ANDREA
SIROTSKY
GERSHENSON
CONTRATO
DE
LOCAÇÃO
EM
SHOPPING
CENTER
MESTRADO EM DIREITO
CONTRATO
DE
LOCAÇÃO
EM
SHOPPING
CENTERS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito (Direito Civil), sob a orientação do Professor Doutor José Manoel de Arruda Alvim Neto.
MESTRADO EM DIREITO
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
__________________________________
RESUMO
O presente estudo busca analisar o contrato de locação em um tipo específico
de organização comercial: o
Shopping Center.
Serão analisadas as características
dessa espécie de empreendimento e demais aspectos que tornam sua estrutura
única e complexa, diferenciada dos demais formatos de centros comerciais. Mesmo
após sancionada a Lei de Locações (Lei 8.245/91), que definiu a relação existente
entre o empreendedor e o lojista como de locação, diante das peculiaridades dessa
espécie de negócio, ainda existe controvérsia sobre a natureza jurídica do contrato.
Assim, serão investigados os posicionamentos doutrinários acerca da natureza
jurídica do
shopping
center
, para posteriormente qualificá-lo como contrato típico ou
atípico. O negócio jurídico será contextualizado dentro da visão moderna do direito
contratual, analisando-se os seus princípios informadores, em especial o da função
social, equidade e da boa-fé. Analisar-se-á sob a ótica dos referidos paradigmas o
contrato de
shopping
center
e suas cláusulas peculiares. Será abordado, então,
como funciona a resolução dessa espécie de contrato diante do descumprimento de
suas cláusulas e suas hipóteses de revisão ou alteração. Por fim, o presente estudo
tecerá considerações acerca das ações revisionais e renovatórias do contrato de
locação em s
hopping center
.
ABSTRACT
This study analyzes the lease contract of a specific type of business
organization: the Shopping Mall. We will analyze the characteristics of this kind of
development and other aspects that make it a complex and unique structure and
which also make it distinct from other commercial centers. Even after the Lease Law
was sanctioned (Law 8.245/91), which defined the relationship between the
entrepreneur and the shopkeeper as a location, it is possible to consider the
peculiarities of this kind of business and notice that there is still controversy about the
legal nature of this kind of contract. Thus, we will study the doctrinal positions on the
legal nature of the mall, and later qualify it as a typical or atypical contract. The legal
business will be contextualized within the modern view of contract law, analyzing its
main principles, in particular social function, equity and good faith. We will analyze
the Mall contract and its peculiar clauses under the perspective of those paradigms.
We will then approach the subject of how the termination of this kind of contract
would work in case of breach of its provisions, and its chances for revision or
alteration. Finally, this study will weave considerations about termination or renewal
actions as far as the lease contract in shopping malls is concerned.
INTRODUÇÃO
...
9
1
ORIGEM
HISTÓRICA DO SHOPPING CENTER ...
11
2 NATUREZA JURÍDICA E CONCEITO DO
SHOPPING CENTER
...
18
3 VISÃO MODERNA DO DIREITO CONTRATUAL. A FUNÇÃO SOCIAL E A
BOA-FÉ NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS ...
28
4 INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO CONTRATUAL ...
35
5 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE
SHOPPING CENTER
...
38
6 CARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO ATÍPICO ...
45
7 ETAPAS PARA A FORMAÇÃO DO SHOPPING CENTER E O
TENANT
MIX
...
49
8 ESTRUTURA JURÍDICA DO CONTRATO DE
SHOPPING CENTER
...
56
9 O CONTRATO DE LOCAÇÃO EM
SHOPPING
CETER
...
62
10
CLÁUSULAS
PECULIARES
AO
CONTRATO
DE
LOCAÇÃO
EM
SHOPPING
CENTER
...
70
10.1 Remuneração Fixa e Variável e Obrigatoriedade do Lojista
Apresentar sua Contabilidade ...
70
10.2 Cláusula de Degrau ...
71
10.3 Aluguel Mínimo Dobrado ...
72
10.4 A Divisão dos Encargos Comuns ...
73
10.5 Cláusula de Raio ...
74
10.6 Cessão do Contrato e Alteração do Ramo de Atividade...
76
10.7 Prévia Aprovação de Projetos de Instalação e Decoração das
Unidades ...
77
11
A RES SPERATA
...
78
12 FUNDO DE COMÉRCIO ...
82
13
A
REDE
CONTRATUAL
FORMADA
PELOS
CONTRATOS
FIRMADOS
ENTRE
O
EMPREENDEDOR
E
OS
DIVERSOS
LOJISTAS
...
88
14 CONTRATO DE
SHOPPING CENTER
: TÍPICO OU ATÍPICO? ...
90
17 AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL ...
96
18 AÇÃO RENOVATÓRIA ...
98
CONCLUSÃO ... 105
INTRODUÇÃO
Com a concentração cada vez maior das pessoas em áreas urbanas, da
busca de segurança, comodidade e principalmente, tendo em vista um público
consumidor cada vez mais exigente, os
shopping centers
, atendendo tal demanda,
expandiram-se em número e tornaram-se um dos maiores responsáveis por grande
parte do faturamento do comércio varejista brasileiro.
O desenvolvimento da indústria de
shopping
acabou sendo em parte
impulsionada pelo tratamento diferenciado dispensado a essa espécie de negócio,
diante da ampla liberdade contratual concedida às partes, uma vez que se submete
às restrições protecionistas de menor intensidade do que das locações comuns.
Realmente, a Lei 8.245/91 rege as locações em
shopping centers
de modo lacônico,
dando às partes liberdade ampla na contratação, ao contrário da finalidade social e
protetiva que caracteriza as locações em geral. O artigo 54, “caput”, da citada norma
é claro a esse respeito: “
Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping
center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação
respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta Lei
”.
E com isso, as relações contratuais entre o empreendedor, proprietário e
administrador do
shopping
e os diversos lojistas, são cada vez mais debatidas,
principalmente diante das peculiaridades da relação negocial, que alguns entendem
colocar o lojista em situação de desvantagem, diante da ausência de lei que as
regulamentem. Trata-se, assim, de um tema bastante atual e cada vez mais
presente na nova realidade econômica e jurídica brasileira. O
shopping center
é uma
organização comercial única e complexa. São dois os polos principais nesta
organização: i) o conjunto de lojistas que compõe o
shopping
(dos mais diversos
setores) e; ii) o empreendedor, que é o proprietário do
shopping
.
