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Turismo e Religião: notas para um debate sobre cidades, peregrinos e a Igreja Católica diante de um fenômeno em expansão

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Academic year: 2020

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Resumo: este trabalho realiza um debate conceitual sobre a

mo-bilidade humana motivada pela religião ou pela fé e situa a Igreja Católica neste contexto. A categoria turismo é analisada como um tipo ideal que integra a perspectiva de deslocamento, de desterritoria-lização. O trabalho analisa os discursos produzidos pela Igreja Católica diante da intensificação de um subtipo de turismo: aquele que admite, integra, estimula e favorece as motivações e práticas religiosas e que vem sendo denominado erroneamente como turismo religioso. Analisa-se ainda o lugar da religião nas produções de Analisa-sentido e demonstra que a instituição religiosa, ao mesmo tempo que interage com as lógicas da cidade, constrói novas sacralidades e imprime novas configura-ções aos espaços urbanos.

Palavras-chave: turismo, religião, catolicismo

Se no mundo só existissem habitantes locais, a cultura mundial não passaria de uma soma de suas partes separadas.

(Ulf Hannerz) Sílvia Regina Alves Fernandes

TURISMO E RELIGIÃO: NOTAS

PARA UM DEBATE SOBRE CIDADES,

H

á algum tempo, Ulf Hannerz, um antropólogo inglês, se dedica ao estudo da mobilidade humana e conceitua os sujeitos andantes ou pere-grinos como cosmopolitas. Essa categoria se apresenta como um potencial deco-dificador da mobilidade humana, embora seja claro que essa prática social di-ficilmente pode ser analisada sob a égide de uma única categoria.

Segundo Hannerz (1994), o cosmopolitismo caracteriza-se pela bus-ca de uma interação com o estranho de forma a encontrar as próprias raízes ou

PEREGRINOS E A IGREJA CATÓLICA

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a origem a partir do contato intercultural. Nessa perspectiva, o autor proce-de à distinção entre o sujeito cosmopolita, o turista e o sujeito “local”, res-saltando que os “locais atuais” (no sentido de nativos) e os cosmopolitas têm interesses comuns em relação à sobrevivência da diversidade cultural.

O cosmopolita é um tipo de turista que se permite envolver com outras culturas e deseja ser participante para se integrar a elas. Mais do que observar as culturas, o cosmopolita assume um estado mental que favorece a inter-re-lação. A maioria dos turistas, entretanto, não é cosmopolita, já que turistas são muito mais espectadores do que participantes, na visão de Hannerz. Os turis-tas provocam reações nos habitantes locais em função mesmo de sua atitude observadora, exploratória e, por vezes, investigativa. Também Steil (1998, p. 2)1 irá apresentar o turista como um espectador. Utilizando-se do conceito de

communitas de Turner (1974), Steil retrata a estrutura peregrínica como dotada

de uma certa sociabilidade emocional e religiosa, distinta da estrutura de sig-nificado da prática turística.

Complementando os argumentos da linha de abordagem de Steil, a prática de peregrinação se constituiria por estruturas de significados mais internalizados e de certa forma mais próximos de uma expansão do self; já o caráter exógeno do turismo seria uma espécie de estrutura fundacional do fenômeno que o coloca como objeto relevante para a sociologia. Para este autor, os termos “peregrinação”, “romaria” e “turismo religioso” devem ser analisa-dos sob a lógica analisa-dos agentes e não em vista de uma essência qualificadora e valorativa (STEIL, 2003). Nesse sentido, ao analisar romeiros e turistas no santuário de Bom Jesus da Lapa, este autor aborda a dificuldade sociológica de traçar uma linha distintiva rígida entre o turista e o romeiro já que um mesmo indivíduo exerce inúmeros atos religiosos e turísticos.

Dias (2003,) argumenta que a peregrinação coletiva se constituiria de dois aspectos: a realização de uma experiência individual e um certo compartilhar de senso comum de identidade.

