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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP José Carlos Pereira

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Academic year: 2018

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José Carlos Pereira

O PODER SIMBÓLICO DA RELIGIÃO.

A Dialética da Exclusão e Inclusão nos Espaços Sagrados da Igreja

Católica na Região Metropolitana de São Paulo.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

José Carlos Pereira

O PODER SIMBÓLICO DA RELIGIÃO.

A Dialética da Exclusão e Inclusão nos Espaços Sagrados da Igreja

Católica na Região Metropolitana de São Paulo.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais (Sociologia) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Profª Doutora Josildeth Gomes Consorte.

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BANCA EXAMINADORA

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“Espera-se do sociólogo que, à medida do profeta, dê respostas últimas e (aparentemente)

sistemáticas às questões de vida ou de morte que se colocam no dia-a-dia da existência

social”.

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AGRADECIMENTOS

São tantas as pessoas e Instituições que colaboraram no processo de elaboração desta tese que se tornou, praticamente, impossível enumerá-las e agradecê-las, devidamente, como, de fato, merecem. Elas foram como que degraus que possibilitaram galgar com segurança o decurso desta pesquisa e chegar às conclusões aqui obtidas. Desse modo, agradeço a todos, indistintamente, mesmo as que não aparecem abaixo relacionadas.

Dentre as Instituições, quero expressar meu reconhecimento ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pelo auxílio financeiro, através da concessão da bolsa de estudos, sem a qual, teria sido mais difícil o aprofundamento desta pesquisa. Minha gratidão se estende, da mesma forma, à Província do Calvário, da qual faço parte, por ter dado permissão para que eu fizesse estes estudos. Devo, além disso, gratidão ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Puc-SP, por ter disponibilizado dedicados professores, os quais deram importante contribuição a esta investigação.

Dentre as tantas pessoas que fizeram parte da realização deste projeto, agradeço à Prof.ª Dr.ª Beatriz Muniz de Souza, primeira a orientar este trabalho. Ao Prof. Dr. Luiz Eduardo W. Wanderley por ter participado dos três estágios de avaliação do mesmo. Muitas das suas sugestões foram acatadas. Não posso deixar de agradecer, da mesma forma, ao Prof. Dr. Ênio José da Costa Brito, que, de alguma maneira, desde os tempos da graduação até hoje, foi presença constante em minhas produções acadêmicas. Quero explicitar, outrossim, os meus agradecimentos a todos aqueles que, de alguma maneira, facilitaram o acesso aos arquivos das paróquias pesquisadas, tanto do setor Pinheiros, na Arquidiocese de São Paulo, quanto do setor Santo Antonio, da Diocese de Osasco. Dentro desse campo aberto, destaco, com gratidão e carinho, a atenção que recebi de pessoas anônimas, cujas informações fornecidas, possibilitaram acessar o universo dos bens simbólicos aqui expostos.

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Agradeço, ainda, àqueles que, de alguma maneira, contribuíram para que este trabalho adquirisse a atual forma. Dentre estas pessoas, destaco a contribuição dada pelo Prof. Wagner Pigossi, que se dispôs a fazer a revisão ortográfica destes textos. A Sérgio Cadeso, que auxiliou na elaboração e formatação das imagens (mapas, gráficos e organogramas). Agradeço, igualmente, aos informantes privilegiados que encontrei nas duas áreas de pesquisa, os quais forneceram informações preciosas que contribuíram na elucidação do objeto desta pesquisa. Dentre eles, destaco o nome de Iracema Miranda Coronato que, nas longas conversas, sem perceber, oferecia-me as ferramentas necessárias para a construção desta tese. À Srª Clélia São João Kenworthy desejo expressar um especial agradecimento. Graças às suas generosas contribuições bibliográficas, pude levar a efeito a pesquisa da qual resultou nesta tese.

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RESUMO

Esta tese versa sobre o poder simbólico de excluir e incluir que a Religião Católica exerce na vida social de seus adeptos, configurada na influência que ela dispõe para circunscrever

status, seja dentro ou fora de seus espaços sagrados. Por um lado, essa condição se caracteriza

através da reprodução das desigualdades e do afrouxamento de vínculos religiosos e sociais por ela proporcionados. Por outro, reforça os laços sociais. Além disso, dentro dos templos e na hierarquia eclesial, há concessões de privilégios que evidenciam tal paradoxo. Isso é demonstrado em etapas sucessivas, classificadas de processo dialético, que dão ênfase às especificidades de desigualdades, anacrônicas e contemporâneas, que permeiam a estrutura da Igreja Católica. Para este estudo foram escolhidos dois campos distintos: um na região central de S. Paulo, denominado de setor Pinheiros, e outro na periferia de Osasco, chamado de setor Santo Antônio. A metodologia deste trabalho consiste num contraponto entre essas duas áreas de domínio da Igreja Católica e se divide em três capítulos que procuram concatenar o método dialético. O primeiro aborda os espaços sagrados, isto é, os templos, como lócus de

representações coletivas que constituem o imaginário religioso católico. O segundo capítulo, através de um Atlas da metrópole de São Paulo com diversos indicativos societários, analisa a dialética da exclusão e inclusão social e suas correlações com o fator religião. O terceiro e último capítulo trata da faculdade dos bens simbólicos da Igreja Católica, os sete sacramentos, com suas funções inclusivas e excludentes, tanto no imanente quanto no transcendente da vida do fiel. Nas considerações finais, foram reunidas as conclusões obtidas em cada capítulo, demonstrando, assim, não apenas a influência que a referida religião exerce no mundo social, mas também o arranjo social que ela possibilita na sociedade e no indivíduo.

Palavras-chave: Religião Católica, Poder Simbólico, Exclusão e Inclusão, Espaço Sagrado,

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ABSTRACT

This dissertation explains about the symbolical power of exclusion and inclusion exerted by the Catholic Religion in the social life of its devotees, based on the influence that it has to limit status inside or outside of its holy spaces. On the one hand, that condition is made of the reproduction of inequality and social and religious tie slackness provided by it self. On the other hand, it strengthens social laces. Furthermore, inside of the temples and on the ecclesiastical hierarchy we find privilege concessions that show clearly such contradiction. That is exhibited in successive stages, which are classified as a dialectic process, emphasizing the specificness of the anachronic and modern disparities that pass through the base of the Catholic Church. Two distinct sets were chosen in order to do this study: one in the Central region of São Paulo, known as Pinheiros sector and the other on the surroundings of Osasco, known as Santo Antonio sector. This work methodology consists in showing the counterpoint between those two different areas of the Catholic Church realm and is divided in three chapters that try to connect the dialectic procedure. The first one tells us about the holy space, which is the temple as a place of collective representation which establishes the Catholic Religion imaginary. The second one, through a map of the metropolitan area of Sao Paulo with various social indicatives, analyses the social exclusion and inclusion dialectics and its analogy to the religions factor. The third chapter talks about the faculty of the Catholic Church symbolic assets that are the seven sacraments and their exclusion and inclusion functionality both the immanent and the transcendent life of the Faithful. In the final considerations, the conclusions found in each chapter were joined again, showing in this way not only the influence the religion carries out in the social life but also the social arrangements that it enables in the community and for individual.

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RÉSUMÉ

Cette thèse traite du pouvoir symbolique d’exclure et d’inclure que la Religion Catholique exerce dans la vie sociale de ses adeptes et qui se manifeste par l'influence dont elle dispose pour circonscrire des statuts, soit au dedans soit au dehors de ses espaces sacrés. D’un coté, cette situation se caractérise par la reproduction des inégalités et le relâchement des liens religieux et sociaux qu’elle produit, et d'un autre côté, elle renforce les liens sociaux. Il y a par ailleur à l'intérieur des temples et dans la hiérarchie ecclésiale, des concessions de privilèges qui mettent en évidence ce paradoxe. Cela se réalise par étapes successives, qualifiées de processus dialectique, lesquelles mettent en lumière les spécificités des inégalités anachroniques et contemporaines présentes dans la structure de l'Église Catholique. Pour cette étude ont été choisis deux terrains d'enquête distincts: l' un dans la région centrale de São Paulo, appelé secteur Pinheiros, et l'autre dans la banlieue d’Osasco et appelé secteur Santo Antonio. La méthodologie de ce travail consiste à mettre en parallèle ces deux secteurs distincts de l’Église Catholique. Cette étude se divise en trois chapitres disposés selon un enchaînement dialectique. Le premier chapitre se réfère aux espaces sacrés,c’est-à-dire aux temples comme "locus" de représentations collectives qui constituent l’imaginaire religieux catholique. Le second, qui utilise un Atlas de la métropole de São Paulo comportant plusieurs indicateurs sociaux, analyse la dialectique de l’exclusion et de l’inclusion sociale ainsi que ses corrélations avec le facteur religieux. Le troisième chapitre aborde la caractéristique des biens symboliques de l’Église Catholique, les sept sacrements, et leur pouvoir d'inclusion et d'exclusion aussi bien dans l'immanent que dans le transcendant de la vie du fidèle. Dans les considérations finales ont été réunies les conclusions de chacun des chapitres qui montrent bien, non seulement l’influence exercée par la religion dans le monde social, mais aussi le réaménagement du tissu associatif que cette religion rend possible dans la société et dans l’individu.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CaIC = Catecismo da Igreja Católica (Catechismus Romanus)

CDD = Católicas pelo Direito de Decidir. CDF = Congregação da Doutrina da Fé.

