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Os Olhares da Justiça sobre o crime de Violência Doméstica

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Academic year: 2021

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Relatório de Estágio

Tânia Filipa Narciso Caldeira Pais

Relatório de Estágio de Mestrado em

Estudos sobre as Mulheres. As Mulheres

na Sociedade e na Cultura

(versão corrigida e melhorada após defesa pública)

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Relatório de Estágio

Tânia Filipa Narciso Caldeira Pais

Relatório de Estágio de Mestrado em

Estudos sobre as Mulheres. As Mulheres

na Sociedade e na Cultura

(versão corrigida e melhorada após defesa pública)

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3 Relatório de Estágio apresentado para cumprimento dos requisitos necessários

à obtenção do grau de Mestre em Estudos sobre as Mulheres. As Mulheres na Sociedade e na Cultura realizado sob a orientação científica da Professora Doutora Dalila Cerejo, Professora Auxiliar do Departamento de Sociologia da

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Agradecimentos

Ao acabar este trabalho percebo que acabo por ter mais pessoas a agradecer do que pensei ao início. De forma generalizada acho que todos os que me rodeiam no dia a dia merecem um agradecimento. Em especial os meus amigos que me ouviram queixar sobre tudo o que implica fazer uma tese de mestrado desde a falta de tempo, de vontade, de paciência, admito, por vezes e todos os medos subjacentes, porque sim, o medo de falhar muitas vezes nos acompanha.

E claro à minha família, sem eles nada teria o sabor que tem. Em especial à minha mãe. A minha vida sem ti não seria igual. Apesar de nem sempre entenderes estás sempre lá. Fizeste de mim quem sou e tenho a maior das sortes por te puder chamar mãe. O resto tu sabes e não preciso de o dizer, mas lembra-te que esta conquista é de ambas!

Agora às duas pessoas que ainda sem saberem bem o que ia sair daqui aceitaram orientá-la sem renitências. À Professora Dalila Cerejo o meu enorme obrigada por toda ajuda que me deu. Eu sei que nem sempre fui fácil de orientar, mas terminado o trabalho vejo que não o conseguia sem si. Foi a minha primeira e única escolha para o fazer e ficar-lhe-ei toda a vida agradecida por a ter tido ao meu lado neste passo gigante que acabo de dar.

E claro, à Doutora Elisabete Brasil que desde o início teve não só um papel fulcral neste relatório não só a explicar-me tudo sobre a lei da forma mais clara possível como de calmante natural. A Elisabete disse da primeira vez que expressei os meus medos algo como “isto só pode correr de uma forma: bem!”. Afinal correu e o meu muito obrigada por ter fé em mim quando eu não tinha e fazer questão de me o dizer quando precisava de o ouvir.

Claro que não posso terminar estes agradecimentos sem agradecer à equipa técnica e às utentes da Casa Abrigo que acompanhei. Tenho o mais profundo respeito pelo trabalho desempenhado pela equipa e pelas lutas diárias destas utentes mas sei que conseguem superar tudo devido à força interior que vejo em cada uma de vós. Aqui não posso deixar de agradecer em especial à Doutora Elsa Branco por me proporcionar esta experiência.

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Os Olhares da Justiça sobre o crime de

Violência Doméstica

Resumo

Nos últimos anos muito se tem vindo a alterar na lei para contemplar crimes que ainda que recorrentes na nossa história nem sempre foram considerados como tal. Assim, e sendo desde 2000 a violência doméstica um crime público, interessa perceber como este se enquadra no contexto penal português nomeadamente ao nível das condenações. Estando desde 2007 o crime de violência consagrado no código penal português este projeto pretende analisar quais os fatores que levam a que o número de condenações por violência doméstica seja tão baixo, acabando a maioria dos processos por serem arquivados. Este trabalho pretende ser um contributo para a compreensão dos motivos do elevado número de arquivamentos. Para isso em muito contribuiu o estágio realizado na UMAR.

Palavras-chave:

violência doméstica, relações de conjugalidade, lei portuguesa, código penal

Abstract

In the fast few years much has been changing in the law to contemplate crimes that still recurrent in our history were not always considered as such. Therefore, since domestic violence has been a public crime since 2000, it is important to understand how it fits within the Portuguese penal context, particularly at the level of convictions. Since the crime of violence enshrined in the Portuguese penal code since 2007, this project intends to analyze the factors that cause the number of convictions for domestic violence to be so weak, with most of them being closed. This work intends to be a contribution to the understanding of the reasons for the high number of filings. For that much contributed the internship at UMAR.

Keywords:

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Índice

Introdução ... 7 1. Contextualização da violência ... 8 2. Enquadramento conceptual ... 11 3. História da UMAR ... 14

4. Descrição do trabalho realizado durante o estágio ... 15

4.1- A União de Mulheres Alternativa e Resposta ... 16

4.2- O trabalho em Casa de Abrigo ... 17

4.3- Os acórdãos sobre o crime de violência doméstica ... 18

5. O Percurso da Mulher Portuguesa ... 18

6. O Problema Social da Violência Doméstica em Portugal ... 21

7. Análise dos acórdãos ... 22

7.1- Metodologia e definição do objeto de estudo... 22

7.2- Objeto de estudo: Acórdãos. Tribunais superiores e abrangência nacional ... 23

7.3- Acórdãos e sua análise ... 24

7.4- Análise dos resultados ... 24

7.5- Modelos, Valores e Representações de género na leitura dos acórdãos ... 34

Conclusão ... 36

Bibliografia ... 39

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Introdução

O objetivo deste trabalho é entender como a lei portuguesa é aplicada nos casos de violência doméstica, por isso, pretendi olhar para as condenações por violência tentando perceber se existem estereótipos de género associados às suas condenações. Interessou-me ainda analisar e perceber quais os motivos que poderão levar a que hajam tantos arquivamentos.

Isto é, terá o sistema judicial todas as previsões cabais à resolução jurídico-penal deste crime, ou terá ainda insuficiências que fundamentam a baixa percentagem de condenações, estas contrapostas ao elevado número de arquivamentos, suspensões provisórias de processo e diminutas condenações, principalmente com pena efetiva na sua execução?

