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A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO PENAL: CRÍTICA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

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A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO PENAL: CRÍTICA À

LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988

THE ILLEGALLY OBTAINED EVIDENCE INTO THE CRIMINAL PROCEEDINGS: ITS CRITICISM IN THE LIGHT OF THE FEDERAL CONSTITUTION OF 1988

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho1

Universidade Federal do Paraná

Resumo

A tensão entre a solução fornecida pela matriz italiana e a solução fornecida pelo modelo norte-americano sobre a utilização da prova ilícita no processo penal, não pode ser importada como fundamento de validade desta espécie de prova no sistema processual brasileiro, sem que exista a devida a crítica constitucional. A investigação do sentido e do alcance dessa crítica é o devido filtro do objeto deste trabalho.

Palavras-chaves

Prova ilícita. Processo Penal. Crítica. Constituição Abstract

The tension between the solution provided by the Italian matrix and the solution provided by the American model on the use of illegally obtained evidence in criminal proceedings can not be imported as a basis for validity of this kind of evidence in the Brazilian procedural system, without there being due to Constitutional criticism. The investigation of the meaning and scope of this

1 Professor Titular da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Doutor em Direito

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criticism is the object of this work. Keywords

Illegally obtained evidence. Criminal proceedings. Criticism. Constitution

Eu não posso lhe dar a fórmula para o sucesso, mas eu posso lhe dar a fórmula do fracasso: tente agradar todo mundo.

(Atribuída a Herbert Bayard Swope) Não posso lhe dar a fórmula do sucesso, mas a do fracasso é querer agradar a todo mundo. (Atribuída a John Fitzgerald Kennedy)

1. Breve introdução

Até a Constituição da República de 88 não se tinha, no Brasil, qualquer previsão para a inadmissibilidade das provas ilícitas.

Com ela (a previsão), aparentemente a matéria teria ganho contornos definitivos e posturas consolidadas, sem maiores discussões, mesmo porque inserta no Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), isto é, no “art. 5º, LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”, ou seja, como

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cláusula pétrea.2 Trata-se, tal conclusão, de ledo engano!

Eis por que na velha faina – por incrível que possa parecer –, seguem todos aqueles que querem dar efetividade plena à CR e, ao mesmo tempo, todos os seus inimigos (que não são poucos), dado que têm feito o possível e o impossível para evitar o óbvio, isto é, a devida aplicação. Assim, é impressionante como pessoas que devem ter um

determinado comportamento para não levarem o meio de prova,

encontrado ou constituído, a perfazer o preceito constitucional insistam, por ignorância ou má-fé, na sua realização, o que é muito grave mas, seguramente, não mais que aqueles que cientes de tal situação laboram para dar a tais atos uma roupagem de licitude e, por isso, criam um sem número de argumentos, todos inconstitucionais, para tentar salvar condutas – elas sim – ilícitas e antidemocráticas.

Na base da repulsa, da tentativa de não ganhar vida o preceito constitucional estão teses de duas ordens, isto é, ligadas à principal matriz teórica brasileira, ou seja, aquela italiana e, por outro lado, ao modelo jurisprudencial norte-americano. Do primeiro, como se sabe, veio a estrutura conceitual; do segundo, vieram os parâmetros ligados à extensão da aplicação. Ambos, porém, não admitem aplicação direta e sem o devido cuidado no sistema processual penal brasileiro (como se tem feito), mormente aquele que se funda na CR e por uma razão primária: na Itália e nos EUA não há a previsão constitucional que se

2 “CR, art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não

será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV – os direitos e garantias individuais.”

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tem no Brasil!

2. Estado-da-arte da matéria

Os italianos, de uma maneira geral, trabalharam a inadmissibilidade da prova ilícita, mesmo dentro do marco da Filosofia da Consciência, pela legalidade/ilegalidade, o que leva a uma possível separação entre a admissibilidade/inadmissibilidade determinada pelo ordenamento processual penal e aquele diverso, inclusive constitucional.

Lógico, portanto, que tenham chegado à admissibilidade da

prova ilícita se, para o caso concreto, não há preceito processual penal tornando-a inadmissível, ficando a questão referente à ilicitude a ser resolvida no campo próprio. Vale, neste passo, pela clareza, a lição de Franco Cordero: “Carrara dizia: ‘o princípio que proscreve a imoralidade dos meios é preambular e quase prejudicial ao princípio que queria o perfeito triunfo da verdade’; do que se deduz: ‘não é consentido se valer de uma prova da qual os auxiliares do ministério público se apoderaram ilicitamente’; a premissa é: ‘se um ato é valorado como ilícito, aquele ato e os outros que dele dependem são ineficazes para os fins do processo’. O observador atento nota logo que o argumento é incorreto, em linha de lógica, até que se não demonstre que a valoração da ilicitude do ato implica aquela da inadmissibilidade da prova; uma pertence ao direito substancial e a outra se resolve em um fenômeno processual. É necessário, portanto,

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consequências que de fato dele derivam são processualmente irrelevantes e, assim, ineficazes’. Fora de uma busca como esta, o argumento é apodítico, enquanto parece falso se uma norma daquele conteúdo não existe.”3

Assim, para os que pensam como Cordero4, se a prova foi obtida por meio ilícito mas não há preceito processual penal proibindo sua produção no processo ou mesmo o juiz poderia, por si só, decidir sobre aquela aquisição e produção, tudo se resolveria no campo da ilicitude sem, portanto, prejudicar sua introdução e

3 CORDERO, Franco. Dialogo sulle prove. In Ideologie del processo penale.

Milano: Giuffrè, 1966, pp. 76-7: “Carrara diceva: ‘il principio che proscrive l’immoralità dei mezzi è preambolo e quasi pregiudiziale al principio che vorrebbe il perfetto trionfo del vero’; dal che si deduce: ‘non è consentito valersi di una prova, di cui gli ausiliari del pubblico ministero si siano impossessati illecitamente’; la premessa è: ‘se un atto è valutato come illecito, quell’atto e gli altri che ne dipendono, sono inefficaci ai fini del processo’. L’osservatore atento nota sùbito che l’argomento è scorretto, in linea logica, finchè non si dimostri che la valutazione d’illiceità dell’atto implica quella di inammissibilità della prova; una appartiene al diritto sostanziale e l’altra si risolve in un fenomeno processuale. Bisogna dunque cercare una norma processuale che dica: ‘l’atto illecito e le conseguenze che di fatto ne derivano sono processualmente irrilevanti e cioè inefficaci.’ Fuori di una simile ricerca, l’argomento é apodítico, mentre appare falso se una norma di quel contenunto non existe.”

