
frente a sua proximidade, tais como os movimentos de
braços e pernas ou da boca.
Posteriormente, ao redor dos sete meses, os pais
devem estimular a criança a explorar os objetos do
meio externo propondo situações de busca de
obje-tos, preferentemente sonoros, que lhe apresenta ao
alcance da mão, ajudando a sua busca com
incenti-vos verbais e brindando as conquistas neste sentido.
Ao redor dos 9 meses, as crianças cegas e seus pais
podem estabelecer relações de jogo social que
utili-zam principalmente a motricidade e as vocalizações,
tais como bater palmas, imitação vocal, fazer
cóce-gas, e movimentos conjuntos. No decorrer destas
interações é importante que os pais estejam sensíveis,
às alterações na expressão facial dos bebês, nos seus
estados de humor e mudanças de atenção, a fim de
que possam atribuir significados a estes sinais e
con-duzir mais adequadamente os ciclos de interação. Em'
contraste, estão ausentes do repertório
comportamental das crianças cegas os gestos
conven-cionais de oferecer, mostrar ou assinalar. Estes são
substituídos por gestos idiossincráticos, como jogar o
corpo para trás quando estão no colo da mãe ou
gol-pear os seus braços (Pérez-Pereira
&-
Castro, 1994).A ausência de gestos comunicativos
convencio-nais nas crianças cegas levou alguns pesquisadores
(Preisler, 1991) a pensar que estes sujeitos não
estabe-lecem in te r s u b je tiv id e d e s e c u n d á r ia antes de
pronun-ciarem as primeiras palavras. A linguagem seria um
compensador importante para esta carência.
Todavia, as crianças cegas não conseguem
atra-ir a atenção dos seus pais e iniciar um jogo sem o
esta-belecimento prévio do contato corporal. Somente
pró-ximo aos dois anos logram fazê-lo sem este pré-requisito .
(Pérez-Pereira, 1997).
Preisler (1991) considera que após um ano as
crianças cegas começam a utilizar vias alternativas à
visão para chamar a atenção dos seus pais sobre os
objetos sonoros. Apesar de manterem seus corpos e
faces imóveis, as observações coletadas em vídeo
mos-traram que estas crianças dirigiam sua atenção para o
som através de uma leve inclinação no sentido do
mes-mo. A autora considera que esta categoria de
movi-mentos poderia ser um meio para estabelecer
comuni-cação com o adulto sobre os objetos, sempre que este
possa interpretar estes movimentos ou "assinalamentos
corporais" como interesse pelos objetos. Porém,
resul-ta muito difícil para os adultos darem-se conta destes
movimentos sutis e mesmo interpretá-los como vias
al-ternativas de indicar objetos, pois a face e os membros
permanecem imóveis e inexpressivos.
Ochaíta (1993) considera, portanto, que
re-sulta mais fácil estabelecer o processo de triangulação
com objetos próximos com os quais a criança tenha
experiência táctil, mesmo reconhecendo que os
da-dos disponíveis indicam que a criança cega adquire
a permanência dos objetos tácteis com algum
atra-so, e consequentemente atrasa-se a comunicação
sobre os mesmos.
Por outro lado, principalmente explorando as
potencialidades do contato corporal e das vocalizações,
parece possível que as crianças cegas e seus pais
cons-truam uma rede de significados sem a participação da
visão. A conduta de referência social. tão importante
para a criança situar-se diante de situações ou pessoas
estranhas, deve ser suprida através do contato
corpo-ral dos pais, pois este compensará a ausência de
infor-mação visual do filho
(Pérez-Pereira,
1997). .Após o estabelecimento da comunicação
pré-verbal, as crianças cegas, assim como as videntes,
co-meçarão a produzir as primeiras palavras
reconhecí-veis. O acesso à linguagem abre um novo universo para
a criança cega, pois entrará em contato com uma
infi-nidade de informações e conhecimentos inacessíveis
sem este recurso. Além disto, a linguagem possibilita a
expansão dos seus contatos sociais, minimizando o
ris-co de isolamento social.
o
desenvolvimento da linguagem nas
cnanças cegas
O desenvolvimento do aspecto léxico da
lingua-gem tem sido abordado desde duas perspectivas
dis-tintas sobre como se dá a construção do significado
das palavras. A primeira, com base em teorias da
cognição, considera que as palavras projetam os
con-ceitos que as crianças formaram em seus intentos de
compreensão da realidade. Portanto, estabelecem uma
seqüência na qual os processos de formação de
con-ceitos devem preceder a projeção dos mesmos na
lin-guagem. Considerando que a informação visual tem
papel central em nosso conhecimento da realidade, as
teorias de aquisição da linguagem que dão prioridade
ao desenvolvimento cognitivo atribuem também um
papel capital à informação visual no desenvolvimento
da linguagem. A segunda abordagem considera que o
significado das palavras pode ser deduzido a partir da
informação que oferece a posição da palavra na
ora-ção, como por exemplo, os adjetivos após os
substan-tivos
(Pérez-Pereira.