Uma vez que segundo dados da Ordem dos Advogados, 90% dos casos de violência doméstica registados não chegam sequer a ser julgados, sendo 70% desses arquivados e que “nos motivos indicados pelo Ministério Público salienta-se a ausência de indícios suficientes da prática do crime, seguido de qualificação jurídica diversa e de arquivamento na sequência de aplicação de suspensão provisória do processo. Trata-se, contudo, de categorias legais que dizem pouco sobre os fundamentos do arquivamento”. [GOMES, 2017: np]

Segundo os dados estatísticos do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) a violência no nosso país continua a aumentar, assim como o número de mulheres mortas pelas mãos dos seus parceiros íntimos presentes ou passados. Assim sendo, como se explica que o crime de violência doméstica registe poucos processos na fase de julgamento? Como se explica que, do número residual dos que lá chegam, raros são aqueles em que na existência de condenação esta seja em pena efetiva?

Assim, pretendo perceber o que conduz ao não julgamento e arquivamento dos processos por violência doméstica. Estará a nossa educação cívica e a nossa cultura a condicionar esses processos? Se até ao 25 de Abril de 1974 a violência doméstica não era punível sendo inclusivamente aceite como meio de dominação masculina. Estarão os nossos juízes, advogados, procuradores e até mesmo meios de segurança a lidar com este crime agindo em conformidade com a igualdade de género e deixando de parte toda uma herança patriarcal, não deixando transparecer isso nas suas decisões judiciais?

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8 Pretendendo entender se existe realmente este estereótipo e de que forma se manifesta nos acórdãos analisados.

Sendo o objetivo do presente trabalho efetuar um olhar sobre a forma como a Justiça decide em situações de violência doméstica, foram utilizadas duas fontes documentais para apoiar a definição do objeto de estudo.

Assim e ao nível das fontes, e explicitando, estas foram: informação recolhida junto da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta e, o conjunto de 20 acórdãos retirados de forma aleatória em www.dgsi.pt.

Relativamente à UMAR e sendo esta uma das organizações não governamentais com trabalho na área da violência doméstica e de género, enquadrada na luta pelos direitos das mulheres nomeadamente gerindo casas abrigo, centros de atendimento e oferecendo formação a profissionais que no seu dia a dia se cruzem com o crime que é a violência doméstica (agentes da PSP, GNR e profissionais na área do atendimento às vítimas, etc.) procurei nesta organização parte da informação utilizada neste trabalho e sem a qual, o mesmo não teria sido e tido o mesmo resultado. Já no que respeita aos acórdãos, a pesquisa foi efetuada buscando pela expressão “violência doméstica”, no site da Direção-Geral dos Serviços de Informática (DGSI) e acima melhor identificado.

Tudo conjugado, bem como do entendimento obtido por leituras múltiplas de que toda a educação social, o processo de socialização, a desigualdade de género e sua naturalização, mas também novas abordagens e formas de pensar de homens e mulheres na sociedade, os seus papéis de género e transformações que vão, ainda que lentamente ocorrendo, a par das que também acontecem ao nível legal, podem operar alterações de paradigmas com influência na sociedade, ou seja, na forma não só de olharmos para homens e mulheres, mas também para a forma como estes se relacionam e também nas suas relações de intimidade.

1. Contextualização da violência

“A violência doméstica não é um problema recente, mas só começa a ganhar visibilidade nos anos 70, com os movimentos feministas que a partir de então denunciaram esta grave violação aos direitos humanos […]”. [LISBOA ET AL., 2009: 5]

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9 Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) elaborado pelo Sistema de Segurança Interna relativo ao ano transato existiu na generalidade uma diminuição dos crimes participados ao contrário do relatório anterior. No que diz respeito à criminalidade geral, onde se enquadra a violência doméstica a cônjuges ou análogos, houve uma diminuição de 2,6% de 2017 para 2018, sendo que especificamente no caso da violência doméstica sobre cônjuges ou análogos houve uma diminuição de 0,8% nos casos reportados. Dados estes que tinham aumentado de 2016 para 2017.

De acordo com esta publicação em 53,1% dos casos reportados por violência doméstica o cônjuge/ companheiro é o agressor, em 78,6% a vítima da agressão é do sexo feminino e o denunciado do masculino em 83,5% das ocorrências. Tendo ocorrido a maioria de inquéritos findos por arquivamento, tendo havido também um aumento no número de detenções, somando mais 100 que em 2017 e um aumento da vigilância eletrónica como pena e medida de coação em execução. Relativamente ainda ao número de detenções é de salientar que estas aumentaram 274% entre 2009 e 2018, o que parece contraproducente dado que existe apesar disso um elevado número de arquivamento de processos pelo crime de violência doméstica.

Também de acordo com outro relatório elaborado Ministério da Administração Interna e que diz respeito apenas ao crime em questão, o Relatório Anual de Monitorização de Violência Doméstica relativo a 2016 existe uma maior predominância de vítimas mulheres (84% dos casos), estando esta casada ou vivendo em união de facto em 46% das ocorrências reportadas, sendo que esta tinha em média 42 anos de idade e em 81% dos casos não dependia do denunciado, 65% das vítimas tinha habilitações iguais ou superiores ao 9º ano de escolaridade e metade delas estava no momento da ocorrência do crime empregada. Já no que diz respeito à participação existe uma maior incidência ao fim de semana, assim como no mês de Julho mantendo-se a tendência registada em anos anteriores.80% dos casos ocorreram numa casa particular, longe da esfera pública, sendo que em 78% dos casos é a própria vítima quem pede a intervenção policial e em 26% destes existem ocorrências anteriores sendo que em 35% dos casos a violência foi presenciada por menores, havendo uma diminuição relativamente a anos anteriores. Na maioria dos casos as vítimas não foram internadas para receber cuidados hospitalares ou tiveram direito a baixa médica, contudo em 68% dos acontecimentos houve violência física havendo em 81% dos casos associada violência psicológica, sendo que na maioria

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10 dos casos foi atribuído o estatuto de vítima salvo as exceções em que a vítima recusou este estatuto ou prescindiu do direito à informação.

No que concerne ao agressor, 86% é do sexo masculino, sendo a sua idade em média de 43 anos, 47% é casado ou vive em união de facto e 86% não dependia economicamente da vítima, 8% dos denunciados possuía arma e em 4% das situações houve recurso a essa. Havendo um total de 730 detidos no ano de 2016 segundo este relatório. Contudo, 75% dos casos inquéritos arquivados nesse mesmo ano deu-se pela falta de provas. Sendo que das condenações encontra-se suspensa por igual período de tempo, isto é, dois a três anos.