4 E não são poucos, inclusive no Brasil, onde a situação é muito pior, mormente

depois da CR/88. Se a posição de Cordero tinha lógica no sistema italiano e foi adotada no Brasil, em que pese alguma resistência, perdeu, depois do preceito constitucional precitado (art. 5º, LVI), qualquer fundamento; e o ex-professor da La Sapienza, por certo, diante do preceito da CR brasileira, mudaria de posição.

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utilização no processo penal. Valem, aqui, as conclusões de Cordero: “Em suma, é necessário verificar os poderes do órgão jurisdicional, que são mais amplos do que aqueles da polícia em matéria de apreensão coativa das ‘coisas pertinentes ao crime’. Admitido que o auxiliar se apoderou ilicitamente das provas e que a posse, portanto, seja ilícita, a aquisição por parte do juiz (que poderia determinar o sequestro) interrompe a sequência: o ato do funcionário era e resta ilícito, mas se pode dispor validamente da prova porque o juiz, no instante em que a adquire, age segundo a medida dos seus poderes: do que o conceito se quer exprimir imaginativamente com a fórmula

‘male captum bene retentum’.”5

Como se sabe, tal fórmula foi utilizada no Brasil largamente, como concluiu Ada Pellegrini Grinover em texto de 1976, muito conhecido e discutido: “É, em última análise, a teoria do male captum bene retentum, afirmada também pela jurisprudência brasileira. E nem assim poderia deixar de ser, em face do ordenamento processual, porque: a) não existe nulidade cominada para o ato processual de admissão da prova vedada, que retire eficácia jurídica à prova

5 CORDERO, F. Dialogo... cit., p. 78: “Insomma, bisogna guardare ai poteri

dell’organo giudiziario, che sono più estesi di quelli della polizia in matéria di apprensione coattiva delle ‘cose pertinenti al reato’. Ammesso che l’ausiliare si sia impossessato illecitamente della prova, e che il possesso quindi sia illecito, l’acquisizione da parte del giudice (che avrebbe potuto disporre il sequestro) interrompe la sequenza: l’atto del funzionario era e resta illecito, ma si può disporre validamente della prova, perché il giudice, nell’istante in cui la acquisisce, agisce secondo la misura dei suoi poteri: il qual concetto si suol esprimere imaginosamente con la formula ‘male captum bene retentum’.”

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produzida contra legem; b) ainda que uma sentença condenatória se baseasse em provas desse jaez, a sentença não seria rescindível, nem caberia habeas corpus. Tudo se resolve, apenas, no plano material, pela aplicação da penalidade pelo ilícito cometido, sem qualquer correlação entre a transgressão e a concreta inadmissibilidade da prova ilícita.”6

A doutrina italiana – sabem todos – foi engenhosa ao criar teorias para sustentar, sempre em uma base endógena ao jurídico, argumentos capazes de tornar inadmissível a prova ilícita, seja em razão da unidade do ordenamento jurídico e em vista de ser a

ilicitude um conceito geral do Direito e não de um específico ramo7,

seja em face da inconstitucionalidade8, por sinal com a pretensão de

estar para além da matriz norte-americana mas visivelmente partindo dela.

Tais posicionamentos são factíveis e poderiam vingar se se levasse a sério a Teoria do Direito e a Constituição, mormente se a

6 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal: as

interceptações telefônicas. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 198.

7 Por todos, v. NUVOLONE, Pietro. Le prove vietate nel processo penale nei paesi

di diritto latino. In Rivista di diritto processuale. Padova: Cedam, 1966, p, 442 e ss, especialmente 474.

8 Por todos, v. VIGORITI, Vincenzo. Prove illecite e constituzione. In Rivista di

diritto processuale. Padova: Cedam, 1968, p. 64 e ss, especialmente 73; VIGORITI, Vincenzo. Sviluppi giurisprudenziali in tema di prove illecite (Corte Costituzionale, Sentenza 2 dicembre 1970, n. 175, Presidente Branca, Relatore Bonifacio). In Rivista di diritto processuale. Padova: Cedam, 1972, p. 322 e ss, especialmente 324-5.

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ambas se desse um tratamento marcado pela Filosofia da Linguagem

e, portanto, por uma linguagem protagonista e não mais de mera

intermediária, coisa que até hoje não se fez da forma devida, razão por que se segue com as mesmas dificuldades, inclusive na Itália9.

Por outro lado, os norte-americanos, por sua Suprema Corte,

construíram a partir da Emenda IV à Constituição de 178710 as

chamadas rules of exclusion e, não havendo preceito ou regra

específica sobre a matéria (a referida Emenda não trata da inadmissibilidade), é a partir daí que delimitam o tema da vedação à prova ilícita (illegally obtained evidence), tomando-a como

inconstitucional em face das “unreasonable searches and seizures”11.

9 CORDERO, F. Procedura penale. 5ª ed. Milano: Giuffrè, 2000, p. 589 e ss.

10 Emenda IV – “The right of the people to be secure in their persons, houses,

papers, and effects, against unreasonable searches and seizures, shall not be violated, and no warrants shall issue, but upon probable cause, supported by oath or affirmation, and particularly describing the place to be searched, and the persons or things to be seized.” (O direito do povo de estar seguro em suas pessoas, casas, papéis, e demais pertences, contra desarrazoadas buscas e apreensões, não poderá ser violado, nem mandados poderão ser expedidos, senão baseados em causa provável, suportada por juramento ou afirmação, e particular descrição do local a ser buscado e das pessoas e coisa a serem apreendidas.)

