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Texto

(1)

Fabio

Zanon

Exclusivo!

Curso de violão

popular

com vídeoaulas

Ano 2 - Número 5 - Janeiro 2016 www.violaomais.com.br

Arthur Nestrovski

Ensaísta, editor, crítico, escritor... e violonista

Tres cubano: tradição popular

Arpejos no flamenco

Folia de Reis: reino da viola caipira

Como estudar tremolos

Miguel Llobet: Canciones Catalanas

E mais:

Sem papas na língua

Dilermando Reis e Francisco Petrônio

Voz e Violão em Serenata

(2)

editorial

Editor-técnico

Luis Stelzer

editor@violaomais.com.br

Colaboraram nesta edição

Breno Chaves, Cleber Assumpção, Fabio Miranda, Flavio Rodrigues, Luisa Fernanda Hinojosa Streber, Reinaldo Garrido Russo, Ricardo Luccas,

Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade de seus autores. É permitida a reprodução dos conteúdos publicados aqui desde que fonte e autores sejam citados e o material seja enviado

Ano 2 - N° 05 - Janeiro 2016

VIOLAO

+

Como é bom começar bem o ano! VIOLÃO+ comemora o início de seu Ano II com uma grande edição, trazendo nada menos que o violonista Fábio Zanon - com seu talento, dedicação e franqueza - para você. Em uma entrevista interessantíssima, ele fala sobre o panorama do ensino de música, no Brasil e em outros países, rotina de estudos, concursos, concertos... Está tudo ali, bem contado. Outra entrevista, não menos fantástica e impactante, traz Arthur Nestrovski, o homem que vira a mesa, mesmo. De professor universitário, ensaísta, crítico musical, editor e escritor, de repente passa a ser violonista, arranjador, compositor, com shows por todo o Brasil e fora dele, e em seguida é diretor artístico da OSESP e do Festival de Inverno de Campos do Jordão. A seção Mundo nos traz o tres cubano, suas características e sua tradição. História resgata uma das passagens do famoso violonista de Guaratinguetá, Dilermando Reis: a do acompanhador, esmiuçando em especial o período em que trabalhou com o cantor Francisco Petrônio. A seção Academia - inaugurada na edição anterior com um belo artigo de Paulo de Tarso Salles sobre o acorde de Tristão na música de Villa-Lobos - dessa vez traz o trabalho de Dagma Eid sobre Miguel Llobet e as Canções Catalãs. VIOLÃO+ dá, assim,

sua contribuição para que os trabalhos acadêmicos fiquem mais próximos aos violonistas. Nossas colunas técnicas estão ótimas, como sempre, tentando abranger um leque bem variado do que pode ser interessante para o instrumentista de cordas atualmente. Temos também a seção Em Pauta, trazendo novidades, shows, vídeos, tudo o que for interessante. E, na seção Você na VIOLÃO+, um violeiro bem moderno! Espero que tudo esteja na medida certa, no seu gosto. Está muito gostoso fazer VIOLÃO+. Leia, curta a revista, compartilhe com seus amigos. Abraços.

Luis Stelzer Editor-técnico

Começando bem 2016

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índice

Foto de capa Divulgação Publicidade/anúncios comercial@violaomais.com.br Contato contato@violaomais.com.br Sugestões de pauta redacao@violaomais.com.br

Publisher e jornalista responsável

Nilton Corazza (MTb 43.958) publisher@violaomais.com.br Gerente Financeiro Regina Sobral financeiro@violaomais.com.br Diagramação Sergio Coletti arte@violaomais.com.br

Rua Nossa Senhora da Saúde, 287/34 Jardim Previdência - São Paulo - SP

CEP 04159-000 Telefone: +55 (11) 3807-0626

50

iniciantes

54

Como Estudar

10

Retrato

45

Siderurgia

4

Você na V+

6

Em Pauta

18

História

22

Fabio Zanon

42

Sete Cordas

46

Flamenco

48

Improvisação

64

Coda

56

Viola Caipira

59

Academia

34

Mundo

38

De ouvido

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Mostre todo seu talento!

Os violonistas do Brasil têm espaço garantido em nossa revista.

Como participar:

1. Grave um vídeo de sua performance.

2. Faça o upload desse vídeo para um canal no Youtube ou para um servidor de transferência de arquivos como Sendspace.com, WeTransfer.com ou WeSend.pt. 3. Envie o link, acompanhado de release e foto para o endereço editor@violaomais.com.br 4. A cada edição, escolheremos um artista para figurar nas páginas de Violão+, com direito a entrevista e publicação de release e contato.

Violão+ quer conhecer melhor você, saber sua

opinião e manter comunicação constante, trocando experiências e informações. E suas mensagens podem ser publicadas aqui! Para isso, acesse,

curta, compartilhe e siga nossas páginas nas redes sociais clicando nos ícones acima. Se preferir, envie críticas, comentários e sugestões para o e-mail contato@violaomais.com.br

você na violão+

Badi Assad

Adorei ver a Badi na capa da revista. Sou muito fã e sempre acompanho tudo sobre ela. Continuem assim! (Ludmila Nunes, em nossa página no Facebook) Badi e Ceumar, duas talentosas

mulheres. Violão+ prova que não tem

preconceitos! ;) (Larissa Soares, em nossa página no Facebook)

Rosimary Parra

Sensacional, muito top! (Itamar Gavao, no vídeo de Rosimary Parra em nosso canal do Youtube)

Flamenco

Parabéns pelos ensinamentos Flavio! (mjkrisiun no vídeo de Flavio Rodrigues em nosso canal do Youtube)

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VIOLÃO+ • 5

você na violão+

A viola pode ser universal. É sobre este parâmetro

que Junior da Violla

apresenta seu recital de viola caipira instrumental desde 1999. Músicas de diversos estilos musicais como o rock dos Beatles em “Norwegian Wood”, o baião de Luiz Gonzaga em “Asa Branca”, o erudito em “Trenzinho do Caipira” e o blues de Robert Johnson, entre outros estilos, são apresentados com harmonia junto aos grandes clássicos da música caipira como “Tristezas do Jeca”, “Luzeiro” e composições próprias como “Trilha Nova” ou “Violando Conceitos”. Músico profissional com 20 anos de carreira, Junior Da Violla há 15 anos dedica-se ao ensino de viola caipira em São Paulo e via Skype. Vencedor de 2 Prêmios Rozini de Excelência na Viola Caipira em 2010 como professor e 2013 como violeiro, endorser das duas maiores marcas relacionadas à viola no Brasil - a Rozini e a Giannini (cordas), atualmente é o maior divulgador das antigas violas de 12 cordas fabricadas até meados do século passado por fábricas como Giannini e Casa Lira. (www.juniordaviolla.com.br)

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EM PAUTA

Sete Vidas em 7 Cordas

O violonista e compositor gaúcho

Yamandu Costa comanda a série

Sete Vidas em 7 Cordas com seis

documentários de 50 minutos que investigam os segredos desse violão, menos conhecido que o tradicional irmão de seis cordas mas responsável por revoluções dentro da música popular brasileira. A série tem cada episódio dedicado à vida e à carreira de um personagem fundamental para a história do violão: Carlinhos 7 Cordas, Rogério Caetano, Luizinho 7 Cordas, Arthur Bonilla e Valter Silva. Na estreia, Yamandu viaja até a Rússia para

descobrir mais sobre a tradição local no assunto, já que os ciganos do Norte da Europa são tidos como os possíveis precursores na inclusão de uma nota mais grave no

instrumento. O violonista conhece ainda a oficina e ateliê de um famoso luthier de Moscou, observa as semelhanças do violão tradicional russo com o tango e o choro, e conversa com virtuoses artistas eslavos. O programa é exibido pelo Canal Brasil.

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VIOLÃO+ • 7

EM PAUTA

A cantora Katy Perry decidiu doar um violão cravejado de cristais Swarovski, criado especialmente para a “Prismatic World Tour”, para a fundação Clara Lionel, criada pela amiga Rihanna, que tem como objetivo “ajudar a quem precisa”. A instituição existe desde 2012, funciona em Barbados e foi idealizada em homenagem à avó de sua criadora, oferecendo programas de saúde, educação, arte e cultura. O violão, personalizado e autografado, alcançou o valor de mais de 12 mil reais.