Não é minha proposta neste artigo explorar origens, seja da ordem etimológica, seja da ordem conceitual do turismo, mas antes, a partir de definições já elaboradas por diversos autores (DIAS, 2003; STEIL, 1998, 2003; MACCA-NNEL, 1973) analisar a posição da Igreja católica diante do fenômeno e, a partir de então, pensar as interfaces entre catolicismo, religião e turismo, além de sugerir alguns temas relevantes para um aprofundamento teórico dessa temática, esbo-çando temas para uma sociologia que investigue o fenômeno do turismo, quando associado a motivações religiosas, a partir do cenário brasileiro.

Compartilho a preocupação teórico-metodológica com Silveira (2003) em relação a algumas abordagens sobre o turismo que adotam

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pers-pectivas evolucionistas tentando identificar um “mito de origem”, mas devo indicar que a história revelou proximidades entre a prática de deslocamento ou mobilidade humana e as motivações religiosas, além de étnicas e políti-cas. Sendo assim, ainda que não seja possível comparar viagens pré-moder-nas com o turismo em tempos de culturas transnacionais, há um elemento transversal a essas práticas, a saber, o deslocamento ou desterritorialização dos sujeitos e os impactos objetivos e subjetivos desse comportamento nas sociedades e em suas respectivas culturas.

Para avançar na consolidação de minha proposta, faz-se mister ante-cipar algumas problematizações. Primeiramente não pretendo explorar o lugar-comum que vincula, numa relação puramente causal, o turismo à globalização. Na verdade, a globalização acabou se tornando entre nós, uma variável explicativa para quase tudo, fato que pode nos aprisionar sem per-mitir vôos hipotético-teóricos mais ousados. Partamos apenas do princípio de que as horizontalidades presentes no cosmopolitismo e as verticalidades presentes nas instituições podem ser importantes chaves analíticas a contri-buir para a adoção de práticas institucionais mais contributivas diante do fenômeno (SANTOS, 2006).

Em segundo lugar, creio ser importante considerar a existência de continuidades e descontinuidades entre as categorias turista, cosmopolita, peregrino e romeiro. Minha intuição é a de que elas são categorias intercam-biáveis que se deslocam a partir da interação com as sociedades e seus equipa-mentos culturais ou, para usar uma linguagem dos turismólogos e museólogos, com o patrimônio imaterial das sociedades.

E por último, não farei neste artigo análises e/ou etnografias de festas e eventos devocionais do catolicismo. Há um sem-número de trabalhos produzidos nas mais diferentes universidades brasileiras e latino-america-nas que constroem uma antropologia rica do ponto de vista dos detalhes, mas nem tanto do ponto de vista das propostas teóricas na análise das prá-ticas e elaborações subjetivas relacionadas à mobilidade humana motivada pela religião ou por sentimento religioso. Não rumo, portanto, em direção ao que Veyne (1998, p. 223) denominou de uma “descrição do conhecido”, mas adoto a perspectiva, como este autor sugere, de que são as práticas so-ciais que determinam o objeto e não o contrário.

Considero a categoria turismo como um tipo ideal que integra a perspectiva de deslocamento, de desterritorialização. Este tipo de compor-tamento humano pode se desmembrar em subtipos que guardarão a caracte-rística transversal do ir e vir assegurando-se a observação, a participação ou a integração do indivíduo em contexto de diversidade cultural.

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A atitude peregrina ou a peregrinação implica em viagem motivada por sentimento devocional em direção a um bem de ordem cultural ao qual se atribuiu status de sacralidade. Em geral, implica em um sentido coletivo e incorpora objetivos específicos tais como o fortalecimento de uma tradi-ção ou o cumprimento de um pacto do indivíduo com alguma transcendência (votos, promessas etc.). O sujeito peregrino não se opõe necessariamente ao convertido (HERVIEU-LÉGER, 2005) em função de um certo sedentarismo deste último ou da existência de uma certeza inabalável quanto ao pertenci-mento religioso. Assim, também o convertido pode peregrinar como modo de testar a própria fé e de assumir o seu papel de agente fortalecedor da tra-dição, favorecendo a socialização de verdades formulares por meio do “idi-oma ritual” (GIDDENS, 1997, p. 83). É neste ponto que as r“idi-omarias se identificam com as peregrinações, mais do que com o turismo motivado por temas religiosos.

