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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Resistência e Utopia no livro Rio-Paris-Rio, de Luciana Hidalgo MIRELA BRAZ

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Resistência e Utopia no livro Rio-Paris-Rio, de Luciana Hidalgo

MIRELA BRAZ

FLORIANÓPOLIS 2019

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Resistência e Utopia no livro Rio-Paris-Rio, de Luciana Hidalgo

Trabalho de Conclusão de Curso Língua Portuguesa e Literatura I do 9º período do Curso de Graduação em Letras Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa sob a orientação da Professora Dra. Rosana Cássia Kamita.

Florianópolis –SC 2019

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Agradeço à minha professora orientadora. Agradeço aos meus amados pais, à minha irmã e a meu cunhado e também aos

meus amigos de longa data, e aos que fiz ao longo da faculdade. Esse trabalho dedico também a minha tia Ivone Ceci Abdala (in memorian), e ao meu tio Lorival Ceci Abdala (in memorian), com todo amor e gratidão.

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“Um aluno, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo”, Malala Yousafzai

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O presente trabalho de conclusão do curso retrata a Resistência e Utopia no livro

Rio-Paris-Rio, de Luciana Hidalgo, romance que tem como protagonistas Maria e

Arthur, brasileiros que se conhecem na França e ambos estão refugiados1 por causa da Ditadura Militar no Brasil, em 1964. Aborda ainda os movimentos de Maio de 1968 na França (proibido proibir); além de uma abordagem de regimes ditatoriais que ocorreram em outros países: ditadura de Salazar, em Portugal, em 1926; a ditadura de Franco, na Espanha, em 1939. O livro nos leva a outras temáticas importantes bastantes atuais, tais como, o período do exílio e a questão de imigrantes e também refugiados. É uma pesquisa de cunho político entre a dimensão dos problemas de ser estrangeiro num país desconhecido e a preocupação com aqueles que ficaram no país de origem, em um momento de dificuldades políticas. Traz o/a assunto/problemática sobre a esquerda e a extrema-direita, representados na obra pelo Brasil e pela França.

Palavras-Chave: Brasil, França, Romance, Literatura, Ditadura Militar, Exílio, Imigrantes, Estrangeiro, e a esquerda e a extrema-direita.

1 Conceito: é toda pessoa que, em razão de fundados temores ou opinião política, encontra-se fora de seus

país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo, ou devido a grave generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outros países. https://pt.wikipedia.org/wiki/Refugiado

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This course conclusion monograph intends to show the Resistance and Utopia through the book Rio-Paris-Rio, by Luciana Hidalgo, a novel that presents as protagonists Maria and Arthur, Brazilians who know each other in France, both in that ocasion are fugitive/refugees because of the Military Dictatorship in Brazil, in 1964. It also tells us about a very importante scene: the movements of May 1968 with the famous Banning is banned, in France. Besides that, an approach of dictatorial regimes

that occurred in other countries as dictatorship of Salazar, in Portugal, in 1926; and the dictatorship of Franco in Spain, , in 1939, also are objects of this work. The book takes us to other relevant issues such as the question related to the exiles and refugees nowadays. It is a research that focuses on being a foreigner in a different culture and the concern with those who remained in their homeland at a time of political difficulties. It brings the issue / problematic on the left and the extreme right politicals wings, represented in this work by Brazil and France.

Keywords: Protagonist, Novel, Literature, Military Dictatorship, Exile, Immigrants, Foreigners, and left and right-wing extremists.

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1. Introdução ... 9

2. Capítulo 01: Rio-Paris-Rio ... 11

2.1 A escritora Luciana Hidalgo ... 11

2.2 A escrita com traços reais junto com ficção ... 19

3.Capítulo 02: Rio-Paris-Rio ... 21

3.1 O espaço e o tempo na narrativa ... 21

3.2 Os desafios político- ideológicos dos personagens Maria e Arthur no romance ... 24

4. Capítulo 03: Romance no livro Rio-Paris-Rio ... 29

4.1 Relação de Maria e Arthur ... 35

4.2 Relação de Maria com o avô ... 37

4.3 Relação de Maria com o pai ... 39

5. Considerações Finais ... 41

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1. Introdução

Deve-se destacar que o trabalho de conclusão do curso está organizado em partes definidas de acordo com as normas técnicas vigentes, aparecendo primeiramente a capa, contra-capa, dedicatória, página em branco, resumo, abstract e o sumário depois a introdução, seguindo, assim, fundamentação teórica, para então ser abordada a conclusão, ficando, por último, as referências bibliográficas, conforme apresentados no sumário.

O objetivo deste trabalho é o romance, história vivida pelos protagonistas e que está inserido no momento incerto/inseguro para os jovens naquela época. Por essa razão, Maria e Arthur se conhecem em Paris. A escritora também trata na obra sobre uma época que foi difícil, o período da Ditadura Militar no Brasil, e o movimento Maio de 68, ocorrido na França. Considerando o posicionamento de alguns autores para tratar desse assunto, bem como expressar algumas divergências apresentadas por eles, dada a importância do conteúdo escolhido pela escritora, a fim de não olvidarmos do nosso passado e aprendermos com os erros, que refletirão no nosso futuro.

A metodologia utilizada para o presente trabalho de análise prezará pela pesquisa através de leitura e revisão bibliográficas e análise da obra literária em questão, destacando-se alguns textos ou livros: O que é o lugar de fala? De Djamila Ribeiro; outros textos sobre a literatura: Literatura e exclusão de Regina Dalgastagnè e Laeticia J. E., Literatura para quê? de Antoine Compagnon; outros textos sobre o contemporâneo: O que é Contemporâneo e outros ensaios de Giorgio Agamben, Ficção

Brasileira Contemporânea de Karl Eric Schollhammer; outros textos sobre a leitura:

Literatura: O que é Leitura de Maria Helena Martins, Inquietudes e Desacordos a

Leitura além do óbvio de Luiz Percival Leme Britto; outros textos sobre o romance: Teoria Literária de Eduardo Portela: os gêneros Literários de Helena Parente Cunha, Como Analisar Narrativas de CandidaVilares Gancho, Os gêneros Literários de Yves

Stalloni, Questões de Literatura e de Estética de Mikhail Bakhtin, Repertório o

romance e sua técnica de Michel Butor, O Foco Narrativo: A tipologia de Norman Friedman de Ligia Leite, Dicionário de Narratologia de Carlos Reis e Ana Cristina M.

L., O Narrador Considerações sobra a obra de Nikolai Leskov de Walter Benjamin, A

Personagem de Ficção A Personagem do Romance de Antonio Candido, Lukacs e a Literatura O Romance Histórico-Teoria e Prática de Regina Zilberman, Mágia e

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Técnica, Arte e Política de Walter Benjamin, Literatura e Vida Literária Polêmicas, diários e retratos de Flora Sussekind, por últimos mas não menos importantes, os textos

sobre as Ditaduras: Política e Cultura Espanha de Janete Abrão, Salazar: uma longa

ditadura derrotada de W. J. Rampinelli, Microfísica do Poder de Michel Foucault, Estado de Exceção de Giorgio Agambem e Origens do Totalitarismo de Hannah

Arendt.

A trama se desenvolve em torno de dois brasileiros exilados em Paris Arthur, poeta e artista de rua, filho de um comunista, e Maria, que estuda filosofia na Sorbonne, neta de um general envolvido diretamente no golpe militar no Brasil. Eles se conhecem na Paris dos anos 60 e se apaixonam, enfrentando juntos os desafios qu2e os estrangeiros da época enfrentavam no país europeu. Ambos convivem com exilados de outros países (personagens secundários), haja vista a ditadura enfrentada também em suas nações. As alegrias e as angústias de personagens migratórios em busca de um lugar intermediário entre Brasil e França, entre a esquerda e a extrema-direita, o que reflete inclusive a visão sobre o imigrante, antes visto como vítima (brasileiros no exílio), hoje visto como vilão (bolivianos, haitianos e venezuelanos no Brasil).