BOA CAUSA

TRADIÇÃO

Criada em Outubro de 2008, a Orquestra Jundiaiense de Viola Caipira tem como principal objetivo preservar a cultura de raiz intimamente ligada ao instrumento. Possui uma escola permanente de formação de violeiros, e vem se apresentando em várias cidades do Brasil, em séries culturais promovidas por entidades públicas e privadas.A boa notícia é que mesmo quem nunca estudou música pode se tornar membro: a Escola Jundiaiense de Viola Caipira forma músicos por meio de didática simples, exclusiva e eficiente. As aulas são ministradas em grupos progressivos e o próprio aluno decide quando deve migrar. As inscrições ficam permanentemente abertas e todos os meses há um grupo iniciando. Os testes para músicos a partir de 8 anos podem ser agendados com o regente, Adilson Cobeiros, pelo site www.ojvc.com.br

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EM PAUTA

disse para guardá-lo porque poderia “valer alguma coisa um dia”. O astro havia usado o violão personalizado na maioria de seus shows entre 1971 e 1975 e no documentário Elvis on Tour. O fã de sorte guardou a relíquia em um cofre de banco e já havia recusado ofertas por ela, mas agora decidiu vendê-la. O instrumento, no entanto, não conseguiu alcançar o mínimo de US$ 300 mil: o lance mais alto foi US$ 270 mil.

O violão preto Gibson Ebony Dove que Elvis Presley tocou em seu mais famoso show, Aloha From Hawaii, em 1973, foi colocado em leilão. Mike Harris, que estava na primeira fila de uma apresentação em 1975, recebeu o instrumento do próprio Rei do Rock que

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VIOLÃO+ • 9

Chega às lojas em janeiro o disco

Moda de Rock II, dos violeiros

Ricardo Vignini e Zé Helder, também membros da banda Matuto Moderno. Seguindo a fórmula do primeiro álbum,

Moda de Rock – Viola Extrema,

de 2011, o disco traz versões instrumentais de clássicos do rock adaptados para a viola caipira. Entre as faixas, sucessos de Black Sabbath, Metallica, Iron Maiden, Pink Floyd, Sepultura, Queen, Dire Straits, Slayer e Ramones.

Mistura inusitada

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ita P

er

ran

Em Voz e Violão — No Recreio, Vol. 1, o primeiro álbum de sua carreira em formato acústico, o cantor e compositor Nando Reis registra 14 faixas tocadas de maneira despretensiosa e próxima do público, com composições regravadas por Skank, Cassia Eller e Marisa Monte. “É um retorno das minhas músicas à sua condição original, porque voz e violão é a forma como começo a tocar”, conta o músico. “Acabo me aproximando mais delas em sua essência”, explica. Em seu novo registro, ao vivo, o ex-Titãs sobe ao palco sozinho, sem muitas pretensões e da maneira mais informal possível.

ESSÊNCIA

(10)

RETRATO

Por Luis Stelzer

Arthur Nestrovski

Voltas

que a

(11)

VIOLÃO+ • 11

RETRATO

Porto-alegrense, com estudos no exterior,

professor da PUC de São Paulo, ensaísta,

editor, crítico musical, escritor premiado. De

repente, guinada total: deixa a docência em

uma grande universidade para dedicar-se ao

violão, à música feita na unha, nos palcos.

Quando estamos nos acostumando ao Arthur

Nestrovski músico, em shows por todo o

Brasil e fora dele, lançando CDs, com grande

produção e de alta qualidade, nova guinada: é

o diretor artístico da maior orquestra sinfônica

do Brasil, a OSESP - Orquestra Sinfônica do

Estado de São Paulo. Conheça essa trajetória

tão cheia de sucessos - e tão fora do padrão

(12)

Violão+: Como se deu o início da sua relação com a música e o violão?

Nestrovski: Sou de Porto Alegre, uma cidade que tinha, no final dos anos 1960, uma efervescência no ensino de música. Comecei com uns cinco anos, fazendo musicalização infantil com instrumental Orff, raro no Brasil daquela época. O violão veio com uns onze anos, influenciado pelos seminários internacionais organizados pela Faculdade de Música Palestrina. Estudei erudito por vários anos com o professor argentino Néstor Ausqui, responsável pela minha formação técnica baseada na escola de Abel Carlevaro. Depois, nunca mais tive um professor específico de violão. Estudei muito,

muito mesmo, por uns oito anos. Depois consegui uma vaga para formação superior na Inglaterra. Voltei ao Brasil, fiquei alguns anos por aqui, e continuei minha formação nos Estados Unidos. Você se formou fora do Brasil durante os anos 1980 e início dos anos 1990. Lecionou na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, distante da música enquanto intérprete. Foi crítico musical, editor, escreveu livros e artigos, só voltando ao violão, profissionalmente, em meados dos anos 2000. Como foi esse período? No começo dos anos 1990, eu já estava casado, com uma filha pequena (depois, a família aumentou), quando apareceu a oportunidade na PUC. Não tive dúvidas. Precisava de um porto seguro e a PUC foi esse lugar. Desenvolvi minha carreira de professor universitário no departamento de semiótica e comunicação durante muitos anos. Foi ótimo. Surgiram oportunidades como ser crítico musical na Folha de São Paulo e fui editor na Publifolha. Como gosto de escrever, pude desenvolver o lado escritor. Foi um tempo muito bom, fiz muita coisa das quais gostei. Mas o violão… chegou a ficar no estojo por oito anos, sem ser tocado uma única vez! Isso incomodava, mas foi uma escolha que demandou o tempo que eu poderia ter para me dedicar à música como instrumentista. Depois de anos afastado da performance musical, você apareceu nos palcos, empunhando corajosamente o seu violão, saindo da PUC. O que motivou essa guinada? Foi difícil?

Começou porque escrevi uma resenha de um show da Ná Ozzetti. Em uma abertura

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VIOLÃO+ • 13

de exposição na Pinacoteca, o Zé Miguel Wisnik me apresentou a cantora. Sempre tive a postura, enquanto crítico, de nunca encontrar os artistas sobre os quais escrevia, muito menos ficar amigo deles. Não é ético ser amigo deles e escrever sobre eles, pois pode influir no julgamento. Ali era um caso diferente: já tinha escrito sobre ela e não a conhecia quando fiz isso e, provavelmente, não iria escrever de novo (como nunca mais escrevi). Foi uma coisa especial; minha área era a música clássica. Foi irresistível. Ela me convidou para um churrasco na casa dela, em um sítio fora de São Paulo. O Benjamin Taubkin estava lá, o Dante Ozzetti, a Marta Ozzetti, tinha outros músicos que me pediram para levar o violão, pois sabiam que eu tocava... Para retribuir, fiz um na minha casa... O negócio pegou. Tinha uma turma, que posso chamar de regulares, que ia em quase todos: Zé Miguel, Luiz Tatit, Celso Sim, Suzana Salles. A Ná vinha

muitas vezes, o Sérgio Reze vinha com a bateria. Outros, eram esporádicos: André Mehmari, Marcelo Jeneci. A Zélia Duncan vinha quando estava em São Paulo. Nos tornamos muito amigos, fizemos shows juntos. Jussara Silveira, Vanessa da Mata, Mônica Salmaso... Olha, foram noitadas inesquecíveis.

Vinha gente de fora de São Paulo?

Tinha quem aparecia de vez em quando: Chico César, Fred Martins, Francisco Bosco, porque estavam em São Paulo por algum motivo. Naquelas noitadas, a gente ficava algumas horas ali. Depois da OSESP, ficou raríssimo para mim encontrar os músicos simplesmente para cantar clássicos, canções, Nelson Cavaquinho, Chico Buarque, Ary Barroso, Caetano Veloso, Dorival Caymmi. Não é repertório que você está preparando para algum show, não é um ensaio. Geralmente, a gente só se encontra naqueles dias marcados, com hora

RETRATO

(14)

marcada, para preparar o show. Ali, era uma coisa muito especial, porque, na época, eu não era músico profissional, e os outros eram. Era o momento em que se encontravam para tocar as próprias músicas e clássicos da MPB, que não entrariam em repertório de shows, mas que gostavam muito.

Isso te ajudou a entrar em forma para tocar profissionalmente?