11 “Unreasonable searches and seizures”, do texto da Emenda IV, com frequência é

expresso como “unlawfull searches”, ou seja, em português, busca arbitrária, embora não se possa deixar fora a noção de busca irrazoável, em face de tudo o que se tem dito, no Brasil, desse argumento de lógica que é a razoabilidade. Doutra parte, “seizures”, como se sabe, também pode ser busca mas, na hipótese, está ligado ao resultado dela, apreensão.

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Para eles o marco é o famoso caso Weeks v. United States12, de

1914, no qual, com base na Emenda IV se fixou a “regra de exclusão”, porque se não fosse assim a garantia de liberdade de domicílio perderia o seu significado e poderia ser deixada de lado sem se ofender à Constituição. Portanto, não se tratava de uma mera nulidade ou mesmo de deixar a prova sem efeito e sim da sua exclusão, ou seja, de não poder ser levada em consideração no processo. Restava, porém – como resta até hoje – fixar até que ponto tal regra poderia chegar, isto é, a sua extensão.

O ponto mais distante a que chegaram os americanos se deu

no caso Silverthorne Lumber Co. v. United States (1920)13, quando se

consolida a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, uma metáfora

para explicar que se a prova é ilícita, também deveria ser tudo o que dela fosse consequência e, assim, os resultados obtidos, ainda que indiretos, derivados, como os frutos de uma árvore envenenada. O escopo é nítido: excluir tudo para evitar a tentação de se querer colher alguma prova ilicitamente na esperança de que, mesmo não sendo admissível no processo, pudesse levar a outras provas.14 No caso, decidiu-se que se não poderia usar o conhecimento decorrente de uma busca ilegal para, a partir dele, notificar as pessoas a entregarem os mesmos documentos ilegalmente vistos e, assim, chegar naquele resultado, isto é, o conhecimento, só que agora pela

12Weeks v. United States, 232 U.S. 391 (1914).

13Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385 (1920).

14 SCAPARONE, Metello. “Common law” e processo penale. Milano: Giuffrè, 1974,

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aparente via da legalidade. No famoso voto do Justice Holmes (um

dos nomes mais importantes do chamado Realismo Jurídico

Norte-americano) ficou demarcada a posição, mas também a abertura para aquilo que viria depois, ou seja, a eterna discussão, em cada caso concreto onde aparece o problema, sobre a admissão ou não da prova ilícita nos casos que estivessem fora da chamada “exclusionary rule”

e, assim, deixando-se ao juiz a discricionariedade da produção e

avaliação. E tudo porque afirmou, no melhor estilo pragmático, que tal prova não era admissível, mas nem por isso seriam os fatos dos quais o conhecimento teria vindo dessa forma “sacred and inaccessible”, isto é, invioláveis e inacessíveis.15

Foi tal posição, então, que levou à doutrina da atenuação (“attenuation doctrine”): “Em Nardone v. United States (…) (1939), no qual se usou pela primeira vez a expressão ‘fruto da árvore envenenada’, a Corte, pelo Justice Frankfurter, recusou permitir à

15 “The essence of a provision forbidding the acquisition of evidence in a certain

way is that it shall not be used at all. Of course this does not mean that the facts thus obtained become sacred and inaccessible. If knowledge of them is gained from an independent source they may be proved like any others, but the knowledge gained by the Government’s own wrong cannot be used by it in the way proposed.” (“A essência de uma previsão proibindo a aquisição de prova de uma certa forma é que não somente a prova assim adquirida não deve ser usada perante a Corte, mas que ela não deve ser usada de forma alguma. Claro que isto não significa que os fatos desta maneira obtidos se tornam intocáveis e inacessíveis. Se o conhecimento sobre eles é obtido de uma fonte independente, eles podem ser demonstrados como quaisquer outros, mas o conhecimento adquirido pela própria conduta incorreta do Governo não pode ser usado por ele da forma proposta.”)

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acusação invalidar uma inquirição sobre uso de informação obtida por ela através de interceptações telefônicas ilegais, observando que ‘proibir o uso direto de métodos, [mas] não colocar freios no seu uso total indireto, somente atrairia os mesmos métodos reputados ‘inconsistentes com os padrões éticos e destrutivos da liberdade individual.’. O caso também estabeleceu a doutrina da ‘atenuação’, sendo o primeiro a oficialmente reconhecer que mesmo onde a prova questionada não teve uma ‘fonte independente’ ela ainda assim seria admissível: ‘Um argumento sofisticado pode provar uma conexão causal entre a informação obtida pela interceptação ilícita e a prova do Governo. Como uma questão de bom senso, entretanto, tal

conexão pode ter-se tornado tão atenuada que se dissipe a mácula’”.16

Quando o conhecimento decorre de uma “fonte

independente” daquela prova que se toma como ilícita, ou mesmo

16 KAMISAR, Yale; LaFAVE, Waye R.; ISRAEL, Jerold H.; KING, Nancy J.. Modern

criminal procedure: cases, comments and questions. 10ª ed.. Saint Paul: West, 2002, p. 764-5: “In Nardone v. United State, 308 U.S. 338, 60 S. Ct. 266, 84 L. Ed. 307 (1939), which first used the phrase ‘fruit of the poisonous tree,’ the Court, per Frankfurter, J., refused to permit the prosecution to avoid an inquiry into its use of information gained by illegal wiretapping, observing that ‘to forbid the direct use of methods [but] to put no curb on their full indirect use would only invite the very methods deemed ‘inconsistent with ethical standards and destructive of personal liberty.’ The case also established the ‘attenuation’ doctrine, being the first to authoritatively recognize that even where the challenged evidence did not have an ‘independent source’ it might still be admissible: ‘Sophisticated argument may prove a causal connection between information obtained through illicit wire-tapping and the Government’s proof. As a matter of good sense, however, such connection may have become so attenuated as to dissipate the taint.’”