Dessa forma, toda a violência narrada em Rio-Paris-Rio é vivida por centenas de milhares de pessoas espalhadas pelo mundo no seu próprio país ou onde são vistas como um mero “étranger3

”.

Um dos momentos mais crítico pelo qual o país passou é abordado na obra analisada em sua devida importância por meio dessa história contundente, pois muitos cidadãos brasileiros buscaram, mesmo causando estranheza naqueles que os recebiam, um lugar para recomeçar sua vida de forma digna, analogamente àquilo que acontece aos milhares de refugiados venezuelanos, por exemplo, que chegam ao Brasil pelas fronteiras do norte do país.

Além disso, não esquecendo sobre o conteúdo que a escritora trata, trazendo lembrança de um passado lamentável, com perdas irreparáveis, mas com a importância de nunca ser esquecido.

Cada tema importante retratado no livro, vale mencionar, será abordado em capítulos dedicados dentro deste trabalho de conclusão de curso.

2 Conceito: é o estado de estar longe de casa. https://pt.wikipedia.org/wiki/Exílio

3 O movimento de saída do país é chamado de emigração, o de entrada de estrangeiro é denominado de

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2. Capítulo 01: Rio-Paris-Rio

A obra escolhida aborda assuntos que marcaram a vida de muitas pessoas neste país e em vários outros em determinada época e em diversos aspectos como as consequências de uma ditadura, permeada pela leveza de encontrar um grande amor, ao mesmo tempo podendo ser confrontado com uma diversidade de acontecimentos que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo.

Retrata em forma de romance a vida de pessoas que tiveram de alguma forma de sair de seus países devido a fatos políticos que os impediam de permanecer em sua terra natal, levando-os a viver em um país sem que necessariamente quisesessem, levando-os a recomeçar a vida em um país estranho, sofrendo não mais com as imposições políticas de seu país, mas com a dificuldade de adaptação em um país estrangeiro, com seus próprios problemas políticos e ainda conviver com a questão do preconceito, perpassando pela questão afetiva como forma de amenizar os conflitos a que estão propensos.

2.1 A escritora Luciana Hidalgo

A priori, esta justificativa traz breve síntese biográfica da autora da obra que será

objeto de estudo deste trabalho.

Luciana Hidalgo, escritora, nasceu no Rio de Janeiro em 1965. Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro4, a autora promove palestras sobre seus livros, como as que ocorreram em São Paulo (USP), no Rio de Janeiro (UFRJ, UERJ) e Minas Gerais (UFMG) e também fora do Brasil, como, por exemplo, na França, na Áustria, entre outros países.

A primeira obra da autora, que ganhou o Prêmio Jabuti na categoria reportagem, foi Arthur Bispo do Rosário - O senhor do Labirinto, Ed. Rocco, em 1996. Mais tarde, lançou seu segundo livro, o qual também ganhou o prêmio Jabuti, na categoria crítica literária, intitulado Literatura da Urgência - Lima Barreto no domínio da loucura, Ed. Annablume, em 2008. Em 2011, na categoria ficção, lançou O passeador, Ed. Rocco.

No tocante à obra escolhida para estudo deste Trabalho de Conclusão do Curso, destaca-se o livro Rio-Paris-Rio, obra lançada em 2016, na categoria romance. E,

4HIDALGO, Luciana. Disponível em:

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embora a história deste livro se passe em 1968, a temática abordada é atual, devido ao cenário muito próximo do que temos visto muitas pessoas vivenciarem em todo o mundo nos levando a contextualizar a narrativa sobre a questão dos refugiados – do Oriente Médio à América Latina.

Antes de tudo, pretende-se também relatar os problemas e desafios enfrentados pelas mulheres por causa do machismo. Segundo Dalcastagnè (2012, p. 160,162-163 e 164), a presença feminina de autoras publicadas é: branca, escolaridade superior, profissão: professora universitária 16,4%, e idade ao publicar 50 anos 28,3%. O segundo período histórico mais frequente nos romances é a Ditadura Militar 21,7%.5

Djamila Ribeiro (2017, p. 64) questiona sobre o lugar de fala em “O que é o lugar de fala, quem é o sujeito autorizado a falar? Podemos falar sobre tudo ou somente sobre o que nos é permitido falar?”. O ato de falar não se restringe ao emitir palavras, cabe ao ato o poder existir, infelizmente a sociedade tem uma hierarquia e uma escala de valor de importância, em que o ato de falar cabe aos sucessivos de poderes.6

Segundo Del Priori (1991)7 sobre o Fazer-se escritora:

Excluídas do processo de criação cultural, as mulheres estavam sujeitas à autoridade/autoria masculina. Virgínia Woolf, escritora e crítica literária inglesa que viveu nas primeiras décadas do século XX, comenta que durante séculos a mulher serviu de espelho mágico dotado do poder de refletir a figura do homem com o dobro do tamanho natural. Sem isso, afirma, as glórias de todas as guerras seriam desconhecidas e os super-homens não teriam existido. A mulher serviu também de espelho mágico entre o artista e o Desconhecido, tornando-se Musa inspiradora e criatura. Para poder tornar-se criadora, a mulher teria de matar o anjo do lar, a doce criatura que tornar-segura o espelho de aumento, e teria de enfrentar a sombra, o outro lado do anjo, o monstro da rebeldia ou da desobediência. O processo de matar o anjo ou o monstro refere-se à percepção das prescrições culturais e das imagens literárias que de tão ubíquas acabam também aparecendo no texto das escritoras. ( p. 341)

Id,

Mesmo assim, as mulheres no século passado escreveram e escreveram bastante. Desde os “cadernos goiabada”, como os denomina a escritora nossa contemporânea Lygia Fagundes Telles, até jornais, romances e polêmicas. Ao falar dos “cadernos goiabada”, Lygia se refere aos cadernos onde as mocinhas escreviam pensamentos e estados de alma, diários que perdiam o sentido depois do casamento, pois a partir daí não mais se podia pensar em segredo – que se sabe, em se tratando de mulher casada, só podia ser bandalheira. Ficavam sim com o caderno do dia a dia, onde, em meio a receitas e gastos domésticos, ousavam escrever uma lembrança ou ideia. Cadernos que Lygia vê como um marco das primeiras arremetidas da mulher brasileira na carreira de letras, ofício de homem. (p.342)

5DALCASTANÈ, Regina. Literatura brasileira contemporânea- um território contestado, 2012. 6RIBEIRO, Djamila. O que é o lugar de fala, 2017.

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Compagnon8 (2012, p. 28) questiona a própria literatura e indaga se se trata de uma questão teórica ou histórica. Além disso, o autor problematiza que ação cabe à literatura fazer nos dias de hoje, como forma de atuação política. Ele arrisca-se a responder, propondo a retomada da noção de literariedade como uma qualidade que marca a literatura.

No que tange à literatura, Compagnon (2006, p. 33-34) discorre a respeito de Cânone.9 Toda obra está sujeita a mudanças e o que antigamente pode ter sido considerado literatura, hoje já não o é. A literatura está sempre em movimento, o que modifica então o sentido dos livros anteriores. “Todo julgamento de valor repousa num atestado de exclusão. Dizer que um texto é literário subentende sempre que outro não é. (...) A literatura, no sentido restrito, seria somente a literatura culta, não a literatura popular”.

Antonio Candido10 (1998, p. 78) propõe uma classificação sobre a função da literatura em Textos de Intervenção, o escritor como aquele que produz a obra, e o leitor, para quem se dirige a obra. Para isso, ele propõe três funções à literatura: da literatura como um todo; de uma determinada obra; e do autor-tudo referido aos receptores.

Dalcastagnè e Jensen Eble (2017, p.210)11 dissertam sobre como a literatura

pode ser definida, primeiramente como linguagem, que é um dos fatores que estabelece a diferença cultural no texto literário, e outros valores, isto é, na política, na cultura e na ideologia.