Eu estudava que nem louco. Os caras que vinham eram um melhor que o outro. Eu era um professor universitário, editor, crítico musical… Ficava estudando, botando um monte de músicas na memória para não passar vergonha. Ao mesmo tempo, dizia: “não tenho obrigação nenhuma, quem têm são eles, os profissionais; qualquer coisa que eu fizer está ótimo” (risos). Só que isso foi ganhando importância. Fui me preparando para os saraus e isso foi me dando intimidade musical com esses músicos, naturalidade, espontaneidade, segurança, confiança. Quando veio o primeiro convite, da Jussara Silveira, eu já estava pronto. Já tinha feito um doutorado de mais ou menos três anos tocando em casa. No fim das contas, iria tocar com as mesmas pessoas, só que em outra circunstância. Claro que tocar em um show

profissional é diferente de tocar em casa, mas já havia confiança em mim mesmo, como músico, de achar que era bom o suficiente para fazer aquilo. Ninguém esperava que eu fizesse mais. As pessoas estavam me chamando para fazer o que eu já sabia, o que já fazia com eles, só que de forma mais sistemática, no palco. Eu não teria dado o salto profissional que dei e nem mudado de vida se não tivessem acontecido aqueles encontros.

E a PUC? Como ficou nessa época? A PUC ofereceu um plano de demissão voluntária, tudo o que eu precisava para dar uma guinada na vida, me dedicar profissionalmente à música e ao violão. Apertei o botão e fui embora.

Você tem trabalhos instrumentais de violão solo, com arranjos de grandes compositores da MPB. Quais critérios possui para fazer arranjos?

Depende da música. Em geral tiro de ouvido e toco muito, muito mesmo. Leio a letra, imagino algo que combine, que marque o arranjo como único. Às vezes, não rola uma boa ideia, aí fica para um momento em que surja um bom caminho. Depende do que está proposto. Por exemplo, tenho os CDs com as músicas do Chico Buarque e do Tom Jobim. Acho o violão o melhor instrumento para apresentar a música deles, como se fosse uma lupa, na essência, riqueza, sutileza de detalhes, o artesanato da composição, que muitas vezes acaba não aparecendo por conta dos lindos (ou não tão lindos) arranjos que as músicas recebem. Muito do que é extraordinário em termos de invenção melódica, harmônica e formal na obra desses fantásticos compositores passa

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VIOLÃO+ • 15

RETRATO

batido até em gravações dos próprios. Tom Jobim, certamente, fazia gravações de uma forma descompromissada. Quando você vê as partituras, os detalhes são como Schubert ou Schumann. Não é pior, muitas vezes é até melhor que grande parte das canções de Schubert ou Schumann. Minha intenção foi essa: mostrar isso, até por não ter as letras (que estão no encarte). Em muitos casos, eu pensava na letra enquanto tocava, até para preservar a prosódia, sem o canto, mas com a linha melódica acompanhando a fala imaginária. Sem a letra, você ouve o que ela, por ser poderosa e poeticamente sugestiva, acaba encobrindo, desviando a atenção de frases lindas. Chamaria esses arranjos de “antiarranjos”. Ficaram mais simples em execução do que muitas coisas que faço em outras músicas, que têm outras propostas.

Pode dar um exemplo?

Uma música que fiz com a Adriana Calcanhotto, “Segue o Seu Destino”. A música é da Sueli Costa, que eu nunca tinha ouvido - falha minha, tem um período da minha vida que fica como um vazio para mim, o tempo em que morei fora do Brasil. Algumas coisas, que ficaram até bem conhecidas me escaparam. Foi gravada por Maria Bethânia e Nana Caymmi. Uma canção linda, musicando um poema de Ricardo Reis (um dos heterônimos de Fernando Pessoa). Aconteceu em um espetáculo na Universidade de Coimbra, onde a Adriana estava recebendo o título de Embaixadora da Universidade. O repertório tinha a ver com a relação entre poesia e música, tanto brasileira como portuguesa, por ser de Ricardo Reis, um sonetista, um poeta modernista no sentido cronológico, mas que escreve sonetos

(16)

RETRATO

como Horácio ou outros autores da antiguidade clássica latina. Por isso, tive a ideia de fazer um movimento anacrônico. Usar um estilo passado musicalmente já faria, metaforicamente, sentido. A letra sugeria um movimento chamado “baixo peregrino”, tipo de baixo encontrado na música barroca, em cantatas de Bach, em Pergolesi, no Stabat Mater, referências eruditas de minha formação, literária também, de musicólogo. Isso tudo é só um ponto de partida. Com isso em mente, comecei a usar dissonâncias típicas do barroco. Em cima disso, fiz o arranjo sobre a harmonia, que era simples. Eu já tinha tirado de orelha, ouvindo a gravação da Bethânia. Esse show foi gravado pelo jornal O Público. No site do jornal, você pode ver um minidocumentário sobre o show. Mas não tenho a gravação desse arranjo. O que posso dizer é que cada canção pede um trabalho específico, como se fosse uma composição. Cada um tem uma chave: uma chave sua para aquela música. Ou você encontra a chave ou não. No show com a Adriana, cada música ganhou um caráter particular.

Gosto de fazer arranjos cruzando canções diferentes, misturando-as, usando outras referências. Isso enriquece a trama de referências, torna as coisas mais interessantes, ricas. É a minha forma de trabalhar, até porque tenho interesse pela literatura, por outras áreas. Não é uma procura artificial; para mim, isso é o natural. E tenho que achar uma solução musical, que também é uma mistura… Então, você considera que o processo de criação não é puramente intuitivo? Não adianta dizer que o músico, quando está criando, trabalha só de forma intuitiva. É uma meia verdade… É uma intuição muito cultivada, uma mistura de coisas. O estalo é uma intuição, para onde você vai, por que você escolhe uma rota e não outra, que tipo de harmonia você faz, isso tem uma dose que você não controla, não é teorizável. Mas, passou desse ponto, você passou cinquenta anos estudando música, tem memória acumulada, conhecimento teórico. Há coisas que são de ordem racional, embora você não esteja fazendo uma equação matemática. Isso tudo redunda num arranjo musical que, na verdade, ninguém precisa saber nada disso. Alguns vão identificar e perceber qual é o jogo, que é o algo a mais; outros vão achar bonito ou não, se comover ou não. Não precisa de uma bula, não precisa de explicação.

Sua filha é cantora e vocês vão gravar juntos. Como é o trabalho em família? Eu esperei que a Lívia se tornasse a Lívia, não a filha de alguém, para tocar com ela. Não considero ético forçar a barra, e não fui eu quem a lançou. Seu

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VIOLÃO+ • 17

RETRATO

trabalho é muito considerado no meio musical. Preciso estudar muito para ter um resultado razoável para mim mesmo. A Lívia, embora muito estudiosa e rigorosa, tem uma facilidade natural, uma espontaneidade que é dos grandes músicos. É uma sorte fazer shows com ela, ela deixar isso acontecer (risos).

E sobre o repertório do CD?

Quase metade são canções minhas. Têm três inéditas com o Luiz Tatit, clássicos brasileiros e algumas americanas, coisas que têm parentesco com o repertório brasileiro, que a Lívia faz muito bem. Pixinguinha, Ary Barroso, Arrigo Barnabé, Ernesto Nazareth, com letra do Zé Miguel Wisnik.

Você é diretor artístico da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e do Festival de Inverno de Campos do Jordão. Como se dão esses trabalhos? Como faz para ter tempo de tocar, estudar, montar shows?

É uma rotina intensa, coisas administrativas, agendas, concertos. Toma quase meu tempo inteiro, diminuí drasticamente os shows. Só consigo estudar uma hora pela manhã e uma hora à noite (o que faço diariamente), não é suficiente para manter shows simultâneos. Minha agenda chegou a mais de quarenta shows no Brasil e na Europa. Não dá mais para fazer isso, por conta do trabalho na OSESP. Mas devo esse convite ao tempo dos saraus e da minha profissionalização como instrumentista. Dificilmente eu teria encarado um desafio desses se não tivesse os anos de atividade profissional que tive, fazendo música com essas pessoas, viajando,

tendo essa experiência e ganhando o respeito dos músicos como alguém que não só escrevia sobre música e ensaios acadêmicos sobre música, mas que tinha competência profissional como músico. Porque uma coisa era dizer que tinha doutorado em música - isso só eu sabia, tinha um diploma na gaveta - e que fiz bacharelado na Inglaterra, doutorado nos Estados Unidos. Isso não me dava o reconhecimento dos músicos enquanto músico. Mesmo quando vim para cá, foi uma surpresa para muitos da área da música clássica. Não sabiam que eu era músico efetivamente. Para esse cargo, você precisa ter competência profissional na área para além de outras competências que o cargo demanda. A soma desses fatores foi construindo a minha vida. Daqueles saraus ingênuos e inocentes, entre 2003 e 2004, muita coisa aconteceu sem estar prevista. Mas acho que, em algum ponto obscuro, dentro de mim, eu estava esperando isso tudo acontecer. Esperando apertar o botão.