CEBRAP = Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. CEBs = Comunidades Eclesiais de Base.

CEC = Congregação para a Educação Católica. CEDEC = Centro de Estudos de Cultura Contemporânea.

CEHILA = Centro de Estudos da História da Igreja na América Latina e Caribe. CELAM = Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano.

CEM = Centro de Estudos da Metrópole.

CEPID = Centros de Pesquisas, Inovação e Difusão.

CERIS = Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais. CIC = Codex Iuris Canonici.

CNBB = Conferência dos Bispos do Brasil.

CNPq = Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. CONIC = Conselho Nacional de Igrejas Cristãs.

CRB = Conferência dos religiosos do Brasil. CTI = Centro de Terapia Intensiva.

DIEESE = Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. ECC = Encontro de Casais com Cristo.

ENPs = Encontro Nacional de Presbíteros. EUA = Estados Unidos da América.

FAPESP = Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. FGV = Fundação Getúlio Vargas.

GS = Gaudium et Spes.

IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. IBOPE = Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. IURD = Igreja Universal do Reino de Deus.

Lv = Livro do Levítico.

MCC = Metropolitan Community Church. MEC = Ministério da Educação.

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OEx = Ordo Exsequiarum.

ONGs = Organizações não Governamentais. OPUS DEI = Obras de Deus.

OSIB = Organização dos Seminários Maiores do Brasil.

PED = Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de São Paulo. PSDB = Partido da Social Democracia Brasileira.

PT = Partido dos Trabalhadores. RCC = Renovação Carismática Católica. REB = Revista Eclesiástica Brasileira. RMSP = Região Metropolitana de São Paulo. SC = Sacrosanctum Concilium.

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SUMÁRIO

RESUMO.

ABSTRACT.

RÉSUMÉ

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.

INTRODUÇÃO... 14

CAPITULO 1. ESPAÇO SAGRADO E IMAGINÁRIO RELIGIOSO:

LÓCUS DE REPRESENTAÇÕES COLETIVAS... 20

1.1 Templo: Espaço Sagrado de relações sociais e representações coletivas... 20

1.2 O imaginário Religioso como guia analítico do espaço sagrado... 27

1.3 O Catolicismo na metrópole e a classificação dos espaços sagrados:

Lócus de relação social de aptidão... 32

1.4 O Perfil da população dos dois setores investigados... 51

1.5 Apanhado cartográfico e demográfico das duas áreas pesquisadas. 60

1.6 Tipologia dos atores sociais do templo católico da metrópole e seus procedimentos no espaço sagrado... 67 1.7 A Comunidade: espaço sagrado e lugar de representações sociais.. 72

1.8 Função social da comunidade religiosa. Supressão da exclusão... 86

CAPITULO 2 - A DIALÉTICA DA EXCLUSÃO E INCLUSÃO NOS

ESPAÇOS SAGRADOS... 93 2.1 A dialética e suas conceituações... 93

2.2 A noção de exclusão e seus desdobramentos... 97

2.3 O mapa do poder simbólico da Religião Católica. Cartografia das religiões na capital de São Paulo... 101

2.3.1 Mapa compactado da distribuição das religiões... 102

2.3.2 Evangélicos pentecostais: áreas de maior representatividade... 106

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2.3.4Pretos e pardos: mapa da distribuição da população

afro-descendente... 113

2.3.5Renda familiar: mapa da distribuição das famílias de acordo com a média mensal em salários mínimos... 116

2.3.6Privação social: classificação das áreas de acordo com a vulnerabilidade social... 119

2.3.7Migração: mapa das áreas de maior concentração de nordestinos... 121

2.3.8Escolaridade: mapa dos anos de estudo do chefe de domicílio... 124

2.3.9Violência: local de residência das vítimas de homicídio... 126

2.3.10 Religiões: mapa fragmentado da distribuição das religiões... 129

2.4 A Igreja Católica e a assimetria de direitos entre homens e mulheres. 132 CAPÍTULO 3 - O PODER E A FUNÇÃO DOS BENS SIMBÓLICOS NO PROCESSO DE EXCLUSÃO E INCLUSÃO... 142

3.1A Religião Católica e os bens simbólicos. Função social dos ritos e cerimônias... 163

3.2 Os sacramentos: ritos de passagem e ritos de inclusão... 169

3.3 Batismo. Afiliação religiosa, pertença e controle social... 173

3.4 Comunhão: pacto social com o sagrado... 198

3.5.Confissão, Penitência e Reconciliação. A inclusão mediante a expiação... 217

3.6.Confirmação. A ratificação de um pacto social... 234

3.7.Matrimônio. O caráter religioso do contrato social... 251

3.8.Ordem. O poder simbólico de segregar e consagrar... 279

3.9.Unção dos Enfermos. O terrível e o sublime nos ritos de inclusão no transcendente... 311

3.10.Os ritos fúnebres: cerimônias piaculares como expressão da ação social... 331

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 376

ANEXOS... 401

Anexo 1. Lista de Tabelas... 401

Anexo 2. Lista de mapas, figuras, organogramas e gráficos... 403

Anexo 3. Lista de quadros... 404

Anexo 4. Formulários de entrevistas... 405

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INTRODUÇÃO

Escrever sobre o poder simbólico da Religião Católica significa escrever, ao mesmo tempo, sobre exclusão e inclusão, tendo em conta o caráter paradoxal desta categoria de poder que, ao longo da história da Igreja, tem se demonstrado simultaneamente intransigente e complacente para com aqueles que a ele estão sujeitos. Para estudar esta categoria de poder, nota Pierre Bourdieu, “é preciso saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado” (Bourdieu, 1998: 7). À vista disso, elegemos estudá-lo a partir do delineamento que estrutura a doutrina da Igreja Católica e suas ações, os sete sacramentos, mas não sem antes contextualizá-los em espaços específicos, classificados, aqui, de espaços sagrados. Esfera onde ocorrem entre os atores sociais do campo religioso, os fiéis e os gerenciadores do sagrado, diversos tipos de relacionamento, dentre eles, relações de contenda que expressam a ação conflitante desta categoria de poder quando é colocado no nível da concorrência pela ocupação do espaço ou pelo gerenciamento dos bens simbólicos.

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auxiliaram na fundamentação desta pesquisa e que estão registradas em diversas páginas que compõem este trabalho.

A tese está dividida em três partes ou capítulos, nos quais se perceberá claramente que, embora o assunto principal desta pesquisa seja o poder simbólico da religião, pois trata da força e do domínio do sagrado e da influência da Igreja Católica na vida das pessoas e na sociedade, determinando comportamentos, atitudes e colocações sociais, constantes referências serão feitas à organização social, dentro e fora do espaço sagrado, bem como as cerimônias e rituais, principalmente as sacramentais, mas também as de cunho mágico e folclórico e demais aspectos da vida religiosa católica, além do tema principal. Adiantamos, portanto, que a questão social de que vamos nos ocupar se refere direta e estritamente à Religião Católica por ser esta uma fonte histórica de produção de bens simbólicos que, pelas suas características relevantes, sua predominância numérica e seus estreitos laços com outras formas de poder, principalmente o poder político, contribui para perpetuar, no imaginário religioso, a possibilidade de inclusão social a partir da inclusão religiosa.