Segundo Antoine Compagnon (2012, p. 59-60), ainda sobre a literatura, cabe a ela um saber insubstituível, cujas crenças, as emoções, a imaginação e a ação são fundamentais para a natureza humana. O autor, inclusive, nos questiona acerca da literatura, qual sua importância e por que ela deve ser lida e estudada, ao mesmo tempo nos responde que a literatura transmite as experiências dos outros e as diferenças apresentadas quanto às suas condições de vida. Reis (1992, p. 72) além disso, nos diz que “um texto não é literário porque possui atributos exclusivos que o distinguem de outro texto, mas porque os leitores, por inúmeras razões, o veem como tal”.12

8COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê?, 2012. 9COMPAGNON, A.O demônio da teoria, pp. 33-34, 2006. 10CANDIDO, A. Textos de Intervenção. 2002.

11DALCASTAGNÈ, Regina; Laeticia Jensen Eble. Literatura e Exclusão , 2017. 12REIS, Roberto. Cânon, 1992.

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A Linguagem literária é um tipo de linguagem e tem características próprias, o

que nos é detalhado por Terry Eagleton (2001, p. 11)13 ao afirmar que não pelo fato de

ser imaginativa, mas porque utilizamos a linguagem de forma específica. Remete-nos ainda que ela (...) “depende também da maneira pela qual alguém resolve ler, e não da natureza daquilo que é lido”. Diz-se que a literalidade do texto também depende das pessoas que o leem, ou seja, um texto pode nascer literário, pode atingir a condição de literário ou ainda serem impostos como literários e isto nem sempre depende do autor, mas pelo modo como as pessoas a consideram, pois embora escolhamos o que se trata de literatura, qualquer coisa que é considerada literatura é eterna e inegável. Lembra então que uma obra pode ser considerada literatura num século, e pode mudar no século seguinte, consequentemente entende-se que com o passar dos anos, a classificação do que era romance pode mudar; ou pode variar a escolha do conceito do público sobre o que é literatura, portanto a obra, dependendo do século, pode mudar o seu conceito, a sua maneira de ser percebida.

O crítico Barthes14 (2007, p.9, p.30, p. 76) explica sobre a questão em referência, que ela não é mensagem, é fim em si própria. Que quando lemos cria-se um outro mundo, ou seja,

O escritor concebe a literatura como fim, o mundo lha devolve como meio; e é nessa decepção infinita que o escritor reencontra o mundo, um mundo estranho, aliás, já que a literatura o representa como uma pergunta, nunca, definitivamente, como uma resposta.

Além do mais, aborda as atividades do escritor, que são dois tipos de normas: “normas técnicas (de composição, de gênero, de escritura) e normas artesanais (de valor, de paciência, de correção, de perfeição)”. Retrata que a literatura é irreal, totalmente longe do real, “a literatura é pelo contrário a própria consciência do irreal da linguagem”.

O crítico Barthes (2007, p. 169-170) apresenta acerca da literatura:

os debates da linguagem e da literatura formam de certo modo o próprio ser da literatura: estruturalmente, a literatura é apenas um objeto parasita da linguagem; quando se lê um romance, não se consome primeiro o significado “romance”; a idéia de literatura (ou de outros temas que dependem dela) não é a mensagem que se recebe; é um significado que se acolhe a mais, (...); e, no entanto, o ser desse discurso que se lê (seu “real”) é mesmo a literatura, e não a anedota que ele nos transmite; em suma, aqui, é o sistema parasita que é o principal, pois ele detém a última inteligibilidade do conjunto: por outras

13EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: Uma Introdução: O que é literatura?, 2001. 14BARTHES, Roland. Crítica e Verdade, 2007.

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palavras, é ele que é o “real”. Essa espécie de inversão astuciosa das funções explica as ambigüidades bem conhecidas do discurso literário: é um discurso no qual se acredita sem acreditar, pois o ato de leitura se funda num torniquete incessante entre dois sistemas: vejam minhas palavras, sou linguagem; vejam meu sentido, sou literatura.

Nesse sentido, o autor (2007, p.185) desenvolve o ato de escrever, ser escritor é solitário, ele é definido por uma consciência da palavra, cujos outros podem acabar com a palavra, todo escritor quer ser amado, mas muitas vezes esse amor não aparece quando são lidos.

Tendo em vista neste trabalho haver escolhido um livro contemporâneo, abordarei brevemente os autores contemporâneos. Pretende-se também relatar os problemas os quais podem aparecer. Em seu texto, Compagnon15 (2012, p. 23) traz algumas reflexões importantes sobre: (...) “Por quê falar da literatura contemporânea? (...) Quais valores a literatura pode criar e transmitir ao mundo atual? Ela é útil para a vida?” com essas perguntas tentarei fazer algumas reflexões ao longo do texto .

Giorgio Agamben,16 (2009, p. 58-59, p.62) trata sobre o contemporâneo, em relação ao presente, a “contemporaneidade” pertence verdadeiramente ao seu tempo, ele não coincide com o presente, muitas vezes nem está adequado ou supõe ser o que de fato não é, assim, não é atualizado, mas é capaz de apreender com o seu tempo. Reflete ainda que o contemporâneo adere sobre o tempo presente e se distancia do dele, ou seja, que ele se transforma (contemporâneo) para existir simultaneamente (presente). Portanto, para Agamben, “Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”.

Sobre este assunto, destaco ainda alguns questionamentos de Scholhammer, (2009, p. 9-10)17, visto que nos traz algumas perguntas com teor reflexivo, a saber: “Que significa ser contemporâneo? E que significa, na condição contemporânea, ser literatura?” Junto com as leituras de Barthes e Nietzsche sobre contemporaneidade, que não se reconhece com o seu tempo, ou, que com ele sincroniza, mas é “capaz de captar seu tempo e enxergá-lo”. Ainda sobre o contemporâneo, na fala de Scholhammer, o autor diz que há uma grande urgência em se relacionar com a realidade histórica, mesmo que seja impossibilitado de captá-la, em seu presente.

15COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê?, 2012.

16AGAMBEN, Giogio. O que é o contemporâneo e outros ensaios, 2009. 17SCHOLHAMMER, Karl Eric. Ficção brasileira contemporânea, 2009.

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Resende18, (1998, p. 9) sobre a literatura e o contemporâneo em Literatura do presente: história e anacronismo dos textos, com recorte de Benjamin, Agamben e Antelo, disserta que a literatura do presente possui uma noção maior que a noção de contemporâneo, em virtude de deixar de ser literatura. Por último, mas não menos importante ‘ser contemporâneo significa, nesse sentido, voltar a um presente em que jamais estivemos’.

Darei ênfase a outro ponto importante que é o papel da leitura/leitor, tendo em vista a questão da importância que isso tem, dependendo na maioria das vezes do contexto em que ela está inserida. Se por um lado muitas pessoas têm o hábito da leitura desde crianças ainda, há outras que só começam a ler na adolescência, muitas vezes até porque a leitura literária é imposta a eles, obrigada pelos professores por causa do vestibular.

Para Aguiar e Bordini19 (1993, p. 16, p. 26) em Literatura: a formação do leitor, “A leitura pressupõe a participação ativa do leitor na constituição dos sentidos linguísticos”, nos fazendo perceber a leitura como um ato gratificante, numa mistura que parte do conhecido e descobrindo o desconhecido, a descoberta de viver o não vivido, como antigamente, e com esses dois paralelos a leitura torna-se agradável e uma revelação, uma descoberta surpreendente.

Para Martins (2002, p. 40, p.42) há vários sentidos para o ato de ler, os quais podem ser percebidos pela Leitura Sensorial: “A visão, o tato, a audição, o olfato e o gosto podem ser apontados como referências mais elementares do ato de ler.”20 “antes de ser um texto escrito, um livro é um objeto; tem forma, cor, textura, volume, cheiro (de novo ou de velho). Pode-se até ouvi-lo se folhearmos suas páginas”.

É importante ainda, segundo Martins (2002, p.50, p.52), lembrar o que o texto provoca em nós a partir da Leitura emocional: “Muitas vezes descobrimos, gravada em nossa memória, cenas e situações encontradas durante a leitura de um romance, de um filme, de uma canção”.