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história

O título da canção de Francisco Alves e Horácio Campos, “A Voz do Violão”, pode bem representar a ideia que se tem ao ouvir Dilermando Reis em suas interpretações: seu violão canta cada nota com muita expressão e com todo o lirismo dos cantores de seu tempo

A voz do violão

Por Rosimary Parra

Os arranjos de canções para violão de Dilermando Reis e de outros violonistas de seu tempo trazem às novas gerações o conhecimento e o interesse por resgatar importantes pérolas do cancioneiro brasileiro. O interesse, primeiramente violonístico, amplia-se para o conhecimento dos compositores, de importantes poetas e letristas, do contexto histórico em que a canção foi criada, de interpretações de outros instrumentistas da época, gerando novos elementos para a compreensão e apreciação do repertório brasileiro.

O violonista e compositor Dilermando Reis, considerado por muitos o violonista mais influente do Brasil, gravou diversos discos com gêneros variados como choro, valsa e repertório erudito, entre muitos outros. Trabalhou na Rádio Clube do Brasil e na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Nascido na cidade de Guaratinguetá, no Estado de São Paulo, em 22 de setembro de 1916, faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de Janeiro de 1977.

Os arranjos de suas canções revelam a essência da música seresteira na fluidez das melodias de compositores como Sílvio Caldas, Francisco Alves, Alberto Marino e Pixinguinha. É reconhecida a importância de sua atuação como solista em gravações da sua extensa discografia, entre 1941 e 1976, pelas gravadoras Columbia e Continental Discos. No entanto, é importante ressaltar sua atuação como violonista acompanhador.

Essa vertente de sua carreira parece ter sido motivada por um trabalho esporádico, em que acompanhava calouros na Rádio Guanabara, em 1935, paralelamente às atividades como professor de violão nas lojas Bandolim

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VIOLÃO+ • 19

de Ouro e A Guitarra de Prata. Embora tenha atuado na Rádio Transmissora em um programa dedicado ao violão solo, continuava tocando em regionais como violonista acompanhador. Trabalhou ainda na Rádio Clube do Brasil e na Rádio Nacional, com o programa Sua Majestade, o Violão, entre 1956 e 1969. A atuação como acompanhador destaca-se em sua discografia na série de LPs intitulada Uma Voz e Um Violão em Serenata - Francisco Petrônio e Dilermando Reis, que contém sete volumes lançados pela gravadora Continental, entre 1962 e 1973. Cabe lembrar que Francisco Petrônio (1923-2007) era um cantor recém-descoberto, tendo sido anteriormente motorista de táxi. Começou a atuar em 1961, gravou seu primeiro disco pelo selo Chantecler e, em 1962, transferiu-se para a gravadora Continental, da qual Dilermando Reis já fazia parte.

Na série Uma Voz e Um Violão em Serenata, encontra-se o registro de canções que marcaram a história da música brasileira, seja pelo refinamento melódico ou pela qualidade da poesia. Entre os compositores da série, destacam-se Alberto Marino, Zequinha de Abreu, Erotides de Campos, Orestes Barbosa, Peter Pan, Francisco Alves, Cândido das Neves, Herivelto Martins, Pixinguinha, Ary Barroso e Noel Rosa. Encontram-se, ainda, composições do próprio Dilermando Reis em parceria com Jair Amorim e José Fortuna. Algumas das músicas presentes nessa coleção, chegaram até os dias atuais em famosos arranjos de Dilermando Reis para violão solo, como em “Se ela perguntar”, “Chão de estrelas”, “Dois

Destinos”, “Uma Valsa e Dois Amores” e “A Voz do Violão”. A interpretação dada pelos músicos nesses LPs cria um retrato do ambiente seresteiro, ressalta a qualidade vocal, a clareza na emissão do texto e expressão das palavras, quase como uma poesia recitada. Soma-se a isso a sonoridade das cordas dedilhadas e o tratamento no acompanhamento, que enfatiza as intenções de expressão do cantor.

A Voz do Violão

A música “A Voz do Violão” foi composta por Horácio Campos, em 1928, para uma peça de teatro da Companhia Jardel Jércolis. Não tendo obtido sucesso, acabou sendo musicada novamente por Francisco Alves, que gostou dos versos de Horácio e a gravou no mesmo ano. Essa canção ficou muito famosa na voz desse cantor, que a regravou em 1929, 1939 e 1951. Há, inclusive, uma cena curiosa do próprio cantor no filme “Berlim na Batucada”, comédia musical brasileira de 1944, dirigida por Luiz Barros.

(20)

história

Faixas da série Uma Voz e Um Violão em Serenata

“Se Ela Perguntar” (vol. 1, 1962) - Composição de Dilermando Reis e Jair Amorim (1952). Sabe-se que era a preferida do ex-presidente Juscelino Kubitschek, com quem Dilermando teve grande proximidade pelo fato de ensinar violão à sua filha.

“Maringá” (vol. 7, 1973) - Composição de Joubert de Carvalho (1932). “Último Desejo” (vol. 7, 1973) - Composição de Noel Rosa (1937).

Para ouvir

Rosimary Parra

Violonista com mestrado em Música pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora de violão clássico na Fundação das Artes de São Caetano do Sul (FASCS).

Referências bibliográficas

NOGUEIRA, Genésio. Dilermando Reis, sua majestade o violão. Rio de Janeiro, 2000. Edição particular. TABORDA, Márcia. Violão e identidade nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

Sites

DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA www.dicionariompb.com.br

ACERVO DIGITAL DO VIOLÃO BRASILEIRO www.violaobrasileiro.com

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/FenderBrasil www.fender.com.br

CLASSIC DESIGN SERIES

CD-60 CE

Os violões eletroacústicos CD-60 CE oferecem sonoridade e visual sofisticados. A combinação do tampo em Spruce laminado, com laterais e fundo em Nato, captação Fishman Isys III (ativa), Tarrachas Die-Cast cromadas, braço em Nato com escala em Sonokeling (Black, Natural e

Sunburst) e Mahogany (Mahogany) de 20 trastes garantem sons ricos e encorpados.

Importantes upgrades incluem um novo projeto de ponte, friso do bocal em madre-pérola e novo escudo.

Os primorosos acabamentos Mahogany, Black, Natural e Sunburst oferecem classe e estilo aos instrumentos, que vêm acompanhados por

um exclusivo case “Hardshell” original Fender.

Black

Mahogany Natural Brown Sunburst

Captação

Fishman Isys III Novo Projetode Ponte Madre-pérolaFriso em TarrachasDie-Cast Case “Hardshell“

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Por Luis Stelzer

Sem papas na língua

Fábio Zanon, nascido em Jundiaí,

interior de São Paulo, é considerado

um dos grandes violonistas do

mundo. Em seu curriculum, vitórias

em concursos importantíssimos,

gravações maravilhosas, concertos e

masterclasses nos quatro cantos do

planeta. É, também, professor visitante

na Royal Academy of Music, de

Londres. Sem dúvida, é uma referência

atualmente. Para VIOLÃO+, Zanon

concedeu uma entrevista corajosa,

em que coloca, com muita clareza,

sua opinião sobre diversos assuntos

relacionados à música, ao violão e ao

ensino, sua experiências com o gênero

popular e os planos para o futuro

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fabio zanon

Violão+: Como surgiu seu interesse pelo violão?