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supressão da exclusão. Assim, em relação aos dois primeiros conceitos que atraíram nossa atenção neste primeiro capítulo, o espaço sagrado e o imaginário religioso, encontraremos no primeiro, por um lado, as normas, as regras, a ordem, a obediência, mas também por outro, os descomedimentos, a desordem e a desobediência. Defrontaremos também com prerrogativas outorgadas e um sistema de obrigações e de direitos e deveres bem definidos que ajudarão a formar o que chamamos de imaginário religioso, legitimando status dentro e fora do campo

religioso. Para Jacques Le Goff (1985: 11), o imaginário é dimensão. Ele pertence ao campo da representação social. Ou seja, na medida em que traduz uma realidade exterior percebida, alimenta o homem e o faz agir. Dessa maneira, para Le Goff, o que o homem considera realidade, como é o caso das representações do sagrado nos seus respectivos espaços, é fruto do próprio imaginário. Veremos, portanto, que há uma estreita relação entre o imaginário e o simbólico. O imaginário religioso se assenta e opera através dos sistemas simbólicos, os quais são construídos a partir da experiência dos atores sociais deste campo, dos seus desejos, aspirações e motivações. Ele é burilado e estabelecido por uma comunidade ou grupo, como uma resposta a seus conflitos, divisões e violências reais ou potenciais. É uma das forças reguladoras da vida coletiva no espaço sagrado, designando identidades, elaborando determinadas representações de si, estabelecendo e distribuindo papéis e posições sociais, exprimindo e impondo crenças comuns, construindo modelos de bom comportamento. Dessa forma, abordaremos o imaginário religioso como um elemento que interpreta a realidade, suscita a adesão a determinados sistemas de valores sagrados ao mesmo tempo em que motiva à ação e à reação.

No segundo capítulo, abordaremos mais diretamente a dialética da exclusão e inclusão nos espaços sagrados, delineando dentro deste enunciado, os três amplos conceitos chaves que nele aparecem: dialética, exclusão e inclusão. Aplicaremos a dialética como categoria ou método de pesquisa e, como metodologia, a mesma perpassará todo o trabalho, sejam nos conflitos, nas situações paradoxais ou nos diversos outros momentos menos evidentes, mas sempre sob essa perspectiva. De um modo geral, as conceituações de dialética terão, de modo indireto, fundamento nas teorias clássicas dos filósofos gregos (os pré-socráticos), além de Sócrates e Platão, e nas conceituações que foram destes derivadas, como as que apresentaram Aristóteles, Hegel, Marx e Engels e, por fim, a Escola de Frankfurt, com Theodor Adorno,

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o poder simbólico. Já os conceitos de exclusão e, em contrapartida, de inclusão, aparecerão como parte integrante desta dialética. É uma espécie de dinâmica da mesma, geradora de situações sociais que, de certa forma, sinalizam o poder simbólico da religião propriamente dito. A exclusão e seu contrário, a inclusão, serão tratadas a partir da perspectiva sugerida por Serge Paugam, além de aplicarmos conceituações usadas por outros autores que vêm trabalhando a mesma sob pontos de vista diversos, como Robert Castel e José de Souza Martins, entre outros. O que queremos elucidar é que o conceito de exclusão não será usado aqui apenas para designar os que estão alijados do mercado de trabalho, mas sim, como um conceito sociológico aplicado ao campo religioso, um conceito de fundo, cujo objetivo é ajudar a estruturar essa pesquisa no que tange à demonstração do poder simbólico da religião no que se refere às desigualdades que ocorrem nos espaços sagrados e ao enfraquecimento de vínculos religiosos com uma instituição tradicional que é a Igreja Católica, gerando uma crise de identidade religiosa que pode representar para os fiéis uma ameaça de perda do lugar que ocupam na Igreja e na sociedade. Queremos, portanto, estender a noção de exclusão para além do senso comum, colocando ao lado desta, outros conceitos, apontando outras noções a partir da análise do campo religioso. Ainda, neste segundo capítulo, traçaremos um mapa do poder simbólico, através do levantamento cartográfico das religiões que sobressaem na região metropolitana de São Paulo e seus vínculos com outros fatores sociais indicadores da exclusão e da inclusão social, como cor da pele, escolaridade, renda, privação social, mobilidade social (migração) e taxa de homicídio. Relacionadas a estas questões, apontaremos, de forma sucinta, as rupturas no espaço católico e o trânsito religioso, além das assimetrias de direitos que ocorrem na hierarquia católica que revelam a díspar relação nas instâncias sagradas da Igreja.

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Igreja. Em segundo lugar, terá destaque o sacramento da Comunhão que, como o próprio nome sugere, será visto como um pacto social com o sagrado e, como todo pacto, exige, de ambas as partes, um compromisso em que os dois lados serão beneficiados caso haja o cumprimento do que foi pactuado. Por terceiro, veremos o sacramento da Confissão, também conhecido como sacramento da Penitência ou Reconciliação. Nesse, o processo de inclusão se dá mediante a expiação dos pecados. Será tratado também como um importante instrumento de controle dos fiéis, sempre sob a ameaça velada de concessão ou não dos bens simbólicos da salvação. Já o quarto sacramento, a Confirmação, comumente conhecida como Crisma, será tratada sob o prisma da ratificação do pacto social formulado no Batismo. É um sacramento que, depois de um período de doutrinação, o fiel, geralmente adolescente, renova ou ratifica o pacto feito pelos seus pais e padrinhos por ocasião do Batismo, confirmando perante a comunidade e testemunha previamente escolhida, o suposto desejo de continuar na Religião Católica, submetendo-se às suas normas e doutrinas. O quinto sacramento, o matrimônio, talvez seja o que mais expressa o caráter social de uma cerimônia religiosa. Aqui ele será visto como um contrato social de caráter religioso em que duas pessoas do sexo oposto firmam, perante testemunhas, um contrato que lhes confere o status de pertença um ao

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Émile Durkheim (1989: 463), serão tratadas como cerimônias piaculares que expressam a

ação social. À vista disso, os velórios, espaços sagrados onde ocorrem os rituais das exéquias, serão vistos como espaços de representações sociais, enquanto que as cerimônias das missas do sétimo dia revelar-se-ão como o paradoxo do luto, ou seja, a negação da morte. Ritos necessários para a elaboração da morte e a reinserção na vida social.

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CAPÍTULO 1 - ESPAÇO SAGRADO E IMAGINÁRIO RELIGIOSO: LOCUS DE

REPRESENTAÇÕES COLETIVAS.

“O que existe de mais sagrado num templo é o fato de ser o lugar onde se vai chorar em comum. Um miserere cantado em coro por uma multidão açoitada pelo destino vale tanto quanto uma filosofia”. (Miguel de Unamuno, 1996: 52)

1.1Templo: espaço sagrado de relações sociais e representações coletivas.

Para abordar o poder simbólico da religião e sua influência na vida pessoal e social de cada indivíduo ou grupo, é necessário, antes de tudo, discutir a noção de espaço, uma vez que a religião e o poder inerente a ela se configuram a partir de áreas simbolicamente demarcadas. Por primeiro, recordamos que, segundo Mircea Eliade (1996: 25), “para o homem religioso, o espaço não é homogêneo”, ou seja, os espaços não são iguais e, ainda que pareçam similares, eles apresentam rupturas, linhas divisórias reais ou imaginárias e, por mais próximos geograficamente que estejam, apresentam entre si e no interior dos mesmos, “porções de espaços qualitativamente diferentes das outras” (Eliade, 1996: 25). Portanto, no conjunto das representações do campo social, há apenas dois predicamentos de recintos: o sagrado e o não sagrado, ou, como sugere Eliade, o profano. Tais categorias foram por ele profundamente esmiuçadas e, à vista disso, faremos uso destes dois conceitos para analisarmos os templos selecionados nesta pesquisa, vistos como espaços sagrados de relações sociais e representações coletivas. Nesta perspectiva, veremos mais adiante que a sagração dos templos e de seus espaços se dá por intermédio de rituais e, mais especificamente, através das cerimônias sacramentais, ritos indispensáveis para que o sagrado se instaure e sacralize, além do espaço, seus ocupantes, objetos e símbolos. Embora haja outros rituais menos visíveis que cumprem essa mesma função na Religião Católica, o rito sacramental é medular.