No que diz respeito ao contexto legal, existe desde 1982 no código penal português a menção de maus tratos sobre cônjuges, sendo este o primeiro passo a ser dado para chegarmos a moldura penal atual. Contudo já no projeto do Código Penal de 1966 houve a autonomização do crime de maus tratos, porém dado o estatuto vigente do chefe de família não havia menção aos crimes praticados na conjugalidade.

Em 1991, deu-se uma evolução no Código Penal, uma vez que se introduziu uma perspetiva de igualdade de género, se apurou a tipificação de novos crimes e que houve uma reacepção de contextos e de atos criminalizados. Já com a reforma penal de 1995 foram adotadas algumas alterações, tais como, a extensão deste tipo de crimes a pessoas idosas ou doentes, foram previstos para além dos maus tratos físicos também os psíquicos e foram agravadas as penas. Dando-se em 2000 a passagem da violência doméstica de crime de natureza semiprivada a pública, aumentando assim o número de casos reportados às autoridades assim como o número de condenações. Madalena Duarte (2012), afirma que as condenações por violência doméstica aumentaram de 71 condenações em 2000 para 718 em 2009, sendo isto “fruto de uma tendência crescente para a apresentação de queixas na polícia, do facto do crime ter assumido natureza pública em 2000, e, também, de uma crescente consciencialização social da gravidade deste tipo de fenómeno (…). No entanto, e apesar da significativa diminuição, a pena mais aplicada nestes casos continua a ser a pena suspensa simples (em 2000, esta pena representou 92% das penas aplicadas e, em 2009, 38%)”. [DUARTE, 2012: 67] Nesta revisão deu-se também a separação entre violência doméstica e maus tratos assim como a extensão do crime de violência doméstica a progenitores de descendente comum em primeiro grau e alteração da vítima como “a pessoa do outro ou do mesmo sexo com quem o agente

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11 mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges ainda que sem coabitação”.

Em 2007, houve uma revisão do Código Penal passando a violência doméstica a ser definida no nosso Código Penal. Antes disso, já em julho de 2003, foi aprovado o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (Resolução do Conselho de Ministros nº 88/ 2003). Nesta resolução, a violência doméstica foi definida como “[…] toda a violência física, sexual ou psicológica que ocorrem em ambiente familiar e que inclui, embora não se limitando a, maus-tratos abuso sexual de mulheres e crianças, violação entre os cônjuges, crimes passionais, mutilação sexual feminina e outras práticas tradicionais nefastas, incesto, ameaças, privação arbitrária de liberdade e exploração sexual e económica. Abrange sobretudo mulheres mas afeta crianças, idosas e idosos e outras pessoas mais vulneráveis, como as deficientes.” [LISBOA ET AL., 2009: 19]

Em 2013, houve uma retificação a esta lei passando a estar abrangidas no crime de violência doméstica as relações de namoro. Também nesta alteração a pena acessória de proibição de contacto com a vítima de violência doméstica passou a incluir obrigatoriamente o afastamento da residência e/ou local de trabalho da vítima, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios de controlo à distância.

2. Enquadramento conceptual

De acordo com a Convenção de Istambul, a “violência contra as mulheres constitui uma violação dos direitos humanos e é uma forma de discriminação contra as mulheres, abrangendo todos os atos de violência de género que resultem, ou possam resultar, em danos ou sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos para as mulheres, incluindo a ameaça de tais atos, a coação ou a privação arbitrária da liberdade, tanto na vida pública como privada”.

Também de acordo com a mesma convenção, a violência doméstica “abrange todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família ou unidade doméstica, ou entre cônjuges ou cônjuges, ou entre companheiros ou ex-companheiros, quer o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a vítima”.

A violência de género é “uma violência estritamente associada à reprodução de estereótipos e papéis de género e aos complexos e dinâmicos processos de construção de

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12 identidades, que não se confina às relações íntimas, heterossexuais e/ou homossexuais, mas que atravessa toda a dimensão interpessoal, e institucional (família, escola, trabalho), intergéneros, intrafeminina e intramasculina”. [CEREJO, 2014: 31 apud LISBOA ET AL, 2009: 26]

A violência no namoro, “enquanto forma de violência no contexto da intimidade, não difere substantivamente daquela que pode acontecer no decurso de relações conjugais. Tal semelhança está presente nas próprias dinâmicas relacionais. A este nível, importa salientar que, face à legislação portuguesa, este tipo de prática é punida enquanto crime de violência doméstica”. [PRAZERES ET AL., 2014: 60]

A violência é “perspectivada como uma transgressão aos sistemas de normas e valores que se reportam a cada momento, social ou historicamente definido, à integridade da pessoa”. [CEREJO, 2014: 14 apud LOURENÇO & LISBOA, 1992: 23]

De acordo com a lei 112/2019 de 16 de Setembro por vítima apreende-se “a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou perda material, diretamente causada por ação ou omissão, no âmbito do crime de violência doméstica previsto no artigo 152º do Código Penal”. Já de acordo com o artigo 152º do Código Penal (Lei 19/2013 de 21 de Fevereiro) considera-se por violência doméstica, ou seja, agressor “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais”.

Podemos identificar vários tipos de violência entre elas, física, psicológica, sexual, económica/ financeira. A violência física “pode contemplar, embora não se limite, os seguintes actos: bofetadas/murros/pontapés/arranhões/beliscões/mordidelas; sovas; atirar com objectos; empurrões; socos no peito; apertar o pescoço; puxões de cabelo; cabeçadas e queimaduras ou cortes”. [CEREJO, 2014: 64 apud LISBOA, 2009] A violência psicológica de acordo com Cerejo (2014), esta pode também contemplar atos como “gritos ou ameaças verbais, escritas ou gestuais; perseguições; atemorizações; rasgar ou retirar documentos de identificação ou roupa pessoais; ameaças de morte e coacções; danificar propriedade pessoal ou privada; controlar a vida social, com o objectivo de favorecer o isolamento; espiar; impedimentos de contacto com o exterior; comentários negativos à sua aparência física e/ou condição física; proibição de uso de maquilhagens ou roupas; insultos com vista à humilhação ou atingir a auto-estima”. [CEREJO, 2014:

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13 64] Como violência sexual compreendem-se a “os actos que caracterizam a tipologia da violência sexual podem ser: obscenidades com o propósito de a assediarem; tentativas de contacto físico com conotação sexual; exibição, contra a vontade da vítima, de fotografias, revistas ou filmes pornográficos; prática de actos sexuais contra a vontade da vítima, de vontade, actos de sodomia, ou formas de relações sexuais sadomasoquistas; exibicionismo e ultraje ao pudor; violação e tentativa de violação; forçada a interromper uma gravidez ou a prosseguir com uma gravidez, não desejada”. [CEREJO, 2014: 64] A violência financeira é segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) definida como “controlo e/ou utilização inapropriada/indevida dos recursos financeiros e bens, perpetrada principalmente no contexto de relações de intimidade (…). Este tipo de violência envolve atos como usurpação financeira, privação de apoio económico, proibição de trabalhar, falsificação de documentos, entre outros”. [PRAZERES ET AL., 2014: 28]

Um dos crimes que pode também ser praticado no âmbito do contexto em que existe violência doméstica é o crime de stalking. Segundo o Plácido Conde Fernandes (2012), “O stalking é um padrão de comportamentos de assédio persistente, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Estes comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como oferecer presentes, telefonar frequentemente) ou em ações inequivocamente intimidatórias (por exemplo, perseguição, mensagens ameaçadoras). Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode escalar em frequência e severidade o que, muitas vezes, afeta o bem-estar das vítimas, que são sobretudo mulheres e jovens. O stalking consiste na vitimação de alguém que é alvo, por parte de outrem (o stalker), de um interesse e atenção continuados e indesejados (vigilância, assédio, perseguição), os quais podem gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo”. [FERNANDES ET AL, 2012: 6] Já de acordo com o que é dito por Marlene Matos et al (2011), o stalking pode frequentemente surgir associado a outras formas de violência, tais como as ameaças e agressões, sejam elas psicológicas, sexuais ou físicas. Segundo esta é difícil definir e criminalizar o stalking pois até a sua definição concreta nem sempre é clara passando por assédio, assédio persistente ou como já mencionei atrás perseguição. Assim, Matos et al (2011) afirma que “a sua definição enquanto conduta criminal enfrenta um desafio complexo, sendo por isso alvo de diferentes críticas”. [MATOS ET AL, 2011: 19], pois se por um lado se pode tornar demasiado amplo por outro pode tornar.se

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14 demasiado vago e por isso, ineficaz na proteção das suas vítimas e ainda demasiado restrita a certo tipo de comportamentos negligenciando as múltiplas atividades que constituem o stalking.

3. História da UMAR

A UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta é uma organização de mulheres e para as mulheres constituída a 12 de Setembro de 1976 que nasceu da participação das mulheres no 25 de Abril de 1974 e das necessidades de direitos e de proteção da própria mulher no contexto político emergente. Sendo hoje, uma ONG “reclama de um feminismo comprometido socialmente, empenhada em despertar a consciência feminista na sociedade portuguesa” [UMAR, 2008], tal como afirmado no seu website.

Depois de explicada a instituição em si, convém perceber que sem ela não conseguiria realizar o meu trabalho em pleno. A UMAR sendo uma ONG feminista sobre este reclama toda uma relevância de anos de referência na proteção das mulheres aos mais diversos níveis, sendo a violência um deles e aquele que neste momento mais me interessa, contudo desde o pós 25 de Abril de 1974 que a UMAR reclama e consciencializa para uma sociedade em que não existam diferenças, sejam elas quais forem e onde forem, devido ao género.

As lutas da UMAR viveram várias fases e muito de acordo do que se passava no nosso país e com as reivindicações que lhe eram exigidas. Assim, numa primeira fase, no pós 25 de Abril de 1974, a UMAR estava envolvida em ações de promoção da alfabetização da mulher, lutas de direito a casas com condições dignas, creches e direito ao emprego e ao salário. Na segunda fase (1978-1984), já após a demarcação pública e política sobre o direito ao aborto e a colheita de cinco mil assinaturas entregues na Assembleia da República estas mantem-se firmes sobre a despenalização do aborto. Contudo, existiram mais lutas, tais como, a manifestação contra o tráfico de mulheres no Porto, a solidariedade para com as mulheres operárias da Plessey, a denúncia de assédio sexual na Lisnave por parte de um fiscal, o direito à conceção, ações em defesa dos direitos das mulheres declarados na Constituição e Código Civil, entre muitos outros.

Já numa terceira fase (1985-1990), a UMAR continua a sua luta a favor do planeamento familiar, nomeadamente a posição dos bispos contra este, apoia também

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15 Maria de Lourdes Pintasilgo à Presidência da República, volta à luta contra o assédio laboral, participa num seminário contra a violência doméstica promovido pela Coordenadora Nacional de Mulheres e luta contra a extinção da Condição Parlamentar da Condição Feminina, atual CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, entre muitas outras lutas e iniciativas. Na quarta fase (1991-1996), a UMAR reconduz-se para projetos de afirmação profissional, social e política das mulheres, dando-se projetos de intervenção junto a mulheres de bairros sociais. Havendo assim uma luta contra o poder feminino. Dá-se ainda a revolta no início da década de 1990 contra a peritagem de mulheres acusadas de abortar clandestinamente por parte do Instituto de Medicina Legal. Processo esse instaurado por parte da Polícia Judiciária ao deter parteira da Rua da Bica onde constava lista de mais de 1200 nomes. Na quinta fase que vai de 1997 a 2007, a UMAR empenha-se ao nível da continuidade das “velhas lutas” abrindo novos espaços e novas áreas de intervenção, nomeadamente a da violência de género. Dando-se a abertura de três casas abrigo e também de gabinetes de atendimento a mulheres vítimas. Estando desde 1997 representada como organização não governamental no Conselho da CIDM (Comissão para a Igualdade e Direitos da Mulher). Deu-se também no ano 2000 a abertura do Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Doméstica na região de Setúbal, projeto financiado pelo Comissariado da Luta contra a Pobreza e sustentado desde 2006 pela Segurança Social. Participação na consolidação da violência doméstica como crime público na Assembleia da República, assim como na audição sobre as uniões de facto. Dá-se também a consolidação de equipas de intervenção nos centros de intervenção e casas abrigo, ações de pesquisa e formação na área da violência doméstica e a criação do Observatório de Mulheres Assassinadas. Nesta fase, ocorre também a formação especifica a agentes da PSP, GNR e autoridades judiciais para o atendimento a vítimas de violência doméstica e participação no projeto DAPHNE na área da prostituição e tráfico de mulheres. Dá-se também a continuação de uma luta antiga, a despenalização do aborto até que se deu o “sim” a 11 de Fevereiro de 2004, assim como de muitos outros movimentos e lutas a favor das mulheres que se dão até aos dias de hoje.