Zanon: O violão, para mim, não é somente um instrumento musical ou um meio de vida: é um detonador de memórias. Impossível ouvir o violão sem lembrar os ladrilhos da cozinha, os passos cansados de minha avó, o cheiro da corrente que trancava a janela, o apito do trem, a multidão de gente passando debaixo da minha janela em direção à fábrica de fósforos e, principalmente, meu pai, trancado no banheiro depois do jantar, tirando de ouvido “Sons de Carrilhões” e “Na Baixa do Sapateiro”, inventando suas músicas, assobiando, cantando. Fazia isso com o maior entusiasmo e, depois de uma horinha ali dentro,

saía revigorado; aquilo me enchia de felicidade por ele. Tocar violão ainda me enche de uma felicidade parecida. Minha primeira referência, sem dúvida através de meu pai, foi Dilermando Reis, seu ídolo. A segunda foi o professor Antônio Guedes, de Jundiaí, com quem estudei dos 13 aos 16 anos, o primeiro grande concertista que ouvi ao vivo. Antes dele, tinha ouvido somente o Segovia, no rádio. Depois que comecei a estudar com ele, ouvi, em disco, Julian Bream e o Duo Abreu. Essas são minhas maiores referências, junto com Segovia, que veio mais tarde. Julian Bream, seu estilo, repertório, suas referências literárias, sua mágica à meia-luz, representou todo um mundo de cultura. Acredito que meu ideal do que é o violão passa pela trajetória dele. Na época, Jundiaí recebia concertos e eu também vinha a São Paulo. Assisti a uma geração de grandes violonistas ainda jovens: Duo Assad, Edelton e Everton Gloeden e Paulo Porto Alegre, que me impressionou muito. Mas violão, já naquela época, não era meu exclusivo - talvez nem o meu maior - interesse musical. Eu sonhava em ser compositor. Arthur Rubinstein continua sendo um ídolo, um modelo de fazer musical inspirado e bem estruturado, de curiosidade e vontade de viver.

Como foi o período em que estudou na Universidade de São Paulo?

Não é muito fácil falar da USP. Mudar de Jundiaí para São Paulo foi um choque bem maior que de São Paulo para Londres. Eu vinha de um ambiente musical doméstico. O professor Guedes, minha professora de música, Josette Feres, o ambiente das escolas de música de Jundiaí, eram

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VIOLÃO+ • 25

fabio zanon

acolhedores. O Sílvio Ferraz e o Mikhail Malt, ainda estudantes da graduação, davam aulas de teoria lá. Cada aula era uma descoberta: em um dia, Mahler; no outro, jazz, Berio, Beethoven... Nem parecia uma profissão, mas uma Disneyland, só alegria. De repente, me vi em um ambiente hostil, de gente descontente com a música, maldizendo a profissão, fazendo intrigas. Estava à mercê de alguns professores que podiam ser até meio geniais, mas me davam a sensação de estar desaprendendo, me afastando da música, perdendo a alegria. O curriculum era um balaio de gatos. Tinha dois anos de ciclo básico, assistindo matérias na ECA (Escola de Comunicações e Artes), com uma carga horária enorme e, espremendo tudo aquilo, saía pouca coisa. O curso de música propriamente dito tinha figuras incríveis: Olivier Toni, Gilberto Mendes, Ficarelli, Willy Corrêa de Oliveira, mas

alguns deles eram pessoas muito pontiagudas, difíceis de lidar. As greves constantes interrompiam os cursos e houve matérias, como Harmonia, em que tive a sensação de que nada tinha sido consolidado e acabei estudando por fora. Em perspectiva, porém, acho que muita coisa ficou. Havia uma biblioteca e uma fonoteca que foram a base de minha cultura musical; aprendi muito com colegas que são amigos até hoje, como Marcelo Barboza, Andrea Kaiser, Paulo Castagna, Tecris Rodrigues. A gente montava quartetos vocais para ler música renascentista à primeira vista e acabava por aprender muito por conta própria. Os professores Toni e Marco Antônio da Silva Ramos perceberam minha inclinação para a regência e me induziram a tomar aulas. Por alguns anos, reger corais foi minha principal fonte de renda. Regência é uma atividade que hoje ocupa um espaço maior na minha vida.

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Das aulas de Toni e Willy ficou a noção de que colocar um Mi sobre um Dó não é simplesmente combinar duas frequências matematicamente relacionadas. Cada acorde, contorno melódico ou decisão formal estão imbricados com uma bagagem cultural e filosófica que reflete a trajetória do senso estético desde os tempos bíblicos e da cultura grega. Talvez essa seja a resposta para sua pergunta. Como é a experiência de se preparar para uma competição musical?

Essa é a principal fronteira pessoal que tenho de transpor todo dia. Não é fácil manter o tipo de disciplina que uma pessoa com habilidade normal precisa para garantir constância técnica. Gosto de experimentar, ler coisas novas, fazer música de câmara, ler ficção, assistir a filmes antigos, pegar uma praia, levar uma vida mais ou menos normal. E tocar sem errar não é muito compatível com isso. E tem uma baita influência no resultado de um concurso! O curioso é que minha técnica foi desenvolvida com muita dedicação, em longo prazo, com paciência. Acredito que, quando estou bem preparado, é uma técnica fina, que

conduz a um resultado musical de boa qualidade. O problema é que para ser à prova de acidentes, ao menos para nós, reles mortais, que não temos uma condição psicomotora privilegiada, é preciso limitar o repertório, se dedicar a uma quantidade de repetição e quebra-pedra que, frequentemente, me aborrece. Quando vejo colegas tocando o mesmo programa que tocaram em um concurso em 1991, nem sei o que pensar. Para pessoas com habilidade normal, a maneira de se preparar para um concurso é a mesma de um programa normal de concerto, só que com prazo, com mais foco e repertório limitado. O grande problema é que, em um concurso, a situação é bem diferente de um recital. Há a relação de comparação, que pode desestruturar psicologicamente. Pode bater uma ansiedade fora do normal. Muitas vezes, as provas duram 5 ou 10 minutos e você tem de fazer uma espécie de “se vira nos 30”. E para isso dar certo, a música tem de se tocar sozinha, praticamente. Tive um primeiro prêmio no concurso Pittaluga (1998), na Itália, e uma infinidade de segundos ou terceiros prêmios nos mais variados concursos que você possa imaginar, em um período de três ou quatro anos. Raramente ficava fora de uma final, mas sempre alguma coisa me tirava o primeiro prêmio. Os jurados vinham comentar ao fim do concurso, gente que eu respeitava, dizendo que musicalmente tudo era convincente, mas que eu tinha esbarrado ou algo desse tipo. Em 1996, decidi que isso não ia mais acontecer. Foi uma mudança de atitude mental parecida com parar de fumar: você desliga um botão na sua cabeça. A informação sobre como se preparar

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VIOLÃO+ • 27

varia muito pouco quando se trabalha na esfera do talento normal. É preciso limitar o número de obras. O concurso sempre tem peças obrigatórias, portanto alguma coisa terá de ser aprendida com pressa e o resto tem de ser composto por obras que estejam mais que prontas, testadas, tocadas em concerto por bastante tempo. Todo mundo me pergunta “que música é boa pra se tocar em concurso?”. Para ganhar, tem de tocar o que você tem certeza que toca melhor! Tem gente que acha que, se tocar a “Toccata” de J. Rodrigo, todo mundo vai ficar boquiaberto com a dificuldade. Se for mal tocada, o júri vai ficar boquiaberto com a falta de noção do candidato. Tudo tem de ser estudado meticulosamente, buscando controle, relaxamento, tentando entender qual foi a pequena alteração no ângulo do cotovelo que tirou o polegar da mão esquerda do lugar e levou o dedo mínimo a pisar a corda de mau jeito, o que te obrigou a

se tensionar e acabou prejudicando a condução da frase musical. Uma vez que se corrige isso, é preciso tocar muitas vezes para que o cotovelo aprenda o seu caminho sem ter que pensar nisso. E isso terá de ser refeito diariamente, por algumas semanas, para “entrar no sistema”, para que se consiga conduzir a frase musical do jeito que imaginou, com naturalidade, sem esforço. É um processo meio narcisístico. É importante se acostumar a tocar com total intensidade, concentração e compromisso desde a primeira nota que se toca ao abrir o estojo. O Marcelo Kayath, quando se preparava para concursos, espalhava post-its pela casa, dizendo “você tem de brilhar”, “quem se prepara vence”... Colocava o despertador para 4 da manhã, acordava no meio da noite, abria o estojo e tocava o programa do concurso, sem vacilar. Parece paranoico, mas em algum momento o grau de exigência tem de subir

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a alturas inimagináveis, do contrário você fica sempre no “quase”.