Os direitos e deveres das partes são regidos por uma rede interligada de
contratos, cuja natureza jurídica ainda não é questão pacífica na doutrina, mesmo
após sancionada a Lei de Locações (Lei nº 8.245/91), a qual denominou o contrato
nessa espécie de empreendimento como de “locação” e o empreendedor e lojista,
resp
ectivamente, como “locador” e “locatário”.
Antes de adentrar-se na análise do negócio, será abordada a origem histórica
do
shopping center
e a natureza jurídica e conceito desse tipo de empreendimento,
compreendendo-se a sua lógica econômica, bem como a sua distinção em relação a
outras formas de centros comerciais.
Será necessário, também, contextualizar o referido negócio jurídico dentro da
visão moderna do direito contratual, bem como tecerem-se breves considerações
acerca dos princípios informadores do direito contratual, das técnicas de
interpretação e integração, para a posterior análise isolada do negócio.
A análise do contrato de
shopping center
implicará na investigação de sua
natureza jurídica, para que se possa caracterizar o tipo contratual ou, até mesmo,
enquadrá-lo como atípico, mediante a análise e distinção entre ambas as espécies.
Em seguida, adestrar-se-á nas características do negócio em
shopping
center
, analisando-se as etapas para a formação do empreendimento e sua
estrutura jurídica, que inclui diversos contratos, individualmente firmados, que se
interligam mutuamente.
Será analisado o contrato de locação, suas cláusulas peculiares,
abordando-se, também, questões específicas da indústria de
shopping center
, como a
res
sperata
e o fundo de comércio.
1
ORIGEM
HISTÓRICA DO
SHOPPING CENTER
Alexandre Agra Belmonte
1salienta que muitos dos elementos de base do
shopping,
como a instalação de conglomerados mercantis em pontos estratégicos; o
incentivo estatal à formação desses complexos, o impulso ao mercado de trabalho, à
circulação de riquezas e à arrecadação tributária, bem como a reunião do comércio
em um mesmo espaço físico, são heranças dos mercados medievais. Entretanto,
salienta que a organização de feiras e mercados medievais não servem para marcar
a origem dos
shopping
, pois nestes o planejamento, a organização, objetivo e
conteúdo, enfim, a estrutura do negócio é distinta daqueles.
A escolha do ponto comercial não era objeto de muita atenção pelos antigos
comerciantes. Nas cidades antigas, por exemplo, os comerciantes e artesãos se
reuniam em torno das suas corporações, fazendo surgir os chamados “bairros
profissionais”, como a “rua dos padeiros”, “rua dos ferreiros”, entre outras.
Mais tarde, na maioria dos casos por iniciativa das Municipalidades, em
decorrência de seus respectivos planos de urbanização, foram criadas edificações
específicas para o mercado local varejista. Contudo, tais mercados não contavam
com qualquer outra organização tecnológica senão a primitiva loja do comerciante
2.
Como primórdios dos
shopping
pode-se citar, ainda, os mercados cobertos da
antiguidade, que concentravam vários ramos de atividade em um ambiente
organizado.
O
Mercati di Traiano,
localizado em Roma, é considerado o primeiro centro
comercial coberto da história. O complexo foi construído no ano de 107 e 110 Dc
para abarcar a atividade administrativa do governo do Imperador
Traiano
, mas
marginalmente lá passou a funcionar pujante atividade comercial
3.
É claro que tal Mercado não tinha a mesma configuração e organização dos
atuais
shopping centers
, mas lá já se antevia a preocupação com a estruturação
1 BELMONTE, Alexandre de S. Agra. Natureza jurídica dos shopping centers. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda, 1989, p. 29.
física do ambiente. O complexo foi projetado por um importante arquiteto da época,
contando com ampla entrada, longos corredores e andares com várias salas.
A preocupação com a estrutura física do ambiente e organização orientada
dos diversos comerciantes, semelhante à aplicada nos modernos
shopping,
também
já era observada no
Mercado de Isfahan
, localizado na cidade iraniana de nome
homônimo, construído durante o governo do Xá Abbas (1587-1629). As bancas do
mercado eram agrupadas segundo a profissão de seu dono ou o tipo de mercadoria
oferecida, e as bancas com
status
superior (perfumes ou livros, por exemplo),
ficavam mais próximas da entrada da mesquita, enquanto os ofícios que causavam
ruídos e odores nocivos (trabalho em couro ou cobre, por exemplo) eram
implantados o mais longe possível.
4A Revolução do Consumo e Comercial ocorreu antes da Revolução Industrial
e é o marco da modernização ocidental, nos séculos XVI até o XVIII. Contudo, foi
somente após o Século XIX que surgiu uma sociedade de consumo estabelecida,
com tipo de consumidores claramente diferenciados e novas modalidades de
comercialização e
marketing
5.
Com o crescimento expressivo das populações urbanas, decorrente dos
avanços da industrialização, houve um aumento na oferta dos produtos,
investimentos na área do transporte e os setores produtivos e mercado de consumo
se tornaram mais acessíveis. Das relações de simples trocas de mercadorias e
incipientes relações mercantis chegaram-se a sofisticadas operações comerciais,
formando-se relações bilaterais de consumo: de um lado o fornecedor de bens e
serviços e, de outro, o consumidor. A produção e o consumo foram massificados.
Na França, com o liberalismo econômico e o Código Napoleônico em 1.804,
oficializando a propriedade privada da terra, ocorreu uma modificação da dinâmica
comercial, dando destaque a um novo conceito de valor da terra: a renda diferencial.
Nas metrópoles europeias a disposição da renda diferencial da terra se materializou
na polaridade centro-periferia, configurando diferentes valores do uso dela. Nesse
4 FAZIO, Michael; MOFFET, Marian; WODEHOUSE, Lawrence. A história da arquitetura mundial. 3ª. Ed., Porto Alegre: AMGH, 2011, p. 190,191. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=l8iYFbcX7HAC&pg=PA191&dq=mercado+de+isfahan&hl=pt-BR&sa=X&ei=ZW2tU6v6OvbLsATIk4L4Bg&ved=0CCQQ6AEwAQ#v=onepage&q=mercado%20de%2 0isfahan&f=false>. Acesso em: 27 jun. 2014.
contexto, surgem as passagens (galerias em francês) ou árcades em inglês, que
eram acessíveis ao pedestre durante o dia e restrita ao transporte
6.
Assim, entre os anos 1.770 e 1.880 foram construídas as primeiras galerias
europeias, em Paris, as galerias de
Bois
,
Veró-Dodat
,
Vivienne
,
Palais Royal
,
Lafayette
; em Londres,
Oxford Covered Market
; em Milão,
Vittorio Emanuele II
. Suas
características eram: constituição de uma paisagem interior própria, códigos de
postura bem definidos em sua administração, um embrionário mas importante
processo de exploração imobiliária do negócio, com aluguel de lojas pagos pelo
comerciante
7.