1991).Andersen, Dunlea e Kekelis (1984) dentro da
perspectiva cognitivista disseram que as crianças cegas
"contextualizam as palavras", isto é, associam
determi-nadas palavras determinados contextos e desta forma
aprisionam seu uso a determinadas situações, e não
permitem o processo de generalização intrínseco à
for-mação dos conceitos. Portanto, consideram que o
pro-cesso de formação de conceitos estaria limitado nas
crianças cegas. Por outro lado, Barret (1989) observou
que as crianças videntes, em seu repertório de 10 a 15
primeiras palavras, usam estas em contextos muito
de-finidos, pois estão relacionadas a contextos definidos
de interação entre pais e filhos, e representam eventos
ou aspectos das situações freqüentem ente vivenciadas
na vida familiar. Porém, nas crianças cegas isto se
pro-longa pelo menos até quando atingem 50 palavras de
repertório léxico. Por outro lado, crianças videntes têm
acesso à maior diversidade de contextos a fim de
exer-cer generalizações, e talvez adquiram os conceitos um
pouco mais cedo do que as cegas. No caso destas, é
absolutamente lógico encontrar problemas nesta área,
pois a falta do canal visual diminui a possibilidade de
formar categorias mediante a generalização. Basta
ima-ginar as dificuldades que há de ter uma criança cega
para, com os dados auditivos e táteis. formar
categori-as do tipo "veículos" ou "animais".
O fato de ter que recolher a informação
medi-ante o tato resulta que a criança cega, nas primeiras
fases de aquisição da linguagem, nomeie
preferente-mente os objetos com os quais tenha experiência
dire-ta, como são os móveis e utensílios domésticos.
Ocor-rendo o contrário com os nomes de animais, os quais é
difícil discriminar sem o canal visual (Ochaíta, 1993).
O fenômeno da sobre-extensão, tão
característi-co e expressivo nas crianças videntes, não é
claramen-te evidenciado nas crianças cegas. Quando uma
crian-ça vidente chama uma vaca de "au, au". está
provavelmente generalizando o fato de ambos, a vaca
e o cão, terem quatro patas. Não obstante, Ochaíta
(1993) argumentou que a "sobre-extensão" de
crian-ças cegas teria de ser efetuada a partir de dados táteis,
gustativos ou sonoros, tornando difícil o reconhecimento
deste fenômeno por videntes.
Pérez-Pereira e Castro (1997) argumentaram
que quando falta para as crianças cegas a referência
sensorial sobre o significado de determinada palavra,
suprem esta carência através da observação da
posi-ção que a palavra ocupa na estrutura sintática das
frases pronunciadas pelas pessoas a sua volta. A falta
da referência sensorial estimularia as crianças cegas a
prestar muita atenção à linguagem. Portanto,
segun-do estes autores, a idéia de alguns autores (eg.. Clark.
1974) que consideraram que as crianças cegas
utili-zam palavras sem conhecer o respectivo significado
(verbalisrno) não é adequada.
Em relação às "palavras de ação", Bigelow
(1987) observou que, durante o período em que
emi-tem uma única palavra, as crianças cegas referem-se
somente às suas próprias ações, e nunca às ações de'
outras pessoas. E na etapa correspondente às frases de
duas palavras, Urwin (1983) e Dunlea (1989)
rara-mente encontraram referências à ações alheias. Sendo
assim, consideraram a fala das crianças cegas como
egocêntrica ou nâo-descentrada até o período em que
emitem um repertório de 100 palavras. Estes autores
apelam a uma explicação em termos das dificuldades
111
cognitivas decorrentes da ausência de visão como
sen-do a causa do atraso no desenvolvimento da
lingua-gem nas crianças cegas.
Os estudos de Landau e Gleitman (1985)
argu-mentaram a favor de uma visão inatista da aquisição da
linguagem, e portanto não encontraram evidências de
diferenças significativas entre cegos e videntes em
as-pectos sintáticos, relações semânticas, uso de verbos tais
como ver (see) e olhar (Jook) e no desenvolvimento
glo-bal médio indicado pelas L.M.E.. Porém, seus métodos
foram acusados de tendenciosos em termos dos dados
escolhidos e da maneira de analisá-los (Mills, 1987).