4. Descrição do trabalho realizado durante o estágio

O estágio curricular teve a duração de 400 horas, trabalhadas de 10 de Outubro de 2018 a 10 de Maio de 2019, tendo-se realizado na UMAR e aqui sob a orientação de

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16 Elisabete Brasil, diretora executiva para a violência doméstica e de género nesta organização.

A escolha desta organização deve-se em muito ao conhecimento dado durante a parte curricular do mestrado. Tive o privilégio de ouvir uma aula dada pela Doutora Elisabete Brasil e já estando eu a pensar fazer estágio curricular como hipótese de conclusão do mestrado pensei quase de imediato que teria de ser ali e teria de ser com a Doutora Elisabete Brasil. A UMAR é uma organização de e para mulheres com um percurso absolutamente fantástico que me cativou e me motivou desde o primeiro segundo por todas as lutas femininas ás quais tem estado associada.

Sendo objetivos de um estágio curricular deste ciclo de estudos garantir o desempenho de funções relevantes para a instituição as quais sejam, de igual forma relevantes para o mestrado em curso, privilegiou-se, desde logo, a definição do Plano de Estágio e designadamente das tarefas a desenvolver, nomeadamente:

1. O conhecimento mais aprofundado da instituição de estágio, a UMAR, objetivo acima desenvolvido.

2. Definição do objeto de estágio, suas fases e estratégias de trabalho. Sendo o objeto do estágio a convivência com o universo em estudo, neste caso, o envolvimento num trabalho específico da instituição: o trabalho em Casa de Abrigo.

3. Conhecer mais detalhadamente uma das áreas de intervenção da UMAR: a violência doméstica contra as mulheres e nesta, especificamente o trabalho desenvolvido por uma das suas Casas de Abrigo.

4. Definição do objeto de estudo, metodologia de recolha da informação e definição da amostra, conseguidas através da pesquisa efetuada tanto a nível metodológico como estatístico. Assim, obter resposta à minha questão inicial: qual o olhar da justiça sobre a violência doméstica e não teria conseguido ser feita sem a leitura de acórdãos (metodologia explicada mais abaixo).

4.1- A União de Mulheres Alternativa e Resposta

A UMAR é uma ONG de Mulheres nascida em Setembro de 1976 sendo seu objetivo primeiro lutar pelos direitos das mulheres. O trabalho na área da violência contra as mulheres, doméstica e de género é uma das suas áreas mais proeminentes e na qual a UMAR é publicamente reconhecida.

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17 O trabalho desenvolvido pelo Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), pelos Centros de atendimento e pelas Casas de Abrigo são respostas diretas às mulheres, com impacto social e uma das formas de apoio e prevenção da violência nas relações de intimidade. Foi a necessidade e a vontade de o conhecer mais detalhadamente que me conduziu a abraçar a oportunidade surgida durante o estágio para a concretizar.

4.2- O trabalho em Casa de Abrigo

A UMAR foi a ONG escolhida pelo Estado português para, em cooperação com este, gerir a primeira Casa de Abrigo para mulheres doméstica.

A Casa de Abrigo na qual parte do meu estágio decorreu integra a Rede Nacional de Casas de Abrigo para Vítimas de Violência Doméstica em Portugal, um total de 40 equipamentos desta natureza, a que se somam, outras estruturas de atendimento e acolhimento de emergência.

As Casas de Abrigo são “unidades residenciais destinadas a acolhimento temporário a vítimas, acompanhadas ou não de filhos menores. … incumbindo ao Estado “conceder apoio, com caráter de prioridade, às casas de abrigo de mulheres vítimas de violência doméstica e assegurar o anonimato das mesmas.” – artigo 60.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.1

Foi numa destas Casas, no contacto com mulheres e crianças nela acolhidas, vítimas do crime de violência doméstica que parte do meu estágio se desenvolveu. Esta experiência possibilitou-me conhecer, tanto quanto possível, as dinâmicas da Casa, das suas equipas, dos agregados aí acolhidos (mães e crianças), bem como o contacto direto com relatos de vitimação trocados entre as mulheres num espaço que partilham com outras mulheres que foram também elas vítimas do crime de violência doméstica. Este trabalho entendemo-lo como especial e especial também tendo em conta o tema que me havia proposto trabalhar.

Por um lado, parte das atividades do meu estágio eram desenvolvidas num espaço de Casa de Abrigo, outro era desenvolvido a investigar para melhor conhecer, a forma como se julgam crimes de violência doméstica, situações semelhantes àquelas

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18 cujas mulheres reais, protagonistas na primeira pessoa com quem eu tive o privilégio de estar.

Neste sentido, entendo que o estágio foi muito enriquecedor, possibilitando-me experiências únicas em si mesmas, mas diversas no seu conjunto. Possibilitaram maior crescimento individual, mas também conhecimento empírico, e um cruzar entre investigação científica e experiência prática que não só se tocavam como se interrelacionavam.

4.3- Os acórdãos sobre o crime de violência doméstica

Parte do meu estágio curricular dedicou-se à pesquisa, recolha, sistematização de informação e sua análise. Significou um trabalho de aprendizagem quanto às fontes e sua localização, pesquisa numa área cujo tema, conteúdo e linguagem utilizada nem sempre é das mais facilitadoras ou à primeira de fácil descodificação. Aqui foi importante contar com a Doutora Elisabete Brasil que, sendo da área jurídica ia facilitando uma melhor e mais breve apropriação do vocabulário e jargão jurídico.

Definida a amostra, um total de 20 acórdãos sobre a temática, a sua recolha, a elaboração das grelhas de análise, definição dos indicadores e informação a recolher, seguida de leituras múltiplas e sistematização da informação, ocuparam parte significativa do tempo do estágio realizado. Ainda que parte deste trabalho fosse realizado na UMAR, foram definidos momentos de presença obrigatória e outros em que definidas as metas e sua temporalidade, o trabalho desenvolvia-se por cumprimentos dos objetivos determinados dentro de uma calendarização pré-definida, ficando o local para a sua realização em aberto e de livre opção.

5. O Percurso da Mulher Portuguesa

Ao longo dos anos, e especialmente no pós 25 de Abril de 1974, o papel da mulher na sociedade veio a alterar-se. Durante décadas a lei portuguesa não contemplou a figura da mulher como elemento pertencente à sociedade, vivendo esta subjugada aos interesses e conveniências do homem e a uma sociedade patriarcal que em muito perdura até aos dias de hoje. A própria lei tinha entraves à liberdade de direitos e deveres da mulher.