Não obstante o processo de sagração do espaço ora tratado, ele é, antes de tudo, um espaço

social, “definido pela exclusão mútua das posições que o constituem, isto é, como uma

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funções é derivada das relações díspares e hierarquizadas existentes na estrutura da Igreja e refletidas na arquitetura interna dos templos. Bourdieu diz que “não há espaço, numa sociedade hierarquizada, que não seja hierarquizado e que não exprima as hierarquias e as distâncias sociais” (Bourdieu, 2003: 160). Os espaços sagrados ou templos, como partes integrantes da sociedade, são, portanto, locais que reproduzem as estruturas sociais, onde os indivíduos adquirem um corpo de disposições que lhes permitem agir de acordo com as possibilidades existentes no recôndito dessa estrutura objetiva, que Bourdieu chamou de

habitus. Essa hierarquização na estrutura da Igreja e no espaço de seus templos, será um dos

aspectos que evidenciaremos no seguimento desta pesquisa para demonstrar como se manifesta o poder simbólico da religião e as exclusões e inclusões dele derivadas. Lembramos que, dentro dos templos, essas diferenças nem sempre são perceptíveis e, quando elas aparecem, são tidas por certos tipos de católicos, como naturais, enquanto que, para outros, é causa de contenda. O acatamento dessas diferenças ocorre, ou porque já estão calcadas no imaginário ou porque estão dissimuladas ou neutralizadas pelo respectivo poder simbólico enquanto que seu desacato é resultado do conhecimento desta realidade díspar e da não conformação com a mesma, suscitando, assim, conflitos que se configuram na disputa pelo poder. Pelo fato destas relações díspares parecerem surgidas da natureza das coisas sagradas, o domínio da mesma e das relações de uns sobre os outros ganha reforço, acarretando, por um lado, descontentamento e, por outro, subjugação.

Dessa forma, além da estrutura do espaço social que representa o templo, tratamos também do seu espaço físico, com nome, localização geográfica, logradouro, áreas internas demarcadas “onde um agente ou uma coisa se encontra situado, tem lugar, existe. Quer dizer, seja como

localização, seja, sob um ponto de vista relacional, como posição, como graduação em uma

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relações subjetivas no tocante ao mesmo. Desse modo, tratamos do templo e seus espaços físicos, como lócus de manifestação do sagrado e de representações coletivas. Se para

Durkheim o sagrado é um traço essencial dos fenômenos religiosos e se define pela oposição ao profano, o sentimento religioso, embora seja concretizado num templo consagrado, tem sua origem na própria vida social e se estabelece nestes respectivos espaços para nortear a vida social, por mais contraditórios e conflitantes que venham a ser.

Usamos também o conceito de sagrado dentro das concepções usadas por Peter Berger, Mircea Eliade e Rudolf Otto. Portanto, entenda-se aqui por sagrado “uma qualidade de poder misterioso e temeroso, distinto do homem e, todavia, relacionado com ele, que se acredita residir em certos objetos da experiência” (Berger, 1985: 38) e em certos locais. Berger aponta que estas qualidades podem ser atribuídas “a objetos naturais e artificiais, a animais, ou a homens, ou às objetivações da cultura humana” (Berger, 1985: 38). Dentro desta concepção, diz ele que se “há rochedos sagrados, instrumentos sagrados, vacas sagradas [...] pode-se atribuir a mesma qualidade ao espaço” (Berger, 1985: 38). É o que estamos a fazer quando nos referirmos ao templo. Tratamo-lo detendo-nos numa concepção de espaço em que há uma

hierofania, isto é, um lugar onde algo sagrado mostra-se ao homem e que, à vista disso, se

torna espaço diferenciado aonde se vai para a prática de rituais religiosos. É isso que caracteriza o templo católico como espaço sagrado de relações sociais. Nele, de maneira mais ou menos confusa, fluem o imaginário religioso e as representações sociais, configurados nos ritos sacramentais que misturam elementos da fé com exibição de poder, como veremos mais explicitamente quando tratarmos dos sacramentos.

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designam duas modalidades de estar no mundo. Ao manifestar-se, o sagrado entra na história, assumindo e expressando as características sócio-culturais da mesma. Essas características sócio-culturais ficarão patentes quando confrontamos as realidades dos templos das duas distintas áreas estudadas.

Para Rudolf Otto (1992), o sagrado é uma categoria de interpretação e de avaliação que, embora só exista no domínio religioso, denota a manifestação do poder divino que influencia a vida social. A essa manifestação, ele deu o nome de numen, ou seja, algo totalmente distinto

de qualquer coisa, experiência ou lugar. Desse modo, ainda que o sagrado se apresente como uma categoria complexa, é uma realidade de ordem absolutamente diversa da realidade natural, cujas características passam pela experiência daquilo que ele chamou de mysterium

tremendum, isto é, uma vivência de terror perante o ser ou objeto sagrado, similar ao que

Kierkegaard (1979: 107) chamou de tremor e temor diante das coisas grandiosas que se

encontram nos espaços sagrados e que merecem respeito.

Embora nossa pesquisa esteja centrada no território metropolitano, ressaltamos que não pretendemos entrar na árdua discussão sobre o conceito de cidade, tendo em vista que o

mesmo pode ser definido de formas muito diversas, e não é nosso objetivo entrar no mérito da questão conceitual deste tema. Pretendemos apenas situar, em linhas gerais, os locais onde se manifestam os diversos tipos de catolicismos aqui detectados e analisados no intento de estabelecer uma linha divisória entre as distintas maneiras de se relacionar com o sagrado, a fim de inferir dados que contribuam para a compreensão do poder simbólico da religião na vida social. Quanto à realidade urbana da metrópole, apesar da sua complexidade e extensão territorial e dos individualismos próprios deste ambiente, a mesma não significa ausência de relações sociais, ao contrário, impulsiona as pessoas a procurarem formas alternativas de relacionamento, sendo uma delas a busca pela comunidade religiosa. Nessa perspectiva, mais adiante voltaremos nossa atenção para as comunidades que se formam em torno dos templos, as igrejas, e teceremos ponderações acerca desse conceito opondo-o ao conceito de sociedade, mesmo que seja igualmente complexo falar de comunidade e sociedade numa realidade como a que analisamos.

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participantes das paróquias e capelas, conhecidas como comunidades, as relações sociais dos grandes centros urbanos estão cada vez mais duvidosas, além da violência e outros inúmeros fatores que ajudam a levar as pessoas a buscarem, na religião e nos seus templos, um espaço de segurança. Isso tem contribuído para a mobilização na busca de outras alternativas como os grupos e movimentos oferecidos pela igreja, onde, embora fiquem sujeitas a doutrinas, normas e condições, sentem-se mais seguras contra a violência, além de se sentirem sob a proteção divina. Percebemos que as ruas desta realidade analisada, apesar de terem deixado de ser espaço de socialização, sinalizando a lógica da individualização, esta não suplantou a necessidade inerente da vida em comunidade. Os locais públicos, como as ruas, por serem inseguros, representam, em vez de proteção e sociabilidade, desproteção e vulnerabilidade. Tornou-se perigoso andar nas ruas, por isso, num grande centro urbano como São Paulo ou a periferia de Osasco, elas passaram a representar lugares de vulnerabilidade, desempenhando apenas a função de vias de acesso aos locais mais seguros. Um desses locais a que estas vias têm levado é o templo, caracterizado no segmento desta pesquisa como espaço sagrado, portanto, um local de salvaguarda física e espiritual. Busca-se, desse modo, além da proteção divina, recuperar a sociabilidade, inerente ao ser humano. Requer-se, nele, um local que possibilite a formação de comunidade, de acordo com toda utopia que ela representa, isto é, demanda-se algo que seja o oposto da rua. Enfim, busca-se o templo porque nele há a promessa de relações fundamentadas na solidariedade e no amor mútuo. Nessa perspectiva, a igreja, através da idéia de comunidade, representa essa modalidade ideal de vida social, tornando-se, assim, portadora de uma utopia cujas ações no interior da mesma se configuram em representações simbólicas inclusivas, como veremos mais adiante. Assim, quando nos referimos ao templo, o usamos como sinônimo de espaço de comunidade, portanto, lócus de

representações sociais e espaço social de expressão do imaginário religioso.

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pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer” (Bourdieu, 1997: 28). Neste aspecto, a igreja não difere dos demais espaços sociais comandando, assim, “as representações que os agentes sociais podem ter dele” (Bourdieu, 1997: 27). Tais relações neste campo são representações de força e poder. Portanto, a igreja, templo, é também um espaço onde emergem relações conflituosas, semelhantes às que Bourdieu (1997: 27) focalizou ao analisar o espaço social global, classificado como campo.