Para Britto (2012, p.18) Que é leitura? “É um vocábulo extremamente polissêmico, com muitas acepções e aplicações (...) de que é o leitor quem dá sentido ao texto: seriam suas escolhas e projeções o cerne da significação ou significações que emergiriam no ato do leitor”.21

18RESENDE, Beatriz. Contemporâneos Expressões da literatura Brasileira no Século XXI, 1998. 19AGUIAR G, V. T. ; Bordini, M. G. Literatura: a formação do leitor, 1993.

20 MARTINS, Maria Helena. O que é Leitura, 2002.

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De acordo com Todorov, (1992, p. 7):22

Só importa o livro, tal como é, fora dos rótulos, prosa, poesia, novela, testemunho, sob os quais resiste a ser localizado e aos quais nega o poder de lhe fixar um lugar e determinar sua forma. Um livro já não pertence a um gênero; todo livro depende exclusivamente da literatura, como se esta possuísse por antecipado, em sua generalidade, os segredos e as fórmulas, únicos em conceder ao que se escreve realidade de livro.

Um bom livro nos incentiva a sonhar. A leitura precisa da participação ativa do leitor, nos leva a lugares inesquecíveis e se encaixa em qualquer lugar. Quando estamos tão envolvidos com a atividade (ato de ler), nem percebemos o tempo passar. É como se estivéssemos fora de “nós” e imersos no que está sendo realizado. Encontramo-nos em estado de alto nível de concentração e energia focada na atividade. Por quê? Conhecemos lugares, pessoas, comidas típicas de cada região, que nos agradam, de querer conhecer, viajar, ou até mesmo conhecer lugares de seus tataravós. Principalmente conhecer a história de cada região; ou também podem nos levar para o passado (como, por exemplo, em Outlander), nos levar a castelos, príncipes e princesas, duques, viscondes, condes, reis e rainhas, de lutas, guerras e vitórias. Ou então apresenta o futuro (como, por exemplo, em Admirável mundo novo), um futuro imaginável, com coisas que no nosso tempo são impossíveis.

Assim sendo, ler nos leva a pensar que todas as coisas são possíveis, muitas vezes a estar em épocas diferentes. Ler não é igual a estar presente, sentir, saborear, mas não esquecer que cada pessoa tem o seu lugar preferido, o seu sonho a realizar, a bagagem que já traz do mundo, a visão do que quer.

Destaca-se a importância de algumas obras. Exemplos: Franz Kafka- A

Metamorfose e Clarice Lispector- A Hora da Estrela. Um clássico é um livro que parece

descrever sobre os dias de hoje, mesmo que tenha sido escrito há muitos séculos. Cada vez que lemos, é um olhar diferente de quando foi lido pela primeira vez, lembrando a importância da faixa etária, quando lemos um clássico na adolescência temos uma visão totalmente diferente de quando lemos na juventude, na idade adulta, na maturidade, na velhice, etc.

Segundo Calvino (2009, p. 11), a leitura sempre se renova, nunca se esgota. Sempre remete a significados diferentes ou que não vimos na primeira vez. Nós, com o passar dos anos, mudamos, e assim a releitura de um clássico também se (re)constrói. “Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira. Toda

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primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”23.

Portanto, voltamos a falar de leitura. Quando lemos, deixamos a nossa realidade e entramos numa descoberta do livro lido em questão, que nos leva a um conhecimento que, segundo Proust, “somente pela arte, podemos sair de nós mesmos, saber o que enxerga outra pessoa desse universo imaginável, que não é igual ao nosso”.

Atualmente, há inúmeras novas formas de se ler. As novas gerações têm por hábito ler blogs, redes sociais, e-books, etc. o que muda são as formas de se ler, não necessariamente o hábito da leitura.

Entretanto, alguns livros encontram-se na internet, mas não é a mesma coisa que o cheiro de um livro novo, talvez esteja na hora de as livrarias pensarem sobre isso, alguma forma de chamarem os leitores jovens, porque quem já é um leitor assíduo, jamais vai deixar de ser, são os adolescentes que precisam desse olhar novo.

Vale ressaltar que a leitura não é apenas um passatempo, é prazerosa, mas também é um saber que gera mais conhecimento, pois as primeiras leituras não importa como foram (se seus pais leram para você, por exemplo) jamais são esquecidas. Lembrando aqui um momento na faculdade, na matéria da professora Tânia Regina em Literatura e Ensino, um momento de lembrar sobre os primeiros contatos com um livro, qual foi o livro? Como foi? E com quem foi? Certamente são lembranças prazerosas.

Segundo Del Priori24 (1997, p.337) sobre a leitura, destaca-se a importância que ela transforma em obras as letras, frases e enredos. Cada romance é um cruzamento de classe, raça e gênero, e também com culturas diferentes e relações diversas.

A grande novidade da literatura, de meados do século passado, vem da periferia das grandes cidades, novas vozes do século XXI, por exemplo: (resgate) Quarto de

despejo de Carolina Maria de Jesus, ou, mais recentemente, Cidade de Deus de Paulo

Lins.

Para Candido (1985, p. 74) a literatura é um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem decifrando-a, aceitando-a, deformando-a.25

De acordo com Candido (2004, p. 176, p.177) sobre a literatura,26 a mesma apresenta três funções: primeiramente é uma construção de objetos autônomos como

23CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos, 2009.

24PRIORI, Mary Del. História das mulheres no Brasil,1997. 25 CANDIDO, A. O escritor e o público, 1985.

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estrutura e significado; segundo é uma forma de expressão, que manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos; e terceiro é uma forma de conhecimento. Além de que, “toda obra literária é antes de mais nada uma espécie de objeto, de objeto construído; e é grande o poder humanizador desta construção, enquanto construção”.

Aguiar e Silva (1988, p. 5) destaco que o termo literatura passou por vários processos e desenvolvimentos. “Chama-se bela literatura as obras que se interessam por objetos que possuem beleza, como a poesia, a eloquência, a história bem escrita.”27

Segundo Escarpit28 (1969, p.165-9) os escritores quando escrevem, “têm presente um público para além deles próprios”. Também que todo resultado “literário pressupõe escritores, livros e leitores ou, criadores, obras e um público”.

De acordo com Todorov29(1992, p. 354) a literatura, como “matemática, é uma linguagem, e uma linguagem em si mesma não representa nenhuma verdade”.

Culler (1999, p.34) finalizando sobre o assunto Literatura: “ela é um ato ou evento textual que suscita certos tipos de atenção. (...) Na maior parte do tempo, o que leva os leitores a tratar algo como literatura é que eles a encontram num contexto que a identifica como literatura”.30

Para Aristóteles, em sua Poética, a obra de arte literária é mimese, uma imitação verbal não do que é, mas do que pode ser.

Encerro está parte do trabalho com outro assunto. Acredito que as livrarias precisão repensar sobre os valores dos livros. Como ter novas gerações, se os livros estão com valores altíssimos, como fazer o hábito de leitura para a nova geração?

2.2 A escrita com traços reais junto com a ficção

A autora traz para a obra vários acontecimentos históricos no mundo todo. Como por exemplo: em Portugal, na Espanha, na França e no Brasil. Citação do contexto: página 46 do livro Rio-Paris-Rio: “Um golpe que sepultou a nação, sua adolescência e tantas juventudes.”

página 99: “É isso, temos de unir as nossas lutas, no fundo é a mesma, seja no Vietnã, na China, na França, no Brasil, na Argentina, somos todos hermanos querendo liberdad”

27AGUIAR E SILVA, Teoria da literatura, 1988. 28 ESCARPIT, R. Sociologia da literatura, 1969.

29TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica, 1992. 30CULLER, U, J. Teoria da literatura: uma introdução, 1999.

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Reis (1992, p. 71) no texto “Cânon” a respeito das obras literárias afirma que: “os defensores dele argumentariam que as obras literárias possuem qualidades intrínsecas (que são reais), estão dotadas de um valor estético - a sua “literariedade”.”31 Compreende-se que a história apresenta alguns momentos específicos(experiências) reais do autor.

Segundo Stalloni32 (2007, p. 97, p. 107), “vários romances misturam o real e o fictício (...)”, ainda ele, (...) “Por outro lado, a julgar a “verdade” de um romance é escolher limitar sua apreciação estritamente ao “assunto”,”. Ainda ele “o narrador busca em sua própria vida os elementos que vão alimentar seu relato”33, devendo não confundir autor e personagem.