As atividades produtoras de sentido são simultaneamente constituintes do deslocamento humano e constituídas pelos sujeitos a partir dos bens culturais que herdaram, compartilharam ou apreenderam na experiência ordinária ou extraordinária de suas trajetórias. Tais produções de sentido podem ser dadas ou oferecidas pela religião e é nesse campo que desejo operar primeiramente. Consideraremos o discurso do catolicismo diante da inten-sificação de um subtipo de turismo: aquele que admite, integra, estimula e favorece as motivações e práticas religiosas e que é denominado erroneamente de turismo religioso2. Considero que as interfaces entre religião e turismo irão conformar as práticas do turismo a espaços culturais e religiosos, às festas de padroeiros e aos eventos de massa que contemplam narrativas religiosas. Nesse sentido não procedo com rigor à pré-definição de uma categoria, entendendo que são as práticas socioculturais que nos permitirão compre-ender o turismo e a religião, ambos envolvendo movimento e deslocamen-tos quando informados pelo catolicismo brasileiro.

Realizando um movimento analítico um pouco mais subversivo, proponho então que a junção religião e turismo ainda não pode ser definida por uma expressão tal como “turismo religioso”, já que carecemos de aná-lises quantitativas e qualitativas que nos permitam utilizar uma terminolo-gia mais adequada.

O CATOLICISMO DIANTE DO FENÔMENO

Falamos acima da peregrinação e da romaria como práticas que se aproximam. A título de ilustração, podemos citar uma notícia veiculada pelo

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jornal Correio Brasiliense. Ao divulgar o Caminho Santo de Nhá Chica, em Minas Gerais, a jornalista descreve que no ato da inscrição gratuita o parti-cipante do trajeto recebe uma camiseta e, ao concluir o percurso, o certifi-cado de peregrino (CORREIO..., 2002).

Em tempos de fronteiras fluidas e com o crescimento da mobilidade humana em busca do estranho, do desconhecido, a Igreja Católica entendeu que o turismo se constitui como um terreno fértil para o fortalecimento de sua missão apostólica. Em entrevista a uma Revista católica, D. Murilo Krieger, responsável pela coordenação da pastoral do turismo, ainda incipiente no país, declara: “O turismo interessa à Igreja porque envolve pessoas, e o Evangelho deve ser apresentado a todos, onde quer que se en-contrem”(REVISTA ..., 2006, p. 38).

Cabe destacar que os líderes religiosos católicos desejam agregar à prá-tica turísprá-tica os “valores cristãos”. Assim, a pastoral do turismo exibe um folder com um guia para sua implementação nas dioceses e paróquias. O conteúdo do folder se distribui por quatro palavras: partir, respeitar, acolher e servir. Sob estes lemas, a Igreja pretende estimular a

preparação adequada para se viver de maneira cristã uma viagem; aprovar medidas para os tempos de maior afluência turística, adap-tando os serviços às necessidades dos turistas, de maneira a facilitar a celebração da fé; denunciar o turismo sexual; criar condições para que os turistas possam se inserir, mesmo que temporariamente, na vida das comunidades locais3.

Estes são apenas alguns itens do planejamento da pastoral do turismo. Ademais, a pastoral do turismo pretende ainda “motivar os proprietários de hotéis, casas de repouso e similares, para colocarem a Bíblia ou o Novo Testa-mento nos quartos e apartaTesta-mentos.” Chama a atenção a inexistência de men-ção da presença de turistas de outras tradições religiosas. A Igreja católica, detentora de grande parte dos bens religiosos que motivam romarias e pere-grinações, parece entender que o campo do turismo é também um campo de missão.