Na França Revolucionária, tendo em vista a ascensão de um mercado de
luxo, fundado no mundo da moda e das aparências, surgem as grandes lojas, com
amplos salões nos quais as mercadorias eram expostas. Em 1.820 o grande
magazine de
nouveautés
inova o conceito de loja especializada por setores. A
exposição dos artigos e os preços neles marcados permitiam ao público a livre
circulação pela loja e a experiência de tocar o produto. As galerias e lojas de
departamento coexistem no centro da cidade
8.
Em 1.852 foi inaugurado em Paris um pequeno armazém de retosaria que
adotou o nome de
Bom Marché,
que também revolucionou
ao trabalhar com sistema
de preços fixos, margens de lucros pequenas e grande volume de mercadorias,
impedindo a sedimentação de novos intermediários no comércio
9.
A
Galeries Lafayette
então, encomendou uma pesquisa de mercado visando
estudar o poder de atração da
Bom Marché
. A pesquisa revelou que aquele
estabelecimento não era apenas um centro de compras, mas também um grande
espetáculo, um lugar de passeio, de quebrar a rotina. Com base nessa pesquisa a
Galeries Lafayette
procurou readequar sua maneira de lidar com o consumidor e
6 BALDIN, José Roberto Barsotti. A evolução do capital imobiliário nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em história Econômica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 11.
7 BALDIN, José Roberto Barsotti. A evolução do capital imobiliário nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em história Econômica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 11.
8 BALDIN, José Roberto Barsotti. A evolução do capital imobiliário nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em história Econômica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 12.
com a experiência de fazer compras, adotando o slogan “
À tout instant, il se passe
quelque chose aux Galeries Lafayette
” (A todo momento, algo está aco
ntecendo na
Galeries Lafayette)
10.
Diante da concentração urbana e das novas exigências da vida moderna
(algumas decorrentes do aumento do poder aquisitivo da população), aliados às
novas técnicas de distribuição e venda, surgiu a necessidade de concentrar o
comércio de produtos e serviços em um ambiente funcional, que garantisse,
também, maior conforto e segurança para os clientes.
Assim, considerando uma série de fatores, como a escolha do local em vista
da densidade demográfica, a rede viária, o planejamento estrutural da edificação,
entre outros, os empresários idealizaram os centros comerciais, atualmente
conhecidos como
shopping centers
.
Valquíria Padilha
11refere que os
shopping centers
“aparecem como última
etapa no desenvolvimento da sociedade de massas (que nasce no ano 1930) e
participam de forma decisiva na construção de uma nova ‘cultura urbana’” e seriam
resultado de uma nova forma de industrialização da oferta e da demanda.
Em 1.915 e 1.930, nos Estados Unidos, foram construídos e alugados os
primeiros
shopping centers villages
, normalmente somente por um investidor, em
função de seu potencial de venda e não para justificar a venda de unidades
habitacionais urbanas. Eram localizados perto dos subúrbios e com muitas vagas de
estacionamento, mas não contavam com corredores cobertos
12.
A Grande Depressão, nos anos 1.930 e 1.940, interrompeu o
desenvolvimento desses centros. Tendo em vista o crescimento econômico e
planejamento urbano, além de novas tecnologias resultantes do pós-guerra,
iniciou-se uma nova fainiciou-se dos
shopping centers
no final de 1940, com lojas abertas para a
rua e parque de estacionamento na parte superior; blocos de loja voltadas para o
10 TEIXEIRA, Cid Carlos de Souza. Administração dos grandes shopping centers no brasil. 2009. 89 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós Graduação – Lato Senso – MBA em Gestão Estratégia e Negócios) – Universidade Federal Fluminense, Niteroi, 2009, p. 10.
11 PADILHA, Valquíria. Shopping center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Bomtempo, 2006, p.22.
parque de estacionamento; e inserção de lojas de departamentos âncoras, em
formato de
“L” e depois, em formato de “U”
13.
Esses centros comerciais eram localizados em grandes terrenos nos
subúrbios, privilegiando áreas de grande fluxo de automóveis associado ao baixo
preço da terra. Com o seu desenvolvimento formou-se paralelamente a infraestrutura
viária e várias lojas de departamento, cujo reduto era o centro, lá se instalaram.
Posteriormente percebeu-se, também, não havia mais sentido em as vitrines se
abrirem para a rua ou parque de estacionamentos, mas para um corredor interno, os
malls
14.
A estrutura organizacional do
shopping center
como a que conhecemos
atualmente tem sua origem nos Estados Unidos da América do Norte
15na década
de 1.950, depois da Segunda Guerra Mundial, tendo em vista o aumento do poder
aquisitivo da população, do desenvolvimento da indústria automobilística e da
migração da população para as zonas periféricas
16.
Naquele ano de 1.950 o arquiteto John Graham projetou o primeiro
shopping
mall
, o
Northgate
, nos arredores de Seattle. Sua construção era em forma de caixa,
contava com caminho ao ar livre para pedestres, loja de departamento, cinema,
boliche e supermercado
17.
13 BALDIN, José Roberto Barsotti. A evolução do capital imobiliário nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em história Econômica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 18.
14 BALDIN, José Roberto Barsotti. A evolução do capital imobiliário nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em história Econômica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 18,19.
15 Mário Pecego Heide salienta que existe controvérsia a respeito da origem dos shopping centers, se norte americana ou canadense. Refere que foi no Canadá, na década de 50 que tomou a forma do empreendimento que conhecemos hoje, em vista de seu inverno rigoroso, que fez com que surgisse a necessidade de existência de um local para que as pessoas socializassem, com climatização, estacionamento coberto e que proporcionasse variada opção de serviços e lazer. Traços jurídicos, físicos e econômicos da modalidade de negócio chamada shopping center. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/28895-28913-1-PB.pdf>. Acesso em 29.06.14.
16 PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center: uma nova era empresarial, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.2.
Em 1.957, em Minnesota, foi inaugurado o
Southdale City
, por muitos
considerado o primeiro
shopping mall
nos moldes modernos, por concentrar duas
lojas de departamento concorrentes no mesmo espaço
18.
Nos anos 1.950 e 1.960, com base no modelo norte-americano, os primeiros
shopping malls
foram inaugurados na Inglaterra, França e Alemanha
19.
Na atualidade, os americanos destacam-se entre os maiores grupos
proprietários de
shopping centers
do mundo. A
International Council of Shopping
Center
é o principal órgão de representatividade do segmento em nível mundial.
