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A epidemia do Zika Vírus no Brasil: saúde da mulher e direitos humanos

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A EPIDEMIA DO ZIKA VÍRUS NO BRASIL: SAÚDE DA MULHER E DIREITOS HUMANOS

Marília

2023

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A EPIDEMIA DO ZIKA VÍRUS NO BRASIL: SAÚDE DA MULHER E DIREITOS HUMANOS

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharela em Relações Internacionais, junto ao Conselho de Curso de Relações Internacionais, da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Câmpus de Marília.

Orientador: Prof. Dr. Rafael Salatini de Almeida.

Marília

2023

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63 p.

Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Relações Internacionais) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília

Orientador: Rafael Salatini de Almeida

1. Direitos Humanos. 2. Saúde da Mulher. 3. Epidemia do Zika Vírus. 4. Síndrome Congênita do Zika Vírus. I. Título.

Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a).

Essa ficha não pode ser modificada.

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Tatiane de Olim Valença

A EPIDEMIA DO ZIKA VÍRUS NO BRASIL: SAÚDE DA MULHER E DIREITOS HUMANOS

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Bacharela em Relações Internacionais, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual

Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Marília.

BANCA EXAMINADORA

Orientador:

__________________________________________________________________

Dr. Rafael Salatini de Almeida (Unesp-Marília)

1ª Examinadora:

_____________________________________________________________

Mestra Ariel da Silva Parrilha (Unesp-Marília)

2ª Examinadora:

_____________________________________________________________

Mestra Daniela Fachiano Nakano ( University of Wisconsin)

Marília, SP

28 de fevereiro de 2023

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A chegada do COVID-19 trouxe para mim, assim como para outras pessoas ao redor do globo, muitas mudanças: perdas de amigos e familiares, mudanças de rotina, insegurança econômica, entre outras coisas. O meu último ano de faculdade foi interrompido pela pandemia e o que era pra ser um ano dedicado aos estudos, passou a ser um ano cheio de inseguranças, medos e ansiedade. Não fosse por algumas pessoas, talvez eu não estivesse escrevendo esses agradecimentos.

Primeiro gostaria de agradecer à minha mãe e ao meu pai, que com muito esforço conseguiram com que eu me dedicasse aos estudos em outra cidade.

À minha querida avó Olga, que também é uma das responsáveis por me dar forças todos os dias e por me ensinar tantas coisas que eu nem ao menos consigo colocar todas em palavras.

Também agradeço à minha melhor amiga Mariane que durante quase 10 anos em que frequento os espaços da Unesp, sempre esteve presente fisicamente e virtualmente me dando apoio em diversas situações.

Também agradeço às minhas amigas e colegas de curso Maria Júlia, Maria Eduarda, Juliana e Thainá, por serem minhas colegas de estudo e por proporcionarem muitas risadas.

Por fim, agradeço a todos os meus professores do curso de Relações Internacionais e funcionários da Unesp de Marília.

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novo território. O Zika resultou em profundas consequências para a saúde e igualmente em nível socioeconômico, principalmente para as mulheres que já sofriam com as desigualdades econômicas, sociais e de gênero. Essas mulheres se tornaram mais vulneráveis ao efeito do vírus Zika, que trouxe o desenvolvimento da Síndrome Congênita do Vírus Zika em seus filhos. Ainda que os Direitos Humanos no Brasil tenham papel importante na Constituição Brasileira, a rotina de cuidados com os filhos se tornou também uma rotina de luta por Direitos Humanos: a luta por condições de vida dignas para elas e para seus filhos. Tais lutas resultaram em mudanças, ainda que pequenas, para toda a comunidade de mulheres vítimas da epidemia. Nesse sentido, o presente trabalho apresenta as visões de autores críticos de Direitos Humanos, como Joaquín Herrera Flores e David Sanchez Rubio, que debatem novas maneiras de se pensar os Direitos Humanos, através da visão dos direitos como processos de lutas.

PALAVRAS-CHAVE: epidemia do zika vírus; direitos humanos; mulheres; saúde;

teoria crítica de direitos humanos.

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into new territory. Zika resulted in profound health and socioeconomic consequences, especially for women who already suffered from economic, social and gender inequalities. These women became more vulnerable to the effect of the Zika virus, which brought about the development of Congenital Zika Virus Syndrome in their children. Although Human Rights in Brazil have importance in the Brazilian Constitution, the women's routine of caring for children has also become a routine of fighting for Human Rights: the fight for dignified and decent living conditions for them and their children. Such struggles resulted in changes for the entire community of women victims of the epidemic. The present work presents the views of critical authors of Human Rights, such as Joaquín Herrera Flores and David Sanchez Rubio, who debate new ways of thinking about Human Rights through the vision of rights as struggle processes.

Keywords: zika virus epidemic; human rights; critical theory of human rights;

women; health.

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Figura 1: Mãe segurando seu bebê com Síndrome Congênita do Zika Vírus.

Figura 2: Distribuição Geográfica de Casos Notificados e Confirmados de Microcefalia e/ou alteração do Sistema Nervoso Central (Snc) no Brasil, até a Semana Epidemiológica (Se) 14/2016.

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BPC – Benefício de Prestação Continuada.

CEDAW – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de discriminação Contra a Mulher.

CF – Constituição Federal.

ESPII – Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional.

ESPIN – Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.

OMS – Organização Mundial de Saúde.

ONU – Organização das Nações Unidas.

OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde.

PAISM – Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher SCZ – Síndrome Congênita do Zika Vírus.

SGB – Síndrome de Guillain-Barré.

SUS – Sistema Único de Saúde.

ZIKV – Zika Vírus.

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INTRODUÇÃO ………...

12

1. A EPIDEMIA DO ZIKA VÍRUS (2015-

)...18

1.1. O histórico do zika vírus, da descoberta até os dias de hoje ………...18

1.2. A epidemia do zika vírus para as mulheres e crianças ………..…...

25

1.3. A epidemia da desigualdade: Contexto social e econômico estrutural ………....

29

2. DIREITOS HUMANOS: DO DISCURSO TRADICIONAL A TEORIA CRÍTICA ….

32

2.1. Direitos humanos desde o discurso tradicional ……….……...

32

2.2. Direitos humanos desde Flores e Rubio ………...………...

36

3. DIREITOS HUMANOS, SAÚDE E MULHERES ..………...

41

3.1. Direitos humanos à saúde ………...

41

3.2. Saúde da mulher e direitos humanos ………...

47

CONSIDERAÇÕES FINAIS ………...

53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...54

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INTRODUÇÃO

Eu não me vejo na palavra Fêmea, alvo de caça Conformada vítima Prefiro queimar o mapa, Traçar de novo a estrada Ver cores nas cinzas e a vida reinventar (Francisco, El HombrE, 2016, Triste, Louca ou Má )

Em 2015, o Brasil enfrentou um surto de casos da febre do Zika.