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dela derivada, não se aplica a regra de exclusão. A hipótese é lógica e

aparece em Wong Sun v. United States (1963)17, no qual se usa uma

proposição que está em Silverthorne Lumber Co. v. United States

(1920). É como se se afirmasse que o fruto tem uma relação com a

árvore envenenada marcada por uma conditio sine qua non.18

Por fim, a questão mais problemática e que de certa forma põe à prova a postura dos norte-americanos na defesa da Emenda IV diz com a chamada “inevitable descovery” (descoberta inevitável) ou “hypothetical independente source” (fonte hipotética independente). Como está em Yale Kamisar et al19, “Uma variação da exceção da

‘fonte independente’ é a ‘descoberta inevitável’ ou ‘fonte hipoteticamente independente’, uma doutrina utilizada há tempos por muitas cortes inferiores e recentemente adotada pela Suprema

Corte dos EUA (cita Nix v. Williams [1984]20). Esta doutrina difere da

exceção da ‘fonte independente’ no sentido de que a questão não é se

17Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471 (1963).

18 Para tal matéria, em geral se usa o chamado “but for test”. Ele funciona para

definir a causalidade em alguns casos (de negligência, por exemplo) e é semelhante à fórmula da eliminação hipotética: but for = exceto se.

19 KAMISAR, Y. et al. Modern… cit., p. 766: “A variation of the ‘independent

source’ exception in the ‘inevitable discovery’ or ‘hypothetical independent source’ rule, a doctrine long utilized by many lower courts and recently accepted by the U.S. Supreme Court. This doctrine differs from the ‘independent source’ exception in that the question is not whether the police actually certain evidence by reliance upon an untainted source, but whether evidence in fact obtained illegally would inevitably or eventually or probably have been discovered lawfully.”

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a polícia em realidade obteve certa prova confiando em uma fonte não maculada, mas se a prova de fato obtida ilegalmente seria inevitavelmente ou eventualmente ou provavelmente descoberta de forma legal.”

Diante desta breve síntese pode-se concluir que tanto italianos como norte-americanos continuam sofrendo com três problemas cruciais (além de outros de menor importância) diante das posições

que assumem majoritariamente – sempre lembrando que para eles

não há um preceito específico prevendo a inadmissibilidade da prova ilícita e isso é determinante nos seus modos de pensar –, isto é, 1º, a

imensa dificuldade de “individualizar a norma”21; 2º, a extensão que

se deve dar à adequação típica22, mormente quando, sem preceito proibitivo da inadmissibilidade, deva-se trabalhar com preceitos

indeterminados como, por exemplo, aquele de razoabilidade23 e, por

fim, 3º, as consequências que se deva ter no plano da violação concreta de preceitos extraprocessuais penais24.

21 NUVOLONE, P.. Le prove... cit., p. 474.

22 AMAR, Akhil Reed. The constitution and criminal precedure: first principles.

New Haven and London: Yale University Press, 1997, pp. 1-45.

23 Como aquele da Emenda IV da Constituição norte-americana que fala de

“unreasonable searches and seizures”. V. nota n 10, supra.

24 Por todos, v. SCAPARONE, M.. Common... cit., p. 162: “La tesi favorevole alla

regola di esclusione è invece dettata dalla preoccupazione di assicurare in ogni caso la legalità della repressione del reato. Essa può venire giustificata, com’è tradizionalmente giustificata dalla Corte suprema americana, con la considerazione che le sanzioni previste per l’illecito del funzionario di polizia vengono applicate

raramente, sicchè solo la prevista inutizzabilità nel processo penale della prova di

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No primeiro problema, a dificuldade de “individualizar a norma” diz com a tipificação do ato, ou seja, se ele em sendo ilegal (sempre) é ilegítimo ou ilícito25.

É o problema eterno da relação sujeito-objeto, de todo insolúvel no âmbito da Filosofia da Consciência e que, observado desde a imperatividade (seria, em verdade, uma pretensão absurda da razão, como se sabe) de se “dizer a Verdade”, mais propriamente de “eu dizer a Verdade”, só levou e leva à desilusão e ao absurdo, como mostraram Sartre, Camus, Ionesco, dentre outros.

No fundo, tal perspectiva é ingênua e ideológica seja porque a relação só se expressa pela linguagem e, portanto, o objetivo e o subjetivo não podem ser apreendidos como parece à primeira vista, seja porque a própria linguagem se dá ao furo produzido desde uma

dell’inquirente.” (“A tese favorável à regra de exclusão é pelo contrário ditada pela preocupação de asegurar em cada caso a legalidade da repressão ao crime. Essa pode ser justificada, como é tradicionalmente justificada pela Corte Suprema americana, com a consideração que as sanções previstas para o ilícito do funcionário de polícia

vêm aplicada raramente, assim como só a previsão da inutilizabilidade no processo

penal da prova de culpabilidade ilegalmente obtida pode asegurar a legalidade da ação do inquirente.”) (Grifou-se).

25 NUVOLONE, P.. Le prove... cit., p. 470: “La violazione del divieto costituisce in

entrambi i casi un’illegalità; ma mentre, nel primo caso [divieto ha natura exclusivamente processuale], sarà solo un atto illegittimo, nel secondo caso [divieto ha natura sostanziale] sarà anche un atto illecito.” (A violação da proibição constitui, em ambos os casos, uma ilegalidade; mas enquanto no primeiro caso [proibição tem natureza processual] será só um ato ilegítimo, no segundo caso [proibição tem natureza substancial] será também um ato ilícito.”)

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outra cena, de todo inconsciente, como mostraram Freud, Lacan e tantos outros.