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19 Pelo mundo fora e também em texto de referência internacional como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1947), as mulheres não foram comtempladas. De facto, também neste instrumento, aquele que até aos nossos dias, foi o texto que mereceu o maior número de Estados aderentes, constituindo-se um texto de referência mundial, também nele, e não obstante o papel assumido pelas mulheres durante a 2.ª Guerra Mundial, invisibilizou as mulheres e não as contempla como sujeitos de pleno direito.

Quanto a Portugal, de referir que, no pré 25 de Abril de 1974, o papel da mulher era subjugado ao interesse do homem, não havendo qualquer tipo de direitos que contemplasse a mulher e a sua vontade. Segundo Chrystiane Castellucci Fermino (2011), “o pré 25 de abril se caracteriza como um palco de lutas no que tange os direitos das mulheres, que apenas veio a ter uma considerável evolução formal em 1976”. [FERMINO, 2011: Introdução] De acordo com Fermino, já em 1603 as Ordenações Filipinas “impunham uma série de vedações às mulheres” [FERMINO, 2011: Introdução], sendo estas tidas como detentoras de uma “fraqueza de entendimento”. No caso da mulher apanhada em flagrante delito por adultério era lhe atribuída pena de morte, enquanto no caso do homem nenhum crime lhe era atribuído e muito menos punição. Até 1911 não era permitido às mulheres votarem algo que só se veio a alterar com o caso da mediática Carolina Beatriz Ângelo que sendo viúva era a única possível chefe de família, pedindo que o seu nome fosse incluído nas listas de voto. Ainda que fosse uma única vez já que de seguida a lei foi alterada para clarificar que por chefe de família se entendia, um homem, o que a impedia de votar em ato eleitoral posterior.

Segundo Alexandra Teixeira de Sousa (2011), “A sociedade subjugava-a ao marido, o chefe de família, que tinha o direito de autorizar a sua saída do país ou de ler-lhe a correspondência”. [SOUSA, 2011:2] A muler-lher era autorizada a ter uma profissão se o seu marido ou pai a autorizasse, tendo este na sua posse a possibilidade de a qualquer momento revogar essa autorização, podendo denunciá-la se achasse que esta não estava a cumprir com as suas obrigações familiares, ou seja, domésticas. Na altura a percentagem de mulheres a trabalhar fora de casa era mínima, sendo apenas de 19% e as que trabalhavam recebiam quase metade do salário obtido pelos homens, havendo diferença de cerca de 40% entre ambos os salários. Contudo e apesar da mulher conseguir exercer uma profissão, ainda que apenas com a permissão do marido, haviam trabalhos que lhes

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20 estavam vedados, tais como as profissões de diplomata, magistrada judicial ou do Ministério Público.

No que diz respeito à violência doméstica, “era assunto privado, onde ninguém deveria meter a colher”. [SOUSA, 2011:2] Segundo o “Artigo 1674º CC de 1966 (poder marital): O marido é o chefe da família, competindo-lhe nessa qualidade representá-la e decidir em todos os atos da vida conjugal comum (…) “. [SOUSA, 2011:3] Esta lei permitia ao marido enquanto chefe de família a administração de todos os aspetos da vida familiar tais como a gestão dos bens da família assim como o seu sustento. Nesta gestão inclui-se o governo de todos os bens da esposa sem consentimento desta.

No que concerne ao matrimónio, antes do 25 de Abril pressuponha-se “uma relação de complementaridade entre os nubentes assente na diversidade dos sexos” [SOUSA, 2011: 8], sendo considerado um “fim capital” do casamento a procriação. À época, não existia divórcio para os casamentos católicos acontecidos depois de 1 de Agosto de 1940. Nem mesmo para os casamentos civis e que só depois tenham resultado num casamento católico.

A Constituição Portuguesa, nascida de uma revolução perto do final do terceiro quartel do século XX, mostra uma clara preocupação com as pessoas e com os seus direitos, nomeadamente no campo da igualdade. Nesta há cidadãos, mas também mães, pais, mulheres, homens, trabalhadores, crianças, jovens e cidadãos portadores de deficiência, algo que até aqui parecia não importar com a lei subjugada aos interesses do homem e com a sociedade patriarcal vigente durante décadas, sendo este um ciclo difícil de quebrar. Era um tempo em que a violência doméstica estava socialmente normalizada, tendo como vítimas, esmagadoramente as mulheres. Esta é uma realidade que os estudos de prevalência existentes em Portugal afirmam para os nossos dias. [LOURENÇO ET AL, 1997]

Pierre Bourdieu afirma na sua obra “A Dominação Masculina”, que as mulheres são “submetidas a um trabalho de socialização que tende a diminuí-las, e nega-las, fazem a aprendizagem das virtudes negativas da abnegação, da resignação e do silêncio” [BOURDIEU, 2002: 60]. Para este e como se pode provar a mulher tende a ser inferiorizada no seu papel em sociedade quando comparada com o homem, cabendo a este a preservação da sua “virilidade” e à mulher preservar a sua “fraqueza de entendimento”. Só através disto se consegue explicar a prática quase sobrenatural do

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21 crime de violência doméstica, contido e mantido na lei durante décadas no pré 25 de Abril sem ser considerada um problema social ou sequer um crime, assim como a preservação da “masculinidade hegemónica”, onde existe uma aceitação do patriarcado e da subordinação feminina, tal como nos dizem Connell e Messerschimidt (2013).

6. O Problema Social da Violência Doméstica em Portugal

A violência doméstica é um comportamento socialmente censurável em Portugal e em largos países do Mundo, ainda que como ilícito penal seja de previsão e estatuição recente. Assim, e apenas porque só em 2007 foi considerado no Código Penal, faz sentido olhar os números que nos interpelam sobre ele e fazer uma evolução deste crime desde que se tornou realmente um crime à luz da sociedade e da justiça.

Assim e analisando os Relatórios Anuais de Segurança Interna disponibilizados pelo Ministério da Administração Interna, neste caso de 2010 a 2018 (o último disponibilizado), podemos concluir que até ao momento 2010 foi o ano com maior número de participações às Forças de Segurança com 31 235 participações efetuadas e que apesar de ao longo do tempo terem havido aumentos e decréscimos nestes números existem cada vez menos participações às FS, com 2018 a registar 26 432 participações.