Por outro lado, Pérez-Pereira e Castro (1994) em
suas observações sobre as funções pragmáticas da
lin-guagem em uma criança cega e sua gêmea vidente,
constataram que a gêmea cega emitia mais palavras
relacionadas com suas próprias ações e desejos que a
vidente nas fases de longitudes médias de emissões
(LME) entre 2,13 e 3,26. Todavia, estes autores não
chegaram a conclusões tão radicais como Dunlea
(1989), que considerou que as crianças cegas não
uti-lizariam palavras para referirem-se a localização e
pro-priedades de objetos, muito menos para as ações de
outros. A criança cega emitiu alguns, embora poucos,
termos para referir-se a localizações e propriedades dos
objetos; e as suas pontuações na categoria "descrição
de acontecimentos externos" não diferiam de sua irmã.
Neste mesmo estudo, Pérez-Pereira e Castro
(1994) reconheceram que a linguagem da menina cega
está mais orientada a si mesma nas fases iniciais,
po-rém a partir dos 3,5 anos até os 5
J
anos, as irmãsfazem um uso semelhante da linguagem nas categorias
de emissões denominadas "ação pessoal" e
"determi-nação pessoal". A interpretação destes autores busca
compreender estes fenômenos do ponto de vista da
experiência vivida do sujeito, e argumentam que a
menina cega usa a linguagem para descrever suas
pró-prias ações e desejos na medida em que estes
constitu-em uma fonte experiencial importante para ela e
facil-mente constatável. Além disto, consideram que a maior
freqüência de verbalizações sobre suas ações
imedia-tas ou sobre o que está fazendo no momento, pode ser
um recurso que a menina cega utilize para regular
ver-balmente sua ação, pois carece da informação visual
sobre o curso de seu comportamento. Portanto, estes
autores trazem uma interpretação diferente de estudos
anteriores (Bigelow, 1987; Dunlea, 1989), relacionando
a fala orientada à ação em curso ou imediata com sua
função de regulação do comportamento.
Outra característica funcional encontrada na fala
da menina cega estudada por Pérez-Pereira e Castro
(1994) é a alta incidência de chamadas e vocativos.
Dunlea (1989) considerou que estes dispositivos são
utilizados pela criança cega para chamar e monitorar a
atenção do adulto. Por outro lado, Pérez-Pereira e
Castro (1994) enfatizaram a função mais.
freqüentem ente registrada de obter informação sobre
a presença e a localização das pessoas no ambiente.
Em relação ao desenvolvimento morfológico,
alguns estudos examinaram o aspecto da
sobre-regula-rização de morfemas em cegos (eg.. Andersen, Dunlea
&-
Kekelis. 1984). Este fenômeno faz parte dodesen-volvimento normal da linguagem em crianças videntes
e manifesta-se nitidamente na conjugação "regular" de
verbos irregulares, como, por exemplo, quando a
cri-ança conjuga o verbo "caber" na 3a pessoa do singular
dizendo "cabeu" ao invés de "coube". A criança
res-peita as regras de conjugação do respectivo grupo de
verbos, e portanto o seu erro tem lógica. A ausência
deste fenômeno em crianças cegas levou Andersen,
Dunlea e Kekelis (1984) a considerarem que elas não
analisam a linguagem. Por outro lado, Pérez-Pereira e
Castro (1994) não encontraram diferenças significati-'
vas sobre este aspecto entre as irmãs gêmeas de seus
estudo acima citado, e considerou, portanto, que a
menina cega apresentou capacidade de análise
morfológica da linguagem e utilizou regras.
A aquisição dos pronomes pessoais em
crian-ças cegas foi descrita como atrasada em relação às
videntes. Crianças videntes aos 2 anos não
produ-zem erros neste aspecto, e aos três anos dominam
completamente o sistema de pronomes. Porém, as
crianças cegas não usam de modo criativo antes da
metade do terceiro ano; sendo que a:ntes fazem um
uso sincrético dos pronomes através de formas para
expressar desejos ("Eu quero .... "), erros de inversão
tais como dizer "este é teu cavalinho" ao invés de "este
é meu cavalinho" (Fraiberg
&-
Adelson, 1973)Fraiberg e Adelson (1973) encontraram também um.