Paralelamente, enfrentava-se um surto de casos de microcefalia em fetos e recém-nascidos, o que levou o governo brasileiro a decretar pela primeira vez em sua história uma Emergência Nacional de Saúde Pública (ESPIN). Pesquisas apontavam que a causa do aumento de casos de microcefalia, que a princípio era desconhecida, estava associada a uma transmissão vertical do Zika Virus (ZIKV) das mães para os seus fetos. Inicialmente sabia-se que o Zika Vírus era transmitido por mosquitos do gênero Aedes e causava sintomas parecidos com uma outra doença transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti , a Dengue (DINIZ, 2016). O que não se sabia é que o vírus, que gerava muitas vezes sintomas brandos nas mães e que passavam dentro de alguns dias, poderia gerar consequências mais profundas, para uma vida inteira, quando transmitida aos fetos.

Diante dos perigos da nova descoberta e de seu potencial de propagação internacional, em 2016 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), exigindo uma certa coordenação e cooperação internacional (VENTURA, 2016) . A Zika atingiu outros países das Américas, mas foi no Brasil em que ela teve seu epicentro, a maior taxa de infectados.

Mais tarde algumas mães que conseguiram completar a sua gravidez, pois muitas vezes a infecção leva a morte prematura dos fetos (SOUZA, VOLTARELLI, SOUZA, 2020, p.01), perceberam que seus bebês apresentavam, além da microcefalia, algumas outras condições, como: atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, dificuldades auditivas e visuais, epilepsia e irritabilidade. Essas e outras manifestações foram então agrupadas no que se conhece hoje como Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZ) (TEIXEIRA, 2020).

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Ao longo do tempo também foi possível constatar, por meio de estudos em várias partes do Brasil e América Latina, que a maioria das mulheres vítimas da transmissão vertical da doença são as mulheres de baixa renda, que têm pouca escolaridade, que são pretas ou pardas e que vivem em áreas com baixo nível socioeconômico, principalmente no nordeste do país (BARBEIRO-ANDRÉS et al ., 2020; MARINHO et al. , 2020; SANTANA et al . 2016).

Alguns pesquisadores usam o termo “geografia do Zika” (LESSER; KITRON, 2016), para indicar a desigualdade da distribuição de casos da síndrome pelo Brasil.

Estudos feitos após a epidemia mostram que alguns fatores exacerbaram o aparecimento de casos de SCZ e até mesmo aumentaram a gravidade da doença em certas partes do Brasil. O aumento das toxinas produzidas por cianobactérias presentes em reservatórios de água no nordeste do Brasil durante a epidemia, por exemplo, pode ter agravado os danos cerebrais causados pelo ZIKV (PEDROSA, et al., 2020). Outro estudo mostra que mulheres com desnutrição estão mais propensas a transmitir o vírus por via placentária para o feto (BARBEITO-ANDRÉS et al. , 2020). Por meio desses estudos, nota-se que a epidemia evidencia ainda mais as desigualdades presentes no cenário brasileiro – a desigualdade social e a desigualdade de gênero – ao atingir mais profundamente as mulheres mais pobres.

Segundo estudo da Organização Mundial da Saúde, desigualdades baseadas no gênero “limitam a capacidade de meninas e mulheres de protegerem sua própria saúde” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2011, p. xii). Nesse sentido, entender o que significa “gênero”, se torna essencial. Segundo a autora Maria Amélia Teles (2017), enquanto nas línguas latinas gênero é a palavra para significar “a forma culturalmente elaborada que a diferença sexual toma em cada sociedade, e que se manifesta nos papéis e “status” atribuídos a cada sexo e constitutivos da identidade sexual dos indivíduos” (Ibid., 2017, p.31), na lingua inglesa a palavra para gênero “ gender” é empregada “para enfrentar e combater a argumentação do determinismo biologicista para explicar as desigualdades sociais entre os sexos”

(Ibid., 2017, p.31).

Para a autora neozelandesa Anne Firth Murray, professora da Universidade de Stanford e autora do livro “From Outrage to Courage: The Unjust and Unhealthy Situation of Women in Poorer Countries and What They Are Doing about it” (2016) 1 ,

1 Na tradução literal: “Da indignação à coragem: a situação injusta e insalubre das mulheres nos países mais pobres e o que elas estão fazendo a respeito” (MURRAY, 2016, tradução nossa).

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coloca que em esfera global, as mulheres são particularmente mais vulneráveis e propensas a terem problemas de saúde, não por serem fracas, mas por serem socialmente colocadas, desde a infância, nos lugares mais baixos da sociedade. Por exemplo, segundo dados do Banco Mundial, em 2016, ano da epidemia do Zika, havia 29.018.332 meninos fora da escola, contra 33.278.072 meninas na mesma situação (WORLD BANK, 2016a; WORLD BANK, 2016b). A taxa de alfabetização mundial entre homens também é superior do que entre as mulheres, 89% e 82%, respectivamente (WORLD BANK, 2016d; WORLD BANK, 2016e). Meninas também têm maior probabilidade de viverem em situação de pobreza do que meninos (MUNOZ BOUDET et al ., 2021).

As mulheres do zika, segundo elas mesmas, fazem parte do grupo de “mulheres esquecidas” (DINIZ; BRITO, 2018, p. 171), mulheres que lutam diariamente pelos próprios direitos e os direitos de seus filhos, como o direito a remédios, direito a transporte, direito ao Benefício de Prestação Continuada, entre outros (DINIZ; BRITO, 2018). Direitos estes presentes no Direito Internacional dos Direitos Humanos, e também presentes na Constituição Federal brasileira, na forma dos Direitos Humanos Fundamentais.

No plano internacional há tratados de Direitos Humanos, como a Convenção Americana De Direitos Humanos (1969), Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007).

No plano interno, a Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, considerada a “Constituição Cidadã”, apresenta, já nos seus primeiros artigos, que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade humana 2 e que as Relações Internacionais do país são regidas, entre outras coisas, pela “prevalência dos Direitos Humanos” 3 (BRASIL, 1988). No Título II, “Do Direito e Garantias Fundamentais”, a CF diz que:

[...]Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância , a

3 Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

[...] II - prevalência dos direitos humanos; (BRASIL, 1988).

2 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...] III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988).

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assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Ademais, do Art. 196 ao Art. 200 da CF, está previsto que o seguinte:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).

Importante frisar também que no Brasil, a partir da EC n° 45/2004, os tratados sobre direitos humanos são equivalentes às emendas constitucionais:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (BRASIL, 2004)

No entanto, a realidade das mulheres e crianças afetadas pelo ZIKV destoa das normas da CF sobre os Direitos Humanos. Mesmo depois da epidemia do Zika Vírus, pouco foi feito para a melhoria das condições socioeconômicas dessas mulheres e até mesmo ignora-se o fato de que essa situação se enquadra em uma violação dos direitos humanos. Quanto a isso, o autor chileno, Helio Gallardo coloca que as “agressões básicas, como a pobreza e a exclusão, que afetam um setor significativo da população mundial, não têm sido culturalmente reconhecidas como atentados contra a humanidade” (GALLARDO, 2014, p. 20).