A indústria do turismo movimenta cifras altíssimas e inclui a religião como fator catalisador da própria expansão e fortalecedor da lógica de mer-cado que supõe bens e produtos a serem oferecidos para o consumo. Nessa direção, a Embratur (2000) recorreu ao apoio da arquidiocese do Rio de Janeiro para traçar os ‘Roteiros da Fé’, que foram suficientemente divulga-dos na imprensa e em textos acadêmicos que tratam do tema (DIAS;

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SILVEIRA, 2003). A experiência religiosa interpretada como um produto turístico (GIOVANNI JÚNIOR, 2003) é percebida nessa parceria em que indústria e instituição religiosa se unem, ainda que com interesses antagô-nicos. À Igreja Católica importa primeiramente a expansão de seu discurso e a conseqüente adesão dos fiéis; à empresa interessam as cifras. Por outro lado, as conseqüências indiretas do afluxo de turistas com motivações reli-giosas aos espaços tidos como sagrados reverte-se em benefício econômico para a própria Igreja que cada vez mais tem incorporado lógicas do mercado como o marketing e a propaganda. Basta observar os sites de muitas dioceses e arquidioceses e a propaganda que realizam de seus bens religiosos. No site da arquidiocese do Rio de Janeiro, por exemplo, é possível ver imediatamente o perfil gigante da estátua do Cristo Redentor e nos links para acesso direto do usuário dois importantes santuários, o de Nossa Senhora da Penha4 e o de Aparecida do Norte. O site informa ainda ao usuário como chegar ao San-tuário da Penha e realiza uma enquete sobre quantas vezes a pessoa visitou o Santuário, o que poderíamos considerar uma pesquisa de mercado, tor-nando inegável o fato de que a parceria entre o evento ou fato social, tradu-zido como turismo com motivação religiosa, a indústria do turismo e a Igreja Católica são potenciais e reais catalisadores do desenvolvimento socioeconô-mico e cultural de algumas regiões e municípios brasileiros.

Os agentes eclesiásticos e os da indústria de viagem e turismo vêm ampliando a parceria e isso tem ocorrido em todo o mundo. O organismo Conferência Episcopal Latino Americana (Celam) possui um departamen-to responsável pelas pasdepartamen-torais do turismo na América Latina, denominado Semov, responsável pela pastoral do turismo. Segundo levantamento reali-zado por este órgão, havia uma previsão de que, no ano de 2006, a indústria do turismo movimentaria algo em torno de U$ 355 bilhões de dólares na América Latina e no Caribe. O presidente da Associação Dominicana de Imprensa Turística, Manuel Cedeño, afirmou no I Encontro Continental sobre Pastoral do Turismo5 que o turismo pode ser para a Igreja Católica “um campo inovador de evangelização, um daqueles grandes campos de reflexão contemporânea e da cultura, da política e da economia, em que os cristãos estão chamados a viver sua fé e sua vocação missionária”6. O apelo se justifica pelo fato de que no Brasil, considerado o maior país católico do mundo (ainda que com o catolicismo em declínio), encontra-se uma diver-sidade de bens culturais com temática religiosa, seja nos patrimônios mate-riais constituídos por santuários, basílicas e catedrais, além das inúmeras igrejas históricas, seja nos rituais que guardam e fortalecem tradições locais, tais como os tapetes da semana santa em Parati/RJ; a procissão do Fogaréu

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na cidade de Goiás (GO); o Círio de Nazaré em Belém (PA), para citar ape-nas alguns.

Vejamos a distribuição de forma agregada, por região brasileira, das paróquias com potencial turístico, ou seja, as basílicas, os santuários e ainda as catedrais.

Figura 1: Número de Basílicas, Santuários e Catedrais Segundo as Grandes Regiões Fonte: Ceris (2006). 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140

Norte Nordeste Sudeste Centro Oeste Sul

Segundo os dados do Ceris, no ano de 2006 havia no país 235 tem-plos (basílicas, catedrais e santuários). Potencialmente estes são lugares atra-tivos para o movimento de fiéis e/ou turistas em algum momento do ano. A região Sudeste concentra o maior número de templos (125), seguida da região Sul (69). Em terceiro lugar destaca-se a região nordeste (24). A região Centro-Oeste possui um baixo número de templos potenciais ao turismo (12) e, por fim, a região Norte apresenta o menor número (5) de basílicas, santuários ou paróquias com potencial turístico.