Você tem filhos em idade escolar, influenciados pela mídia, que impõe gostos. Chega a controlar isso?

Colocar controle é receita para o desastre. Comer pelas bordas é melhor, tentar induzir em vez de impor. Se alguém me apontasse um revólver e me obrigasse a escolher, preferiria passar o resto dos dias com a vetusta tradição de 800 anos da música clássica a qualquer outra. Mas como isso não vai acontecer, acredito que música, comida, flores, livros etc são fascinantes por atenderem a momentos diferentes da vida. Nem toda música que escuto é boa. Quando criança, havia uma quantidade brutal de lixo no rádio, na TV, que não pude evitar. Um monte de cantores horrorosos na Jovem Guarda, discotèque, samba de quinta categoria, cantores românticos imitando música italiana (parecido com o sertanejo universitário de hoje), americanos fake, Zé da Praia, Sidney Magal... Ao mesmo tempo, havia Simonal, Jackson Five, Elis, Clara Nunes, Earth, Wind and Fire, o auge da MPB, The Beach Boys, Crosby, Stills, Nash and Young, Françoise Hardy, Maysa... Isso

cria memórias compartilhadas com seus maiores amigos. Nunca prestei atenção em jazz, mas um aluno, Dini Furlan, que se tornou um grande amigo, me mostrou Larry Coryell e Grupo D’Alma. Ele já morreu, mas até hoje, quando escuto Ulisses Rocha ou André Geraissati, vem uma lembrança boa de uma época de sonhos em comum, de amor à vida, pé na estrada, rodar o mundo tocando música. Meus amigos que faziam teatro eram todos da MPB. Chico, Caetano e tal são a trilha sonora dessa época. Existe alguém com 50 anos que não curtiu Queen ou Rick Wakeman? Mas essas memórias também emergem com música ruim. A música é um dispositivo que desencadeia memórias e emoções, não há como controlar. Então, acredito que não tenho o direito de coibir isso nas crianças: elas têm sua história para escrever. Até a idade de irem para a escola, tínhamos a mesma política para música e comida. Se não tem Doritos e nem refrigerante em casa, não tem razão para comprar lixo musical. Eles ouviam o que a gente ouvia, mas há um momento em que eles precisam aprender a se alimentar sozinhos. Sendo quem sou, divido meus gostos com eles. Sempre brinquei com música clássica, mostro as peças de que gosto, estudo violão no meio da sala, pergunto o que acham. Os dois estudam piano, foram musicalizados ainda bebês. Nunca fiz divisão de gêneros; eles sabem que música clássica é diferente, mas a gente ouve e conversa sobre Berlioz ou One Direction, Schubert ou Maroon 5. Ouvem música pop latino-americana, o que acho muito legal. Se colocam Bruckner para ouvir? Não, mas ouvem junto comigo. Tiveram de aprender o que é Bossa Nova na escola, com todo o efeito negativo. Dá

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VIOLÃO+ • 29

a impressão de que virou uma coisa meio museu de si mesma. Tem de ser proativo, do contrário a música comercial domina. Estou começando a ensinar teoria, ditado, forma, para eles. A tendência é de se interessarem por música mais complexa. É inevitável. Mas tem de fazer parte da vida. Você foi convidado para uma apresentação com Toquinho e um improviso sobre uma música dele. Como é sua relação com o popular?

Se eu fosse colocar no Facebook o status de relacionamento com a improvisação, teria que escrever “numa relação complicada”. Só pratiquei isso em criança, tocando com meu pai ou minha irmã. Quando fui morar em Londres, era o final da era da lambada, e complementei o orçamento tocando baixo elétrico em

fabio zanon

uma banda, e, depois, acompanhando MPB com cantores, alguns bem legais. Como estudei harmonia, não é realmente um mistério, mas, assim como na música clássica, para ficar uma coisa bonita tem de ter vivência. Não consigo entender por que alguém gostaria de escutar uma coisa mal tocada só porque é o artista X ou Y. Acho muito melhor escutar alguém que improvise ou toque outros gêneros realmente bem, ou seja, melhor que eu. Mas, como alguém pode resistir ao desejo de tocar com Toquinho, Ney Matogrosso, Yamandu, Ana Luiza e outros? São grandes artistas, gente interessante e, no fim das contas, isso tem um efeito multiplicador. Aumenta a plateia do violão clássico por apresentá-lo para um público receptivo que, de outra forma, não o escutaria. Mas sempre é um processo penoso para mim.

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Tendo estudado violão no Brasil e no exterior, poderia traçar um paralelo entre o que viu por aqui e por lá?

Ensinei igualmente no Brasil e na Inglaterra, e as comparações são inevitáveis. Acredito que é uma questão de infraestrutura, antes de mais nada. O ensino precoce de música ainda está muito mal. Cada país tem um sistema diferente. Conheço melhor a Inglaterra, onde não há um sistema de conservatórios locais, como na França ou na Alemanha, e ainda assim parece funcionar. As pessoas começam a estudar música mais cedo que aqui, com muita prática de coro. Há um curriculum formulado pelas escolas superiores de música que dá as diretrizes de cada etapa do desenvolvimento dos estudantes. Os professores particulares usam isso como guia e estimulam os alunos a fazerem esses “grade exams”. Isso dá uma baliza para o progresso do

aluno. E inclui requerimentos técnicos e de teoria. Ninguém é obrigado a fazer, mas quem realmente vai bem nesses exames costuma ser encaminhado, a partir dos 11 ou 12 anos, ao departamento infantil das grandes escolas ou a um curso técnico de música em regime de internato. Há realmente uma formação intensiva, com prática de orquestra e tal. Se eles decidem seguir com a música, aos 17 anos, o nível dos alunos é mais equilibrado. Aí é que a pedreira realmente começa. Porque, nesse ponto, quem tem potencial para ser solista internacional já foi identificado e vai se preparar para isso. Estudar numa Royal Academy ou numa Guildhall equivale a ficar quatro anos em um festival cheio de atividades, na maior pressão, com rigorosíssima avaliação interna, para formar os melhores profissionais de orquestra, ópera, composição, ensino etc. Não que

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não haja uma estrutura no Brasil, mas as escolas são poucas, a avaliação não é muito isenta ou rigorosa, a estrutura física das escolas deixa a desejar... Dá a impressão de que não há uma cultura de excelência. Daí o sujeito que vai para uma universidade fica meio perdido, porque o sistema de conservatórios superiores foi desmantelado em favor de um sistema de títulos: há um cabo de guerra constante entre a hierarquia acadêmica e a função de se formar profissionais de música. Francamente, não vejo esses cursos partirem do princípio de que todo aluno tem o potencial para ser um grande profissional, ou de que alguns deles deveriam ser encaminhados e nutridos para uma carreira de maior envergadura e outros para uma carreira local voltada para uma prática de alto nível. Os professores muitas vezes caem em uma armadilha, em que, em vez de serem contratados para serem o que são, acabam tendo de cercear a própria carreira para se dobrar às exigências da carreira universitária. Isso impede quem está no topo da profissão de participar do ensino no país; por isso temos tantos festivais de música com ensino, para preencher essa lacuna. Imagine queo Antonio Meneses ou o Washington Barella ou o Odair Assad quisessem dar uma contribuição para o ensino no Brasil. Eles nem poderiam se candidatar, pois não são graduados em música! Os alunos perdem a chance de se beneficiar da proximidade exatamente daqueles artistas que são seus modelos. Na Royal Academy, temos um esquema bem original. Há o chefe do curso de violão, Michael Lewin, que é uma espécie de Henrique Pinto: se dedica de corpo e alma aos alunos, no dia a dia. E temos

três professores visitantes: eu, o David Russell e o John Williams, que dão aula quando podem, a intervalos mais ou menos regulares. E outros professores externos, Steve Goss e Christoph Denoth, que dão aulas de música de câmara. Os alunos, assim, se beneficiam da constância do Michael e da inspiração dos visitantes. Cada aula é avaliada, há prêmios internos, masterclasses de outros artistas, seminários sobre assuntos acadêmicos, prática de câmara, festivais de compositores de renome, uma programação séria de concertos. Acredito que não se precisa só de dinheiro para fazer isso, mas pensar o ensino de música de forma mais ampla. As grandes escolas internacionais competem entre si para atrair os melhores alunos; o Brasil, infelizmente, está fora disso. Por isso todo mundo quer sair para estudar. Nosso ensino informal de violão

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é um caso a ser estudado. A quantidade de gênios que temos no violão brasileiro é miraculosa, sem paralelo. Nossos projetos sociais com música, Baccarelli, Guri, Neojibá etc., são outro caso estudado e imitado internacionalmente. Nisso, somos exportadores.