Questiona-se, então, o porquê dessa distância, ou seja, da não efetivação dos Direitos Humanos. Ademais, a pesquisa tem como motivação o fato de que uma das principais causas da epidemia, isto é, o surto de casos de SCZ foi a não efetivação dos Direitos Humanos. Inicialmente, a pesquisa é do tipo bibliográfica. É feita por meio de um apanhado geral sobre os principais trabalhos desenvolvidos na área da saúde e na área de ciência humanas sobre o vírus Zika e a Epidemia do Zika Vírus no Brasil, a partir de sites como o PubMed, Scielo, BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Banco de dados da Organização Mundial da Saúde, etc. Após a leitura da bibliografia citada e do levantamento de dados, verificou-se a necessidade de dar um enfoque maior ao contexto social, econômico e a questão de gênero que envolve a Epidemia do Zika Vírus . Então, foi feita uma pesquisa de dados sociais, econômicos e de gênero no Brasil e no mundo, direcionada principalmente à situação da mulher, dos anos antes e depois da epidemia.

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A partir da análise dos dados e a conexão destes com o antes, durante e depois da Epidemia, tornaremos, como aconselha Murray (2016), o conceito de Direitos Humanos central não só para a promoção da saúde, mas para a conquista de uma vida digna para milhares de mulheres. O presente trabalho objetiva, então, analisar a relação da epidemia do Zika Vírus com a não efetivação dos direitos humanos das mulheres e crianças afetadas pelo vírus, destacando a importância dos Direitos Humanos para a resolução de crises de saúde globais, como a Epidemia do Zika Vírus. Nesse sentido, os Direitos Humanos, se tornam imprescindíveis e o Direito das Mulheres se relaciona diretamente com a garantia de uma vida digna às famílias afetadas pela Epidemia do ZIKV. Para isso, a Epidemia do Zika Vírus será analisada à luz da Teoria Crítica dos Direitos Humanos, com foco nas Teorias Críticas de Joaquin Herrera Flores e David Sanchez Rubio. Por meio do pensamento crítico do autor espanhol Herrera Flores, será analisada a teoria hegemônica dos direitos humanos e discorrer-se-á sobre a realidade histórico-sócio-econômica da América Latina, que faz com que os Direitos Humanos sejam uma realidade distante no plano material latino-americano.

Como afirma Anne Murray, “a mudança é possível, provocada pela coragem das mulheres de iluminar a escuridão e agir” 4 ( MURRAY, 2016, prólogo). Nesse sentido, para se conquistar os Direitos Humanos, assim como afirma Herrera Flores (2009), temos que lutar por eles.

Importante destacar que o desenvolvimento do trabalho e as análises feitas só foram possíveis por meio das aulas e experiências acadêmicas dentro da Graduação, com destaque para as aulas de Direito Internacional Público e de Direitos Humanos e Temas Socioambientais. Também destaca-se o curso da professora Anne Firth Murray, “International Women 's Health and Human Rights” 5 , disponível on-line, que inspirou este trabalho. Apesar de não ter havido a oportunidade de conversar pessoalmente com as mulheres que contraíram o ZIKV e cujos filhos possuem a Síndrome Congênita, consideram-se seus relatos pessoais presentes nos livros da autora antropóloga Débora Diniz, como “ Zika: do sertão nordestino à ameaça global” (2016) . Esses livros também foram uma motivação para essa pesquisa. As obras da antropóloga são muito importantes para se entender a

5 A tradução do título do curso é “Saúde Internacional da Mulher e Direitos Humanos” (tradução nossa).

4 Texto original: “Change is possible, brought on by the courage of women to shine a light in the darkness and take action”.

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história da Zika no Brasil, pois levam em conta principalmente as vozes das mulheres que vivem e sofrem com a epidemia, dando destaque às violações dos direitos das mulheres.

As discussões sobre o Vírus Zika têm crescido na área da saúde desde a epidemia do Zika no Brasil e essas discussões, que inicialmente visavam a prevenção, combate e tratamento da doença, acabaram mostrando a desigual distribuição da doença dentro da população brasileira e internacional, além das consequências para a população mais afetada. Tendo em vista esse fato, se faz necessário estudar essa epidemia nas ciências humanas e explorar os fatos sociais e econômicos que levaram à Epidemia, assim como expor as consequências socioeconômicas para as mulheres e crianças vítimas da epidemia. Ao situar a Epidemia dentro do campo dos Direitos Humanos, o trabalho procura encontrar maneiras para a melhoria das condições socioeconômicas das vítimas por meio da efetivação dos Direitos Humanos. Além disso, o trabalho procura mostrar que ao buscar dar uma vida digna às pessoas por meio de acessos básicos à educação, à alimentação, à habitação, à informação e até mesmo à água limpa, pode-se combater futuras epidemias e pandemias, por isso esta pesquisa se fundamenta na crença de que os Direitos Humanos devem ser o foco das respostas internacionais à promoção da saúde.

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1. A EPIDEMIA DO ZIKA VÍRUS (2015-2017)

Este primeiro capítulo informará brevemente sobre o Zika Vírus e a doença causada por ele, que tomou conta do Brasil em 2015 e 2016, e relatará as causas e consequências na população brasileira, com foco nas mulheres. Além disso, se abordará o porquê da população feminina ter sido mais afetada usando dados das ciências biológicas e dados socioeconômicos que mostram problemas estruturais do Brasil. Apesar deste capítulo começar com um assunto de Ciências Biológicas, entende-se que conhecer o ZIKV e as doenças resultantes dele é imprescindível para compreender as consequências sociais da epidemia causada por ele.

1.1. A história do zika vírus (2015-2017)

Talvez a imagem mais lembrada atualmente, quando se fala em Zika Vírus, é a imagem da mãe com o seu filho portador da Síndrome Congênita do Zika Vírus, similar a imagem capa da página oficial do site sobre Zika, da Organização Mundial da Saúde (ZIKA, 2021). A imagem é relativamente recente para a ciência.

O Zika Vírus foi descoberto em 1947 em um macaco-rhesus na região da floresta Zika, em Uganda, mas foi na década de 1950 que o vírus em questão foi detectado em humanos na Nigéria e em mosquitos do gênero Aedes na África Subsaariana (SLAVOV, et al. 2016). Já na década de 1960, o ZIKV foi detectado no mosquito Aedes aegypti na Malásia, Sudeste Asiático ( ARORA, 2020) .

Figura 1: Capa do site da Organização Pan-Americana de Saúde sobre Zika Vírus.

Uma mãe segurando seu bebê com Síndrome Congênita do Zika Vírus.

(Fonte: OPAS/OMS, 2022)

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Devido a ter sido encontrado em dois continentes, estudos filogenéticos 6 mostram que o ZIKV possui duas linhagens, a africana e a asiática (SLAVOV, et al.

2016). Além disso, o ZIKV pertence à mesma família do vírus da Dengue e Chikungunya, doenças que assolam o Brasil, a família Flaviviridae (SOUZA, VOLTARELLI, SOUZA, 2020) . Também são vírus conhecidos como arbovírus, isto é, vírus que são capazes de serem transmitidos por artrópodes, como mosquitos, outros tipos de insetos e também por aracnídeos (DINIZ, 2016). Na cepa asiática, o principal transmissor é o mosquito do gênero Aedes ; já a cepa africana foi também isolada em mosquitos de outros gêneros, mostrando uma maior adaptação e risco de contágio (SLAVOV, et al. 2016).