No Brasil, a estrutura comercial do
shopping center
foi montada pela primeira
vez com a inauguração do Shopping Iguatemi, em São Paulo, e se expandiu a partir
da década de 1.970, tendo em vista políticas de fusões, incorporações e
conglomeração decorrentes da economia de escala e do afluxo de recursos por meio
de repasses originários do mercado financeiro internacional, facilitado pelo
dimensionamento dos bancos locais.
Pedro Elias Avvad
20observa que o Shopping Inguatemi contrariou um dos
pressupostos iniciais do modelo americano, quanto à localização, já que ainda existe
e está no centro da maior cidade do país, salientando que o
shopping
brasileiros, em
geral, conservam características nitidamente urbanas.
A construção do Shopping Iguatemi
foi viabilizada por meio de permutas de
quotas parte, com a cessão do direito de propriedade de fração do empreendimento,
que poderia ser o terreno de implantação, a venda de uma loja na planta, ou os
recursos tradicionais de novos sócios. Posteriormente, nos anos de 1.980 a 1.989,
as principais inaugurações de
shopping centers
resultaram de uma mescla de aporte
financeiro dos bancos (principalmente fundos de pensão), securitização e capital
privado
21.
18 BALDIN, José Roberto Barsotti. A evolução do capital imobiliário nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em história Econômica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 20.
19 BALDIN, José Roberto Barsotti. A evolução do capital imobiliário nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em história Econômica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 21.
20 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 619.
Dinah Sonia Renault Pinto
22lista os seguintes elementos como responsáveis
pelo surgimento dessa espécie de centro comercial no Brasil: a) a descentralização
para a periferia, em consequência do aumento e concentração da população em
áreas urbanas; b) o desafogamento do trânsito em virtude dessa descentralização;
c) a facilidade de estacionamento de automóveis, diante da existências de espaço
para tal finalidade no empreendimento; d) a segurança oferecida contra violência
existente.
José Roberto Barsotti Baldim
23, em monografia que trata da evolução do
capital imobiliário no setor de
shopping center
, salienta que no Brasil tal setor ainda
está em estágio de crescimento, em razão do potencial demográfico e extensão
geográfica, e que tal expectativa econômica atrai muitos investidores estrangeiros,
acrescentando que a abertura de capital estimula a participação para além dos
grupos econômicos, de investidores individuais.
O sucesso e expansão nas construções deram origem,
em 1.976,
à criação
da ABRASCE (Associação Brasileira dos
Shopping Centers
), da qual integram a
quase totalidade dos empreendimentos e tem como uma de suas atribuições a
emissão de certificados aos empreendimentos que satisfaçam determinados
requisitos.
A ABRASCE constitui uma associação civil, devidamente registrada, com
personalidade jurídica e que tem por objetivo desenvolver e fortalecer a indústria de
shopping centers
no Brasil. Entre os seus associados estão empreendedores,
administradores, prestadores de serviços e lojistas da indústria. No total, 280
shopping
que atuam no Brasil são filiados à entidade
24.
O Brasil já soma 501
shopping centers
em funcionamento, são 13.145
milhões de m² de ABL (área bruta locável). Outros 30 empreendimentos serão
inaugurados até o final de 2014
25.
22 PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center: uma nova era empresarial, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.2.
23 BALDIN, José Roberto Barsotti. A evolução do capital imobiliário nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em história Econômica) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 40.
24 Abrasce: Portal do Shopping Centers. Disponível em:
<http://www.portaldoshopping.com.br/abrasce/historico-da-abrasce-associacao-brasileira-de-shopping-centers>. Acesso em: 27 jun. 2014.
2 NATUREZA JURÍDICA E CONCEITO DO
SHOPPING CENTER
O
shopping center
trouxe uma nova tecnologia ao comércio. Aluga espaços
para a intermediação de mercadorias e serviços, conjugando lazer, em um ambiente
diferenciado, planejado dentro das mais modernas técnicas empresariais,
oferecendo segurança e conforto. Sua dinâmica influencia aspectos econômicos e
sociais, dando origem a novos hábitos de comportamento de consumo, além de
estimular e desenvolver a infraestrutura urbana e viária em seu entorno.
A natureza jurídica do
shopping center
é de empresa de conjunto, pois se
trata de uma atividade econômica organizada, visando o lucro. Sua construção está
diretamente relacionada à maximação do lucro, fundamentada em estudos de
viabilidade econômico-financeira.
Surge da integração das atividades comerciais de cada lojista e do
empreendedor, sendo que o sucesso do empreendimento depende da atuação do
todo. O único momento de produção na indústria do
shopping center
é quando de
sua construção. Após tal fato o
shopping
irá figurar como mero intermediário,
atraindo o cliente pela qualidade da prestação de serviços e por sua infraestrutura.
O aspecto distinto de dinamismo e eficiência do
shopping
é a relação
contratual fixada entre o empreendedor e os comerciantes, que assegura a
participação do investidor no lucro das atividades que serão lá desenvolvidas. O
empreendedor objetiva receber renda de aluguéis dos salões, rendimento este que
conta, entretanto, com características especiais.
O empreendedor do
shopping center é
aquele que vai exercer em nome
próprio ou por meio de administrador a atividade econômica de caráter habitual,
visando o lucro, de criar o empreendimento, organizá-lo e administrá-lo.
percentual sobre o respectivo faturamento bruto. Contribuem para o fundo de
promoções, fundo de administração e de despesas internas. Portanto, a atividade do
lojista não pode prescindir dos serviços internos, assim como o empreendedor tem
interesse no sucesso das vendas pois, desta forma, também terá mais lucro
26.
Suas atividades não cessam quando da criação e constituição do
shopping.
É
responsável pela formação do
tenant mix
, por promover ações de
marketing,
pela
aprovação do ingresso do lojista na estrutura do empreendimento e pela
manutenção do equilíbrio entre os lojistas, visando garantir um nível mínimo
satisfatório de resultados econômicos. Em suma, cabe ao empreendedor manter a
excelência do empreendimento como coletividade.
Nesse sentido, Roberto Wilson Pinto
27ressalta que a atuação do
empreendedor do
shopping
center
não se exaure com a inauguração do
empreendimento:
Pelo contrário, a partir daí, começa o persistente trabalho de solidificação da imagem do shopping center perante o público a que se destina e do aprimoramento do tenant mix, na medida em que o sistema locativo montado é dinâmico, acompanha a realidade e as novidades da moda, dos costumes, da decoração e assim por diante (...). (PINTO R., 1991, p. 219)
Há, portanto, uma relação direta entre a rentabilidade do empreendedor e dos
comerciantes, o que possibilita uma integração entre os interesses dos contratantes
e otimiza o
marketing
em nível nunca antes imaginado pelo sistema de comércio
convencional.