Por isso, quando muito se poderia tentar uma separação desde

as categorias axiológicas binárias como, para o ordenamento

processual penal a base admissível/inadmissível e/ou eficaz/ineficaz; e para aquela do ordenamento substantivo lícito e ilícito, como querem

Castanheira Neves26 e Jorge de Figueiredo Dias27 para marcar a única

e verdadeira diferença possível entre o ordenamento processual penal e aquele penal. É só pensar nas chamadas “normas bifuncionais”, ou seja, as de uma zona cinzenta, opaca, entre os dois ramos, do que é exemplo marcante (e quase insolúvel, hoje) as referentes à prescrição.

Na hipótese em discussão (diferença entre prova ilegítima e prova ilícita), porém, a questão não é tão simples e mereceria uma maior reflexão, mormente para se pensar no “ilícito” decorrente da violação dos preceitos dos ordenamentos processuais civil, trabalhista, fiscal, etc.

Em suma, a diferenciação entre as modalidades de prova feita pelos italianos – no caso a elaboração é de Pietro Nuvolone, no texto citado – é inteligente e aguda, mas não abarca uma possível solução à arbitrariedade (aos anglo-saxões, discricionariedade) da adequação típica, mormente se falta o preceito proibitivo da admissibilidade, o que dificulta sobremaneira o tratamento da matéria.

26 CASTANHEIRA NEVES, António. Sumários de processo penal. Coimbra:

Coimbra Editora, 1968, p. 11 e ss.

27 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra

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No segundo problema está a questão da extensão da tipificação e, portanto, tudo aquilo que se não pretende com um ordenamento criminal (lato sensu) fincado na legalidade, isto é, na reserva de lei, na tipicidade e na taxatividade.

Ora, neste passo seria inconstitucional tudo o que ferisse, na obtenção da prova ilícita, a legalidade e, portanto, qualquer daqueles princípios, promulgados como regras ou não. Diante disso, como seria possível admitir, no processo penal, uma prova inconstitucional? A corrente majoritária italiana, todavia, não pensa assim, porque dando mais valor à absurda “descoberta da verdade” (na qual, em geral, acreditam), mesmo que a qualquer preço, acabam por se socorrer da falta de um preceito proibitivo da admissibilidade de tal prova, o qual só poderia ser aquele interno ao ordenamento processual penal. Tal tese é sugestiva e muito difícil de rebater, mas tropeça no seu próprio passo, isto é, por um lado apostando na falta de um preceito secundário na Constituição e, por outro, na inviabilidade de algumas provas que, mesmo presentes no ordenamento processual penal e por elas se tendo chegado ao resultado desejado, não deram conta da estrutura interna do ato como, por exemplo, no caso do interrogatório feito com o uso do detector de mentiras, porque “as confissões e os depoimentos extorquidos são processualmente irrelevantes [ou] uma manifestação narrativa obtida com o uso de procedimentos narcoanalíticos (...) [porque] falta uma declaração

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consciente do sujeito.”28

O problema mais grave, sem dúvida, na questão da extensão,

diz com a abertura que se dá ao solipsismo, por sinal atitude típica das posturas positivistas. E não se trata simplesmente de não entender que a adequação típica é complexa porque os preceitos estão prenhes de indeterminação e, portanto, que a vida não se deixa apreender com tanta facilidade. Trata-se, isso sim, de ter escrúpulo e não permitir que qualquer um diga qualquer coisa sobre qualquer coisa,

como tem insistido Lenio Luiz Streck29 e tantos outros. Enfim, vai-se

a um ponto tal que se está a formular enunciados que ofendem ao princípio aristotélico da não-contradição e, por isso, desafia-se a inteligência da civilização ocidental (que se organizou dentro de um padrão lógico mínimo) e o último bastião de uma racionalidade minimamente coerente.

O próprio Cordero, neste tema – de que se está a depender do órgão jurisdicional – é desconfiado, embora elogie a experiência norte-americana: “Os termos do problema, intui-se rápido, colocam-se de modo totalmente diverso sobre o terreno de uma jurisprudência criativa, de um direito de origem pretoriana: aqui a solução varia em

28 CORDERO, F.. Prove illecite nel processo penale. In Rivista italiana di direitto e

procedura penale. Milano: Giuffrè, 1961, pp. 52-3: “le confessione e la deposizione estorte sono processualmente irrilevanti [o] una manifestazione narrativa ottenuta con l’uso di procedimenti narcoanalitici (...) [perché] manca una dichiarazione cosciente del soggeto.”

29 STRECK, Lenio Luiz. Hermêutica jurídica (e)m crise. 10ª ed. Porto Alegre:

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relação aos comportamentos determinados pela consciência social e

desde a Weltanschauung (concepção de mundo) política, fora de

qualquer esquema preestabelecido.”30 Em verdade, não seria preciso muito mais: quando a consciência social e a concepção política fazem

variar as soluções, esvai-se logo a impessoalidade e, neste compasso,

resta aos cidadãos conviver com a fulanização do processo penal, que lhe deixa de ser uma garantia para se tornar uma ameaça indevida.

No terceiro problema, a questão não é mais diretamente ligada a temas que em especial devam resolver italianos e norte-americanos como consequência da falta de preceito proibindo a admissibilidade da prova ilícita e sim a uma matéria que diz respeito tanto a eles quanto aos brasileiros: a perseguição dos que violam as leis extraprocessuais penais para obter provas ilícitas.

Antes de tudo, estranha como os agentes responsáveis pela perquirição atuem contra a lei e nada ou muito pouco lhes aconteça.

Do ponto de vista psíquico, o que se pode dizer prima facie é que se

não tem limite mas, de antemão, sabe-se não ser isso verdadeiro. Não só há limite – representado pelo preceito secundário dos textos legais – como, em alguns casos, são eles altamente ameaçadores ao direito de ir e vir, havendo previsão de penas altíssimas para os casos mais graves como, por exemplo, a tortura. Sendo assim, parece sobrar

30 CORDERO, F.. Prove... cit., p. 39: “I termini del problema, lo si intuisce súbito, si

pongono in tutt’altro modo sul terreno d’una giurisprudenza creativa, di un diritto d’origine pretoria: qui la soluzione varia in relazione agli atteggiamenti della coscienza sociale ed alla Weltanschauung poliltica, al di fuori d’ogni schema prestabilito.”