Vejamos a seguir a distribuição dos templos e basílicas de acordo com as unidades da federação. Esses números, um pouco mais afunilados, já desenham em nossas mentes alguns lugares de culto socializados pelos bra-sileiros como lugares ilustrativos de uma identidade nacional que têm na dimensão religiosa e católica uma de suas principais facetas.

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No estado de São Paulo, há o maior número de templos com potencial turístico. Em seguida o destaque é para Minas Gerais, estado composto por cidades históricas tais como Ouro Preto – primeira cidade brasileira a receber o prêmio de patrimônio cultural da humanidade – Tiradentes, Poços de Cal-das etc. Os estados do Rio Grande do Sul e do Paraná ocupam, respectivamen-te, o terceiro e quarto lugar em quantitativo de templos com atrativos religiosos. Embora esses dados favoreçam um primeiro mapeamento do poten-cial de turismo centrado nos bens religiosos do catolicismo, eles estão longe de atribuir às regiões a principal variável para a compreensão do fenômeno, já que estados com baixo nº de templos possuem festas religiosas significa-tivas do ponto de vista do número de participantes e que possuem reconhe-cimento nacional, como são os casos do Pará, com o Círio de Nazaré, e do Ceará com as comemorações e romarias em nome de Pe. Cícero, em Juazeiro do Norte. Na verdade, a tradição é um dos principais vetores orientadores da permanência e da fundação de determinados eventos que adquirem ao longo dos anos um status religioso, mas as festas são também lugares de encontro, de lazer e sociabilidade. Nesse sentido, os santuários, que se con-figuram como lugares “extra-ordinários” por existirem numa oposição ao caráter ordinário das paróquias, configuram ao mesmo tempo uma certa cotidianidade (MENEZES, 2004).

Uma pesquisa do Ceris nas seis principais regiões metropolitanas bra-sileiras (FERNANDES, 2000) entre católicos e não-católicos indicou que

2 6 8 3 2 5 3 43 1 3 2 2 2 1 22 7 1 35 12 2 73 0 10 20 30 40 50 60 70 80 AM BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RO RS SC SE SP Figura 2: Número de Basílicas, Santuários e Catedrais Segundo UF

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as festas de cunho religioso constituem a atividade que alcança a mais alta proporção de participação da população das cidades. Em Recife esse tipo de prática foi indicado por 56,4% dos católicos, em Salvador, por 56,8%, em Belo Horizonte, por 59,5%, no Rio de Janeiro, por 67,4%, em São Paulo, por 71,4% e em Porto Alegre, por 43,4% dos católicos. A participação em romarias ganha destaque em São Paulo, atingindo 49,5% de católicos da metrópole. Nas demais cidades, os índices oscilam entre 19,3%, em Belo Horizonte, a 25,9% em Salvador.

Um estudo etnográfico da romaria (NASCIMENTO, 2002), moti-vada pela Festa do Divino Pai Eterno, mostrou que a paróquia só se concre-tiza como Santuário no período de ocorrência da Festa. A paróquia fica a 20Km de Goiânia e não possui um fluxo permanente de romeiros como ocorre, por exemplo, no Santuário de Aparecida do Norte, mas a sala dos milagres ou dos votos resume a devoção a crença, e as graças alcançadas, além de permitir uma leitura exótica dos milagres. Ali, numa espécie de mini mu-seu, administrado pelos padres redentoristas, é possível observar objetos tais como coro de cobra, aparelhos ortopédicos, sapatos, quadros pintados a óleo revelando a situação vivida e a experiência do milagre8, aparelhos eletrôni-cos, sapatos, roupas etc.