atraso expressivo das crianças cegas no uso estável
da primeira pessoa do pronome pessoal (eu) e outras
formas de autoreferência
hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
( m e , m im , m e u ) . Ascrian-ças cegas adquirem estas formas quase dois anos
de-pois da crianças videntes. Fraiberg e Adelson (1973)
interpretaram que isto se deve à uma dificuldade na
construção do eu, pois a imagem corporal ajudaria
neste processo. Por outro lado, pode-se argumentar
que devem ser analisadas as circunstâncias destes
er-ros de inversão, pois as crianças cegas podem
cometê-los em circunstâncias de imitação de adultos, quando
estes, aproveitando o exemplo anterior,
aproximam-se da criança e comentam "este é teu cavalinho". Além
disto, não são todas as crianças cegas que produzem
erros de inversão (Pérez-Pereira, 1998).
Em relação ao desenvolvimento sintático, a
com-plexidade morfosintática mensurada pela longitude
média das emissões se diferenciou entre as irmãs do
estudo de Pérez-Pereira e Castro (1994), porém na
direção oposta à esperada. A menina cega apresentou
longitudes médias de emissões um pouco maiores que
as de sua irmã vidente. Os autores interpretaram estas
diferenças como devidas
à
utilização mais freqüentede rotinas e repetições por parte da menina cega.
O uso freqüente de imitações, repetições e
roti-nas na expressão lingüistica de crianças cegas poderia
ser interpretado como indicativo de que a linguagem
dos cegos é como a de um papagaio que não analisa o
que diz. Pérez-Pereira (1991) considera que estas
for-mas podem ter uma função mais específica no
desen-volvimento da linguagem na criança cega, e que não
representam uma forma inferior de expressão
lingüísti-ca. Este autor considera que as rotinas são usadas por
crianças cegas com uma função de orientação na
rea-lidade; por serem frases pertinentes a contextos
deter-minados, servem para identificar e diferenciar
situa-ções, fomentam a interação social e desenvolvem a
linguagem. Analisando a linguagem de uma menina
cega, Pérez-Pereira ( 1991 ) constatou o elevado uso de
imitações e repetições com expansão e modificadas,
indicando que são utilizadas como instrumento de
aná-lise da linguagem. O autor também salientou o caráter
progressivo que tiveram as imitações, repetições e
roti-nas, na medida em que as emissões nas quais
apare-cem são mais complexas gramaticalmente do que o
conjunto de produções. Isto quer dizer que o modelo
imitado e repetido serve como um suporte que conduz
e facilita a progressão para formas de maior longitude
e complexidade gramatical do que se fossem apenas
repetições espontâneas e irrefletidas. Além disto, estas
produções cumprem um papel importante na
comuni-cação e mantêm a continuidade da conversação.
Considerações finais e perspectivas
de intervenção
Ao contrário do que pensavam alguns autores (eg.,
Andersen, Dunlea
&-
Kekelis, 1993), a linguagem nascri-anças cegas tem um desenvolvimento semelhante às
cri-anças videntes (Pérez-Fereira
&-
Castro, 1994). O únicotraço distintivo é a utilização mais freqüente de alguns
mecanismos de aprendizagem da linguagem, tais como
as imitações, as repetições e as rotinas, assinalando uma
diferença somente quantitativa (Pérez-Fereira, 1994).
Portanto, sabendo-se que as crianças cegas
aprendem a falar sem dificuldades especiais (salvo
ex-ceções), pode-se dizer que a existência de gestos
co-municativos convencionais não é um pré-requisito
necessário ao aparecimento da linguagem. Isto
suge-re a independência da linguagem com relação a
ou-tras formas de comunicação nâo-linguística. como são
os gestos.
É
possível que os mecanismos responsáveispelo desenvolvimento da linguagem sejam mais
espe-cíficos, e que o aparecimento das palavras,
contraria-mente às opiniões de alguns, não tenha sua origem
nos gestos comunicativos. Porém, não se está
afirman-do que a qualidade das interações sociais e o
estabe-lecimento de significados compartilhados com os
adul-tos não seja favorecedora deste processo. Foi descrito
como a criança cega e seus pais podem desenvolver
outros meios para relacionarem-se e comunicarem
suas intenções empregando o tato, o movimento e a
vocalização nâo-linguística.
Infelizmente, o padrão de desenvolvimento
des-crito nos últimos parágrafos não é generalizado a todas
as crianças cegas. Algumas apresentam sérios
transtor-nos em seu desenvolvimento social e comunicativo, com
características semelhantes aos autistas. cujas relações
sociais são pobres e reduzidas, e uma ausência de
com-portamentos comunicativos e de linguagem.