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pouco para se indagar sobre a ineficácia do efeito deterrente de tais ameaças, a não ser que elas não sejam levadas à prática, algo tão só possível através do devido processo legal. Pois é exatamente o que se tem passado!

Como observou Vincenzo Vigoriti, “nem se pode esquecer – e eis um outro ponto no qual o estudo do ordenamento americano se revela útil – que declarar as provas ilegitimamente obtidas admissíveis, reservando-se para depois punir os funcionários autores do ilícito é remédio absolutamente insuficiente para proteger os indivíduos de perquirições e sequestros ilegítimos. Desde que verdadeiro, na Itália e nos Estados Unidos ocorre que os agentes responsáveis sejam raramente e de qualquer forma ineficientemente punidos em sede penal e disciplinar, com a consequente renovação dos comportamentos lesivos por parte dos perquiridores, razão por que se não pode ter como injustificado, em um plano de conveniência política, reforçar a tutela do cidadão contra o ilícito da autoridade, com a proibição de utilizar provas ilegitimamente obtidas, proibição que ao contrário não seria proporcionada quando o ilícito fosse cometido por um particular.”31

31 VIGORITI, V.. Prove... cit., p. 72: “Né si può dimenticare – ed ecco un altro

punto in cui lo studio dell’ordinamento americano si rivela utile – che dichiarare le prove illegittimamente acquisite ammissibili, riservandosi poi di punire i funzionari autori dell’illecito, è rimedio assolutamente insufficiente a proteggere i singoli das perquisizioni e sequestri illegitimi. Poiché invero, in Italia come già negli Stati Uniti, accade che gli agenti responsabili siano raramente e comunque inefficacemente puniti in sede penale e disciplinare, con il conseguente rinnovarsi

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Parece induvidoso, assim, que desencadear a persecução contra os infratores – todos! – é medida imprescindível para se criar uma cultura de não violação às regras estabelecidas para obtenção das provas, algo que, ao contrário, acaba incentivado se aqueles que devem provocar os atos persecutórios não o fazem. Tal medida, como se sabe, é ditada, como precitado, pela conveniência política mas, sobretudo, pela lei.

3. Por uma efetivação plena da Constituição da República

No Brasil o legislador constituinte de 88 sabia de toda a problemática que o mundo enfrentava sobre o tema das provas ilícitas e a opção que se fez pela redação do art. 5º, LVI, da CR, foi, sem dúvida, a melhor possível; ou quase.

A referida redação do inciso LVI (“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”) vai ao coração da problemática e deixa taxativo a inadmissibilidade, no processo, das provas ilícitas, ou melhor, daquelas “obtidas por meios ilícitos”. Com isso e sem se fazer confusão entre objeto de prova e meio de prova – sempre tão frequente na dogmática processual penal, mormente na

di comportamenti lesivi da parte dei perquirenti, non si può ritenere ingustificato, su un piano di convenienza politica, rafforzare la tutela del cittadino contro l’illecito dell’autorità, con il divieto di utilizzare prove illegittimamente acquisite, divieto che non sarebbe invece proporzionato quando l’illecito fosse commesso da un privato.”

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jurisprudência –, percebeu-se que a prova tornava-se írrita em razão da maneira como era encontrada ou construída e, portanto, obtida. Justo porque é ali que se dá a violação ao preceito legal, seja ele qual for, mesmo porque o preceito constitucional não faz qualquer diferença e não seria o intérprete aquele que poderia fazer, por sinal e como é primário, nem o legislador infraconstitucional, dado que o due process of law chega até tal ponto, o que é despiciendo discutir.

Por isso, em se tratando de preceito que expressa um direito

individual referente ao devido processo legal (pelo “são inadmissíveis, no processo) e limita a conduta de quem quer que seja, dos servidores públicos aos privados (pelo “as provas obtidas por meios ilícitos”), não

pode receber, de forma alguma, interpretação restritiva, como

insistentemente vêm alguns querendo fazer, sem esquecer que se

tratam das provas obtidas e, por isso, todas! E assim, como se diz na

prática, não se pode porque o texto não admite, ou melhor e para tentar ser mais preciso, porque as palavras do preceito não comportam uma redução que, vê-se logo, nele não está justo em razão de ser o que se não pretendia. De qualquer maneira, o próprio art. 5º, § 2º, da CR32 (para quem precisa da autorização legal!),

combinado com o art. 3º, do CPP33, abrem espaço para a aplicação do

32 CR, art. 5º, § 2º - “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

33 CPP, art. 3º - “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação

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Canon 18, do Código Canônico34, com todos os princípios que o suportam, o que inexplicavelmente segue desconhecido solenemente in terrae brasilis:

“Leges quae poenam statuunt aut liberum iurium exercitium coarctant aut exceptionem a lege continent, strictae subsunt interpretation.”35

34 Perceba-se pelo lado oposto, a mesma posição: MIRANDA COUTINHO, Jacinto

Nelson de. A absurda relativização absoluta de princípio e normas: razoabilidade e proporcionalidade. In MIRANDA COUTINHO, J.N; FRAGALE FILHO, Roberto; LOBÃO, Ronaldo. Constituição e ativismo judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 194: “Perceba-se: a regra é o Estado proteger a vida na sua totalidade, pois veio para tanto. Mas não é possível matar? Sim, mas tão só no espaço estritamente fixado pela Constituição, justo por ser – como se percebe – a exceção. Aqui, o que se deve ressaltar é delimitação estrita da exceção, pela sua natureza. Logo, se a regra é excepcional, não poderia ter, em hipótese alguma, interpretação extensiva, tudo ao contrário do que vêm sustentando os arautos da relativização das regras e princípios. ‘Leges quae poenam statuunt aut liberum iurium exercitium coarctant

aut exceptionem a lege continent, strictae subsunt interpretationi’ é a regra do

Cânon 18 do Código Canônico e no Brasil aplicável, dentre outras, pela regra do art. 5º, § 2º, da CR. Tal cânon, como se vê pela literalidade, fixa vários princípios, dos quais se ressalta aquele referente à odia sunt restringenda et favores ampliandi, ou seja, interpretação lata dos favores e estrita das limitações. Deste modo, não há dúvida que as exceções (necessariamente) abertas à inviolabilidade dos direitos fundamentais e seus consequentes, dentro dos limites que têm (ou são), não admitem, em nome de nada e de ninguém, qualquer violação, o que se dá com a extensão da interpretação.”