A Igreja Católica tem adotado um discurso não-restritivo sobre o turismo para não circunscrevê-lo apenas à dimensão de reforço de uma tra-dição ou de manutenção da religiosidade popular que emana das práticas das romarias, peregrinações e visitas aos santuários. A pastoral do turismo integra-se a um conjunto de pastorais denominadas de “Pastorais da mobi-lidade humana”8. Este conjunto contempla vários segmentos sociais que se encontram em situação de deslocamento e o principal foco diz respeito à preservação e luta pelos direitos humanos. Essa tônica está presente na mensagem de João Paulo II em 2001 por ocasião do XXII Dia Mundial do Turismo. Naquele documento se observam três principais focos: advertên-cias para os riscos de que o turismo gere subculturas, nas quais o principal problema seria a instrumentalização do que há de genuíno nas cidades e sociedades; o tema da exploração de mulheres e crianças para comércio se-xual e, por fim, o desafio da ética no turismo.

A Igreja oficialmente demonstra interesse no tema, apresentando os seguintes objetivos pastorais:

• Tornar o turismo um contínuo ato de ação de graças porque conserva e

aumenta o gosto pela vida.

• Destacar aspectos da doutrina social da Igreja aos trabalhadores do

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• Zelar pela veracidade das informações e atrativos. • Gerar iniciativas pastorais entres os guias de turismo. • Formar em cada diocese pastorais específicas do setor.

Todos esses objetivos expressam caráter normativo, mais próximo das “verticalidades”, que supõem adaptação de comportamentos locais aos in-teresses globais ou que seguem a lógica colocada por macroatores que intencionam determinar as modalidades internas de ação de um determina-do sistema social, que das “horizontalidades” (SANTOS, 2006) no sentidetermina-do de se estabelecer uma maior abertura para estudos, aprofundamentos e diá-logo com os agentes e demandantes do turismo, principalmente do turismo motivado pela religião.

CARACTERIZANDO ALGUNS TIPOS: TURISTA, COSMOPOLITA, ROMEIRO E PEREGRINO

Como sinalizei no início deste artigo, as quatro categorias possuem um caráter intercambiável no sentido de que um mesmo agente pode ser em dado momento de seu deslocamento um turista, em outro, um agente cosmopolita, um romeiro e, em outro momento, um peregrino. A conju-gação e/ou delimitação destes perfis só se faz necessária à medida que se levem em conta as interações que o indivíduo em questão realiza com os espaços culturais, com os bens materiais e imateriais e com a sua própria subjetividade.

Tendo em vista que a religião é o pano de fundo analisado aqui, nos interessa discutir quais categorias se associam mais aos bens simbólicos e materiais oferecidos pelo catolicismo, levando-se em conta a oferta e a de-manda de quem chega a um santuário ou a uma Igreja com alta capacidade de atração, seja porque estão localizadas em lugares de circulação de pessoas, como é o caso do Convento de Santo Antônio no Rio de Janeiro, seja por se constituírem como lugares históricos de visitação. Os líderes religiosos do catolicismo tendem a reforçar e utilizar duas categorias indistintamente, que são o romeiro e o peregrino. Em artigo recente, um padre (VALLE, 2006, p. 31) orienta:

uma pastoral que parta dessas experiências humanas latentes em toda romaria e em todo santuário poderá levar o romeiro ao cerne mesmo da experiência cristã [e, em seguida, acrescenta: [...] que haja uma coor-denação bem pensada entre o que os santuários podem e devem oferecer e o que cabe às comunidades de onde provêm os peregrinos.

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A lógica vertical da instituição religiosa tende a adotar termos dife-rentes para explicar a mesma experiência, e o que se apresenta como o ele-mento unificador seria a motivação religiosa. Seguindo a orientação de Steil, talvez a melhor opção seja a de distinguir, a partir das práticas sociais, o momento em que um indivíduo é peregrino e o momento em que ele é o romeiro. As etnografias das festas devocionais parecem caracterizar o romei-ro como alguém mais estritamente vinculado à tradição religiosa e o pere-grino como alguém que pode participar de romarias vinculadas à determinada tradição, mas que tem maior autonomia diante desta, ao mesmo tempo em que investiria em novas modalidades de mobilidade e percurso, tais como os adeptos dos caminhos de Santiago (CARNEIRO, 2004).