26
“Para tanto o proprietário do shopping escolherá produtos e serviços, selecionará lojistas, fazendo dos grandes magazines ou lojas de departamentos (lojas-âncoras) o ponto de atração do público que impelirá clientela às lojas magnéticas ou satélites, promovendo campanhas publicitárias e criando condições bastante favoráveis à exploração do comércio pelos lojistas.
(...)
Portanto, os locatários beneficiam-se de uma série de serviços prestados pela entidade empreendedora do shopping, que os protegerá contra a excessiva concorrência, por haver no centro comercial limitação de números de estabelecimento de um determinado ramo negocial; daí a logicidade da participação do empresário- proprietário do shopping nos lucros obtidos pelas lojas. Até mesmo o planejamento, feito pelo empreendedor, das áreas de uso como sistema de condicionamento de ar, condutores de águas pluviais, calçadas, áreas de circulação interna para o público, áreas de serviço, escritório da administração, sanitários públicos, saídas usuais e de emergência, estacionamento externo, será elaborado tendo em vista melhorar o atendimento e suprir as necessidades operacionais do shopping.” (DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, volume 3. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 40).
Segundo Pedro Elias Avvad
28a exploração do
shopping
envolve duas áreas
distintas e intimamente interligadas: a locação e administração do negócio, sendo a
última efetivamente uma prestação de serviços, que é a essência dessa atividade.
O lojista é o comerciante que participará do empreendimento, nele
promovendo a sua atividade empresarial, por meio da cessão de uso (ou locação) de
um espaço. Além do quanto disposto no contrato de cessão de uso do espaço
(locação), o lojista está subordinado às demais disposições fixadas pelo
empreendedor, constantes da escritura declaratória de normas gerais
complementares, do regulamento interno do
shopping
e ao estatuto da associação
dos lojistas. Existe a obrigatoriedade de o lojista integrar a associação de lojistas,
contribuir para as despesas coletivas e para o fundo de promoção.
Os lojistas devem respeitar as regras impostas pelo empreendedor para que o
conjunto funcione de forma equilibrada, não gozam de autonomia, pois não podem
decidir sobre o horário de funcionamento de seus estabelecimentos, alterar a
configuração externa ou interna de suas lojas, alterar o ramo de comércio ou ceder o
contrato sem a anuência do empreendedor. Todo o arranjo externo e interno
do
shopping
faz-se em função de um objetivo que não é suscetível de pulverização.
Tudo é armado para funcionar em conjunto e harmonicamente
29.
Segundo Maria Elisa Gualandi Verri
30é a submissão do lojista aos
regulamentos tendentes a uniformizar as práticas no empreendimento que o fazem
uma figura totalmente diferenciada do lojista do
“comércio de rua”, explicando:
No caso de este último ser locatário de um prédio autônomo, o único vínculo existente entre o proprietário do imóvel e o lojista é o aluguel, constituindo como obrigações do lojista o pagamento deste e a manutenção do imóvel, como qualquer simples relação locatícia.
Ao contrário, o lojista de shopping center deverá conviver com determinados preceitos da estrutura desses centros, que serão adiante analisados, visando a que a estrutura do shopping center, minuciosamente planejada, não seja maculada. (VERRI, 1996, p. 30-31)
28 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 622.
29 BESSONE, Darcy. Problemas Jurídicos do "Shopping Center", Revista dos Tribunais | vol. 660 | p. 7 | Out / 1990, Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 713 | Dez / 2010 | DTR\1990\173
Existe a necessidade de que a performance de cada lojista se sintonize com o
afreguesamento do conjunto. O mau desempenho de uma ou de várias lojas poderá
repercutir na formação e na manutenção da clientela do
shopping
, favorecendo ou
prejudicando as outras. Tudo há de funcionar organizadamente, organicamente,
como um complexo unitário
31.
José de Oliveira Ascensão
32refere que, ao organizar os lojistas no
estabelecimento de conjunto, o empreendedor tem a finalidade única da atividade de
conjunto. Ou seja, é adotada uma integração empresarial visando a operação
econômica global que é o
shopping,
sendo este o diferencial desta espécie de
empreendimento para os demais centros comerciais.
Justamente por esta razão que Rodrigo Barcellos
33defende que ao
shopping
center
deve ser aplicada a teoria da empresa, no sentido de que os lojistas são
qualificados como
“empresários”, nos termos do art. 966 do
CC, as lojas como
estabelecimentos e o empreendimento comercial
como “empresa
de conjunto
”, nos
termos do art. 1.142 do CC, concluindo que a empresa de conjunto (o
shopping
center
) será analisada em seu aspecto estrutural: uma rede de contratos criada pelo
empreendedor e integrada por ele e pelos diversos lojistas, que permite o exercício
integrado das atividades empresariais.
Darcy Bessone
34sustenta que empreendedor só pode ser considerado um
empresário --- dirigente das empresas que comerciam no
shopping
--- na fase do
lançamento, da construção e da organização do complexo, pois após a finalização
da obra, ele passaria a uma outra condição, que conjuga o seu título de propriedade
com o de coordenador ou administrador do organismo criado. Não seria um dirigente
das empresas que comerciam no
shopping
.
Com todo respeito, ousamos discordar de tal posicionamento, uma vez que
mesmo após a conclusão do empreendimento o empreendedor age como
31 BESSONE, Darcy. O "Shopping" na Lei de Inquilinato, Revista dos Tribunais | vol. 680 | p. 23 | Jun / 1992, Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 731 | Dez / 2010, Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos | vol. 5 | p. 683 | Jun / 2011 | DTR\1992\179
32 ASCENSÃO, José de Oliveira. Integração empresarial e centros comerciais. Revista da Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, Lisboa, v. 32, p. 29-70, 1991.
33 BARCELLOS, Rodrigo. O contrato de shopping center e os contratos atípicos interempresariais, p. 82 e 85.
empresário ao utilizar o imóvel para produção de nova riqueza, promovendo o
desenvolvimento do estabelecimento de forma global.
Diferentemente do contrato de locação comum, onde a figura do locador
assume uma postura passiva, limitando-se em ceder o uso da coisa para auferir
rendimentos decorrentes, o empreendedor no
shopping center
participa ativamente
na criação e, posteriormente, na gestão do
shopping
, em conjunto com os lojistas,
visando o sucesso do empreendimento.