35 Código Canônico, Canon 18 - “As leis que estabelecem pena ou limitam o livre

exercício dos direitos ou contém exceção à lei devem ser interpretadas estritamente”.

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Mas é exatamente no fato de se ter lei prevendo a inadmissibilidade da prova ilícita que tudo parecia resolvido em um Brasil a caminho da efetivação democrática plena no pós 88 mas, como se sabe bem, a solução começou logo a ser vivida como pesadelo; e já não era mais, obviamente, por falta de lei. E que lei!

Em verdade, por um mundo de motivos, não se consegue fazer viva a Constituição; e seguramente aqui se está diante de um dos pontos mais escabrosos. Afinal, quando não se tem nada para discutir e inventar em termos de hermenêutica, por força de um texto que diz quase tudo que pode dizer, aí sim é que se inventa. Chega, por certo, a ser paradoxal se se leva em consideração tudo aquilo que se estuda no Direito a partir das escolas positivistas, começando por Kelsen e sua moldura. É como se o texto oferecesse uma moldura perfeita (ou quase) e não se tivesse nada para agregar e, mesmo assim, seja lá por que for, cria-se uma brecha pela qual o que se pretende é não deixar o preceito se efetivar. Está-se diante, dentre outras coisas, da maior

expressão do jogo ideológico, mormente porque o texto

constitucional, como se sabe, é incompatível com os postulados do pensamento neoliberal dominante e que quer ser um pensamento único, como exprimiu Ignácio Ramonet. Natural, então, que, onde não se tenha um aparente furo de linguagem, crie-se o tal furo e, para ele, a linguagem adequada para tamponá-lo. Na falta da palavra, coloca-se... palavras. Trata-se, porém, de uma vergonhosa tentativa, logo desmascarada porque se não pode tomar todos, em todo tempo, como parvos, dado não serem. Sobra, todavia, principalmente quando em questão estão os espaços do poder (como o do Judiciário e sua relação com o Executivo e Legislativo), um enorme sofrimento ao

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povo e se abala os alicerces da nação pois, do ponto de vista do registro simbólico, só faz aumentar a descrença nas instituições (começando pelas de Brasília), nas leis (começando pela constitucional) e nos homens, começando pelos públicos.

No fundo, tudo isso demonstra a fragilidade da estrutura fundada na Filosofia da Consciência (como antes referido) e no fato de que seu ocaso não tem propiciado emergir a Filosofia da Linguagem como modelo de pensamento pois, como se sabe (ou já

não se deveria desconhecer), tem prevalecido o pensamento

econômico neoliberal, essa desgraça criada por Hayek como epistemologia e difundida aos incautos como panaceia pelo monetarismo de Friedman e seus discípulos. O resultado desse absurdo conhecem todos (na onda, por ora, estão os europeus, de gregos a portugueses, passando por espanhóis, italianos e outros), mas alguns na própria carne ou na psique. Está-se diante do quadro das discussões referentes à prova ilícita.

Os tribunais brasileiros nunca conviveram bem com a prova ilícita obtida mediante tortura, mesmo antes da CR 88 e quando se

admitia na sua mais larga extensão o male captum bene retentum,

ainda que contra boa parte da doutrina. Enfim, encontrava-se uma solução jurídica para inviabilizar a prova e não a admitir no processo. Sem embargo, já neste período se criavam diatribes a um discurso

mais liberal ou mesmo alternativo, inventando-se, para o caso

concreto, dificuldades que não deveriam aparecer como, por

exemplo, a inversão do ônus da prova, a exclusão dissimulada em

decisões condenatórias forjadas no conjunto probatório e por força do livre convencimento e, até mesmo, pela aplicação – por mais

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escandalosa que pudesse ser – do pas de nullitè sans grief. Por trás disso tudo se movia pela prevalência – insuportável – da “busca da verdade real” sobre a dignidade da pessoa humana, a qual tinha como resultado, mais ou menos, o aforismo, de todo antidemocrático, de

que os fins justificam os meios. E assim era porque a situação criava

um quadro similar àquele esquizofrênico na cabeça pouco esperta de alguns menos preparados ou mesmo, quando bem intencionados, fiéis seguidores da literalidade das leis. Foi por esses, enfim, que o texto constitucional referente à inadmissibilidade da prova ilícita se fez necessário.

De qualquer modo e como não poderia deixar de ser, o

simples preceito constitucional não bastou, como sói acontecer, em função de que o problema não é de ordem legal ou filosófico e sim em razão da questão ideológica e que desaguou, sobretudo, no solipsismo jurídico. Um coisa é certa e deve ser dita desde logo: com regras e princípios constitucionais não se brinca, não se negocia, não se relativiza – como se tem feito e nome de deuses menores –, sob pena de se inviabilizar os próprios direitos e garantias individuais. Assim, textos que nascem para prever taxativamente as limitações ao alcance hermenêutico não podem, por motivo algum, salvo onde a discussão pode ser admitida, receber extensão ou restrição.

Por tal motivo que se diz que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” e não se dá – como de fato o legislador não deu – espaço para as restrições, razão por que elas não podem ser acolhidas, logo, todas as provas, se forem obtidas por meios ilícitos, não devem ser admitidas. Fica simples, deste modo, sustentar que se não pode ter, no Brasil, os problemas que têm

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italianos e norte-americanos. A prática, contudo, dos órgãos de investigação aos tribunais, passando pela opinião pública regida pelos meios de comunicação e pelo magistério jurídico, desaconselha uma conclusão simplista. Habemus legis; ma non troppo.