Segundo Ranciere34(2005, p.58) no capítulo - Se é preciso concluir que a história é ficção. Dos modos da ficção:

O real precisa ser ficcionado para ser pensado. Essa proposição deve ser distinguida de todo discurso--- positivo ou negativo--- segundo o qual tudo seria “narrativa”, com alternâncias entre “grandes” e “pequenas” narrativas. A noção de “narrativa” nos aprisiona nas oposições do real e do artifício em que se perdem igualmente positivistas e desconstrucionistas. Não se trata de dizer que tudo é ficção. Trata-se de constatar que a ficção da era estética definiu modelos de conexão entre apresentação dos fatos e formas de inteligibilidades que tornam indefinida a fronteira entre razão dos fatos erazão da ficção, e que esses modos de conexão foram retomados pelos historiadores e analistas da realidade social. Escrever a história e escrever histórias pertencem a um mesmo regime de verdade. Isso não tem nada a ver com nenhuma tese de realidade ou irrealidade das coisas.

Gagnebin (2006, p. 39, p. 41)35 retrata que “Pode-se escrever uma história da relação do presente com a memória e o passado, uma história da história.”, ou seja, comparando-se ao uso da escrita, escrever a fim de registrar a sua história, no sentido de lembrar de um acontecimento feliz ou triste, para não esquecer desses momentos que de alguma forma nos transformaram e que tem relação com o presente. Acrescento Benjamin que aparece no texto de Gagnebin, continuando sobre a história “é o objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas aquele preenchido pelo tempo-agora”.

De acordo com Butor (1974, p. 10), sobre o romancista que mistura o real com a ficção, “apresenta-nos acontecimentos semelhantes aos acontecimentos cotidianos, ele

31 REIS, Roberto. Cânon, 1992.

32STALLONI, Yves. Os gêneros Literários, 2007. 33Ibidem

34RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível Estética e política, 2005. 35GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar escrever esquecer, 2006.

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quer dar-lhes o mais possível a aparência da realidade, o que pode levá-lo até a mistificação”.36

De acordo Scholhammer37 (2009, p.23, p 25) sobre “a literatura que representa a chamada revolução de 1964 se caracteriza, segundo S. Santiago, por seu compromisso com a realidade social e política, até mesmo quando se expressava em formas fantásticas ou alegóricas”. Finalizando “que foi marcada pelo memorialismo, além disso, (...) sobre as posturas do engajamento político, acerca do tema à resistência e à luta armada contra o regime repressivo”.

Para finalizar, outra citação que lembra o que estudantes na época da Ditadura Militar no Brasil passaram:

página 98: “Outro dia soube pela carta do pai, que agora também matriculam espiões nas universidades para caçar subversivos (destruir). Esses militares é que subvertem (criar confusão) toda a decência em defesa da amoral e dos maus costumes (...)”.

3. Capítulo 02: Rio-Paris-Rio

Este capítulo trata sobre o espaço e o tempo em que a história foi narrada, ressaltando-se várias passagens do texto no sentido de detalhar fatos importantes que estavam ocorrendo na época em que passava o romance, tais como a Ditadura Militar e os momentos das resistências dos estudantes no Brasil e na França.

Destaco também os encontros de Maria com personagens importantes em sua vida no decorrer da história.

3.1 O espaço e o tempo na narrativa

No primeiro momento, destaco a sensibilidade da escritora em narrar uma história trágica, visto que o romance entre os protagonistas Maria e Arthur ocorreu em plena Ditadura Militar, regime antidemocrático que foi muito comum na América. No Brasil durou 20 anos, de 1964 a 1985, foi uma época em que o país era governado por militares.

A obra apresenta relatos a partir de acontecimentos históricos, que ainda estão presentes na memória do povo brasileiro, Scholhammer destaca que (2009, p. 161):

36BUTOR, Michel. Repertório O romance e sua Técnica, 1974.

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O romance oferece um relato sobre a necessidade de esquecer. O encontro com o presente é insuportável e a memória não oferece redenção. Para superá-lo, a narradora entende que precisa deixá-lo para trás ou sucumbirá sob o seu peso.38

A história é ambientada em uma narrativa de foco externo, ou seja, os acontecimentos são narrados em terceira pessoa.

O livro do trabalho em questão foi publicado pela primeira vez em 2016, relata a história da Ditadura Militar no Brasil, que aconteceu em 1964, a lembrança dessa época ainda está viva nas memórias de várias pessoas. A importância desses testemunhos39 auxilia a compreender o que houve, quais os motivos levaram a isso, e a importância dessa história por causa do sofrimento/resistência vivida pelo povo brasileiro, a fim de não ser esquecida (desaparecida, perdida), apagada da memória, refletir o passado pode nos ajudar a não repeti-lo.

Destaco o poema “Apague as pegadas40” de Bertolt Brecht retirado do texto de Gagnebin pág 52. Cito alguns versos importantes:

“O que você disser, não diga duas vezes.

Encontrando seu pensamento em outra pessoa: negue-o [...]

Quem não estava presente, quem nada falou Como poderão apanhá-lo?

Apague as pegadas!

Cuide, quando pensar em morrer

Para que não haja sepultura revelando onde jaz Com uma clara inscrição a lhe denunciar E o ano de sua morte a lhe entregar Mais uma vez:

Apague as pegadas! (assim me foi ensinado)”

De acordo com o livro, a época em que se passa a história é em torno do período da Ditadura Militar no Brasil, que começou em 1964, com Humberto de Alencar Castelo Branco como o articulador do golpe, bem como, sobre o movimento de Maio de 68, na França, local onde os personagens residiam e também estava havendo manifestações políticas, os quais vivenciaram as mais diversas atrocidades em ambos os países.

38SCHOLHAMMER, Karl Eric. Ficção brasileira contemporânea, 2009.

39 Conceito: Ação ou efeito de testemunhar, de manifestar algo por palavras, O que pode ser usado para

comprovar a veracidade ou existência de algo; prova. https://www.dicio.com.br/testemunho/

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Maria e Arthur (personagens principais) convivem com exilados de outros países (personagens secundários), haja vista a ditadura enfrentada também em suas nações. Somente a título de um breve panorama mundial a respeito das mais diversas manifestações políticas, reporto alguns exemplos, tais como a ditadura de Salazar em Portugal41, que durou 40 anos, desde 1932 e permaneceu até a de 27 de setembro de 1968. Há também a ditadura de Franco, na Espanha42, conhecida como Espanha Franquista, a qual perdurou do fim da guerra civil espanhola, em 1939, até 1975, estendendo-se por 36 anos. Logo, a narrativa reúne personagens resistentes, dentre protagonistas e coadjuvantes, que se reconhecem como exilados, abrindo espaço para a construção de uma identidade marginalizada devido à condição em que se encontravam naquele país.

Além do mais, a autora escreve um romance sobre o amor e a política, as alegrias e as angústias de personagens migratórios em busca de um lugar intermediário entre Brasil e França, entre a esquerda e a extrema-direita, proporcionando momentos de reflexão, que podem ser fruídos pelo receptor da mensagem transmitida por Hidalgo, o que pode levar o leitor a se identificar, ou seja, se reconhecer dentro de um espectro político, obviamente influenciado pela visão progressista da autora, quando os personagens têm de se posicionar sobre o regime militar.

E, embora a história deste livro se passe em 1968, a temática abordada encontra-se muito próxima da realidade vivida por muitos refugiados políticos ou de guerra, inclusive em nosso país, portanto, há no cenário atual o debate sobre a questão dos refugiados do Oriente Médio à América Latina.

Dentro da narrativa, a personagem principal, Maria, reflete sobre esta problemática, como fica claro na seguinte passagem da página 45:

O próprio termo francês ‘étranger’, usado para o estrangeiro, significa também estranho, aquele que destoa do meio. Quando ela entendeu isso, entendeu tudo. Todo estrangeiro é um intruso, ela sabe. (...) Outro momento no livro: (...) Professores traduzem os nomes dos imigrantes para talvez torna-los mais familiares, menos ameaçadores.