Percebe-se, também, que a causa e a finalidade do contrato de
shopping
center
difere do contrato de locação comercial, na medida em que as partes não
pretendem apenas a cessão do uso da coisa contra o pagamento do aluguel, e sim
objetivam tirar proveito da organização do empreendimento para obter um maior
lucro.
O empreendedor pretende criar uma estrutura integrada pelos lojistas,
visando o aumento do público frequentador e da venda de cada uma das lojas, o
que refletirá no aumento de seu lucro. O lojista tem por finalidade inserir o seu
estabelecimento nessa estrutura, integrando-o aos estabelecimentos dos demais
lojistas, para usufruir prestações de serviços comuns e as atribuições patrimoniais
proporcionadas pela empresa de conjunto, aumentando os seus lucros.
O que importa é a atividade comum aos lojistas e empreendedor, visando o
lucro em uma estrutura organizada, de forma que o espaço físico do imóvel é
apenas o meio para atingir o fim comum almejado.
Nesse sentido, Maria Helena Diniz
35chama a atenção para o fato de que a
finalidade do empreendedor e dos lojistas em um empreendimento como o
shopping
center
é relação direta entre a rentabilidade do empreendimento e a das atividades
comerciais exercidas no prédio:
A grande finalidade das partes que participam no contrato de shopping não será, portanto, a cessão e uso de uma unidade em troca de uma remuneração pecuniária, mas sim a de tirar proveito da organização do empreendimento, participando dos lucros obtidos por cada loja. Assim concede-se o uso ao lojista para que pratique atos de comércio, distribuindo o lucro obtido com o sucesso comercial, pagando percentual correspondente ao faturamento bruto. (DINIZ, 2003, p.40)
O mais usual para o investimento em
shopping center
é a formação de um
pool de investidores; normalmente um empreendedor majoritário e a participação de
outros minoritários, que procuram diluir o risco do negócio no fracionamento das
responsabilidades financeiras e econômicas. O processo de financeirização é
iniciado a partir do empréstimo bancário
36.
O
shopping center
diferencia-se das demais formas de centros comerciais,
como grandes lojas de departamento, por exemplo, uma vez que estas são
exploradas diretamente pela sociedade empresária que é titular do estabelecimento,
mesmo que parte do espaço seja objeto de locação para prática de outras
atividades. Naquelas há a concentração do exercício da atividade em um único
empresário, diferentemente do que ocorre no
shopping
, em que o exercício da
atividade se dá por vários empresários distintos (lojistas), de forma integrada,
formando um conjunto que potencializa o valor da cada loja.
No que toca às galerias de lojas, nestas a atividade comercial é desenvolvida
por vários empresários, contudo, tem-se que nada os une, cada qual tem sua
autonomia, o que não ocorre no
shopping center
, onde os lojistas renunciam parte
de sua autonomia ao contratarem com o empreendedor do
shopping
, que organiza a
coletividade de lojistas com a finalidade única do exercício de uma atividade
integrada.
O
shopping center
se assemelha ao condomínio, mas com ele não se
confunde, pois na sua forma mais frequente, não há unidades autônomas ou a
conjugação de partes privativas e comuns. As lojas pertencem a um só proprietário
(embora excepcionalmente os lojistas possam ser proprietários das lojas), o qual fica
ligado ao centro comercial e tem poder de fiscalização nos lucros, ramos de
atividades,
lay out
das lojas, entre outros. No
condomínio, as unidades gozam de
independência, uma vez respeitada a sua destinação e à Convenção. Os deveres
dos lojistas de não praticarem atos que prejudiquem os demais integrantes do
empreendimento decorrem de regras contratuais fixadas com o proprietário do
shopping
.
Se a edificação decorrer do condomínio, ou seja, se os lojistas forem
proprietários das lojas, deve seguir as regras da Lei de Incorporação Imobiliária
(basicamente a Lei 4.591, de 16.12.64), se fazendo necessário a elaboração de uma
Convenção que estabeleça as normas de direito e regras de comportamento dos
condôminos.
Pedro Elias Avvad
37refere que alguns empresários da indústria de
shopping
center,
para não serem tributados duplamente pela mesma renda, acabam por
constituir um condomínio
pro indiviso
, de forma que cada empresa participante do
empreendimento passa a ser coproprietária e possuir em nome próprio uma fração
do
shopping
, ou uma fração de cada uma das unidades imobiliárias de que ele for
composto.
O mesmo Autor também relaciona que algumas vezes, durante a construção
do empreendimento, ocorre a venda antecipada de unidades e consequente
estabelecimento de um condomínio especial, com a designação de Condomínio
Edilício.
Ocorre que uma vez construído o
shopping center
pode dar origem a dois
empreendimentos distintos. O primeiro reúne um investimento imobiliário que
administra e promove o marketing conjunto e aluga lojas para que se processe o
segundo negócio que é o de vendas a varejo ou por atacado. A administração é
exercida por empresa criada pelos investidores cotistas (ou empreendedor) que têm
como remuneração do capital as receitas decorrentes do aluguel das lojas,
descontadas as despesas operacionais e os impostos e encargos fiscais.
A outra modalidade inclui a venda das lojas, cujos proprietários alugam ou
desenvolvem seus próprios negócios e exercem a administração sob a forma de
condomínio, mantendo as mesmas características físicas e ambientais que tipificam
o empreendimento.
reflete relações pessoais entre seus sócios e possui personalidade jurídica perante
terceiros, o que não ocorre no
shopping,
que não é dotado de personalidade jurídica.
Rubens Requião
38, ao analisar tal espécie de centro empresarial, acentua o
seu atual desvirtuamento, diante da disseminação da denominação
shopping center
para abranger organizações improvisadas e de porte médio, dentro de cidades,
agravando a concentração urbana, quando o seu objetivo primadal seria o de
propiciar a descentralização urbana e a dispersão do tráfego viário. Salienta a
relevância econômica dessa espécie de empreendimento em regiões mais distantes,
fora da concentração demográfica, na periferia, por se tornar o núcleo de novas
áreas, que passam a se desenvolver em seu entorno.
O
shopping center
trata-se de um negócio jurídico específico, cuja finalidade e
elemento essencial é, precisamente, a participação nos resultados. Pode ser
conceituado como comércio reunido, geralmente, sob a forma de associação em
participação e peculiarmente organizado em infra-estrutura destinada a uma rápida
circulação de riquezas
39.
A Abrasce considera
shopping center
os empreendimentos com Área Bruta
Locável (ABL), normalmente, superior a 5 mil m², formados por diversas unidades
comerciais, com administração única e centralizada, que pratica aluguel fixo e
percentual. Na maioria das vezes dispõe de lojas âncoras e vagas de
estacionamento compatível com a legislação da região onde está instalado
40.