A categoria cosmopolita, tal qual analisada por Ulf Hannerz, parece apresentar uma afinidade com um perfil de “passantes” em lugares sagrados, tal como analisou Menezes (2004) em seu estudo sobre o convento de Santo Antonio. Uma mulher explica sua visita ao Convento da seguinte forma: “Eu não tenho nenhuma devoção particular, estou aqui para dar uma rela-xada [...] o lugar me atrai” [...] eu acho interessante assim, a fé que as pessoas têm. É nítida, neste depoimento, a orientação para o Outro ou o desejo de se envolver com o Outro. Essa orientação é, como argumenta Hannerz (1990, p. 253),“uma posição intelectual e estética de abertura para experiências culturais divergentes”.

Levanto ainda a possibilidade de ser o turista a categoria mais intercam-biável entre as aqui analisadas, podendo existir o romeiro-turista; o peregrino-turista e até mesmo o cosmopolita-peregrino-turista. Acredito que não seja necessa-riamente a atitude de espectador que caracterizar o turista, mas muito mais a atitude de consumidor ou explorador dos espaços visitados, sem necessá-rio interesse religioso. Haveria, portanto que se explorar um pouco mais a relação de turistas, romeiros, peregrinos e cosmopolitas com o tema do consu-mo, empreendimento que fica como sugestão para investigações futuras. RELIGIÃO COMO MOTIVAÇÃO PARA O DESLOCAMENTO

Recentemente o Instituto de Pesquisas da USP (Fipe)9 divulgou o relatório sobre turismo doméstico. Entre os vários itens investigados, estu-daram-se também as motivações das famílias para a realização da principal viagem doméstica. Os dados demonstram que a motivação religiosa é mais presente entre as famílias de mais baixa renda. Assim, 4,5% das famílias que possuem renda mensal de R$350,00 a R$1.400,00 têm a dimensão religio-sa como motivação. Para as famílias com renda de R$1.400,01 a R$5.270,01,

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a proporção dessa motivação corresponde a 3%; para as famílias com renda de R$ 5.250,01 a R$ 10.500,00, o índice cai para 1,6% e, por fim, entre as famílias que ganham acima de R$ 10.500,00, esta motivação correspondeu a apenas 1,3%. Assim, quanto maior a classe social, menor é a influência da dimensão religiosa como fator motivador das viagens.

São as motivações que irão permitir a caracterização dos turistas que visitam as cidades e lugares com equipamentos religiosos. Cabe notar que a dinâmica e a economia das cidades se alteram significativamente em razão da presença de Santuários ou templos religiosos com potencial turístico. Bom exemplo foi a recente visita do papa Bento XVI ao Santuário de Apa-recida que movimentou vários setores da economia local; outro exemplo é o da cidade de Nova Trento (SC) onde viveu Madre Paulina canonizada no ano de 2002. Se por um lado o contingente populacional desta cidade é de 10.000 habitantes, por outro ela recebe mensalmente 80.000 pessoas motivadas pela fé. Que alterações estes visitantes romeiros, peregrinos, turistas e cosmopolitas imprimem a esta cidade? Como terá se alterado a religiosidade local em função da canonização? Como a igreja local recebe os turistas? Um breve artigo (OURIQUES, 2007)10 explora algumas transfor-mações indicando que as expectativas quanto ao desenvolvimento econô-mico em Nova Trento aumentaram fortemente nos meses que antecederam à canonização. A cidade atualmente já chama para si o título de segundo mais importante destino do turismo religioso no país. A cidade de Apa-recida é o primeiro pólo de atração para o turismo motivado pela reli-gião.

TEMAS PARA UMA SOCIOLOGIA DO TURISMO ESTIMULADO PELA RELIGIÃO

De modo esquemático, visando movimentar o debate, listo abaixo o que considero temas relevantes para aprofundar os estudos sobre as relações entre turismo e religião e que de certa forma são temas sobre os quais nós, cientistas sociais, podemos nos debruçar a partir de nossas pesquisas.

• Turista e locais – relação de presença e ausência; comprometimento ou

incômodo.

• Eixo cosmopolita do turista – tradição, globalização e verticalidades

(mercado, redes e normas).

