Abordagem alternativa à solução da equação de onda com fonte
Quando tratamos a invariância de calibre acima vimos que podemos escolher o calibre de Lorentz e resolver a mesma equação de onda com fonte para as três componentes do potencial vetorial e para o potencial escalar, assim como para a própria função de gauge, caso queiramos, partindo de um calibre diferente, mudar para o gauge de Lorentz. Veja que estou, propositalmente, usando as palavras calibre e gauge como sinônimos. Além da vantagem do calibre de Lorentz resultar em uma só equação para os potenciais e função de calibre, também é um calibre covariante por transformações de Lorentz daí o nome do gauge! Mas isso é assunto para outra ocasião. Nesta postagem vou resolver a equação de onda com fonte. Na verdade, ao invés de resolvê-la, vou apresentar a solução e mostrar que satisfaz a equação.
Vamos iniciar provando o seguinte resultado matemático:
∇2
ρ
r0, t−|r−r0|
c
|r−r0|
= 1
c2
∂2
∂t2
ρ
r0, t−|r−r0|
c
|r−r0|
+ρ
r0, t−|r−r0| c
∇2 1
|r−r0|
, (1)
ondecé a magnitude da velocidade da luz no vácuo. Para simplicar a notação, vamos escrever:
ρ ≡ ρ
r0, t−|r−r0| c
(2) e
R ≡ |r−r0|. (3) Então,
∇2ρ R
= ∇ ·h
∇ρ R
i
= ∇ ·
∇
ρ1 R
= ∇ · ∇ρ
R +ρ∇
1 R
= ∇ · ∇ρ
R
+∇ ·
ρ∇
1 R
, (4)
isto é,
∇2ρ R
= ∇2ρ
R + 2 (∇ρ)· ∇ 1
R
+ρ∇2 1
R
. (5)
Note o seguinte resultado:
∇ρ = ∇ρ
r0, t−|r−r0| c
= −1 c
∂ρ
∂t∇R
= −1 c
∂ρ
∂t r−r0
|r−r0| =−1 c
∂ρ
∂t
R.ˆ (6)
Para entendermos melhor como apareceu a derivada temporal parcial deρ na segunda igualdade acima, notemos este exemplo simplicado: seja f(x, y) uma função dada por
f(x, y) ≡ xexph cosy
d i
.
Assim, notemos que
∂
∂yf(x, y) = −x dseny
d
exph cosy
d i
.
Consideremos agora, a mesma função, mas calculada não emy,mas emy−g(z). Temos:
f(x, y−g(z)) = xexp
cos
y−g(z) d
.
Quanto dá a derivada parcial com relação a z desta função? Ora, o resultado ca:
∂
∂zf(x, y−g(z)) = g0(z)x dsen
y−g(z) d
exp
cos
y−g(z) d
. Mas, obviamente, olhando a derivada que tínhamos feito acima, podemos tam- bém escrever:
∂
∂zf(x, y−g(z)) = −g0(z) ∂
∂(y−g(z))f(x, y−g(z)). Mas, notemos que
∂
∂y = ∂(y−g(z))
∂y
∂
∂(y−g(z))
= ∂
∂(y−g(z)). Logo,
∂
∂zf(x, y−g(z)) = −g0(z) ∂
∂(y−z)f(x, y−g(z))
= −g0(z) ∂
∂yf(x, y−g(z)),
que é análogo ao que foi feito acima emρ/R.
Consequentemente,
∇2ρ = ∇ ·(∇ρ)
= ∇ ·
−1 c
∂ρ
∂t Rˆ
= −1 c
∂
∂t(∇ρ)
·Rˆ−1 c
∂ρ
∂t
∇ ·Rˆ
, (7)
ou seja, usando de novo a Eq. (6),
∇2ρ = −1 c
∂
∂t
−1 c
∂ρ
∂tRˆ
·Rˆ−1 c
∂ρ
∂t∇ ·
r−r0
|r−r0|
= 1
c2
∂2ρ
∂t2
Rˆ·Rˆ
−1 c
∂ρ
∂t
∇ ·(r−r0)
|r−r0| − 1
R2(r−r0)· ∇R
= 1
c2
∂2ρ
∂t2 −1 c
∂ρ
∂t 3
R −Rˆ·Rˆ R
!
= 1 c2
∂2ρ
∂t2 − 2 Rc
∂ρ
∂t. (8) Também, usando de novo a Eq. (6), temos:
2 (∇ρ)· ∇ 1
R
= 2
−1 c
∂ρ
∂t Rˆ
· −Rˆ R2
!
= 2
R2c
∂ρ
∂t. (9)
Então, substituindo as Eqs. (8) e (9) de volta na Eq. (5), encontramos o seguinte resultado:
∇2ρ R
= 1
Rc2
∂2ρ
∂t2 − 2 R2c
∂ρ
∂t + 2 R2c
∂ρ
∂t +ρ∇2 1
R
= 1
Rc2
∂2ρ
∂t2 +ρ∇2 1
R
= 1
c2
∂2
∂t2 ρ
R
+ρ∇2 1
R
, (10) que é exatamente a Eq. (1), comρeR como nas Eqs. (2) e (3).