Fábio Ulhoa Coelho
41define o
shopping center
como “um empreendimento
peculiar, em que espaços comerciais são alugados para empresários com
determinados perfis, de forma que o complexo possa atender diversas necessidades
dos consumidores
”.
37 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 628 e 629.
38 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (shopping centers) no brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 795 | Dez / 2010 DTR\2012\1848. 39 BELMONTE, Alexandre de S. Agra. Natureza jurídica dos shopping centers. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda, 1989, p. 53.
40 ABRASCE: Portal do Shopping. Disponível em <http://www.portaldoshopping.com.br/numeros-do-setor/definicoes-e-convencoes> Acesso em: 27 jun. 2014.
Nagib Slaibi Filho
42sintetiza o
shopping
em um grupo de estabelecimentos
comerciais unificados arquitetonicamente e construídos em terreno planejado e
desenvolvido, administrado como uma unidade operacional, dotada de
estacionamento.
Segundo Alexandre Agra Belmonte, exige-se como requisitos básicos à
caracterização do
shopping center
, na acepção técnica do termo, a presença dos
seguintes elementos: a) ponto mercadologicamente estudado, em termos de
facilidade de acesso potencial de vendas; b) presença das lojas de atração para
chamariz do público e dos usuários de lojas satélites; c) planejamento prévio das
atividades e diversificação adequada à manutenção do conjunto; e d)
estacionamento proporcional ao volume de visitantes
43.
Maria Helena Diniz
44dá ênfase à complexibilidade do negócio ao
fundamentar que o
shopping center
envolve uma estrutura organizacional relativa a
sua localização, a sua viabilidade econômica, à captação de recursos, à adesão ao
tenant mix
por parte dos lojistas, que se subordinarão a um contrato normativo que
traça regras para o bom funcionamento e sucesso comercial do empreendimento.
Ives Gandra da Silva Martins
45vê nos
shopping
um sobreestabelecimento
comercial, de onde os seus comerciantes recebem o principal fator de força
mercantil, mesmo que sejam famosas as marcas ou renomadas as sociedades.
Explica que a estrutura do empreendimento permite que os estabelecimentos
comerciais lá instalados existam e tenha sua principal razão de ser e força, já que
não há estabelecimento que não tenha sido escolhido em função dos aspectos de
agregação valorativa, representada pelo acréscimo que tal instalação fatalmente
provocará.
O
shopping center
, portanto, não representa apenas um amontoado de lojas
em um só local, não se limita ao seu aspecto visual. Tem uma estrutura e aspectos
que lhe são peculiares e próprios, podendo ser comparado a uma pequena cidade,
42 SLAIBI FILHO, Nagib. Comentários à Nova Lei do Inquilinato. 9. Ed. São Paulo: Forense, 1986, p. 331.
43 BELMONTE, Alexandre de S. Agra. Natureza jurídica dos shoppings centers. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda, 1989, p. 8.
44 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, volume 3. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 39.
dentro da cidade
46. O empreendedor aplica toda uma tecnologia na formação do
empreendimento e após a sua finalização, não figura como mero locador de lojas, e
sim como criador de um novo fundo de comércio, formado pela simbiose entre as
atividades dos lojistas e serviços internos do centro. Vários fatores, como o prévio
planejamento e captação dos lojistas, organização das lojas, organização
administrativa, cuidados com a segurança, dentre outros, agregado à integração
empresarial, visando a operação econômica global, fazem da locação em
shopping
center
um negócio distinto, o que justifica as especificidades dessa espécie
contratual, conforme será demonstrado em tópico próprio.
46
3 VISÃO MODERNA DO DIREITO CONTRATUAL. A FUNÇÃO SOCIAL E A
BOA-FÉ NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS
Como visto acima, o
shopping center
tem natureza jurídica de empresa de
conjunto e os lojistas que integram o empreendimento e o empreendedor são
empresários, na medida em que exploram atividade econômica.
Na exploração da atividade econômica a que se dedicam o empreendedor e
lojistas celebram diversos contratos para realização de seus objetos sociais. Assim,
antes de adentrar-se na análise do contrato de
shopping center
propriamente dito,
se faz necessário rever os princípios basilares da teoria contratual.
O contrato, como acordo de vontades, é negócio jurídico. Segundo Vera
Helena de Mello Franco
47o significado mais autêntico de contrato é aquele em que
ele se apresenta como subespécie (principal) do negócio jurídico bilateral,
patrimonial.
O negócio jurídico resulta de comportamento ou condutas espontâneas e
queridas, manifestadas mediante declarações de vontades, exaradas com o fito de
regular os próprios interesses em relação a terceiros ou de conseguir um
determinado resultado digno de tutela, conforme dentro dos limites estabelecidos
pela lei
48. Portanto, a declaração de vontade é fundamento do negócio jurídico,
embora possa não ser por si só suficiente para a sua constituição.
Os contratos estão inseridos na categoria dos negócios jurídicos plurilaterais,
que corresponde à junção de duas ou mais vontades, sendo o consenso elemento
inarredável. Do acordo de vontades deve também resultar a criação ou modificação
de relações jurídicas preexistentes.
O contrato dá “roupagem”
, estrutura às diversas operações econômicas, é um
instrumento jurídico de circulação de riqueza. Sob esse ponto de vista, Orlando
Gomes
49assevera que contrato é todo acordo de vontade destinado a constituir uma
relação jurídica de natureza obrigacional, com eficácia patrimonial.
47 FRANCO, Vera Helena de Mello. Teoria geral do contrato: confronto com o direito europeu futuro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 33.
48 FRANCO, Vera Helena de Mello. Teoria geral do contrato: confronto com o direito europeu futuro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 34.
O cumprimento do contrato como instrumento da vida econômica satisfaz não
só às partes contratantes, como a sociedade em geral, posto que mantem as
relações sociais a largo de conflitos.
O contrato como negócio jurídico tem como pressuposto de existência:
agentes, manifestação de vontade, objeto e forma. E de validade: agente capaz e
legitimado, manifestação de vontade livre e de boa-fé, objeto lícito, possível ou ao
menos determinável e forma prescrita e não defesa em lei. Para ser válido, ainda, o
contrato não poderá infringir preceitos de ordem pública.
O esquema contratual tem natureza lógico formal, ou seja, é preenchido pelo
conteúdo estabelecido para cada contrato em espécie. Paralelamente coexistem
normas gerais, que são aquelas normas comuns, aplicáveis a todos os tipos de
contratos, o que permite que contratos não previstos em lei (contratos atípicos) se
socorram da teoria geral dos contratos.