• Relações entre a Igreja, a indústria turística e os profissionais do turismo. • O consumidor religioso e sua contribuição para o desenvolvimento

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Finalizo considerando que o caráter indicativo deste artigo visou sim-plesmente estimular o debate sobre uma temática ainda pouco explorada em nosso campo disciplinar.

Notas

1 Para Steil (1998, p. 2), à medida que o turista realiza uma “transação cultural”, ele estabelece uma

melhor definição de si mesmo e conseqüentemente do sentido de pertencimento ao seu grupo sociocultural de origem.

2 Silveira (2003, p. 2) critica também essa terminologia considerando que há uma naturalização do

termo, que remontando à década de 1960 é utilizado de forma indiscriminada por eclesiásticos, em-presários, acadêmicos e leigos.

3 Texto que integra o folder da pastoral do turismo disponível no site da cnbb: www.cnbb.org.br. Acesso

em 02 de novembro de 2006.

4 Cf. <http://www.santuariodapenhario.com.br/>. 5 O Encontro ocorreu na Colômbia em Junho de 2006.

6 A notícia foi veiculada por ocasião do I Encontro em um boletim eletrônico da Igreja Católica

de-nominado PIME- NET. O mesmo pode ser acessado no seguinte endereço: <http://www.pime.org.br/ noticias2006/noticiascolombia56.htm>.

7 Tive a oportunidade de visitar a sala e observar um curioso quadro pintado a óleo que ilustrava a

seguinte situação com o relato do pintor: dois amigos saíram para caçar e no caminho foram surpre-endidos por uma onça muito feroz que ataca um deles. Em meio aos ataques o devoto do Divino Pai Eterno brada em alta voz: “Valha-me Divino Pai Eterno”! e imediatamente a onça o libera partindo para o outro caçador que não clamara pelo santo, ferindo-o mortalmente.

8 Integram as pastorais da mobilidade humana os seguintes grupos: Apostolado do Mar, Pastoral da

Estrada, Pastoral dos Nômades, Pastoral dos Pescadores, Pastoral dos Refugiados, Pastoral do Turis-mo e Pastorais das Migrações (migrantes internos, imigrantes e emigrantes).

9 O relatório é denominado: “Caracterização e dimensionamento do turismo doméstico no Brasil”.

Os dados estão disponíveis no endereço: <http://200.189.169.141/site/arquivos/dados_fatos/ demanda%20turistica/demanda_turismo_domestico_setembro_2006.pdf>.

10 O artigo está disponível em textos para discussão da Faculdade de Ciências Econômicas da UFSC.

Cf. <http://www.cse.ufsc.br>. Acesso em 22 de maio de 2007.

Referências

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Abstract: this work carries through a conceptual debate on mobility human

being motivated for the religion or the faith and points out the Church catholic in this context. The category tourism is analyzed as an ideal type that integrates the displacement perspective. This type of human behavior can be shared in subtypes that will keep the transversal characteristic of going and to come making sure it observation, participation or the integration of the individual in context of cultural diversity. The travelling attitude, or the peregrination, implies in trip motivated for devocional feeling in direction to a good of cultural order

(15)

which if attributed status of sacrality. In general, it implies in a collective direction and it incorporates specific objectives such as the powerment of a tradition or the fulfilment of a pact of the individual with God and with saints (votes, promises). The work analyzes the speeches produced for the Church catholic front to the intensification of a tourism subtype: that one that admits, integrates, stimu-lates and favors practical the motivations and religious and that had mistakably being called as religious tourism. The place of the religion in the productions is still analyzed of felt and demonstrates that the reli0gious institution at the same time where it interacts with the logics of the city, constructs new sacralities and it prints new configurations to the urban spaces.

Key words: tourism, religion, catholicism

* A primeira versão deste texto foi apresentada no I Seminário de Turismo Religioso na UCG em 25.11.2006.

SÍLVIA REGINA ALVES FERNANDES

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Figura 1: Número de Basílicas, Santuários  e Catedrais Segundo as Grandes Regiões Fonte: Ceris (2006).0102030405060708090100110120130140
Figura 2: Número de Basílicas, Santuários  e Catedrais Segundo UF Fonte: Ceris (2006).

Referências

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