Desde a descoberta do ZIKV, casos foram reportados nas suas zonas endêmicas, como Malásia, Tailândia, Índia e Indonésia, sendo estes casos ligados à cepa asiática, além de casos ligados à cepa africana em países como Egito, Serra Leoa e Gabão ( SAMPATHKUMAR, SANCHEZ, 2016) . Antes, o que se sabia sobre o Vírus Zika era que quando em contato com o corpo humano após uma picada de mosquito, causa sintomas como febre, dores nas articulações, conjuntivite e seu sintoma mais típico, erupções cutâneas (OPAS/OMS, 2015). Mas pouca importância foi dada ao vírus, até que em 2007 houve um surto em uma pequena ilha fora de sua zona endêmica, nas Ilhas Yap, na Micronésia, Oceania. Inicialmente achou-se que a doença que assombrava a ilha fosse a Dengue, mas exames comprovaram a presença da linhagem asiática do ZIKV. Anos depois, em 2013 e 2014, houve um novo surto da linhagem asiática, dessa vez na Polinésia Francesa com cerca de 19.000 casos (SLAVOV, et al. 2016). A infecção pelo vírus foi associada a casos de Síndrome de Guillain-Barré ( SAMPATHKUMAR, SANCHEZ, 2016) , doença que ataca o sistema nervoso “caracterizada por rápida evolução ascendente de fraqueza de membros” (NÓBREGA et al ., 2018, p. 2) podendo levar à insuficiência respiratória, outras sequelas para toda vida e até mesmo levar ao óbito. Após o surto na Polinésia, houve a rápida disseminação do ZIKV para outras ilhas do sul do Pacífico (SLAVOV, et al , 2016), como a Ilha de Páscoa, que pertence ao Chile.

Não se sabe exatamente como a linhagem asiática chegou ao Brasil. A possibilidade é de que um dos três eventos esportivos, que aconteceram no Brasil

6 Estudos filogenéticos são estudos das Ciências Biológicas, que são capazes, através da análise molecular, de determinar “o caminho evolutivo e epidemiológico de agentes etiológicos de doenças”

( CALDART, et al. , 2016).

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próximos ao surto da Polinésia tenham possibilitado esse contato: a Copa das Confederações da Fifa, em junho de 2013, a Copa do Mundo da Fifa, em junho e julho de 2014 e o Campeonato Mundial de Va’a (canoagem polinésia) em agosto de 2014 (DINIZ, 2016).

Apesar de estudos recentes afirmarem a presença do ZIKV já em 2014 (HENNESSEY; FISCHER; STAPLES, 2016), as suspeitas de uma nova doença em território brasileiro começaram em meados do início do ano de 2015. A presença de sintomas que pareciam uma Dengue fraca, mas não se encaixavam nos típicos sintomas de Dengue e Chikungunya, intrigou médicos já acostumados a tratar essas duas doenças, que marcavam presença na região Nordeste há muito tempo (DINIZ, 2016). Os sintomas mais característicos da nova doença eram “rash cutâneo e prurido, ou seja, manchas vermelhas na pele que provocam intensa coceira” e febre fraca (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 2015b). A doença já havia tomado o Nordeste e médicos da região trocavam uns com os outros as características dos sintomas de seus pacientes (DINIZ, 2016).

As primeiras amostras de sangue enviadas ao Instituto Evandro Chagas, localizado no estado brasileiro do Pará, apontavam um Flavivirus desconhecido de suas bases de dados. Os médicos acreditavam que o vírus desconhecido tinha encontrado um vetor muito abundante no território e que há anos o Brasil luta para controlar, o Aedes aegypti (DINIZ, 2016) .

A confirmação científica de que o vírus desconhecido era o ZIKV aconteceu em abril de 2015, quase simultaneamente em dois estados brasileiros. O médico Dr.

Kleber Luz enviou amostras de sangue de pacientes do estado do Rio Grande do Norte para o Instituto Carlos Chagas, no Paraná, enquanto dois pesquisadores da Bahia, Dr. Gúbio Soares Campos e Dra. Silvia Sardi, com amostras de sangue de pacientes da cidade de Camaçari-BA, também encontraram o ZIKV e reportaram à mídia (DINIZ, 2016). O Ministério da Saúde confirmou em 14 de maio os casos comprovados em laboratório, completando que a doença causada pelo ZIKV teria “evolução benigna” (AGÊNCIA BRASIL, 2015).

O número total de casos registrados de ZIKV no Brasil em 2015 foi entre 497.593 e 1.482.701 casos (BRASIL, 2016) . Segundo a OMS, desde a descoberta da circulação do ZIKV em 2015 nas Américas, “A transmissão do vírus Zika por mosquitos foi relatada em 33 países e territórios dessa região” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016, tradução própria), sendo o Brasil o país com número mais

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alto de casos entre os países das Américas, seguido da Colômbia com 134.104 e El Salvador com 36.776 casos (PAHO/WHO, 2019, tradução própria ). Em 2016 os números de casos saltaram em todas as Américas. O Brasil com o maior índice, teve o número total de casos de 2.191.232, seguido da Colômbia com total de casos de 733.688 e Venezuela com 493.528 ( PAHO/WHO , 2019, tradução nossa ). Os estados brasileiros mais afetados, entre janeiro de 2016 e agosto de 2017, foram Alagoas, Bahia, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Tocantins (PAHO/WHO, 2017).

Com o progressivo aumento dos casos de Zika, assim como no surto de 2013 na Polinésia Francesa, alguns estados brasileiros como Bahia (PAHO/WHO, 2016), Pernambuco ( NÓBREGA et al ., 2018) e Rio Grande do Norte (ARAÚJO; FERREIRA;

NASCIMENTO, 2016) apresentaram aumento exacerbado de casos da doença neurológica paralisante, Síndrome de Guillain-Barré. A princípio não se sabia da relação da SGB com a Zika, já que a doença neurológica causada por uma reação autoimune do corpo pode ser desencadeada por vários tipos de infecções causadas por bactérias e vírus, como o da HIV e até mesmo o vírus da Dengue ( NÓBREGA et al. , 2018 ) mas havia forte consenso científico (DINIZ, 2016), inclusive da própria OMS (PAHO/WHO, 2016), de que a relação entre as duas doenças não era pura casualidade de tempo e espaço.

Assim como o aumento de casos de Dengue, Chikungunya e Zika (CASTRO, 2015) e da SGB em 2015, o Brasil também estava enfrentando um súbito aumento de casos de microcefalia em fetos e recém nascidos, ou seja, fetos e recém nascidos com o céfalo menor que a média de tamanho. A microcefalia também pode ser causada por uma série de fatores patogênicos e genéticos, mas o índice da condição é muito pequeno dentre os nascidos vivos (MARINHO; et al ., 2020;

SLAVOV et al ., 2016). A média anual de casos de microcefalia em 2015 foi quase 10 vezes maior do que a média registrada entre 2000-2014 (MARINHO; et al ., 2020).