Em termos da intervenção sobre os problemas
oriundos da deficiência visual, assim como nas demais
desordens do desenvolvimento, é imprescindível que
ocorra o mais cedo possível. A abordagem dos pais é a
base do processo. Estes devem ser informados para
que possam compreender melhor o desenvolvimento
dos seus filhos e prover as condições adequadas para
prornovê-lo. Sabe-se que os pais reagem com uma
sé-rie de comportamentos típicos, tais como a negação da
deficiência do filho, revolta, culpa, sentimento de
fra-casso, e, muitas vezes, buscam soluções mágicas.
A administração da informação aos pais é um
recurso precioso e deve ser o eixo do processo de
in-tervenção. Estes devem ser informados das
caracterís-ticas e do padrão de desenvolvimento das crianças
ce-gas, com um conhecimento preciso do que pode ser
alcançado em todas as áreas. Deve-se fomentar a sen- .
sibilidade dos pais para interpretar adequadamente o
comportamento dos filhos e orientar sobre
comporta-mentos a serem adotados em situações cotidianas.
A intervenção no ambiente doméstico pode ser
um recurso importante. As posições dos móveis e
tam-bém a disponibilidade de indícios podem ser
ajusta-dos a fim de que facilitem para a criança a orientação
no espaço.
o
acesso à linguagem deve ser visto como avitó-ria mais importante no desenvolvimento das crianças
cegas. Pois, graças ao domínio deste recurso, serão
capazes de aceder a uma grande quantidade de
infor-mação sobre o ambiente físico e sócio-cultural. E além
disto, a linguagem pode ser um instrumento muito útil
para dirigir e regular seu comportamento.
Neste sentido, a função interacional é talvez o
aspecto mais importante a ser cuidado em programas
de intervenção. A linguagem irá desenvolver-se com
base na história de interações comunicativas entre a
criança e seus pais. A capacidade de comunicação do
bebê apoiar-se-à na sensibilidade dos pais para
inter-pretar as condutas da criança, outorgar significado às
suas reações e estabelecer ciclos de interação
hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
( p r o to c o n v e r s a ç õ e s ) com a mesma. A construção de
significados compartilhados e a capacidade de atenção
conjunta formam a sustentação para o aparecimento
da linguagem. Tendo como suporte o aspecto
interacional, Pérez-Pereira e Castro (1994) sugeriram
uma série de procedimentos de intervenção que são
descritos nos parágrafos a seguir.
Os aspectos articulatórios da linguagem podem
ser sensibilizados na criança através do contato da sua
pele com os lábios dos pais, tanto quando estes
estive-rem falando, quanto em silêncio, a fim de que a
crian-ça identifique o estado de ausência de movimentos e a
necessidade dos mesmos. Em combinação, deve-se
estimular a exploração manual dos lábios e boca do
adulto, enquanto este fala.
É
recomendado que os pais repitam os sons ouas primeiras palavras do filho na medida em que este
as emite. No caso de palavras, é indicado que usem
emissões que expandam ou expressem mais
comple-tamente as intenções da criança. O uso apropriado
da linguagem pode ser promovido através da
nomea-ção, comentário ou descrição dos objetos, sons e
ati-vidades, na medida em que a criança as experimenta.
Todas as descrições que estimulem o interesse da
cri-ança sobre os fenômenos de seu entorno são
impor-tantes. Estas descrições devem explorar o maior
nú-mero de aspectos dos acontecimentos e não somente
etiquetá-los. Devem ser oferecidas informações e
des-crições sobre aspectos físicos, formais e funcionais dos
objetos. Os acontecimentos sociais devem ser
igual-mente identificados, tais como vozes, ações, e a
pre-sença das pessoas.
O emprego de canções, rimas e contos pode ser
um recurso importante para manter um contato "a
dis-tância" com a criança. O incremento da interação
so-cial deve ser fomentado através da participação em
jo-gos com outras crianças. Quando a criança estiver mais
desenvolta, devem ser introduzidos jogos que
impli-quem a troca de papéis, pois ajudam a utilizar uma
linguagem próxima a uma conversação real. Os jogos
e troca de papéis desenvolvem as habilidades de
res-peito de turnos, emprego adequado de pronomes
pes-soais e pessoas verbais, e reduzem o emprego
excessi-vo de imitações exatas.
Finalizando, deve-se salientar que a elaboração
de um programa de intervenção deve partir de uma
compreensão da criança em foco, e que as sugestões
acima devem ser encaradas como indicações básicas e
genéricas.
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