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SETE LIÇÕES SER FELIZ

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Academic year: 2021

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SETE LIÇÕES

PARA

SER FELIZ

ou

O s Pa r a d o x o s

d a Fe l i c i d a d e

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Luc Ferry

SETE LIÇÕES

PARA

SER FELIZ

ou

O s Pa r a d o x o s

d a Fe l i c i d a d e

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PRÓLOGO

Materiais

para uma breve história da felicidade

O

Ocidente conhece hoje em dia uma verdadeira inflação da ideia de felicidade, uma proliferação sem precedentes de obras com pretensões filosóficas que se inspiram nas sabedorias antigas, no budismo, no taoismo ou no estoicismo, ocasionalmente ornamenta-das com empréstimos colhidos nas teorias de desen-volvimento pessoal oriundas dos Estados Unidos, se-guindo a grande moda do coaching e da psicologia dita «positiva». Sob formas mais ou menos sedutoras, elas prometem-nos alcançar o bem-estar, a serenidade e a felicidade desde que recorramos a certas técnicas espi-rituais, a exercícios práticos de sabedoria, tanto físicos

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L u c F e r r y

S E T E L I Ç Õ E S P A R A S E R F E L I Z

como mentais. De todos esses livros, alguns são muito bem feitos, habilmente concebidos por autores talento-sos com o objetivo de seduzir, ou mesmo de propiciar algum conforto aos que se encontram em angústia e em sofrimento. É pois compreensível que conheçam grande êxito. O que se deve pensar disso? Trata-se de um fenómeno novo e prometedor, ou antes de uma reativação nostálgica de doutrinas arcaicas destinadas a mitigar as carências reais ou supostas de um mundo moderno que voluntariamente declaramos materialis-ta e desencanmaterialis-tado?

Para responder a estas perguntas, proponho ini-ciarmos as nossas reflexões por uma breve história da felicidade, uma perspetiva histórico-filosófica que nos conduzirá, desde este primeiro capítulo, ao que creio ser o essencial, a saber, que a própria ideia de felicida-de serve felicida-de objeto a um felicida-debate contraditório, a uma «antinomia» que opõe radicalmente duas teses.

Para uns, a felicidade é o fito de toda a vida hu-mana, ou mesmo animal, e a sabedoria suprema consiste em apoderarmo-nos dela; não apenas todos nós procuramos a felicidade, «mesmo aqueles que se vão enforcar», como dizia Pascal, mas, além dis-so, esse «soberano bem» está acessível a todos, desde que sejamos capazes de pôr em prática os exercícios mentais apropriados. Para a antítese, pelo contrário,

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P R Ó L O G O

é evidente que todos nós procuramos desesperada-mente a felicidade, mas essa busca não é senão uma ilusão, um espelho enganador. A felicidade não só está inacessível aos seres humanos devido ao carácter finito das nossas existências de simples mortais, mas além disso, sendo os nossos desejos contraditórios e flutuantes, em todo o caso é impossível defini-la de uma maneira duradoura e satisfatória. Sabemos com clareza o que nos torna infelizes, e muito menos dis-tintamente o que nos tornaria felizes. Claro que nas nossas existências conhecemos momentos de júbilo, ou mesmo praias de serenidade, e, como iremos ver, é bom trabalhar isso, mas prometer uma felicidade duradoura por si só, graças a exercícios de sabedoria e a um trabalho centrado no respetivo ego, seria uma impostura intelectual.

Teremos de examinar seriamente, da maneira mais objetiva possível, os argumentos de uns e de outros, para alcançarmos a objetividade requerida. Começa-rei por pôr as cartas na mesa: sem acusar de impostu-ra os filósofos da felicidade, neste caso pendo claimpostu-ra- clara-mente mais para a antítese do que para a tese, e isso por uma razão de fundo que os próximos capítulos irão desenvolver até onde for preciso: tudo o que nos torna felizes, o amor, a admiração, a liberdade, o co-nhecimento, o alargamento do espírito, a ação e

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ain-L u c F e r r y

S E T E L I Ç Õ E S P A R A S E R F E L I Z

da outros elementos dos quais iremos falar, é também o que pode tornar-nos mais infelizes. Para oferecer desde já um exemplo evidente, nada é mais entusias-mante do que o amor, nada é mais desesperante do que o luto de um ser amado. É pois a própria condi-ção humana que me parece votar intrinsecamente a ideia de felicidade a uma extrema fragilidade. Mais uma razão para se pensar sobre isso, para o tentar-mos ver de forma clara e não nos deixartentar-mos iludir por ideologias cujas promessas fáceis são enganosas, ou mesmo perigosas, por, paradoxalmente, serem contraprodutivas. Como é mostrado por numerosos estudos de campo dos quais darei conta a seguir, se procurarmos demasiado a felicidade, arriscamos a deceção, ou mesmo a depressão, e a mirífica promes-sa da felicidade tem um alto risco de transformar em tirania aquilo que Pascal Bruckner designou muito bem como «a euforia perpétua»1.