Quem suas referências atuais? Quem não podemos deixar de ouvir?

Todo mundo deveria conhecer a discografia inteira de Barrios, Llobet, Segovia, Alírio Diaz, Bream, Williams, Presti-Lagoya, Abreu, e dos que estão ativos, Barrueco, Assad, Russell, Eduardo Fernández e outros. Jamais cometeria a indelicadeza de fazer uma lista de preferências, porque certamente esqueceria colegas muito queridos e competentes. Atualmente, há acesso ilimitado a gravações e vídeos, ao ponto em que muitos estudantes ficam patinando na internet sem muito critério. Então, cabe ao professor colocar um filtro, e ao aluno confiar no mestre. Inclusive, há gente que deveria ficar algum tempo sem ouvir outros violonistas, empregando seu tempo em conhecer as partituras e lê-las

com mais preparo. É produtivo conhecer música fora do violão, estudar as partituras e ouvir os grandes artistas do passado e do presente. Isso cria um repositório de recursos de interpretação que fogem dos clichês do violão. Faço isso sempre.

O que muda na preparação do violonista nos concertos com orquestra?

Não muita coisa. A gente prepara tudo com o mesmo esmero, dentro do possível. O problema de tocar com orquestra é que, tirando aquelas duas ou três músicas que se toca a toda hora, aprender um concerto é um trabalho danado para usar uma ou duas vezes. Tenho uma relação muito boa com orquestras e já voltei a me apresentar com algumas delas muitas vezes, o que me deu a chance de tocar muito repertório, alguns concertos em estreia mundial, obras muito trabalhosas como os concertos do Francis Hime, do Benjamin Dwyer, do Jan van der Roost. O importante é conhecer a música inteira, estudar a parte orquestral quase como se fosse um solo de violão. Isso é fundamental para tocar com segurança, integrado ao todo da peça, sem vacilar nas entradas, modulando a sonoridade para casar com os timbres da orquestra e assim por diante. Também é legal pensar na atitude no palco. Muitos violonistas ficam perdidos na frente da orquestra, não sabem o que fazer quando há pausas, ficam com cara de samambaia, não conhecem a etiqueta do concerto. É bom contar com a ajuda de quem tem mais experiência para corrigir isso.

Qual a importância dos concursos? É meio maluco que eu tenha me beneficiado dos concursos, quando,

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para falar a verdade, não acredito muito neles. Com uns 16 anos, eu tinha um amigo que tocava flauta muito bem. O problema é que ele também era um aluno nota 10 no colégio e não estava muito certo de que queria fazer música. Nessa época, entrou em um concurso de jovens instrumentistas e não foi premiado. É um cara de atitude muito positiva, não foi um grande problema, mas o fato é que, no ano seguinte, ele prestou vestibular e hoje é um ótimo engenheiro. A gente sempre vê o concurso pelo viés dos vencedores, mas esquece que existe um vencedor e uma fila de “perdedores”. E o rótulo de “looser” pesa muito nas costas de um jovem. Outra coisa que me desagrada em concursos é que eles vêm no momento errado da vida. Um cara de 18 anos tem de ler muita música, se envolver em situações criativas, aprender repertório novo, tocar muito em público e ter espaço para errar. Só assim descobre que tipo de artista quer ser. E no concurso não há margem para essas coisas. A

pessoa fica encalhada com o repertório “vencedor” por anos, tendo por base uma noção meio fictícia do que vai agradar os jurados. Por outro lado, gente mais nova ganha um gás extra e mais foco para estudar quando entra em uma situação competitiva. A vida é competitiva; tem gente que foge da carreira por causa disso, mas a toda hora se vê tendo de fazer provas, exames, presta concurso para dar aulas, ingressar em orquestras, aprovar projetos etc. Novos artistas têm de começar por algum lado. Qual seria a alternativa? Alguém poderia promover uma mostra de jovens talentos, onde cada um tocaria um concerto para um público de convidados que poderiam, mais tarde, abrir portas para seus preferidos se colocarem no cenário musical. Mas como se escolheria quem deveria tocar na mostra? Bem ou mal, um concurso bem intencionado pode ter um mínimo de isenção. Bartok disse que competição é coisa de cavalo, não de gente, mas as alternativas não são muito animadoras.

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Proibido em casas de família até os anos 1920, o tres foi desenvolvido pelos afro-cubanos até chegar ao seu esplendor

Cidade do México, 10 de dezembro, 1h30m, 1984. Sem perspectiva, por mais que a gente trabalhe, não sai do lugar. Eu só quero estudar. Mas nem isso se pode. Lá estava eu, de madrugada, completando dezoito anos de idade, sentada em um banquinho com uma pasta que guardava o Manifesto Comunista de Marx e Engels entre as pernas, uma escova de dentes e algumas partituras. Três pesos na mão para pegar a condução no dia seguinte; eram meu passaporte para Cuba. Já maior de idade, podia fazer o que quisesse. Com esse dinheiro chegaria ao Consulado de Cuba e pediria asilo político. Só assim poderia estudar, pensava.

Às 9h da manhã saí de casa para o consulado, que começava o atendimento às 10h. O carteiro havia chegado cedo nesse dia. Peguei a correspondência para colocar atrás da porta e, para minha surpresa, chegara um envelope grande, de cor marrom, com meu nome impresso. Era a notificação de que a bolsa de estudos na faculdade, tão esperada, havia-me sido outorgada. Peguei meus três pesos e, feliz, fui tomar um café. Só

Un, Dos, Tres… Que

paso tan Chévere

mundo

Por Luisa Fernanda Hinojosa Streber

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VIOLÃO+ • 35

mundo

25 anos depois fui a Cuba, incentivada por uma visita do maestro Leo Brouwer ao Brasil para um festival de violão realizado em seu nome. Ali fiquei sabendo dos Festivais Leo Brouwer de música de câmera em Havana.

Estando em Havana, era impossível não fazer duas coisas (além de assistir a todo o festival, óbvio): conseguir um tres cubano e assistir a “Buena Vista Social Club”. Conseguir o tres foi uma aventura. Chegou às minhas mãos de moto, impecável. Tremi de emoção ao imaginar quantas noites esse instrumento havia acompanhado festas e cantos solitários nos plantios de cana-de-açúcar e tabaco, mesmo dizendo a história que até 1920 sua execução só era permitida em bordéis. Procurei por toda a cidade e não havia estojo para ele, que viajou às terras brasileiras vestido com uma camiseta e uma guayabera (espécie de bata mexicana), ostentando um chapéu de palha, com milhares de histórias e milhões de notas guardadas em seu bojo. Breve história

Os instrumentos de corda chegaram a Cuba junto com os espanhóis. Os

primeiros foram para as montanhas, de início utilizados como instrumentos de percussão. Com o passar do tempo, a utilidade das cordas veio à tona. De acordo com o historiador Bermudo, os primeiros tres eram adaptações rústicas de instrumentos de cordas metálicas, como a bandurria. Fala-se que o primeiro tres foi desenvolvido no cais do porto pelos afro-cubanos, que lá pegavam caixas retangulares de bacalhau. Posteriormente, passou a ter formas arredondadas, até chegar ao seu esplendor com músicas cantadas em bailes e festas.