Isso se pode ver, claramente, no caso paradigmático das interceptações telefônicas. Nele, o egrégio STF36, para espanto e desapontamento da nação que quer ver efetivada a CR, cedendo aos interesses dos órgãos do Poder Executivo, máxime aqueles de investigação mas não deixando de fora as CPIs, acabou por entender, em face da Lei nº 9.296/96, que 15 dias mais 15 dias não são 30 dias e sim uma eternidade. Era como se se tivesse dito não existir lei a respeito do assunto (mesmo ela estando lá em vigência) e, assim, chegou-se a centenas ou milhares de interceptações telefônicas, nem todas devidamente autorizadas e, algumas, ainda que recebendo o aval do Judiciário, evidentemente ilícitas porque levadas a efeito por meses e até anos. Para tal matéria, porém, vale o leading case do STJ, em acórdão da lavra do Min. Nilson Naves, um dos melhores juízes que o país já teve em toda a sua história, no Habeas Corpus nº 76.686

-PR (2007/0026405-6)37, em que ficou ementado:

“Comunicações telefônicas. Sigilo. Relatividade. Inspirações

ideológicas. Conflito. Lei ordinária. Interpretações. Razoabilidade.

36 Depois de ter decidido pela inadmissibilidade no HC nº 72.588-1, da Paraíba,

Tribunal Pleno, rel. o Min. Maurício Corrêa, julg. em 12.06.96, D. J. de 04.08.2000, dentre outros.

37 HC nº 83.515, do Rio Grande do Sul, Tribunal Pleno, rel. o Min. Nelson Jobim,

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1. É inviolável o sigilo das comunicações telefônicas; admite-se, porém, a interceptação ‘nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer’.

2. Foi por meio da Lei nº 9.296, de 1996, que o legislador regulamentou o texto constitucional; é explícito o texto infraconstitucional – e bem explícito – em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo de quinze dias; segundo, quanto à renovação – ‘renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova’.

3. Inexistindo, na Lei nº 9.296/96, previsão de renovações sucessivas, não há como admiti-las.

4. Já que não absoluto o sigilo, a relatividade implica o conflito entre normas de diversas inspirações ideológicas; em caso que tal, o conflito (aparente) resolve-se, semelhantemente a outros, a favor da liberdade, da intimidade, da vida privada, etc. É que estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana (Maximiliano).

5. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo de lei (Lei nº 9.296/96, art. 5º), que sejam, então, os sessenta dias do estado de defesa (Constituição, art. 136, § 2º), ou razoável prazo, desde que, é claro, na última hipótese, haja decisão exaustivamente fundamentada. Há, neste caso, se não explícita ou implícita violação do art. 5º da Lei nº 9.296/96, evidente violação do princípio da razoabilidade.

6. Ordem concedida a fim de se reputar ilícita a prova resultante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas, devendo os autos retornar às mãos do Juiz originário para determinações de direito.”

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Não se pode ter dúvida, portanto, que qualquer manipulação do preceito constitucional, na via hermenêutica, é espúrio. E isso deve atingir, ainda que alguns não queiram, aquilo que os norte-americanos chamam de “hypothetical independent source”, ou seja, algo que só faz sentido quando não se tem previsão expressa da

inadmissibilidade, como é sintomático. No caso brasileiro, a

legalidade não permite nenhuma concessão a uma fonte meramente hipotética, ou seja, a mero produto mental e, assim, insustentável dado que dos significantes não se pode retirar nada de significado a garantir alguma coisa, por mais que as aparências possam apontar naquela direção. Para isso perceber basta analisar com um pouco mais de cautela o famoso caso Nix v. Williams, conhecido como Williams

II38: nada garante que haveria uma “descoberta inevitável” no

rastreamento que os investigadores estavam fazendo até porque o corpo (enterrado logo em seguida ao ponto onde a busca parou) não havia sido achado ainda e, em verdade, bastava uma desatenção para que o investigador não o percebesse. Logo, dizer da descoberta que ela era inevitável não passa de mera elucubração mental, arredia por completo da previsão constitucional brasileira.

Por outro lado, quando se tem a prova obtida como ilícita, a solução, no processo, como balizado pelo art. 157, do CPP39, é a

38. V. nota 19.

39 CPP, art. 157, com redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008: “São inadmissíveis,

devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

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inutilização após o desentranhamento, de modo que não seja usada no fundamento das decisões e, se possível, nem gere a tentação de o ser.

Se a atividade é criminosa (aquela levada a efeito para se obter o meio de prova), seja em que hipótese for, isto é, por abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65) ou outro, deve a autoridade comunicar expressamente as autoridades competentes e/ou com atribuições para proceder à persecução penal, na forma da lei, tudo de modo a que se possa ir criando uma cultura democrática na busca e obtenção da prova.

Por fim, os órgãos do Poder, mormente aqueles do Judiciário, não têm e nem podem ser lenientes com posturas – por certo criminosas – de agentes persecutórios que se pensam acima da lei. Em face do registro simbólico, essas pessoas, dentro de um espírito justiceiro, acham-se incentivadas a continuar praticando tais condutas contra legem, só que se sentem amparadas e, de certa forma, estão se, contra suas condutas, nada se faz. Para isso concluir é só lembrar o que se passou nos “porões do último regime militar” e o

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.”

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pouco caso que se fez à tortura e outras ações ilícitas, sendo induvidoso que isso gerou um aumento de tais práticas em relação aos crimes comuns.

Em definitivo, não é possível agradar a elas e à nação ao mesmo tempo. Como referido nas frases lapidares atribuídas a Herbert Bayard Swope, grande jornalista americano, e a John

Fitzgerald Kennedy, fazer algo do gênero é, por certo, o caminho do

fracasso, ou seja, aquele de “querer agradar a todo mundo”.

Referências

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