Esse esquema lógico formal dos contratos submete-se a uma série de
princípios para a validade do contrato: a) da autonomia privada ou autonomia
negocial; b) da obrigatoriedade do contrato
–
pacta sunt servanda
; c) da relatividade
das convenções; d) do equilíbrio contratual; e) da boa-fé e; f) da função social dos
contratos.
Os três últimos princípios acima referidos, do equilíbrio contratual, da boa-fé e
da função social, nasceram em vista de uma visão moderna do direito contratual,
originados nos ideais constitucionais trazidos pela Carta Cidadã de 5 de outubro de
1.988 e influenciam sobremaneira na forma de interpretação dos contratos na
atualidade.
O Código Civil de 2002, indo de encontro com o texto constitucional, afastou
os valores como patrimonialismo e individualismo, que impregnavam a Codificação
anterior, buscando novos referenciais, mais próximos e antenados aos valores da
Constituição da República, em especial os direitos e garantias fundamentais. A
legislação civil abandonou a perspectiva patrimonialista e buscou proteger a pessoa
no âmbito das relações privadas, estabelecendo três paradigmas a serem
perseguidos: a socialidade, a eticidade e a operabilidade
50.
A igualdade formal foi substituída por uma igualdade substancial,
reconhecendo-se a necessidade de um tratamento desigual, de forma a se obter a
igualdade entre desiguais. O foco da proteção Estatal, que no contexto liberal do
Código Civil de 1916 era a propriedade privada e a liberdade contratual, sem
qualquer possibilidade de relativização, passou para o indivíduo, havendo uma nova
regulamentação da contratação em diversos setores.
Com efeito, s
ob a égide do “Estado Social” as relações contratuais s
ofreram
relevante transformação e o Estado passou a gerenciar o conteúdo do contrato, seja
por meio da lei ou pelo judiciário, mediante a revisão, quando presente o
desequilíbrio negocial. Assim o Estado pretende concretizar os direitos fundamentais
nas relações privadas, mediante os princípios da boa-fé, equilíbrio contratual e da
função social.
Frise-se, por oportuno, que os princípios gerais dos contratos acima referidos
são técnicas de interpretação. Contudo, a função social e a boa-fé foram alçadas
pelo ordenamento jurídico à categoria de cláusulas gerais, respectivamente, nos
arts. 421 e 113, 187 e 422 do Código Civil.
As cláusulas gerais configuram formulações genéricas, abertas e abstratas da
lei, constituindo normas orientadoras, diretrizes, dirigidas ao juiz, que,
simultaneamente, vinculam-no e lhe conferem liberdade para decidir, aplicar o direito
no caso concreto. Se relacionam diretamente aos princípios jurídicos, vez que
permitem a entrada, no ordenamento, de princípios valorativos expressos ou
implícitos (em especial, os constitucionais) e máximas de conduta.
Assim, o novo código flexibilizou o ordenamento jurídico, criando um sistema
jurídico aberto. Por meio da aplicação das cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados e juntamente com os princípios, a lei passou a ser permeável às
modificações sociais, econômicas e às exigências do caso concreto.
Para a ordem positiva, a autonomia da vontade é a validade dos acordos
realizados pelos próprios sujeitos do direito. Ou seja, o sujeito contrata o que quiser,
com quem quiser e na forma que quiser
51. No modelo liberal, o princípio da
autonomia da vontade é sintetizado na assertiva de que o contrato faz lei entre as
partes (
pacta sunt servanda
).
No século XX, tendo em vista movimentos sociais de cunho ideológico e a
implantação de uma economia de massa --- do que decorreu contratos
padronizados, por adesão, desequilibrando a igualdade na formação dos contratos
--- houve uma alteração no cenário econômico, político e social.
O art. 421 do Código Civil determina que “a liberdade de contratar será
exercida em
razão dos limites da função social do contrato”.
Um dos motivos
determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos
incisos XXII e XXIII do art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade
que “
atenderá a
sua função social
”.
Verifica-se que o dirigismo estatal condiciona a autonomia da
vontade das partes na relação contratual ao atendimento do bem comum e dos fins
sociais.
Além disso, o parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil dispõe que
nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tal como
o estabelecido no art. 421 do Código Civil Brasileiro, referente a função social do
contrato.
Miguel Reale
52salienta que a colocação das avenças em um plano
transindividual tem levado alguns intérpretes a temer que haja uma diminuição de
garantia para os que firmam contratos baseados na convicção de que os direitos e
deveres neles ajustados serão respeitados por ambas as partes. Conclui que tal
receio não tem cabimento, pois a nova Lei Civil não conflita com o princípio de que o
pactuado deve ser adimplido, que a ideia tradicional de
pacta sunt servanda
continua a ser o fundamento primeiro das obrigações contratuais. Explica que o
imperativo da função social do contrato estatui é que este não pode ser
transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte
contrária ou a terceiros.
51 COELHO, Fábio Ulhoa. Curdo de direito comercial. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2005, p.8.
O contrato, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente
ao poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da
jurisprudencial e da consuetudinária, portanto, não deve atender somente ao
interesse das partes. Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato uma função
social, a fim de que ele seja concluído em benefício dos contratantes sem conflito
com o interesse público
53.
Antonio Jeová Santos
54refere que a função social do contrato objetiva a
proteção da parte mais fraca na relação contratual, que acima da vontade absoluta
das partes pairam altos valores sociais, que funcionam como uma balança e
impedem “o desequilíbrio arrogante, pecaminoso e ultrajante”.
E conclui:
Os sujeitos do negócio jurídico estão reciprocamente vinculados, transformando este laço que os vincula em relação que os coloca diante da sociedade em que vivem. As consequências jurídicas da contratação envolvem os partícipes diretos e a sociedade, por rebote. (SANTOS A., 2004, p.144)
Intimamente ligado a interpretação do contrato está o princípio da boa-fé,
previsto no artigo 422 do C
ódigo Civil, que reza “
os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios da
probidade e boa-fé
”
. O artigo 113 do Código Civil, por sua vez, propõe que "
os
negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração
".
O princípio de socialidade atua sobre o direito de contratar em
complementaridade com o de eticidade, cuja matriz é a boa-fé, a qual permeia todo
o novo Código Civil
55.
Segundo o princípio da boa-fé é preciso ater-se mais à intenção do que ao
sentido literal da linguagem e em prol do interesse social de segurança das relações
jurídicas. Há assim dever de colaboração entre as partes, de forma que uma não
dificulte a ação da outra, tanto na formação como na execução do contrato.
53 REALE, Miguel. Função social do contrato. Disponível em <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 03 jul. 2014.