Em 11 de novembro de 2015, diante do elevado número de casos, o Ministério da Saúde decretou “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) por alteração do padrão de ocorrência de microcefalias no Brasil” (BRASIL, 2015). A Portaria Nº 1.813, DE 11 DE NOVEMBRO DE 2015, que estabelece a ESPIN pedia um esforço conjunto entre Sistema Único de Saúde, governos estaduais e municipais para que fosse elaborado um plano de ação para controlar o surto e descobrir a origem do aumento de casos (BRASIL, 2015). Os estados brasileiros com mais

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casos de microcefalia estavam no Centro-Oeste, Norte e Nordeste (BRASIL, 2016), como mostra a Figura 2.

Figura 2: Distribuição Geográfica de Casos Notificados e Confirmados de Microcefalia e/ou alteração do Sistema Nervoso Central (Snc) no Brasil, até a Semana Epidemiológica (Se) 14/2016.

(Fonte: BRASIL, 2016, p. 03)

O primeiro mapa do Brasil da Figura 2 mostra casos notificados, casos em que a criança tinha o perímetro cefálico ao nascer menor que perímetro padrão estipulado, padrão que variou diversas vezes durante a epidemia. Os casos de perímetro menor eram comunicados para as autoridades locais para controle epidemiológico, possível investigação e assistência (TEIXEIRA, 2016). O segundo mapa mostra os casos confirmados. Em ambos os mapas percebe-se a predominância de casos tanto notificados, quanto confirmados na região Nordeste do Brasil.

Médicas obstetras do estado da Paraíba, como a Dra. Adriana Melo e Dra.

Melania Amorim, foram as primeiras a perceber a coincidência dos casos de microcefalia e as Zika nas mães (DINIZ, 2016). Neurologistas pediatras de Pernambuco, como Dra. Vanessa e Dra. Ana Van der Linden, e a Dra. Regina Coeli, observaram o padrão de calcificações no cérebro dos fetos durante ultrassons e

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notaram características diferentes. A Dra. Vanessa Van der Linden classificou como “diferente de tudo que já tinha visto" (DINIZ, 2016, p. 73). O novo padrão parecia ser causado por infecções virais. Mais uma vez o Zika foi colocado como potencial fator.

A confirmação da presença do ZIKV veio com a análise do líquido amniótico de duas mulheres grávidas da Paraíba, Géssica Eduardo dos Santos e Maria da Conceição Alcantara Oliveira Matias (BRASIL, 2017). Ambas foram as primeiras mães a saberem, dentre tantas outras mulheres que viriam após elas, que a causa da microcefalia de seus bebês, era sinal da infecção pelo ZIKV.

A relação entre o aumento de microcefalia no Brasil com a Zika foi confirmada pelo Ministério da Saúde em 28 de novembro de 2015, 7 meses depois da descoberta do vírus em território brasileiro. A doença antes negligenciada, que não trazia preocupações da ciência dos países desenvolvidos, a partir de tal descoberta o Zika deixou de ser uma doença benigna e ganhou porte de epidemia, pois como colocado antes, vários outros países das Américas tinham casos de Zika já nos primeiros meses de 2015 e posteriormente também tiveram casos de Síndrome Congênita (WHO, 2016). A Epidemia passou a fazer parte da agenda de saúde global com a declaração da OMS de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) devido ao potencial de se tornar internacional, implicando que os Estados afetados seguissem uma série de normas previstas pelo Regulamento Sanitário Internacional (2005).

Em 2016, o Governo Federal do Brasil publicou a “Estratégia de Resposta ao vírus Zika e o combate ao mosquito transmissor”, em que apresentava uma estratégia “organizada em 7 temas” (BRASIL, 2016, p. 2): Estratégia e Governança;

Combate; Cuidado e Acolhimento; Ciência, Tecnologia e Inovação; Controle e Monitoramento; Comunicação; Parcerias (BRASIL, 2016, p. 2-4). Dentro dessas estratégias estavam visitas de inspeção para eliminação de focos de criadouros de mosquitos, com o envolvimento de militares para visita de lugares públicos, uso de produtos capazes de matar o mosquito e suas larvas e o incentivo à participação da sociedade na eliminação dos mosquitos. Além disso, a estratégia incentivava o uso de métodos para prevenção de picadas do mosquito, como repelentes. Para as crianças com microcefalia, a estratégia previa o acolhimento da criança e da família pelo Sistema Único de Saúde, além de auxílio monetário às famílias afetadas (Ibid., p. 4).

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O governo brasileiro colocou a eliminação do vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti , como o principal meio de contenção da doença. O combate contaria com a população civil, além do “ Ministério da Saúde, Secretarias de Saúde, Educação, Segurança Pública (PM e Bombeiros), Assistência Social, Defesa Civil e Forças Armadas” (GOVERNO FEDERAL LANÇA PLANO DE ENFRENTAMENTO À MICROCEFALIA, 2015). Vale destacar que, segundo o relatório do Human Rights Watch (2017), o controle doméstico para não proliferação do Aedes aegypti era feito em sua maioria pelas mulheres.

Além da estratégia publicada pelo governo brasileiro, membros do Ministério da Saúde Brasileira deram declarações não favoráveis a gravidez frente às incertezas da doença. O Ministro da Saúde da época, Marcelo Castro, declarou que “Sexo é para amador, gravidez é para profissional. A pessoa que vai engravidar precisa verdadeiramente tomar os devidos cuidados preparatórios antes e durante a gravidez” (SOUZA, 2015). O diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, disse: "Não engravidem agora. Esse é o conselho mais sóbrio que pode ser dado" (SILVEIRA, 2015).

Entretanto, a recomendação não levou em conta as particularidades do Brasil, onde cerca de mais da metade dos nascimentos são de gravidezes não planejadas (DINIZ et al ., 2020.) Além disso, as realidades individuais das mulheres e suas dificuldades de acesso a anticoncepcionais ou informações adequadas, não foram levadas em consideração. A maioria não tem informações claras sobre meios de evitar a gravidez, mesmo tendo acesso aos contraceptivos, fornecidos pelo Sistema Único de Saúde Brasileiro; também não têm as informações certas de como usá-los corretamente. Muitas mulheres ainda relatam que foram mal orientadas (LIMA, IRIART, 2021a; DINIZ, et al ., 2020). Algumas não têm acesso aos contraceptivos pois vivem em áreas afastadas e têm que se locomover quilômetros até a unidade de saúde mais próxima (BAUM et al., 2016). Segundo Marteleto et al (apud LIMA, IRIART, 2021b) muitos dos parceiros também se recusam a usar preservativos. No período da epidemia também não se sabia que o vírus podia ser transmitido sexualmente e evitar a Zika por meio da abstinência sexual não era uma prioridade para as mulheres grávidas (DINIZ et al. , 2020).

Em contrapartida do que era exigido das mulheres pelas políticas públicas para evitar a transmissão do Zika, muitas mulheres também relataram terem sido pouco orientadas sobre como evitar a proliferação do mosquito e ainda dificuldades

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para que pudessem acessar medidas de controle, como repelentes (HUMAN RIGHTS WATCH, 2017).