“É isso que acredito expressar quando descrevo o espaço social global como um campo, isto é, ao mesmo tempo, como um campo de forças cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou transformação de sua estrutura” (Bourdieu, 1997: 27).

Nos templos, encontramos grupos que estão mobilizados para defender seus interesses, sejam eles de caráter político ou religioso. Ações que também podem ser caracterizadas como relações de domínio. Desse modo, o que Bourdieu sugere no texto acima, nós introduzimos no léxico da análise sociológica do campo religioso, principalmente as noções de “espaço social” e de “campo de poder” (Bourdieu, 1997: 48) visando provocar uma ruptura com a tendência de pensar o mundo social de maneira substancialista (Bourdieu, 1997: 48) ou mesmo reducionista. Com isso, percebemos que a noção de espaço, seja social ou religioso, “contém, em si, o princípio de uma apreensão relacional do mundo social: ela afirma, de fato, que toda

a ‘realidade’ que designa reside na exterioridade mútua dos elementos que a compõem”

(Bourdieu, 1997: 48). Dentro de um mesmo espaço social, seja ele sagrado ou não, convivem diferenças sociais que geram antagonismos individuais e grupais, revelando um campo de forças contrárias que, por sua vez, faz emergir os conflitos que Bourdieu classifica como “enfrentamentos coletivos entre os agentes situados em posições diferentes no espaço social” (Bourdieu, 1997: 49) e que nós chamamos de relações dialéticas de exclusão e inclusão. É o que ocorre, em diferentes níveis, no campo religioso, mais especificamente no templo como espaço sagrado.

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ocorrendo, com isso, transformações simbólicas geralmente atribuídas à manifestação divina. Não obstante, o que nos interessa no momento são as delimitações de fronteiras que estas representações provocam, tornando o espaço sagrado. Veremos que, para o fiel, ou, como sugere Eliade, para o homem religioso, “uma igreja, numa cidade moderna, faz parte de um espaço diferente da rua onde ela se encontra. A porta que se abre para o interior da igreja significa, de fato, uma solução de continuidade” (Eliade, 1996: 28), podendo, com isso, significar também uma porta que dá acesso ao mundo exterior, à sociedade como um todo, embora “o limiar que separa os dois espaços indica, ao mesmo tempo, a distância entre os dois modos de ser, profano e religioso” (Eliade, 1996: 35).

Estes templos, tidos como espaços sagrados, possuem divisões hierarquizadas, mas que nem sempre são visíveis. Somente quando se convive nestes espaços é que se percebe, com nitidez, que há subdivisões. Veremos que nos templos católicos são atribuídos graus variáveis de sacralidade a determinados locais e o acesso a eles é determinado pelo grau de inclusão daquele que o acessa. A sacralidade mais evidente encontra-se entre o presbitério e a nave central da igreja. No presbitério, o altar é mais sagrado que os assentos dos ministros e o assento dos ministros é mais sagrado que o lugar ocupado pela assembléia. Os que têm acesso ao altar são os sacerdotes, os ministros da Eucaristia, acólitos e coroinhas. O presbitério é o lugar mais sagrado, perdendo apenas para a capela do santíssimo onde ficam as hóstias consagradas (a Eucaristia). Como o próprio nome sugere, presbitério significa lugar do presbítero, do padre, portanto, os demais fiéis que adentram este espaço são aqueles que obtiveram permissão para tal, como os acima citados e, com isso, se destacam dos demais. Estas subdivisões estão no imaginário religioso das pessoas que freqüentam os templos e, à vista disso, as pessoas que têm acesso a eles são vistas como mais importantes que as demais. Isso representa a confirmação do grau de inclusão religiosa ou status perante a comunidade.

Dessa forma, já podemos perceber que os templos são hierarquizados, ou seja, são também subdivididos em lugares mais ou menos sagrados, como veremos mais adiante na réplica do templo e suas subdivisões internas.

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quando sagrado, provoca uma ruptura no espaço profano, abrindo uma fenda que aproxima o mundo real das relações sociais cotidianas com um outro mundo que possibilita ligar a terra e o céu, supondo, portanto, um contato com o transcendente. A relação do fiel com o transcendente e o reflexo da mesma na vida social é o que chamamos de imaginário religioso. Por sua vez, o imaginário religioso se configura num espaço simbólico. É isso que veremos a seguir.

1.2. O imaginário religioso como guia analítico do espaço sagrado.

A argumentação do enunciado proposto neste subtítulo será feita em algumas breves etapas, buscando elucidar o entendimento do imaginário religioso. Na primeira, discorremos sobre o uso corrente do termo “imaginário” e seu emprego nas Ciências Sociais, procurando uma articulação entre o mesmo e seu campo de ação, o espaço sagrado. Na segunda, discorremos sobre o imaginário religioso como guia analítico de penetração no referido espaço onde ocorrem as representações coletivas ou sociais que ressaltam o poder simbólico da religião no tocante às situações, aparentemente, paradoxais, que ocorrem nesse espaço, como, por exemplo, as situações de exclusão e inclusão, e também suas conseqüências. Essa conjuntura, tida como contraditória, constitui, na verdade, um par indissociável e será abordada no passo seguinte, quando trataremos do espaço sagrado como lócus de relação social de luta pacífica,

ou de ‘aptidão’, entre os atores sociais do catolicismo urbano.

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comportamento humano, fazendo com que as ações individuais e coletivas que ocorrem no espaço sagrado se configurem em representações sociais. O imaginário representa, assim, um conjunto de fenômenos complexos que intervêm objetivamente na vida social da pessoa religiosa, determinando o comportamento, seja ele cognitivo, ideológico, normativo, como também crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens que transformam o indivíduo e o meio social em que ele vive. Desse modo, o imaginário é responsável por boa parte do poder simbólico da religião.

Para a percepção do imaginário religioso e suas especificidades nos distintos espaços sagrados, como os que aqui analisamos, nós o associamos ao conceito de representação coletiva ou social. Isso porque ambos estão amalgamados e formam, praticamente, um mesmo conceito. Por exemplo, para Jacques Le Goff (1985: 11), o imaginário pertence ao campo da representação social, isto é, ele é uma dimensão tão relevante desse campo que chega mesmo a ser confundido com a própria representação. Ou seja, na medida em que o imaginário religioso traduz uma realidade exterior percebida, alimenta o fiel e o faz agir. Dessa maneira, para Le Goff, o que o fiel considera realidade, como é o caso das representações do sagrado nos seus respectivos espaços de atuação, é resultado do próprio imaginário. Este, por sua vez, engloba todas as traduções mentais de uma realidade exterior vivida, ultrapassando a realidade concreta e fazendo dos espaços sagrados, locais diferenciados, embora as relações nos mesmos não sejam transmutadas, como veremos no decurso desta pesquisa.

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relação de sociabilidade, ou socialização, mantém a coesão das pessoas em torno de uma certa concordância sobre as significações religiosas, principalmente, no que concerne aos sacramentos. Atribuímos ao imaginário religioso a suposta “concordância religiosa” que a estrutura da Igreja proporciona na mente dos fiéis.

À vista disso, entendemos por imaginário religioso a universalidade que existe no pensamento

dos sujeitos católicos, sejam entre os que residem nos bairros mais nobres, como os que pertencem ao setor Pinheiros, em São Paulo, ou os que residem no setor Santo Antônio, na periferia de Osasco. Fundamentamos essa afirmação na teoria de Claude Lévi-Strauss (2000) que, embora não opere com o conceito de imaginário, utiliza conceitos como mitos, ritos e sua função social, o que o torna próximo daquilo que entendemos como imaginário e campo religioso onde esses temas estão sempre presentes. Ademais, Lévi-Strauss considera a existência de uma certa universalidade na mente humana, afirmando que, em toda parte, ela é a mesma, com as mesmas capacidades, não importando se os sujeitos pertencem às sociedades ditas primitivas ou modernas (Lévi-Strauss, 2000: 30). Ele lembra ainda que “ambos são

movidos por necessidade ou desejo de compreender o mundo que os envolve, a sua natureza e a sociedade em que vivem” (Lévi-Strauss, 2000: 31). Assim sendo, existem também, no pensamento religioso, elementos comuns que independem da camada social, constituindo, assim, tal “universalidade”, o que chamamos de imaginário religioso. Ou seja, uma espécie de consenso acerca de alguns elementos norteadores do sagrado. Os fiéis católicos, moradores da periferia, que buscam o templo, agem por meios intelectuais e religiosos similares aos daqueles que residem nos bairros mais nobres da cidade. Independente de quem seja a ação religiosa, do pobre ou do rico, ela está inserida na representação de uma ordem extra-sensorial ou sobrenatural de seres, potências, valores últimos, inatingíveis pela experiência comum de quem quer que seja, tanto deste como daquele grupo religioso, independentemente se ele é do centro ou da periferia. Todos são estimulados por alguma coisa comum, seja por necessidades espirituais ou pelo desejo de compreender o mistério do sagrado que comanda a vida de quem tem fé. Nisso também consiste a ação do imaginário religioso, não importando se o fiel vem desta ou daquela camada social ou área geográfica da cidade.