Já no que diz respeito ao sexo das vítimas por violência doméstica existe sempre uma semelhança, serem maioritariamente do sexo feminino com uma correspondência de cerca de 80% em todos os anos, 78,6% em 2018, mantendo assim a tendência de anos anteriores. Relativamente aos grupos etários destas existe sempre uma maior predominância para o escalão etário dos 25 ou maiores de 25 anos, sendo no ano de 2018 78,4% pertencente a esse escalão etário.

Já no que aos denunciados diz respeito são maioritariamente do sexo masculino mantendo-se essa frequência acima dos 85% até 2015 e tendo baixado para valores pouco abaixo dos 85% nos três últimos anos, o que demonstra cada vez mais a sinalização e participação de violência doméstica praticada por mulheres. Relativamente ao seu escalão etário, os denunciados tendencialmente têm também 25 ou mais anos, 93,9% em 2018 e o seu parentesco com a vítima tende a ser maioritariamente ao nível das relações de conjugalidade ou similares, seguido pelos ex-cônjuges ou companheiros.

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22 No que ao tipo de violência sofrida diz respeito esta tem tendência a ser maioritariamente psicológica, seguido da física e social, isto é, onde é negado à vítima o contacto com a sociedade passando a viver em “isolamento”. Dado este apontado em relatórios anteriores e não disponível no último relatório lançado pelo Sistema de Segurança Interna. A estes dados administrativos, não podemos deixar de referir o conhecimento científico mais recente produzido nesta matéria. Referimo-nos ao último estudo de prevalência e que data de 2007. Efetivamente neste estudo, Manuel Lisboa conclui que “Em 2007, o conjunto da vitimação relativa à violência física, sexual e psicológica, exercida contra as mulheres com 18 ou mais anos, nos últimos 12 meses ou em anos anteriores, no Continente, tem uma prevalência de 38,1%; afectando assim, em média, cerca de uma em cada três mulheres”. [LISBOA ET AL,2009]

Conclui-se, pois, que a violência contra as mulheres e no espaço da intimidade, a qual é traduzida e incluída em parte do que a expressão legal de violência doméstica abarca, é uma realidade ainda longe de ter um fim. Porque para além de conhecer a sua extensão ou seja a sua prevalência e os dados atinentes à sua incidência que nos são oferecidos anualmente pelo RASI importará perceber como é que, num quadro legal que autonomizou a violência doméstica e a renomeou passando, na revisão penal ocorrida em 2007, o artigo 152.º do CP a designar-se por Violência doméstica e já não por Maus Tratos a Cônjuges, convirá perceber como é que a Justiça, os tribunais e no caso a que nos debruçaremos, os tribunais superiores, sancionam quem comete este crime e quais os fundamentos utilizados, em sede de recurso, para a condenação, manutenção da pena ou sua diminuição em processos de violência doméstica, assim como o resultado final dos recursos por este tipo de crime, análise que de seguida se apresentará.

7. Análise dos acórdãos

7.1 - Metodologia e definição do objeto de estudo

O presente trabalho definiu como objetivo analisar o olhar da justiça sobre o crime de violência doméstica, tendo definido que a sua amostra teria como universo, um total de vinte acórdãos, todos da Relação. A opção por analisar acórdãos de Tribunais superiores resultou de um critério de conveniência. De facto, o acesso a esta amostra mostrava-se facilitado, dado que a sua publicação se encontra disponível online e, as decisões de primeira instância não se encontram publicadas. Este facto dificultaria o

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23 acesso às decisões e uma morosidade que invalidaria a pretensão inicial, desde logo por impossibilidade de aceder e formar amostra o que inquinaria o processo de recolha e análise a que nos propomos.

Quanto ao número definido de acórdãos a serem trabalhados, este valor foi chegado por decisão tomada e assumida pela mestranda e de acordo com orientações da sua orientadora.

Relativamente aos indicadores de análise, estes foram definidos após leituras experimentais de acórdãos, os quais serviram de pré-teste para a definição dos indicadores de análise. Da leitura destes acórdãos, foi elaborada uma lista com todos os elementos a que o acórdão referia, foi efetuada comparação com outros acórdãos e assim possibilitada a identificação dos elementos que eram comuns a todos os acórdãos e destes selecionados os indicadores que, no nosso entender, eram os que nos conduziriam ao olhar da justiça sobre os processos de violência doméstica, respondendo às questões inicialmente formuladas e confirmar ou infirmar as hipóteses colocadas.

7.2 - Objeto de estudo: Acórdãos. Tribunais superiores e abrangência nacional

O número de acórdãos em análise são vinte e todos de tribunais superiores. A amostra foi obtida aleatoriamente por consulta do site da DGSI no qual era colocada para tema a pesquisar: “Violência Doméstica”.

Tentou-se ainda abranger todo o território nacional pesquisando-se acórdãos e todos os tribunais judiciais de segunda instância, denominados por Tribunais da Relação. Estes tribunais são tribunais de recurso e encontram-se distribuídos em cinco zonas geográficas do território continental português: Coimbra, Évora, Lisboa, Porto e Guimarães.

Relativamente à distribuição geográfica, tentou-se obter informação de todos os tribunais judiciais de 2.ª instancia a nível nacional, ainda que não de forma equitativa, mas antes, tendo em conta o que se encontrava disponível no site da Direção Geral de segurança informática no período de recolha da informação que foi de Novembro a 2018 a Janeiro de 2019. Os acórdãos recolhidos e em análise foram proferidos pelos Tribunais da Relação de Coimbra: 4 acórdãos; Évora: 4 acórdãos; Lisboa: 4 acórdãos, Porto: 6 acórdãos e, Guimarães: 2 acórdãos.

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7.3 - Acórdãos e sua análise

A identificação dos Acórdãos e a sistematização da informação encontra-se sistematizada em grelha em anexo ao presente trabalho, dele fazendo parte integrante. Nessa grelha encontra-se sintetizada e sistematizada a informação constante do Acórdão em análise.

A grelha criada apresenta tipologia da violência, relação da vítima com o arguido, existência de filhos, coexistência de stalking, identificação da pena e determinada pelo tribunal judicial de 1.ª instância, a decisão de 2.ª instância, bem como a fundamentação para a decisão tomada pela 2.ª instância, ou seja, pelo Tribunal da Relação.

7.4 - Análise dos resultados

À grelha síntese é apresentada uma análise mais pormenorizada por forma a uma maior compreensão e descrição de toda a factualidade e fundamentação oferecida do acórdão.