Com o resultado que acabamos de demonstrar, podemos concluir que a in- tegral volumétrica da Eq. (1) dá:
∇2
ˆ
V
d3r0 ρ
r0, t−|r−r0|
c
|r−r0|
= 1
c2
∂2
∂t2
ˆ
V
d3r0 ρ
r0, t−|r−r0|
c
|r−r0|
+ ˆ
V
d3r0
ρ
r0, t−|r−r0| c
∇2 1
|r−r0|
, (11)
onde o volumeV é o volume de todo o espaço tridimensional, sempre tendo em mente que, por hipótese, a fonte é limitada espacialmente para todo instante de tempo. Note que, parar06=r,
∇2 1
|r−r0|
= ∇ ·
∇ 1
|r−r0|
= ∇ · − r−r0
|r−r0|3
!
= − 3
|r−r0|3 +3 (r−r0)·(r−r0)
|r−r0|5
!
= 0. (12) Então, o último termo da Eq. (11), à luz da Eq. (12), pode ser escrito assim:
ˆ
V
d3r0
ρ
r0, t−|r−r0| c
∇2 1
|r−r0|
= ρ(r, t) ˆ
V
d3r0∇2 1
|r−r0|
, (13) já que, para qualquer outro ponto do volume V, exceto r0 =r, o laplaciando
do inverso de|r−r0|se anula. Resta saber qual o valor da integral volumétrica desse laplaciano. Mas esse resultado é conhecido da eletrostática: para uma carga pontual de valorqcolocada no pontor0 temos:
Eq(r) = q(r−r0)
|r−r0|3
= −q∇
1
|r−r0|
(14) e, da lei de Gauss,
∇ ·Eq(r) = 4πρq(r, t). (15)
O problema é que, para uma carga puntiforme, a densidade ρq(r, t) é mal denida, isto é, normalmente tomamos a liberdade de um abuso matemático e escrevemos:
ρq(r, t) = qδ(3)(r−r0),
ondeδ(3)(r−r0)é a versão tridimensional da chamada função delta de Dirac.
Para não causar problemas com os puristas em matemática, temos sempre a alternativa de escrever a lei de Gauss na forma integral e, portanto, integrando a Eq. (15) no volumeV encontramos:
ˆ
V
d3r0∇ ·Eq(r) = 4π ˆ
V
d3r0ρq(r, t). (16)
Usando a Eq. (14) e sabendo que a carga total no volumeV é q, a Eq. (16) fornece:
ˆ
V
d3r0∇ ·
−q∇
1
|r−r0|
= 4πq,
isto é,
ˆ
V
d3r0∇2 1
|r−r0|
= −4π. (17) Usando a Eq. (17) na Eq. (13), obtemos:
ˆ
V
d3r0
ρ
r0, t−|r−r0| c
∇2 1
|r−r0|
= −4πρ(r, t) (18) e, assim, a Eq. (11) dá:
∇2
ˆ
V
d3r0 ρ
r0, t−|r−r0|
c
|r−r0|
= 1
c2
∂2
∂t2
ˆ
V
d3r0 ρ
r0, t−|r−r0|
c
|r−r0|
−4πρ(r, t). (19)
Mas a Eq. (19) é a equação de onda com fonte. Vamos denir, portanto:
φ(r, t) ≡ ˆ
V
d3r0 ρ
r0, t−|r−r0|
c
|r−r0| . (20)
Vemos então que φ(r, t), denido pela Eq. (20), satisfaz a equação de onda com fonte que queríamos resolver. Para ver isso, basta substituir a integral que aparece na Eq. (19) porφ(r, t)da Eq. (20). Obtemos:
∇2φ(r, t)− 1 c2
∂2
∂t2φ(r, t) = −4πρ(r, t), (21)
que é, justamente, a equação que o potencial escalar satisfaz no calibre de Lorentz (conra com a Eq. (2) da seção de invariância de calibre!
A solução que encontramos para o potencial escalar, expressa pela Eq. (20), é uma solução particular da equação de onda com fonte. A solução geral é a soma dessa solução particular com a solução geral da equação de onda sem fonte.
Mas, aqui, estamos interessados no caso em que queremos os campos gerados por cargas e correntes não nulas, os campos causados por essas fontes. Nesse caso, queremos soluções que dão zero se as fontes forem identicamente nulas.
Logo, no calibre de Lorentz, a Eq. (20) é a solução que satisfaz essa condição de contorno: a de um potencial escalar gerado pela distribuição de cargas dada porρ(r, t).
De forma exatamente análoga ao que zemos até agora, podemos encontrar as soluções para o potencial vetorial causado pela distribuição de corrente dada porJ(r, t) (conra com a Eq. (3) da seção sobre invariância de calibre. O re- sultado é facilmente transcrito dos cálculos que zemos para o potencial escalar, apenas com a troca do fator multiplicativo da fonte:
A(r, t) = 1 c ˆ
V
d3r0 J
r0, t−|r−r0|
c
|r−r0| . (22)
Por causa do sinal negativo que aparece na dependência temporal das soluções dadas pelas Eqs. (20) e (22), os potenciais no calibre de Lorentz causados pelas fontes acontecem depois que a carga e a corrente mudam no tempo, indicando que a evolução temporal dos campos é causada pelos movimentos das fontes.
Por causa desse retardamento temporal, os potenciais das Eqs. (20) e (22) são chamados de potenciais retardados. Você pode demonstrar que os potenciais avançados, denidos por
φ+(r, t) ≡ ˆ
V
d3r0 ρ
r0, t+|r−r0|
c
|r−r0| (23) e
A+(r, t) ≡ 1 c
ˆ
V
d3r0 J
r0, t+|r−r0|
c
|r−r0| , (24)
também são soluções exatamente das mesmas equações de onda com fonte que os potenciais retardados satisfazem!