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mobilizados. Nos espaços sagrados, os fiéis, além de manifestar sua relação com o sagrado, definem suas identidades e seus objetivos, formando círculos ou grupo de pessoas com quem mais se relacionam, movidos por compatibilidade ou interesses. Esses agrupamentos comumente rivalizam entre si no pleito por visibilidade ou lugar de destaque, seja no templo ou na conjuntura institucional da Igreja. Assim, o espaço sagrado consiste num campo de luta pelo poder, onde se cruzam interesses de grupos e ideologias religiosas. Desse modo, o imaginário religioso passa a ser um instrumento ideológico de dominação de um grupo sobre o outro.

Nessa articulação, ocorrem comportamentos de apropriação de símbolos que representam poder no espaço sagrado. Tal apropriação consiste, entre outras coisas, em apoderar-se de lugares e funções de visibilidade no referido espaço, como também portar-se no interior do mesmo, durante as cerimônias, objetos e símbolos que reforcem a sua superioridade ou influência na hierarquia da Igreja. Assim, um dos aspectos do imaginário religioso é o político, no sentido da legitimação de um sistema de classificação entre os grupos e os sujeitos desses, de acordo com o seu poder simbólico. Este tipo de ação visa interesses, e, no entanto, é norteada por crenças, valores e símbolos expressivos do campo religioso que compreendem o contexto emocional das partes envolvidas, além de atitudes ou atividades pregadas ou cultuadas que demonstram este aspecto interesseiro.

É assim que o campo do imaginário religioso, a Igreja, é também um campo de relações políticas no exercício do poder simbólico que, de acordo com Backso, “não consiste meramente em acrescentar o ilusório a uma potência ‘real’, mas sim em duplicar e reforçar a dominação efetiva pela apropriação de símbolos e garantir a obediência pela conjugação das relações de sentido e poderio” (Backso, 1985: 299). Nesse aspecto, também Bourdieu (1988: 8), embora não tenha utilizado a expressão, imaginário religioso, adiciona a esse conceito, um outro, o de sistema simbólico. Para Bourdieu, o sistema simbólico é formado dos mesmos elementos do imaginário religioso, isso porque a religião (juntamente com a arte e a língua) é também um sistema simbólico.

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classificamos como político. Isso porque ele acaba se sobrepondo nas relações sociais que se dão no espaço sagrado, caracterizando-se como uma relação de ‘aptidão’ (Weber, 1983: 94). Associada a essa relação de luta pelo poder simbólico no espaço sagrado, Bourdieu (1998: 11) detecta a existência de uma “violência simbólica”, que nada mais é do que a dominação de um grupo sobre outro por meio dos símbolos e das palavras. Bourdieu confirma ainda que “o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade da palavra daquele que a pronuncia” (Bourdieu, 1998: 15). Portanto, essa modalidade de violência é definida pela “crença”, resultado do imaginário religioso.

De certa forma, é o que ocorre na igreja quando os gerenciadores do sagrado se apossam do direito de decidir sobre a distribuição ou não dos bens simbólicos de salvação (os sacramentos), determinando, assim, a exclusão ou inclusão daqueles que estão sujeitos a ele. Desse modo, o padre, ou aqueles que controlam os bens simbólicos, agem como seres políticos. Ou seja, “retira a sua força política da confiança que o grupo põe nele” (Bourdieu, 1998: 188). E, já que estamos tratando nesse capítulo sobre o imaginário religioso no espaço sagrado, como categoria de análise das representações coletivas que ali se configuram, nada mais oportuno que finalizar esse segundo item parafraseando Bourdieu quando sugere que o homem político (neste nosso caso, o gerenciador do sagrado), pela necessidade que se creia nele com a condição de ele conceder os bens simbólicos e seus benefícios salvíficos sobre os que assim creram, retira sua força religiosa da confiança que o grupo põe nele. Segundo Bourdieu, “ele retira o seu poder propriamente mágico sobre o grupo da fé na representação que ele dá ao grupo e que é uma representação do próprio grupo e da sua relação com os outros grupos” (Bourdieu, 1998: 188). Enfim, ele exerce o poder porque está unido aos fiéis por uma relação mágica de identificação àqueles que “põem nele todas as esperanças” (Bourdieu, 1988: 188). Pelo fato do poder simbólico dos gerenciadores do sagrado estar ligado aos bens simbólicos e esses, por sua vez, dependerem do imaginário religioso e da crença, eles, os gerenciadores, estão sujeitos às suspeitas, às calúnias, ao escândalo, enfim, a tudo aquilo que ameaça a crença. Essa vulnerabilidade nas relações com os bens simbólicos e com os sujeitos que os circundam é que faz do espaço sagrado um lócus de relação social de

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1.3. O Catolicismo na metrópole e a classificação dos espaços sagrados: Lócus de relação

social de aptidão.

Falamos, linhas atrás, a respeito do templo católico, como espaço sagrado onde as relações sociais são norteadas pelas representações coletivas que equivalem ao que chamamos de imaginário religioso. Esse, por sua vez, serviu de paradigma para investigar as relações que irrompem no espaço sagrado, em que detectamos uma gama de comportamentos que caracterizam o catolicismo da metrópole e seus templos, como fato e espaço de luta pacífica, uma organização com poderes coercivos que incluem e excluem. Isso fez com que percebêssemos também que estes territórios estão dominados pelas competições ou rivalidades. Portanto, é o momento de falar desta categoria de relações sociais e faremos isto, orientados por alguns conceitos de Max Weber (1983), como, por exemplo, o de relação de

aptidão.

Antes, porém, de elucidar o que seja uma relação de aptidão, é necessário contextualizá-la, de

acordo com as definições de Weber. As relações de aptidão derivam das relações sociais. São uma variante daquilo que Weber chamou de relação social de luta, ou seja, “quando a ação se

determina pelo propósito de impor a própria vontade contra a resistência da outra ou outras partes” (Weber, 1983: 94). Se esse tipo de relação ocorre no espaço sagrado, o mesmo é, segundo Weber, um espaço de luta. Equivalente ao termo luta, usaremos também outros termos similares, como conflito, disputa, rivalidade ou mesmo relações dialéticas. Essas relações de rivalidade que detectamos nos espaços sagrados se enquadram naquilo que Weber classificou de luta pacífica. A luta pacífica significa os “meios de luta onde não há uma

violência física efetiva” (Weber, 1983: 94), como as que registramos. Encontramos muitas discussões, intrigas, desentendimentos ideológicos e aborrecimentos derivados da concorrência pelo espaço ou situação da pessoa ou grupo rival. Não detectamos, porém, nenhum caso de agressão física, por isso essa luta no campo religioso católico é, de fato, pacífica. Weber agregou a essa modalidade de luta um outro termo ou conceito, a que já fizemos referência. É o conceito de aptidão. Segundo Weber, “à luta pacífica chama-se

‘aptidão’ quando se trata da aquisição formalmente pacífica de um poder de capacidade próprio em prejuízo das possibilidades de outros” (Weber, 1983: 94). Assim sendo, caracterizamos as igrejas católicas das duas áreas estudadas como lócus de relações sociais de

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formando, assim, um complexo de rivalidades detectadas somente por aqueles que se compatibilizam com um dos inúmeros agrupamentos que se formam nestes espaços.