41RAMPINELLI, Waldir José. Salazar: uma longa ditadura derrotada. Disponível em:

http://www4.pucsp.br/neils/revista/vol.32/waldir_jose_rampinelli.pdf Acesso em 20 de janeiro de 2019.

42 ABRÃO, Janete. Politica e Cultura Espanha. Disponível em: http://www.pucrs.br/edipucrs/espanha.pdf

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3.2 Os desafios políticos- ideológicos dos personagens Maria e Arthur no

romance

Com intuito de tocar o leitor, a escritora elenca de forma incisiva as palavras de ordem do Brasil militar, em suas páginas 50-51, dispõe o que pode fazer entender o quão difícil, para alguém que tende a uma vida mais progressiva, é viver sob o regime opressor das forças armadas.

DITADURA ASSASINA. POLÍCIA MILITAR MATA O ESTUDADENTE EDSON LUÍS. JOÃO ESTÁ PRESO. ABAIXO O IMPERIALISMO. MAIS UM MORTO. ESTAMOS DE LUTO. ASSASSINOS. É PRECISO RESISTIR. YANKEES MATARAM UM BRASILEIRO. NÃO TEMOS MAIS TEMPO A PERDER. CONTRA A EXPLORAÇÃO. CONTRA A CENSURA. CONTRA OS OPRESSORES. VINGANÇA. É O REGIME DOS GRANDES EXPLORADORES. É O GOVERNO DA VIOLÊNCIA. ABAIXO A DITADURA. O POVO NO PODER. JUSTIÇA REVOLUCIONARIA. TEMOS DE LUTAR. REVOLUÇÂO. LIBERDADE. CUIDADO. ATENÇÃO. PERIGO. TEM MILICO SE INFILTRANDO EM FACULDADE. TEM MILICO SE INFILTRANDO EM REUNIAO DE ESTUDANTE. O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO. BRASIL, OS SEUS FILHOS MORREM POR VOCÊ. (...)

Segundo Sussekind43 (2004, p. 32) a censura estava muito presente nessa época, nesse momento as forças policiais violavam a privacidade dos cidadãos brasileiros, da correspondência, da comunicação; a censura estava presente em todo lugar, nas redações de jornais, nas emissoras de rádio e televisão. Todo povo brasileiro, independente de classe, raça ou credo tornou-se suspeito.

Lembrando que, em alguns momentos, a autora traz para a obra trechos em que são demonstrados alguns fatos da história recente do país, mais precisamente do governo dos militares no Brasil, elencando acontecimentos para compreensão do que era o período para a sociedade, por exemplo na página 98:

Outro dia soube pela carta do pai, que agora também matriculam espiões nas universidades para caçar subversivos (destruir). Esses militares é que subvertem (criar confusão) toda a decência em defesa da amoral e dos maus costumes.

A análise deste texto ganha importância pelo seu caráter atemporal no que tange à vida daqueles que querem apenas o reconhecimento da sua própria existência.

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Por exemplo, na página 127 do livro Rio-Paris-Rio, o narrador descreve a situação política do Brasil naquele momento:

Contou mais: da beleza que foi a Passeata dos Cem Mil no Rio em oposição ao governo militar. Contou muito mais: da invasão da Universidade de Brasília pela polícia e dos estudantes presos com livros de Marx e Lenin; dos alunos que ocuparam a reitoria da Universidade de São Paulo; dos 400 estudantes enfileirados contra o muro UFRJ no campus da Praia Vermelha e como foram xingados, humilhados, espancados, ameaçados de fuzilamentos; da passeata dos mesmos estudantes no dia seguinte, violentamente reprimida, com mortos e feridos; da bomba que a VPR explodiu no quartel-general do II Exército, em São Paulo, com débito de um soldado.

Na página 46 do livro Rio-Paris-Rio, numa conversa entre os personagens, há uma reflexão sobre estar na França naquele momento de angústia em que fatos que se tornaram históricos e que afetavam diretamente a vida do povo brasileiro estavam ocorrendo no Brasil:

Sabe apenas que isso não dura, não pra ela, a proscrita, herdeira de uma linhagem maldita sobre a qual está proibida de falar há anos, por zelo ou apenas vergonha, desde o golpe militar no país de onde vem. Um golpe que sepultou a nação, sua adolescência e tantas juventudes.

- Vocês têm muita sorte, Luc, de estar aqui na França nesse exato momento, muita sorte mesmo, com essa liberdade de ir e vir, esse direito tão simples. O Brasil está agonizando. Meus amigos de infância que ficaram lá, ou fingem uma vida feliz e alienada, ou começam a se engajar numa luta contra o regime militar, tomados por um ódio, por uma revolta, uma violência que não têm, nunca tiveram.

Ressalta-se uma frase citada acima pelo narrador sobre a resistências e lutas dos jovens daquela época: “Um golpe que sepultou a nação, sua adolescência e tantas juventudes.” Destaca-se também que há vários jovens que integram a resistência.

Na página 52 do livro Rio-Paris-Rio, há a descrição sobre a situação política do Brasil, há vários jovens que integram a resistência:

Desde a viagem a Londres, Arthur anda sério, a voz sai pesada. A cada palavra lida, um pouco da juventude se vai, não sem antes cobrar a sua parte. Espremidos no quartinho de Maria, totalmente integrado ao mapa da resistência liderada pelo Marechal, eles se desconfortam. Há agora um silêncio que é um luto pelos que lá ficaram e resistem e discutem e manifestam e em breve estarão mortos.

Há vários momentos no livro, como citado na página 57, conforme abaixo, sobre o momento que o Brasil passava e também em outro país como na Espanha, inclusive na França onde os protagonistas da obra estavam refugiados:

-Eu tô falando, vê se me ouve. Se vocês não pegarem em armas no Brasil agora, vão cair no que a gente caiu lá na Espanha. O louco do Franco tá lá até

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hoje, a gente não consegue sair disso. O importante é não deixar esses militares se criarem, tem que agir agora, na única língua que eles entendem, a força!

Vale ressaltar uma passagem que considerei reflexiva na página 72, em que Maria, personagem principal, acrescenta: - “Devemos apoiar tudo o que o inimigo combate e combater tudo o que o inimigo apoia!”

Acrescento que, em outros momentos, o narrador relatava o acontecimento em outro país, ou seja, na França, em maio de 68, na página 79: - “O reitor mandou todo mundo sair do prédio. Vamos fechar a faculdade. Esvaziem as salas e desçam imediatamente, doucement.” (suavemente)

Na página 91, na França, em maio de 68, continuando sobre a faculdade:

(...) Le Monde informa: o reitor resolveu dar um basta às reivindicações dos estudantes, aos conflitos diários que acabaram culminando numa jornada anti-imperialista, com militantes de extrema-direita vindo com tudo em cima de militantes de esquerda, num corpo a corpo febril. Determinou o fechamento do campus e convocou os líderes estudantis para um conselho de disciplina previsto para segunda-feira. Mas antes disso havia uma sexta-feira.

Destaco a comparação que Maria faz da França com o Brasil, na página 93: “o quanto a França é um país atrasado, católico e rural (...) e pensa com carinho em seu Brasil atrasado, católico e rural.”

Na página 99, a ideia de luta entre vários países, que estavam em guerra ou que tentavam ter autonomia, independência que é o direito de todo cidadão, o ápice: - “É isso, temos de unir as nossas lutas, no fundo é a mesma, seja no Vietnã, na China, na França, no Brasil, na Argentina, somos todos hermanos querendo liberdad”

Concluindo sobre a Ditadura no Brasil, termino com uma passagem importante de Maria, na página 128:

Pela primeira vez Maria ouviu falar em VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), AP (Ação Popular), Polop (Política Operária), ALN (Ação Libertadora Nacional), DI-GB (Dissidência Comunista da Guanabara) e outras siglas que nada têm a ver com as siglas dos grupos de esquerda de Martine. Afinal, é outra a luta (no entanto, a mesma).