Declarações como as do Ministério da Saúde, somadas ao aumento dos casos de microcefalia, além de óbitos fetais relacionados à microcefalia e/ou outras malformações do Sistema Nervoso Central (PAHO/WHO, 2017), mudaram a percepção da Zika para milhões de mulheres no Brasil e outras localidades onde a doença circulava, principalmente para as mulheres em idade reprodutiva e mulheres grávidas. A mulher foi colocada na posição de principal responsável pela proteção e saúde de seu corpo, ou mesmo como culpada pela condição de saúde dos seus filhos, entretanto, como será exposto mais à frente, o fato de seus filhos possuírem ou não a Síndrome Congênita do Zika não depende apenas do fato de a mulher ter se protegido o bastante ou não.

1.2. A epidemia para as mulheres e crianças (2015- )

Ela desatinou, desatou nós (e um homem não me define, minha casa não me define) Vai viver só (minha carne não me define) (Eu sou meu próprio lar) Ela desatinou, desatou nós (e um homem não me define) Vai viver só (minha carne não me define) (FRANCISCO, EL HOMBRE, 2016, Triste, Louca ou Má )

Diante do que foi exposto, percebe-se que a mulher foi colocada como principal responsável por conter a infecção pelo Zika. Para as mulheres em idade reprodutiva havia o medo de engravidar, para as mulheres grávidas, o medo do diagnóstico de microcefalia em seus filhos. Para as mulheres da primeira fase da epidemia, em 2015, quando não se sabia dos perigos da infecção pelo ZIKV, muito menos os riscos para a gravidez, a preocupação era o que significava a microcefalia e como ela iria afetar os seus filhos.

Muitas das mães cujas histórias foram narradas por Débora Diniz e muitas outras mães cujos rostos, nomes e histórias não conhecemos, mas que fazem parte das estatísticas do Zika, são, em sua maioria, mulheres jovens, pretas ou pardas, de baixa renda, com pouca escolaridade, principalmente nordestinas e que vivem em áreas com baixo nível socioeconômico (BARBEIRO-ANDRÉS et al ., 2020;

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MARINHO et al ., 2020; SANTANA et al ., 2016; DINIZ, 2017). Foram elas que tiveram suas gravidezes afetadas pelo vírus.

Durante a epidemia, as mulheres passaram por um grande estresse e tensão no período do pré-natal (ZIKA, 2017; HUMAN RIGHTS WATCH, 2017). Além disso, as mulheres também relataram dificuldades de acesso a ultrassonografias após a presença de sintomas da Zika (HUMAN RIGHTS WATCH, 2017), o que aumentou o medo e ansiedade diante da incerteza. Se detectadas as calcificações no cérebro do feto, ou indicativos da microcefalia, como a medida da cabeça menor que o parâmetro colocado pelo sistema de vigilância epidemiológica, as mães muitas vezes viviam momentos de grande ansiedade (SANTOS, FARIAS, 2021). Além do medo da perda fetal e da morte fetal intrauterina também havia o fato de pouco se saber, até mesmo dentro do meio científico, sobre as consequências reais do efeito do ZIKV nas crianças; as mães, da mesma forma, também pouco sabiam sobre a microcefalia e as consequências no desenvolvimento de seus filhos. Nas entrevistas feitas por Débora Diniz (2017), também pode-se observar que existe uma falta de conhecimento por parte das mães sobre os significados dos diagnósticos. Segundo Pimentel et al, "a imprecisão dos dados e a falta de conhecimento acerca do vírus e suas consequências podem influenciar diretamente a vulnerabilidade das mães de bebês com microcefalia, afetando, inclusive, na prevenção e no cuidado a estes”

(2018, p. 4).

Assim, as incertezas da Zika e o conhecimento sobre a Síndrome Congênita do Zika Vírus foram e ainda são respondidas por meio do acompanhamento das crianças, acompanhando nelas seus crescimentos e o aparecimento de novas manifestações. Hoje se sabe que a Síndrome Congênita do Zika Vírus nem sempre manifesta microcefalia, e que a maioria das crianças apresentam “calcificação intracraniana, ventriculomegalia, volume cerebral diminuído [...] hidrocefalia, epilepsia, irritabilidade, anormalidades visuais, anormalidades auditivas, anormalidades nos membros, atraso no desenvolvimento psicomotor, disfagia”

(TEIXEIRA et al. 2020, p. 570). Sabe-se também da possibilidade da transmissão do ZIKV por relações sexuais, portanto, mesmo que a mulher não tenha apresentado sintomas da Zika, seu parceiro pode transmitir o ZIKV para a mulher e para o feto (TEIXEIRA et al. 2020).

Desde a medição da cabeça até a comprovação da síndrome, as mães e/ou cuidadoras têm o trabalho redobrado, já que além dos trabalhos que requerem um

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recém-nascido, também têm que se deslocar para a realização de vários exames específicos para detectar a síndrome (DINIZ, 2017). Com a comprovação, vêm novas necessidades; as crianças com as deficiências causadas pela Síndrome do Zika necessitam de estimulação precoce semanal, do acompanhamento pediátrico (puericultura), além de outros tratamentos específicos, de acordo com os sintomas e diagnósticos apresentados. Algumas mães, que na maioria dos casos são as principais e únicas cuidadoras das crianças, tiveram que deixar o trabalho assalariado. Outras mães, as adolescentes, deixaram a escola, para se dedicarem totalmente aos cuidados dos filhos. Para muitas dessas mulheres, além dos cuidados com a criança com a SCZ, também há o cuidado com os outros filhos e o trabalho doméstico (DINIZ, 2017).

Apesar dos esforços das mães e cuidadoras para que seus filhos recebam os cuidados necessários, como remédios e fisioterapia, muitas mães relataram dificuldade de acesso a estes (HUMAN RIGHTS WATCH, 2017; DINIZ, 2016; DINIZ, 2017). Ao contrário do que previa a “Estratégia de Resposta ao vírus Zika e o combate ao mosquito transmissor” (2016), muitas famílias foram e estão desamparadas de assistência estatal.

Para muitas mulheres, a desassistência está relacionada com a dificuldade de se deslocarem até as unidades de saúde. Muitas mulheres do estado de Alagoas, entrevistadas por Débora Diniz (2017), moram em áreas rurais e afastadas dos grandes centros urbanos. Para algumas, o trajeto chega a ser de 6 horas e há uma dependência dos carros de prefeituras e ambulâncias, que nem sempre estão disponíveis para levar as crianças. Em outras localidades esse serviço de transporte nem existe (DINIZ, 2017). Mães de outras localidades, como no estado de Pernambuco, também relatam a falta de transporte para levar os filhos até as unidades de saúde para realizar a estimulação precoce (SANTOS; FARIAS, 2021).

Para muitas outras, existia a dificuldade monetária e a dificuldade de conseguir o Benefício de Prestação Continuada, que desde a sua criação pela Lei Nº 13.301, de 27 de junho de 2016, até 2020, era um benefício temporário de até três anos, delimitado para crianças com microcefalia, então necessariamente portadora da Síndrome Congênita do Zika, no valor de um salário mínimo dado em nome da criança (BRASIL, 2016). Segundo Diniz (2017) a grande burocracia, falta de documentos, exigência de um nível de pobreza extrema e mais uma vez a falta de transporte, fizeram com que várias famílias não tivessem acesso a esse benefício.