Desse modo, detectamos, no seguimento desta pesquisa, relações conflitantes no interior dos templos, cuja visibilidade foi possibilitada através da identificação de subdivisões internas dentro de um mesmo espaço. Percebemos que havia uns espaços que eram considerados mais sagrados que outros e que o acesso a cada um deles variava de acordo com o grau de inclusão social que o sujeito apresentava na igreja. Foi dentro desta categoria de classificação que pudemos desvendar a existência de uma trama intersubjetiva de ações sociais que estavam entrelaçadas nas práticas religiosas dos fiéis, que, segundo Weber (1983:76), se determina pela crença consciente no valor religioso ali manifestado, que move os atos, de fé ou, simplesmente, por sagacidade, no sentido de oportunismo na utilização do poder simbólico.

As inferências do diagnóstico dos espaços sagrados do catolicismo na metrópole foram obtidas através da cartografia interna de dois templos privilegiados nesta pesquisa, com características e localização, propositalmente, bem diferentes. O primeiro corresponde à igreja do Calvário, no setor Pinheiros e o segundo, à capela de São Pedro, na periferia de Osasco. Percebemos que, em cada um deles, com suas subdivisões de espaços, como podemos conferir nas imagens que estão logo adiante, revela, a seu modo, de distintas formas, a relação de aptidão da qual nos fala Weber. Essa constatação só foi possível através da observação, in

lócus, dos respectivos espaços, que depois foi confirmada no depoimento das pessoas que, de

uma forma ou de outra, ocupam os mesmos. Afinal, de que tratam estas subdivisões internas de espaços, com gradação de sacralidade distinta? Se todas pertencem ao mesmo espaço sagrado, por que não são igualmente sagradas? Para responder a essas indagações é preciso discorrer sobre as classificações de espaço elaboradas pela Instituição e pelos que estão sujeitos a ela. Elas são repartições físicas e, ao mesmo tempo, simbólicas. Quando apuradas nas suas linhas de fronteiras, denunciam não apenas a micro-hierarquia que existe dentro da macro-hierarquia em que consiste a Igreja Católica, como também os conflitos que ali, nos espaços dos templos, se reproduzem por motivos apararentemente irrelevantes, transparecendo também, nesta esfera, os tratamentos desiguais que se constatam nas outras dimensões da Igreja e da sociedade. Relações sociais que, segundo Weber, se caracterizam como luta pacífica, porque a vontade de um indivíduo ou grupo acaba por se sobrepor a de outros, enquadrando-se naquilo que ele classificou como aptidão ordenada, ou seja, quando

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(Weber, 1983: 94). De que ordem fala Weber? Da ordem no sentido de “tradição de mérito: validade do que existiu sempre” (Weber, 1983: 91). Também a ordem “em sentido de uma crença afetiva (especialmente emotiva)” (idem) e, ainda, ordem “em virtude de uma crença

racional em atenção a valores: vigência do que se tem como de valor absoluto” (idem), como

as que ocorrem na religião e nos seus respectivos espaços. Ou ordem também “em virtude do estatuído positivamente, em cuja legalidade se acredita” (idem). Na ordem hierárquica da

Igreja, essa crença provém dos cânones elaborados pela Instituição eclesiástica, cujas normas e doutrinas, por serem estatuídas, são normalmente críveis. Normas que, os que ocupam as bases, principalmente os que se enquadram na tipologia do catolicismo tradicional urbano

(Camargo, 1971: 18), não ousam questionar, obedecendo-as porque são preceitos jurídicos da Igreja. Esses preceitos já estão no imaginário religioso e são eles que contribuem para legitimar a referida ordem.

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refletem na arquitetura da Igreja Católica. Colocamos e comentamos aqui a réplica deste templo porque ela ajuda a elucidar as divisões de espaços dos templos católicos ora tratados.

No Templo de Jerusalém, o mais importante dos espaços era chamado de santo dos santos.

Era onde se guardava a Arca da Aliança, isto é, o símbolo da divindade suprema. Tinha acesso a este local apenas o Sumo Sacerdote, e isso somente depois dos devidos ritos de purificação, previstos na lei judaica (cf. Lv 11ss). O espaço que antecedia esse território sagrado chamava-se Pátio dos Sacerdotes, onde eram realizados os rituais sagrados. Quanto

aos espaços dos templos católicos, a capela do Santíssimo (ou, em algumas igrejas, o altar

mor) é o equivalente ao santo dos santos. Nela são guardadas as hóstias consagradas, e, além

de Santíssimo, é conhecida também como corpo de Cristo ou Eucaristia, sendo, portanto, a

essência da fé católica. É, como no templo referido, também espaço restrito ao padre e ministros extraordinários da Eucaristia. Somente estes agentes especializados podem manipular o Santíssimo, acessando o receptáculo que oculta da visão dos demais fiéis. No

Templo de Jerusalém, precedendo o espaço do santo dos santos, havia um outro local

denominado de Santo, que era ocupado pelo Sumo Sacerdote. Deste local era dirigido o culto

à divindade suprema confinada no santo dos santos, do qual o mesmo recebia os poderes para

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aceitabilidade social, variando de acordo com a tradição cultural de cada região. A diferença mais acentuada, porém, fica por conta das mulheres que hoje, apesar de serem maioria nos espaços dos templos, ainda não participam das decisões da hierarquia.

Nesta perspectiva, notamos que, seguido do Pátio dos homens, vinha o setor reservado às mulheres (Pátio das mulheres) e, ao lado deste, encontrava-se o Pátio dos pagãos, separado pela balaustrada, uma linha divisória que marcava os limites entre o território sagrado e o profano. As mulheres, no grau de inclusão religiosa, estavam à frente apenas dos pagãos, um grupo extremamente excluído. Nos demais espaços, à medida que se distanciavam do território sagrado, era permitido o acesso às demais pessoas, sempre de acordo com seu grau de inclusão na sociedade. Tudo era legislado pelo sagrado, pois o mesmo não só representava o poder religioso, mas também o poder político e econômico, ou seja, representava o Estado. A exclusão e inclusão reproduzidas nestes espaços eram reflexos da realidade social que, por sua vez, detinha o poder de incluir ou excluir as pessoas do convívio social, de modo similar ao que estamos deslindando nos espaços da Igreja Católica, e dos quais trataremos com mais ênfase no segundo capítulo deste trabalho.

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Figura 1: Réplica da planta do Templo de Jerusalém (primeiro século da era cristã).

Fonte: Bíblia Sagrada, Ed. Pastoral, S. Paulo, Paulus, 1990, pp. 1236.

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Figura 2: Réplica da planta de uma igreja do centro de S. Paulo, com subdivisões de espaços sagrados.

O pátio, que circunda o templo (n.º 1), é a área limítrofe que demarca as divisões entre os espaços sagrados do templo e os espaços ditos profanos, ou seja, o espaço da rua, praça e, neste caso, do estacionamento. Os mesmos, por estarem muito próximos, recebem influência de ambos os espaços e comportam agrupamentos de diversas categorias de freqüentadores, desde as católicas assíduas, até as que, diretamente, nada tem a ver com a igreja ou a religião. Dentre elas, há um número significativo de pessoas em extremo estado de exclusão: os

lúmpens, indigentes que permanecem nas imediações e que buscam abrigo neste espaço. Elas

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A esta área fronteiriça, todos podem ter acesso, pois se trata de um território público, zona transitória, tanto para os que vêm participar dos rituais do templo quanto para os que estão ali por outras finalidades. Embora seja uma área, relativamente livre, é utilizada para atividades da igreja, como festas e quermesses, além de outras sem vínculos religiosos, como, por exemplo, os jogos, namoro, shows, estacionamento de veículos e outras atividades que nem

sempre tem ligação direta com as atividades do templo, formando assim uma linha divisória entre os dois espaços (o sagrado e profano). A porta do templo é que coloca o limite entre esses dois espaços, indicando, ao mesmo tempo, a comunicação, a passagem do espaço profano para o espaço sagrado. Essa passagem vem acompanhada de inúmeros ritos: alguns fazem reverências e outros gestos que exprimem sentimentos religiosos, enquanto outros simplesmente ficam ali por segurança, como é o caso dos indigentes. Ao transpor a porta que divide esses dois espaços, o mundo profano é transcendido e, como conseqüência, a comunicação com o divino é tornada possível. Essa suposta comunicação com o divino significa a possibilidade de transpor também outras portas simbólicas que darão acesso a um mundo imaginário onde as divisões serão superadas, mas essa reflexão ficará para um momento posterior. O que nos interessa agora é a influência que o espaço sagrado tem no comportamento dos sujeitos que o acessam.