Mas não antecipemos, e comecemos desde já por este breve lembrete histórico-filosófico que me parece tanto mais necessário por se tratar de uma narrativa apaixonante em si mesma, quando mais não fosse para sabermos um pouco mais precisamente do que fala-mos quando evocafala-mos a ideia de felicidade.

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P R Ó L O G O

Sobre o prazer,

o sofrimento e a felicidade

Na maioria das sabedorias antigas, tanto entre os epicuristas como entre os estoicos, por exemplo, mas igualmente em Aristóteles, no judaísmo, no budis-mo e no taoisbudis-mo, a ideia de felicidade ocupa um lu-gar central na reflexão sobre o sentido da existência. É somente com o nascimento do cristianismo, e mais ainda com a sua vertente católica, que as coisas se es-tragam, que a felicidade, pelo menos na Terra, senão no Céu, se torna secundária, para não dizer suspei-ta. Bem entendido, ela continua a ser o objetivo da existência humana, continua a ser o «soberano bem» e todos nós visamos a «vida feliz», para retomar o tí-tulo de um ensaio de Santo Agostinho, mas é antes de tudo no Além, ou pelo menos em relação com ele, que a felicidade poderá encontrar o seu lugar. No aqui e agora, nesta terra dos mortais, não é a felicidade que franqueia o acesso ao Reino, são antes os males ine-rentes à existência terrestre que nos dão a oportuni-dade de nos prepararmos para ela, de encontrarmos o nosso caminho para a salvação.

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L u c F e r r y

S E T E L I Ç Õ E S P A R A S E R F E L I Z

A teologia cristã do sofrimento:

só a religião pode tornar-nos felizes,

pela nova relação com o Além

que ela instaura

Foi neste espírito que a Igreja elaborou ao longo dos séculos uma teologia do sofrimento, uma verdadei-ra filosofia da infelicidade que sublinha as virtudes potencialmente redentoras da miséria, doutrina sin-gular que o Catecismo oficial do Vaticano ainda hoje mantém com a maior firmeza. Daí, por exemplo, os trechos que ele consagra aos benefícios potenciais da doença em matéria de acesso à salvação, daí também a sua recusa categórica em ver a eutanásia como for-ma de abreviar os sofrimentos do paciente em fim de vida. É preciso ler com atenção as páginas que aquele texto canónico dedica a tais temas, texto que, recordo, não é de maneira nenhuma um trabalho de vulgariza-ção, muito menos um manual destinado às crianças, mas acima de tudo o texto que faz autoridade em ma-téria de doutrina católica.

Aí se lê, por exemplo, isto, que já nos diz bastante sobre a teologia do sofrimento:

A doença pode levar à angústia, ao fechar-se em si mesmo e até, por vezes, ao desespero e à

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P R Ó L O G O

revolta contra Deus. Mas também pode tornar uma pessoa mais amadurecida, ajudá-la a dis-cernir, na sua vida, o que não é essencial para se voltar para o que o é. Muitas vezes, a doença leva à busca de Deus, a um regresso a Ele2.

Nestas condições, o que valem alguns dias, ou mes-mo alguns meses dolorosos, perante a possibilidade de entrar na alegria infinita de uma vida situada na Luz eterna? Seria loucura abreviar os sofrimentos do mori-bundo, uma vez que eles podem ser uma oportunida-de para este compreenoportunida-der o sentido da sua existência, partilhar a paixão de Cristo e assim unir-se a ela, como salienta ainda um outro passo do mesmo Catecismo:

Pela sua paixão e morte na cruz, Cristo deu novo sentido ao sofrimento: desde então este pode configurar-nos com Ele e unir-nos à sua paixão redentora. [...] Assim, São Paulo deve aprender do Senhor que «A minha graça te bas-ta: pois que na fraqueza é que a minha força atua plenamente» (2 Cor 12,9), e que os sofri-mentos a suportar podem ter como sentido que «eu complete na minha carne o que falta à Pai-xão de Cristo, em benefício do seu corpo, que é a Igreja» (Cl 1,24).

Referências

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