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Assim, muitas famílias viviam apenas com o BPC ou com apenas o salário do pai da criança, e se conseguissem o BPC não teriam a concessão de qualquer outro auxílio. Além disso, como continua Diniz (2017), com a exigência do nível extremo de pobreza, há a necessidade de que a mãe passe a ser cuidadora integral para que a família tenha acesso ao BPC:

[...] a cotidianidade das mulheres passa a ser de cuidadora, e quem é remunerada pela existência ou pelo trabalho é a criança, e não sua vinculação de dependência com a mãe. Há um desaparecimento da mulher cuidadora com direitos ou necessidades, e a emergência de uma figura de excessiva maternagem – seja para o cuidado da criança ou para a sobrevivência familiar. Como cuidadora, a figura da mulher como cidadã inexiste para as políticas sociais de transferência de renda ou para políticas contributivas de aposentadoria. (DINIZ, 2017, p. 45)

Para Santos e Farias (2021), as dificuldades de acesso à saúde impostas às mães e seus filhos, não só afetam as crianças, mas também causa danos à saúde física e mental das mulheres, como fadiga crônica e dores incapacitantes.

Além dos problemas citados, muitas mulheres têm que lidar com o preconceito e discriminação da sociedade com as crianças. Débora Diniz (2017) ao desbravar o sertão em busca das crianças com a SCZ, relata que muitas pessoas conheciam as crianças com SCZ como as “crianças com o probleminha do mosquito” ou “crianças de cabeça pequena” (Ibid., p. 22). Além disso, muitas mães relataram que, no dia a dia, muitos queriam tocar e fotografar as crianças (Ibid., p.41). O preconceito é muitas vezes relatado pelas mães como curiosidade, como foi visto em entrevistas com mães de Pernambuco, no estudo de Santos e Farias (2021). Esse preconceito é geralmente ligado à falta de conhecimento da população em geral sobre a SCZ e sobre deficiência, além de estar ligado ao estigma social de que os deficientes, por não terem o corpo idealizado como o “normal” pela sociedade, são considerados inferiores, fazendo com que as mães também negassem a palavra “deficiente” (SANTOS; FARIAS, 2021). Lidar com essas situações afetaram e afetam a saúde mental das mães, já que elas têm que lidar com a falta de suporte social e a segregação de seus filhos. Muitas se sentem isoladas e sozinhas, comprometendo assim seu bem-estar e afetando também o cuidado com os seus filhos.

A partir das dificuldades que cercam as mulheres, mães das crianças com Zika, destaca-se a importância da assistência psicossocial a essas mães. Também

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se destaca a importância do conhecimento e informação e do direito à informação e à educação, tanto para que as mães consigam identificar corretamente o diagnóstico das crianças, assim havendo a busca de tratamentos, ou mesmo para diminuir nas mães a ansiedade e medo relacionado à saúde dos filhos, além de instruir a população em geral sobre a SCZ e deficiência, para que as mães e crianças não sofram com preconceito e discriminação. Também destaca-se, como foi visto, a importância ao direito ao transporte para que as crianças e mães consigam ter acesso aos serviços de saúde oferecidos pelo SUS e para que assim o direito à saúde seja efetivado.

Também se evidencia a importância da saúde da mulher; não só da saúde reprodutiva, da qual foi dado o destaque na sugestão do Ministro da Saúde para que as mulheres não engravidassem (sem que houvesse um plano para que as mulheres tivessem acesso aos contraceptivos e o ensino de como usá-los), como também a saúde da mulher cuidadora e da mulher no geral, que é sujeito de direitos.

1.3. A epidemia da desigualdade: contexto social e econômico estrutural

Falar do contexto social e econômico da epidemia do Zika parece indissociável para entendê-la, já que ela teve um perfil de pessoas mais afetadas.

Nem todas as mulheres que tiveram Zika durante a gestação transmitiram por via placentária o ZIKV. Segundo Caires-Júnior et al . (2018), aproximadamente 6 a 12%

das infecções pelo ZIKV durante a gravidez resultarão em SCZ ( apud . BARBEIRO-ANDRÉS et al ., 2020). Assim, como sugere Barbeiro-Andrés et al . (2020), alguns cofatores podem ter contribuído para que a infecção estivesse mais concentrada nesse grupo de mulheres e no Nordeste, por exemplo. Após a análise de dados do Ministério da Saúde brasileiro sobre os territórios com a maior prevalência de casos de SCZ, observou-se que as regiões também apresentam um alto índice de desnutrição endêmica. A partir desses dados, os autores realizaram entrevistas com as mulheres mães de crianças com SCZ sobre suas alimentações e cerca 37,5% possuíam baixo consumo de proteína necessário durante a gravidez (Ibid., 2020). Injetando a linhagem encontrada no Brasil do Zika Vírus em camundongos grávidas desnutridas e camundongos com alimentação controlada, Barbeiro-Andrés et al . (2020), encontraram que ao contrário dos camundongos bem nutridos, o sistema imunológico dos camundongos prenhe desnutridos demoraram mais para combater o vírus; sua placenta foi comprometida, facilitando a

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transmissão vertical do vírus para os fetos, levando a SCZ (Ibid., 2020). Segundo a Secretaria de Atenção Primária à Saúde, “A desnutrição corresponde a uma doença de natureza clínico-social multifatorial, cujas raízes se encontram na pobreza”.

Um estudo baseado em dados da microcefalia entre 2015 e 2016 em Recife, capital do estado com mais casos de SCZ, Pernambuco, mostrou que “residir em áreas com condições de vida precárias estava associado a uma maior prevalência de microcefalia em comparação a residir em áreas com melhores condições de vida”

(SOUZA et al., 2018, p. 5, tradução nossa), sendo as condições de vida consideradas precárias no contexto da pesquisa, são baixas rendas mensais per capita, entre BRL 340,70 e BRL 674,76 e moradias em áreas superpopulosas sem saneamento básico (SOUZA, et al. ,2018).

Sabe-se que a região do Nordeste sofre com a escassez de água há tempos e com ela vêm as práticas de estocar a água, ideal para a proliferação do mosquito Aedes aegypti (HUMAN RIGHTS WATCH, 2017) . Mas o estudo de Pedrosa et al.

(2020), destaca outro problema relacionado com a água da região. Por meio de dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério da Saúde, o estudo observa que o período em que antecedeu a Epidemia do Zika no Nordeste foi um dos períodos de maior seca na região, o que favoreceu a proliferação de cianobactérias e suas neurotoxinas nos reservatórios de água do nordeste (Ibid., 2020, tradução nossa). A água contaminada com esses microrganismos, juntamente com suas toxinas, pode gerar dezenas de problemas de saúde e inclusive a morte. Por meio de experimentos com camundongas prenhes saudáveis e bem nutridas, sendo um grupo alimentado com água contaminada com as toxinas das cianobactérias a níveis considerados seguros pelo governo brasileiro e outro grupo alimentado com água filtrada e posteriormente infectando ambos os grupos com ZIKV, Pedrosa et al . (2020) observou que com a ingestão da água contaminada antes e durante a gestação, houve uma grande piora dos efeitos da infecção pelo ZIKV.