O livro em si traz várias questões para análise importantes, as siglas que aparecem: JCR, FER, OCI, SEU, UJCML, CRS, SS e outras considerações são os nomes de escritores importantes até hoje: Gramsci, Rosa Luxemburgo, Mao, Althusser e Marcuse, Nietzche, Rousseau e Descartes. E também frases em francês, para entender melhor a historia precisamente, é importante fazer essa tradução, na página 14.

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Além disso, o livro de Spindel44 (1981, p.7, p.8, p.9, p.10) expõe sobre a ditadura, que foi um regime político no qual o governo encontra-se monopolizado por uma só pessoa (ou por um reduzidíssimo grupo de pessoas- como no caso das juntas militares). Reflete sobre o significado de um ditador. “Nada mais falso do que afirmar que a ditadura é o ditador. Contudo, é necessário perceber que se trata de duas coisas distintas, ainda que na maior parte das vezes a figura do ditador “encarne” a ditadura, ainda que, dentre os regimes políticos modernos, seja a ditadura aquele que mais é identificado com a figura de uma pessoa”.

Continuando nesse texto traz uma classificação importante acerca da ditadura nos dias de hoje, pois qualquer regime político que não respeite os direitos do homem e mulheres, como direitos de ir e vir, é visto como ditador. Acrescenta outra definição também importante acerca da ditadura, de que o “ditador” podia impedir a vigência da constituição, podia administrar sem leis, mas não podia decretar novas leis.

Spindel (1981, p.13) relaciona a escravidão com a ditadura, “a escravidão, assim como a ditadura, não se baseia em controle ou exploração, mas sim numa relação mútua entre senhor e escravo, entre ditador e aqueles que a ele estão submetidos.”

Ainda Spindel (1981, p. 30, p. 39) aborda mais um momento importante acerca das diferenças entre as ditaduras latino-americanas e o nazismo ou fascismo: “as ditaduras latino-americanas fazem parte dos regimes políticos ditos autoritários, já o nazismo ou fascismo recebem a qualificação de totalitários.” Continuando sobre a ditadura, lembra a influência dos meios de comunicação: “Os regimes autoritários modernos utilizam também, como frequência, o controle dos meios de comunicação de massas com o intuito de reforçar sua dominação.”

Spindel (1981, p. 40, p.44 ) retrata que a base da ditadura foi o medo; e que as modernas ditaduras controlam o medo com o artifício da tecnologia e assim reforçam o seu poder. Acresce que de fato o ditador é o líder desse partido, e tem o controle para reprimir a população. Nessa época da ditadura militar o teatro, e outras manifestações artísticas passaram a sofrer censura, o que consequentemente causa a desinformação do povo.

Spindel (1981, p.48) finaliza sobre esse assunto, em relação a Hitler, que aparece como fuher no livro em questão “enquanto chefe supremo do regime nazista alemão, não é o causador do nazismo, mas apenas aquele que dirigiu a construção de um sistema

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de governo coerente com os interesses econômicos dos grandes grupos industriais alemães.”

Acrescento uma frase importante no livro 1984 de Orwell45 (2009, p.244):

Sabemos que ninguém jamais toma o poder com a intenção de largá-lo. O poder não é um meio, é um fim em si. Não se estabelece uma ditadura com o fito de salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para estabelecer a ditadura. O objetivo da perseguição é a perseguição. O objetivo da tortura é a tortura. O objetivo do poder é o poder.

Destaco com o intuito de elencar as lutas de jovens na Ditadura Militar, para entender o horror/barbárie desse conflito armado no livro de Michel Foucault46(2007, p.85), Microfísica do Poder:

Para poder lutar contra um Estado que não é apenas um governo, é preciso que o movimento revolucionário se atribua o equivalente em termos de forças político−militares, que ele se constitua, portanto, como partido, organizado – interiormente − como um aparelho de Estado, com os mesmos mecanismos de disciplina, as mesmas hierarquias, a mesma organização de poderes. Esta conseqüência é grave. Em segundo lugar, a tomada do aparelho de Estado − esta foi uma grande discussão no interior do próprio marxismo − deve ser considerada como uma simples ocupação com modificações eventuais ou deve ser a ocasião de sua destruição? Você sabe como finalmente se resolveu este problema: é preciso minar o aparelho, mas não completamente, já que quando a ditadura do proletariado se estabelecer, a luta de classes não estará, por conseguinte, terminada... E preciso, portanto, que o aparelho de Estado esteja suficientemente intacto para que se possa utilizá−lo contra os inimigos de classe. Chegamos à segunda conseqüência: o aparelho de Estado deve ser mantido, pelo menos até um certo ponto, durante a ditadura do proletariado. Finalmente, terceira conseqüência: para fazer funcionar estes aparelhos de Estado que serão ocupados mas não destruídos, convém apelar para os técnicos e os especialistas.

Nesse sentido, com a finalidade de compreender um pouco mais sobre a ditadura me baseei no livro de Giorgio Agamben47 (2004, p.61) em Estado de Exceção:

Porém, do ponto de vista técnico, o aporte especifico do estado de exceção não é tanto a confusão entre os poderes, sobre a qual já se insistiu bastante, quanto o isolamento da "força-de-lei" em relação à lei. Ele define um "estado da lei" em que, de um lado, a norma esta em vigor, mas não se aplica (não tem "força") e em que, de outro lado, atos que não tem valor de lei adquirem sua "força". No caso extremo, pois, a "força-de-lei" flutua como um elemento indeterminado, que pode ser reivindicado tanto pela autoridade estatal (agindo como ditadura comissária) quanto por uma organização revolucionaria (agindo como ditadura soberana). O estado de exceção e um espaço anômico onde o que está em jogo é uma força-de-lei sem lei (que deveria, portanto, ser escrita: força-de-lei)

O autor (2004, p.75-76)48 apresenta alguns nomes da ditadura e junto com o livro Rio-Paris-Rio de Luciana Hidalgo, que cita Hitler (na página 116 quando topamos

45ORWELL, George. 1984, 2009.

46 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, 2007. 47AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, 2004.

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com a palavra fuher) e Franco (encontra-se na página 57 do livro) mais alguns nomes opressores como: Salazar e Costa e Silva ajuda a compreender um pouco mais sobre a ditadura:

No direito público moderno, costuma-se definir como ditadura os Estados totalitários nascidos da crise das democracias depois da Primeira Guerra Mundial. Desse modo, Hitler, Mussolini, Franco ou Stalin são, indistintamente, apresentados como ditadores. Mas nem Mussolini nem Hitler podem ser tecnicamente definidos como ditadores. Mussolini era o chefe do governo, legalmente investido no cargo pelo rei, assim como Hitler era o chanceler do Reich, nomeado pelo legitimo presidente do Reich. (...) O termo "ditadura" é totalmente inadequado para explicar o ponto de vista jurídico de tais regimes, assim como, alias, a estrita oposição democracia/ ditadura enganosa para uma análise dos paradigmas governamentais hoje dominantes.

Acrescento como consideração, uma importante passagem no livro de Hannah Arendt49 (2004, p.29) em Origens de Totalitarismo:

A diferença fundamental entre as ditaduras modernas e as tiranias do passado está no uso do terror não como meio de extermínio e amedrontamento dos oponentes, mas como instrumento corriqueiro para governar as massas perfeitamente obedientes. O terror, como o conhecemos hoje, ataca sem provocação preliminar, e suas vítimas são inocentes até mesmo do ponto de vista do perseguidor.

Concluindo então que a Ditadura, foi um regime antidemocrático. Lembrando o conceito de Ditadura50: todos os poderes do estado estão em um indivíduo ou grupo. E o conceito de ditador: uma pessoa que tem todos os poderes públicos.

Vale recordar o que Agamben disse em Estado de Exceção é uma técnica de governo, é a tecnologia que permite harmonizar as democracias.