As canções para as danças cubanas,

Grandes treseros: Arsenio Rodríguez (à esquerda) e Pancho Amat (acima)

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chamadas “Sones”, nasceram entre a classe creole no final do século 19 e início do 20. Nelas, destacava-se o som de um instrumento de corda que tocava uma frase repetitiva de quatro compassos, chamada “montuno” (de montanha). Os conjuntos musicais formavam-se por seis ou sete componentes, com um violão, um tres, maracas, claves, bongôs, um segundo violão e uma botija (garrafa). Mesmo com o instrumento proibido em casas de família até os anos 1920, existiram grandes treseros (tocadores de tres), todos surgidos do povo, como o grande Nené Manfungás e Carlos Godínez, do Sexteto da Habanero. Manfungás veio dos campos de Baracoa, trazendo o Son em sua forma mais primitiva por volta dos anos 1880. Existiram grandes figuras, como Arsenio Rodríguez e Isaac Oviedo, mas é a Ignacio Piñeiro que se atribui a prática de converter o Son Cubano para músicas de salão, para dançar.

Afinação e cordas

O tres possui seis cordas metálicas afinadas em duplas. A afinação mais comum é em Dó Maior, do agudo ao grave (Sol, Dó, Mi), porém, frequentemente, se coloca um capo no segundo traste, elevando a afinação para Ré Maior (Lá, Ré, Fá#). Os camponeses usam afinações específicas para tocar o “Punto Cubano”, “Trasportáo al medio”, que consiste em Fá, Do#, Fá# e “afinación al dos”, em Fá, Ré, Sol. As cordas podem estar em uníssono ou oitavadas, dependendo da preferência do músico. As cordas graves (entorchadas) são escritas com letras maiúsculas nas configurações mais utilizadas.

1.-sol/SOL do/do Mi/mi 2.- sol/SOL do/do mi/mi

Menos usual, mas também usado: 3.- SOL/sol do/do mi/mi

4.- SOL/sol DO/do MI/mi

mundo

Curiosidade

Existe um violão tres, uma adaptação do violão tradicional, com mastim metálico para suportar a tensão das cordas de aço.

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VIOLÃO+ • 37

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de ouvido

Treinando a

percepção

Nesta edição de Violão+, treinaremos os exercícios

básicos de comparação. Faz-se necessário sempre o fundamento teórico e começaremos a fazê-lo a partir da definição de intervalo:

“Intervalo é uma denominação técnica e precisa para estabelecermos a distância entre duas notas”.

Não nos esqueçamos da definição do termo “nota” usada nestas matérias. Antes de qualquer movimento, vamos estabelecer alguns critérios:

• As notas musicais serão grafadas por meio dos monossílabos conhecidos, ou seja, Dó, Ré, Mi etc.

• Quando devemos ser mais específicos em relação à altura ou “grau de entoação”, usamos o índice (número colocado ao lado direito inferior do nome da nota) para designarmos a oitava em que a nota se encontra no teclado: Dó3, Si5, etc.

• Quando nos referirmos aos acordes ou tonalidades, usaremos as letras A, B, C etc. Por exemplo: escala de C, escala de Dm, acordes de Am7, C7 9 etc.

• Como vimos anteriormente, a régua para contabilizar os intervalos é a Escala Maior de C:

Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó

• A menor distância entre duas notas é o meio tom ou semitom. Tom inteiro ou simplesmente “tom” é a unidade de medida em nossa música, a música ocidental. É conveniente ressaltar que a música popular, o jazz e a música da mídia em geral, seguem a teoria do “Sistema Temperado”, onde a oitava é dividida em 12 partes exatamente iguais. Deixaremos de lado, por enquanto, os sistemas diferentes, que prezam por intervalos diferentes ou menores do que o semitom.

Reinaldo Garrido Russo

www.musikosofia.com.br duemaestri@uol.com.br

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VIOLÃO+ • 39

de ouvido

Para perceber a diferença entre o tom inteiro e o semitom, o leitor terá de fazer o terceiro dos três exercícios auditivos aqui propostos.

Para começarmos com segurança devemos ter bem gravado em mente o que se segue:

Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó 1tom 1 t ½ 1 1 1 ½ ...

Há uma grande e linda história que deu origem à proposição acima, mas é importante, por agora, saber que não é à toa que existe um semitom entre as notas que terminam em “i” e a seguinte:

Mi Fá e Si Dó ½ ½ Dos exercícios propostos

Todo exercício de percepção auditiva tem como base pedagógica a reflexão de seu conteúdo e o aprimoramento do menor tempo gasto para o reconhecimento do objeto percebido. Em outras palavras: quanto mais rápido e preciso for o aprendiz no reconhecimento dos elementos musicais, mais eficaz será no trabalho musical. Portanto, ouça com atenção.

Existe, entre um item e outro, um espaço de tempo suficiente para refletir e escrever. Não pare, mesmo que não consiga reconhecer ou escrever o que ouviu. No final de cada exercício, repita a operação e ouça a gravação sem parar. Esse procedimento é fundamental para que a mente consiga o “foco” no objeto que se quer perceber. Após essa fase, o leitor poderá parar a gravação em cada item e tentar ouvir/escrever o que não conseguiu fazer. É preciso procurar a certeza em sua mente. Lembre-se da célebre frase: “Navegar é preciso, viver não é preciso”, na qual o ato de navegar no mar cabe à precisão do operador e seus instrumentos. O viver está sujeito às tempestades e calmarias imprevisíveis. Os exercícios servem para desenvolver a habilidade e precisão. Confie!

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Exercício 1

Nesta gravação, o leitor deve seguir o procedimento acima. Escreva a ordem dos intervalos que se apresentam em cada item. Cada item contém dois intervalos tocados ao piano consecutivamente. Exemplo para o item 1 do exercício 1: você ouvirá um intervalo de uníssono sucedido por um de oitava e escreverá em suas anotações assim: 1) u/8

O Intervalo e a classificação temporal

As duas notas que formam um intervalo podem ser tocadas, cantadas ou percebidas de duas formas:

• Forma melódica, como ocorre no exercício 1: um som após o outro;

• Forma harmônica: quando os dois sons de um intervalo são tocados, cantados ou percebidos ao mesmo tempo, no mesmo instante.

Quando você canta o Dó3 no mesmo instante em que

uma amiga canta o Dó4, obtém-se um intervalo de oitava

harmônico, e escrevemos 8 harm. O mesmo se dá para o caso do uníssono harmônico, que escrevemos assim: u harm.

Exercício 2

Trata-se de um exercício igual ao Número 1, porém será inserida a forma harmônica em alguns itens. Como o exercício contém dois intervalos em cada item, devemos escrever, se for o caso: item) u/8 harm

Os intervalos e a classificação por quantidade

A compreensão é muito simples, pois trata-se apenas de contar quantas notas existem – em nossa régua musical – entre um som e outro. Por exemplo: Dó3 e Fá3. Contamos quatro notas da nota mais grave à mais aguda (Dó à Fá): portanto, trata-se de um intervalo de quarta (4).

Tendo como base a nota Do3, veja no quadro abaixo os

intervalos formados com as notas vizinhas.

Sol2 Lá2 Si2 Dó3 Ré3 Mi3 Fá3 Sol3

4 3 2 u 2 3 4 5

Nota base

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Os intervalos e a classificação por qualidade

Qualidade do intervalo é o atributo diferencial entre duas quantidades de intervalo iguais. Vamos isolar os intervalos de segunda de Dó3 da tabela acima.

Si2 Dó3 Ré3

2 u 2 ½ t 1 t

Reparem que o intervalo de 2 (segunda) que existe entre Si2 e Dó3 é de semitom.

O intervalo que existe entre Dó3 e Ré3 é de 1 tom.

Podemos dizer que um deles é maior do que o outro, e que um deles é menor do que o outro. É a relatividade do fato.

Podemos chamar o intervalo maior de 2g ou segunda grande; o intervalo menor, de 2p ou segunda pequena. Ou até de 2 elefante e 2 formiga – as crianças adorariam. Mas nós, músicos, fazemos o mais simples: dizemos 2 Maior e 2 menor e escrevemos de diversas maneiras: • 2M e 2m;

• 2# e 2b;

• #2 e b2 – a cifra mais consagrada no mundo inteiro.

Muitas outras, como 2+ e 2-, causam confusão e não são recomendadas pelos professores, embora a escrita seja mais rápida.

Exercício 3

Escreva o que ouve em cada item. Cada um contém dois intervalos tocados ao piano na forma melódica, consecutivamente.

Espero que tenham êxito na execução dos exercícios. Aguardem, na próxima edição, as respostas para a conferência. Eu recomendo que ouçam cada item muitas e muitas vezes, até ter certeza.

Até a próxima!

Referências

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