Um ponto importante a se destacar é que, a partir das pesquisas apresentadas, foi possível perceber que a epidemia para essas mulheres foi consequência de vários fatores, sobretudo a fatores socioeconômicos. Ao contrário do que propunha as estratégias do governo de combate e controle dos casos de SCZ, não basta apenas combater o vetor ou aconselhar que mulheres não engravidem.

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Apesar da maioria desses fatores terem sido estudados após a epidemia de 2015-2016, desnutrição, pobreza, qualidade da água e saneamento básico são fatores que são apontados pela OMS como indicadores de saúde e podem gerar outras complicações. Desnutrição em si já é um problema de saúde e pode levar a outros casos clínicos. Como foi visto no estudo de Barbeiro-Andrés et al . (2020), a desnutrição diminui a capacidade imunológica do corpo, já que o corpo possui uma deficiência de nutrientes e energia de que necessita. A qualidade da água também é um fator importante, já que a água, por exemplo, pode conter uma série de microrganismos ou ainda produtos químicos, metais pesados, entre outros, que podem levar ao adoecimento.

Além disso, segundo a Constituição da OMS, "a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (WHO, 1948). Também se deve destacar, sem esgotar-se, sobre o conceito de Determinantes Sociais da Saúde, defendido pela OMS e que relaciona as condições de vida e trabalho dos indivíduos com sua situação de saúde, atestando que “são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população” (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007, p.

78). Seguindo os preceitos da OMS, pode-se dizer que essas mulheres mais afetadas pela epidemia, muito antes da presença do Zika, não gozavam de um estado de saúde ideal, e que durante e após a epidemia, tiveram sua saúde mental e física ainda mais prejudicadas.

O fim da epidemia foi oficializado pela OMS com o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional no final de 2016, e o governo brasileiro decretou o fim da ESPIN em 2017, com a diminuição dos casos. Entretanto, não houve a resolução dos problemas estruturais, que como foi visto, afetaram mais as mulheres e propiciaram uma epidemia. Sequer foi levado em conta pelas autoridades governamentais que os problemas colocados aqui se configuram como problemas que se relacionavam com a crise de saúde do Zika, e que deveria ter um planejamento para a melhoria dessas questões. Ainda hoje o Zika e a SCZ estão presentes no Brasil. Só em 2020, 1.007 casos de SCZ foram notificados (BRASIL, 2021).

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2. DIREITOS HUMANOS: DO DISCURSO TRADICIONAL A TEORIA CRÍTICA

O segundo capítulo abordará teoricamente os Direitos Humanos. Em um primeiro momento, os conceitos hegemônicos, a visão de autores da chamada Teoria Tradicional dos Direitos Humanos, como de Norberto Bobbio. Seguindo, o capítulo abordará a Teoria Crítica de Direitos Humanos, segundo a visão de dois autores: Joaquín Herrera Flores e David Sanchez Rubio. O objetivo é discutir os Direitos Humanos sob algumas óticas e de maneira crítica, de forma que ao discuti-los, os colocamos no plano real. Assim os direitos humanos possam se tornar cada vez mais um horizonte de esperança para as da mulheres

2.1. Direitos humanos desde o discurso tradicional

Para Ayres et al. (2003, p. 82), “pessoas e grupos que não têm seus direitos respeitados e garantidos têm piores perfis de saúde, sofrimento, doença e morte”

(apud PIMENTEL et al ., 2018). Como foi visto anteriormente, a situação pregressa das mulheres vítimas da epidemia do ZIKV facilitou para que elas fossem mais vulneráveis ao vírus. Por sua vez, a epidemia perpetuou e aprofundou ainda mais os problemas enfrentados por essas mulheres. Por meio desses problemas no contexto da epidemia, pode-se ver que houve uma não observância dos Direitos Humanos das mulheres, mesmo que estes estejam ditados na Constituição Brasileira e nos tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil faz parte.

Para entender melhor a situação em que as mulheres se encontram e a violação dos Direitos Humanos, é necessário falar sobre os Direitos Humanos, pois como coloca Anne Murray, “Se estamos interessados em transformar nossas sociedades promovendo a saúde das mulheres, é importante tornar central o conceito de direitos humanos e justiça, como contexto básico para todos os nossos programas de assistência a meninas e mulheres” (MURRAY, 2013, prólogo, tradução nossa) 7 .

Assim, primeiramente deve-se entender que os Direitos Humanos são temas complexos discutidos por diversos autores, juristas e ativistas. C omo coloca Berne e Lopes, “O conceito de direitos humanos é polissêmico, diversas interpretações são

7 Texto original: “If we are interested in transforming our societies by promoting women’s health, it is important to make the concept of human rights and justice central, as the basic context for all of our programs to assist girls and women” (MURRAY, 2013, prólogo).

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possíveis, de acordo com as premissas e pressupostos de cada autor” (2014, p.

128). A ideia de "Direitos Humanos" nasce no Ocidente com o "Direito dos homens".

As teorias filosóficas do século XVII, como a filosofia de John Locke, segundo a qual os homens, em seu estado de natureza, se apresentam como livres e iguais, não podendo então estar estes subordinados a um outro homem, ou eliminar esses mesmos direitos que o pertence desde seu nascimento (LOCKE, 1994), foi absorvida pelos ideais da burguesia das Treze Colônias Britânicas, que reivindicavam a ideia de que “os homens têm direito a uma igual liberdade”

(BOBBIO, 2004, p. 32), ou seja, uma igualdade perante a lei, que “exercia a função de garantia fundamental da livre concorrência” (COMPARATO, 2015, p. 113), importante para a burguesia que queria se libertar do poder absolutista, principalmente para poder colocar em prática o livre mercado.

Ao assumir tais valores, proclamados na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América e na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 na França (Ibid., 2015), a burguesia estadunidense e francesa justificaram e positivaram, em âmbito interno, a emancipação ao poder absoluto da monarquia, mas não libertaram as pessoas em situação de escravidão ou deram às mulheres igualdade política; ao contrário, justificou ainda mais a perseguição aos grupos que não viviam de acordo com os preceitos, como a não valorização da propriedade privada, no caso dos nativos norte-americanos. Ou ainda o caso de Olympe de Gouges, revolucionária francesa que ditou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, pois a declaração de 1789 não contemplava as mulheres, e por isso ela foi condenada e morta (TELES, 2017). O sujeito dos Direitos Humanos era, então, o homem branco burguês. Para Bobbio (2014), a partir dessas declarações, tem-se a segunda fase dos Direitos Humanos, que deixam de ter um caráter jusnaturalista, para ganhar um caráter juspositivista, no âmbito interno dos Estados. Como coloca Wolkmer, os surgimento de “"novos" direitos materializam exigências permanentes da própria sociedade diante das condições emergentes da vida e das crescentes prioridades determinadas socialmente” (WOLKMER, 2013, p.125).

Para Bobbio (2004), a partir dessas declarações, tem-se a segunda fase dos Direitos Humanos, que deixam de ter um caráter jusnaturalista, para ganhar um caráter juspositivista, no âmbito interno dos Estados. A partir das Revoluções Burguesas, consolidou-se a hegemonia burguesa e houve a centralização do Estado-nação como fonte legitimadora do poder jurídico (WOLKMER, 2008).

Referências

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