4. Capítulo 03: Romance no livro Rio-Paris-Rio

Embora a obra Rio-Paris-Rio tenha como cenário a Ditadura Militar e relate outras manifestações que ocorreram na mesma época em outros países, inclusive o Movimento Maio de 68 em Paris, momento em que Maria e Arthur realmente retomam o passado enterrado que tentaram esquecer quando se exilaram, fugindo de todo terror imposto pela Ditadura no Brasil das décadas de 60 e 70, nos mostra a experiência de retomar uma vida normal, apesar das circunstâncias. É narrado um belíssimo romance

48Ibidem

49ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. 2004. 50https://www.significados.com.br/ditadura/

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entremeado de momentos difíceis e as alegrias das novas descobertas, no qual, entre as angústias do regime político da época que os levou a tal situação, permeiam as belezas do lugar escolhido para seus refúgios e o amor encontrado ainda que estivessem em condições desfavoráveis a viver tal sentimento.

A partir de tais circunstâncias, darei ênfase neste capítulo ao gênero Romance, levando-se em consideração as características e especificidades por meio de pesquisas mais detalhadas sobre o assunto, iniciando com a proposição de Cunha51 (1979, p. 106) que especifica detalhadamente a respeito, “que pertence ao ramo da épica”, assim “as obras líricas” são a combinação “entre o eu e o mundo”, já as épicas são o “distanciamento entre o sujeito (narrador) e o objeto (mundo narrado)”. Bem como, a atribuição ao sujeito são “eu, narrador, autor, objeto, mundo”, cabe então compreender que atuamos com o “imaginário da obra literária”.

Segundo Frederico (1997, p.41) sobre o romance, “como gênero literário é a expressão artística mais acabada do mundo burguês.”52

Igualmente outra análise sobre gênero narrativo, em Gancho53 (2006, p.7, p.9) “Muitos desses “gêneros” podem ser considerados narrativos, pois contam de modo direto e indireto um acontecimento real ou imaginário.” Outro ponto é sobre o romance, uma narrativa longa que apresenta um grande número de personagens, com bastantes conflitos e o tempo e espaço contínuos. Embora o gênero romance seja muito antigo, a partir do século XIX, reflete mais os dilemas, as crises e os problemas que a sociedade apresenta.

Recordando movimentos literários “O Realismo e o Naturalismo54”, que nasceu depois do romantismo, movimentos antirromânticos, características importantes que caberia ressaltar sobre o realismo: verossimilhança, ou seja, aproximação da realidade(retratação da realidade) e crítica da sociedade (denuncia social). Outro movimento o naturalismo: a realidade exagerada e violência muito presente. Assim, ambos sugerem a representação fiel da realidade55.

Segundo Stalloni (2007, p. 92, p.97, p. 100), a palavra romance aparece durante a idade média. No começo era apenas um modo de expressar, um falar, e depois se tornou um tipo de obra, ou seja, primeiro ele passou por uma época cujo teor era

51 PORTELA, Eduardo. Teoria Literária, 1979.

52FREDERICO, Celso. LuKács um clássico do século XX, ed: moderna, 1997. 53GANCHO, CandidaVilares. Como analisar narrativas, 2006.

54https://www.stoodi.com.br/resumos/literatura/realismo/ 55https://www.todamateria.com.br/realismo-e-naturalismo/

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desvalorizado devido à escrita utilizada, em que a linguagem não era considerada como nobre, por ser voltada para uma linguagem popular56. A respeito do gênero, cita uma frase importante, visto que vários romances misturam o real e o fictício, a saber: (...) “Por outro lado, a julgar a “verdade” de um romance é escolher, limitar sua apreciação estritamente ao “assunto””. Para Stalloni não devemos nos importar tanto com a seguinte pergunta: o romance é real ou ficção? Supor essa mistura é esquecer o assunto principal apresentado na história, que acaba sendo esquecido, por nos limitarmos nessa dúvida cruel. Ainda descreve o romance como “um gênero incômodo” devido a duas maneiras: primeiramente, por não ser originalmente reconhecido na família dos gêneros; segundo, por tornar-se o gênero dominante entre todos os outros.

Ainda sobre o romance, acrescento que Mikhail Baktin57 (1988, p.74, p.79) descreve sobre o gênero romance e a diversidade de formas em que se pode apresentá-lo, tais como, uma carta, um e-mail, comprovando que apesar do gênero romance ser antigo, conversa até os dias de hoje, porque o gênero romance não possui um estilo específico, ou seja, é uma combinação de estilos. “Recusa qualquer valor estético ao romance. O romance é um gênero retórico extraliterário, “uma forma contemporânea de propaganda moral”; somente o discurso poético é artístico (no sentido indicado)”.

De acordo com Michel Butor, (1974, p.10), “O romancista, por sua vez, apresenta-nos acontecimentos semelhantes aos acontecimentos cotidianos, ele quer dar-lhes o mais possível a aparência da realidade, o que pode levá-lo até a mistificação”. 58 Dessa forma, podemos perceber que, para Butor, o romance traz a miscigenação, mas lembrando que assim como Stalloni, que já foi mencionado ateriormente, ele não quer julgar o romance. Afinal, é da escolha de cada autor questionar ou não se isso tem relevância para a literatura ou para o livro estudado. Lembrando que cada crítico literário citado acima usou palavras diferentes para o mesmo significado, por exemplo: mistura, miscigenação e ausência dessa distância do real com o ficcional.

Vale recorda que os romances são escritos em duas formas, na primeira pessoa, ou na terceira pessoa. Normalmente, a escrita em primeira pessoa, “Eu” o narrador é o personagem na história. “Eu” estou contando a minha história. Tal que na terceira pessoa o narrador está contando a história de alguém.

56STALLONI, Yves. Os gêneros Literários, 2007.

57BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética, 1988. 58BUTOR, Michel. Repertório O romance e sua Técnica, 1974.

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O livro Rio-Paris-Rio é narrado em terceira pessoa. Para Michel Butor59 (1974, p.47, p.48), o romance em terceira pessoa é: a forma mais ingênua da narração, o autor quando utiliza outra forma compreende-se sempre a subentender a primeira. Traz uma importante reflexão sobre a narrativa romanesca que apresenta três instâncias: “duas pessoas reais: o autor que conta a história, que corresponderia, na conversa corrente, ao “eu”, o leitor a quem ela é contada, o “tu; e uma pessoa fictícia, o herói, aquele de quem se conta a história, o “ele”.” Para entender melhor o romance a respeito de terceira pessoa para primeira, “aquilo que nos contam é, portanto sempre e também alguém que se conta e nos conta. A tomada de consciência desse fato provoca o desligamento da narrativa, da terceira à primeira pessoa.”

Em relação à primeira pessoa, Butor (1974, p.49), descreve como: “O narrador, no romance, não é uma primeira pessoa pura. Nunca é o autor ele mesmo, literalmente.”60

Do mesmo modo, para Gancho61 (2006, p.31), os tipos de narrador são: em terceira pessoa, é o narrador que se posiciona fora dos fatos, que quer dizer um narrador observador e as características principais são: “a) onisciência: o narrador sabe tudo sobre a história; b) onipresença: o narrador está presente em todos os lugares da história.”

O livro Rio-Paris-Rio, de Luciana Hidalgo, apresenta o narrador onisciente neutro. Segundo Friedman62(1987, p. 32), essa categoria é a fala em 3° pessoa e apresenta também os momentos de diálogo e ação, mas a “caracterização das personagens é feita pelo narrador que a descreve e explica para o leitor”. Esse narrador é ausente de comentários, “embora a sua presença, interpondo-se entre o leitor e a história, seja sempre muito clara”.

Acresce que, para Reis63(1987, p. 249), em Dicionário de Narratologia, nesse viés a história de Luciana Hidalgo, Rio-Paris-Rio, o narrador é o mediador entre o autor e o leitor. Cabe ressaltar a diferença entre o conceito de narrador e o de autor:

O autor corresponde a uma entidade real e empírica, o narrador será entendido fundamentalmente como autor textual, entidade fictícia a quem, no cenário da ficção, cabe a tarefa de enunciar o discurso, como protagonista da comunicação narrativa.

59 idem 60idem

61GANCHO, Candida Vilares. Como analisar narrativas, 2006. 62LEITE, Ligia. O Foco Narrativo. 1987.

Referências

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