Portanto, a parte que corresponde ao pórtico do templo (nº 2) é a linha divisória que define os dois espaços. A partir dela, já se adentra o espaço sagrado, onde ocorre uma alquimia simbólica e ideológica: muda-se a postura, os gestos e a entonação de voz. O espaço em si, por ser considerado sagrado, legitima as mudanças conscientes e inconscientes que ocorrem no indivíduo a partir desta linha imaginária. A “alquimia ideológica pela qual se opera a transfiguração das relações sociais sobrenaturais, inscritas na natureza das coisas e, portanto justificadas (Bourdieu, 1992: 33), torna-se evidente quando se ultrapassa as fronteiras entre os dois tipos espaços, revelando-se assim, como sugere Durkheim (1992: 33), as funções sociais que a religião cumpre em favor do corpo social. À medida que se ultrapassa a linha de acesso, os atores sociais ocupam seus espaços no recinto sagrado, de acordo com o seu grau de inclusão religiosa. Ao analisar a parte que corresponde aos assentos dos fiéis (cf. figura 2: nºs

4, 5, 6 e 7), pode se constatar que o grau de proximidade e familiaridade no território sagrado, isto é, de se sentir à vontade e seguro nele, varia de acordo com a ocupação dos assentos e das relações que os mesmos mantêm com os altares laterais, altares dos santos (cf. figura 2: nºs 9 a

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Os que ocupam os últimos bancos são, geralmente, os que vêm de vez em quando. O ambiente ainda lhe é meio estranho. Os que nem os bancos ocupam, mas apenas visitam os altares laterais e depois saem, são os que se sentem mais distantes ainda, necessitando da mediação dos santos para ter acesso à divindade representada na área mais sagrada do templo (cf. figura 2: nº 25), da qual não se digna aproximar. São geralmente os transeuntes, os que não tiveram ou não completaram os ritos de passagem (os sacramentos) e, geralmente, pertencem às camadas sociais mais desfavorecidas. Embora sejam anônimos neste espaço, manifestam, como qualquer outro, a necessidade do sagrado. Os que ocupam os assentos centrais são os mais assíduos. Freqüentam quase todos os finais de semana, mas normalmente são participantes passivos. Entram, “assistem” às celebrações litúrgicas e saem sem nenhuma interferência ou participação direta. Raramente se manifestam e, se isso ocorre, o fazem sempre com muita reserva e discrição. Já os que ocupam os primeiros lugares são os membros mais ativos ou tradicionais na comunidade. Deles fazem parte as senhoras, com vários anos de participação e que, geralmente, são membros de irmandades ou movimentos ou de ambos. Além delas, os agentes de pastoral, os que desenvolvem atividades mais próximas ao sacerdote (ministros da palavra, do batismo, leitores, membros das equipes de liturgia, etc.). Este público ativo no espaço é classificado como liderança. São os que contribuem, ativamente, na preparação e no desenvolvimento dos ritos litúrgicos. Além destes, há os que servem diretamente o altar e que estão em maior grau de inclusão. São os ministros da Eucaristia, acólitos e coroinhas. Eles têm acesso direto ao sagrado, podendo adentrar o recinto do presbitério, que, até um tempo muito recente, era espaço só do sacerdote (cf. figura 2: nºs 23, 24 e 25). Até o Concílio Vaticano II (1965), as mulheres estavam, praticamente, excluídas deste espaço. Ainda hoje, em determinadas paróquias dos centros mais tradicionais, é possível detectar certa resistência quanto à contribuição das mesmas no manuseio dos símbolos sagrados, como, por exemplo, a distribuição da Eucaristia ou a atuação como acólitos.

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Figura 3: Réplica da planta de uma igreja da periferia com suas divisões de espaços sagrados.

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pessoas em toda parte, inclusive no presbitério, o que não ocorre no templo visto anteriormente. Depois que a missa tem início, as pessoas se acomodam, naturalmente, nos seus respectivos lugares, ficando no presbitério apenas os personagens mais incluídos (o presidente da celebração e os ministros da eucaristia). É nesse momento que ocorre, com maior clareza, as segmentações quanto à ocupação dos espaços no templo da periferia. Como no templo anterior, ela também se dá de acordo com o grau de participação na igreja, apontando, assim, uma realidade, de certa forma, similar àquela que constatamos anteriormente. Em suma, a gênese dos desdobramentos daquilo que chamamos de exclusão e inclusão nos espaços do catolicismo da região metropolitana de São Paulo foi constatada através da observação do comportamento dos fiéis e das divisões das áreas internas dos templos, com suas repartições que evidenciam tais estratificações no campo religioso católico.

As questões que esse dado suscitou foram de ordem diversa, mas concentramos a atenção em um aspecto recorrente nos diversos depoimentos; a demarcação de território dentro do templo e os atritos decorrentes da entrada não autorizada nos mesmos, desencadeando conflitos no nível das relações pessoais, classificadas aqui como características da dialética da exclusão e inclusão social a partir destas relações. Registramos, a seguir, o depoimento de uma informante privilegiada, cuja ação que desenvolve no espaço sagrado está determinada pelo propósito de impor a própria vontade contra a resistência das outras partes, beneficiando-se do tempo que ocupa esse espaço. Dividimos seu testemunho em quatro partes e buscamos extrair dele diversas informações que consideramos relevantes para nossa pesquisa.

(Primeira parte): o tempo de ocupação do espaço.

“Cuido da sacristia e das toalhas do altar há mais de quarenta anos. Comecei aqui quando tinha 28 anos, hoje estou com 72. Já vi muita coisa por aqui”.

(Segunda parte): a exclusão e o processo de inclusão.

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de Santa Inês para as moças. Foi uma briga danada! Depois comecei a cuidar de outros altares, São José, Santo Antônio e da sacristia. Um dia o padre me falou: você vai subir de cargo! Fiquei espantada, achei que ele ia me mandar embora por causa das fofocas. Mas eu não tinha nada a temer, estava de consciência tranqüila fazendo meu trabalho honestamente. Ele me disse; a partir de hoje é você quem vai cuidar do altar mor; trocar toalhas, limpar os castiçais... Levei um susto! Nenhuma mulher tinha feito aquilo antes, por que eu? Não sei o que passou na minha cabeça. Além do mais, o que o povo ia dizer? Mulher não podia usar calça comprida e como eu ia subir de saia aquelas escadas lá na frente? Criei coragem, botei um short comprido por baixo da saia e assumi o trabalho e estou até hoje”.

(Terceira parte): o conflito.

“No início teve muito falatório! Tinha muita gente fofoqueira aqui e ainda tem! Não pode ver ninguém fazendo seu serviço bem feito que logo já começam a fazer intrigas. Hoje, na idade que estou, não ligo mais pra isso, mas sofri muito aqui! Agora, faço minha parte, e se não me convidam, não me meto na parte dos outros e não gosto que se metam na minha! Quando encontro as coisas desarrumadas fico chateada e, se souber quem foi, eu chamo a atenção. Tem gente que fala que eu sou muito chata”!

(Quarta parte): demarcação de território.

“Que ninguém tire do lugar as coisas que coloco, porque se tirar ou deixar desarrumado, eu brigo mesmo! Sei que estas coisas não são minhas, mas peguei amor e tenho muito ciúme delas. É só perguntar qualquer coisa que sei onde está! Um dia desses a mulherada da missa das nove tirou tudo do lugar e não arrumou. Quando cheguei e vi a bagunça, fiquei nos nervos, até chorei! A gente faz tudo com amor e vem qualquer um e não respeita o trabalho dos outros. Ah, eu brigo mesmo”!1 (I.M.C)

Como podemos observar, a primeira parte do relato da informante acentua o tempo há que ocupa o espaço. Ele é o elemento mais importante quanto à autoridade no domínio do mesmo. O tempo aqui é senhor da sua história no espaço do templo e legitima a sua ação. Na segunda parte, focalizamos mais o aspecto processual da exclusão que ela, por ser mulher, sofreu na conquista do espaço. Por outro lado, esse processo é bilateral, aos poucos, foi autorizando sua

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Tabela 21: Setor Pinheiros (Região Sé da Arquidiocese de S. Paulo).
Gráfico 1: Perfil sócio-demográfico da mulher brasileira a partir da religião (estimulada em %)
Gráfico 2: Avaliação positiva da imagem das Instituições brasileiras

Referências

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