É, pois, uma descrição do que o acórdão apresenta na sua globalidade e, ainda que não integral, apresenta-se a informação, narrando pormenores que se consideram importantes, ainda que de forma sintética, mas com um cunho de narrativa pessoal sobre a factualidade. Seguidamente far-se-á a análise individual de cada um dos acórdãos.

No que diz respeito ao primeiro acórdão analisado, Tribunal da Comarca de Coimbra com o número de processo 204/10.8GASRE.C, ofendida e arguido tinham “celebrado entre si casamento” em 1977 da qual tinham nascido dois filhos. A “esposa” foi vítima não só de violência física como de violência psicológica, havendo ameaças de morte e insultos por parte do seu marido. Contudo, não sendo as ações do arguido localizáveis temporal e espacialmente não se dão como provadas, pois assistente foi vítima de violência em diversas situações, contudo não sabia dizer quando ocorreram ao longo de um casamento de mais de trinta anos. Assim, o arguido vê-se condenado por crime de injúrias, facto dado como provado e absolvido do crime de violência doméstica.

Já no que ao acórdão da Comarca de Évora 9/17.5GBABF.E1 no qual existe uma relação de namoro entre assistente e agressor, ainda que esse facto seja também um problema pois apresenta-se o problema da trivialidade do que é estar numa relação de

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25 namoro uma vez que assistente e arguido mantinham uma relação de proximidade, considere-se namoro ou não, dado que viviam em cidades diferentes e que o arguido mantinha relação de namoro em casa e preexistente á relação que mantinha com a assistente. Arguido e assistente conheceram-se durante férias de verão do arguido no local onde a assistente reside iniciam relação, passando a assistente o restante tempo que o arguido esteve de férias na casa alugada por ele. Desde aí e até à passagem desse ano arguido e assistente mantinham encontros quer na cidade de um quer na cidade de outro, encontros esses de alguns dias ou mesmo horas. Durante esse tempo arguido teve comportamentos agressivos e violentos para com a assistente, chegando mesmo a ameaçá-la de morte. Contudo e dado que arguido e assistente não concordam quanto ao facto de que existia à data dos acontecimentos uma relação de namoro entre eles apesar de não se invalidar o ocorrido entre eles aplica-se o princípio in dúbio pro reo, acabando assim por se absolver o arguido.

No acórdão do Tribunal da Comarca de Lisboa 1119/16.1PTLSB.L1-3, existia uma relação de união de facto entre demandante e arguido da qual nasceu uma filha em comum. Neste acórdão para além da violência psicológica praticada pelo arguido dá-se a existência do crime de stalking, pois o arguido depois da separação ligava constantemente à assistente com ameaças por querer saber da filha e passava em frente à sua casa e ao seu café inúmeras vezes por dia. Contudo e dado que se prova a violência psicológica exercida sobre a assistente, muitas vezes em frente à filha de ambos, assim como o crime de stalking mantém-se o recorrido e condena-se o arguido à pena recorrida.

Já no que ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora com o processo 59/15.6GAVVC.E1 diz respeito arguido e assistente mantiveram relação de comunhão de cama, mesa e habitação de 2007 a 2015 durante a qual nasceu uma filha em comum, fazendo também parte do agregado familiar as filhas da relação anterior da assistente. O agressor usava violência física e psicológica para dominar a assistente pois acusa em vários momentos a assistente de traição e furta a sua carteira, o agressor chegou a ser impedido pela enteada de sufocar a assistente e controla as mensagens de texto e chamadas do telemóvel da assistente. Dá-se como provado episódio de violência sexual e acusações da assistente manter relações sexuais com outros homens.

No que ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto 192/15.4GBVFR.P1 diz respeito assistente e arguido “contraíram casamento no dia 17 de Junho de 2000” mantendo-o durante os quinze anos seguintes, existindo da relação filho em comum

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26 nascido em 2004. Agressor ameaçou a assistente de morte, deu-lhe pancadas no tórax, empurrões e apertou-lhe o pescoço teve ainda ações que ofendem a honra e consideração da assistente, ainda que as últimas sejam factos não provados. Contudo as agressões foram dadas como provadas existindo obviamente um exercício de autoridade e subjugação de vontade para com a assistente que é insultada e o seu telemóvel lhe é retirado para que não possa fazer queixa dando-se assim como o crime de ofensa à integridade física simples e não violência doméstica. O arguido atuou de livre e espontânea vontade, sabendo que havia exercício de autoridade e subjugação contra a vontade da assistente. Recorrida a sentença em que arguido se viu condenado por ofensa à integridade física simples, e sendo esta provida, este acaba por ser condenado a uma pena de prisão suspensa por violência doméstica e ao pagamento de indemnização à assistente.

Relativamente ao acórdão do TR de Lisboa 537/15.7PBPDL.L1-5 arguido e assistente mantiveram relação de conjugalidade durante quatro anos, tendo um filho em comum daí resultante. Arguido manteve controlo das redes sociais, faturas de telemóvel e e-mail da assistente chegando a dirigir-se ao seu emprego com o intuito de controlar o e-mail profissional da assistente e de lhe dirigir acusações de traição. Discussões muito frequentemente envolviam ofensas e violência à assistente. Arguido foi absolvido pois não se provam elementos típicos do crime de violência doméstica.

No acórdão 350/15.1GCBRG-G1 do TR de Guimarães assistente e arguido do processo mantem casamento desde 1999, do qual resultam dois filhos. Arguido ofende assistente desde o nascimento dos filhos, chegando mesmo a imitar pistola com os dedos e a dizer que era capaz de a matar. Em 2015, após assistente dizer que seria melhor que se separassem arguido agarrou-a pelo braço e deu-lhe um murro na boca. Arguido após apreensão das suas armas disse a assistente que a fez perder o que mais gostava, mas que podia fazer o mesmo com ela, pois conseguia-a matar mesmo com facas de cozinha. Uma vez que todos os factos provados ocorreram sem presença de testemunhas (dentro de casa e sem terceiros por perto) não existe fundamentação dos factos pois nenhuma das testemunhas teve conhecimento direto dos factos. Assim, dá-se um erro notório da apreciação da prova devendo o arguido ser absolvido do crime de que vinha acusado. Foi violado o princípio in dúbio pro reo.

Relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 94/12.6GAACB.C2 arguido e agredida viveram em união de facto de 1999 a 2012, tendo nascido duas filhas em comum dessa mesma relação. Em dia apurado em Março de 2012

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27 arguido agride assistente com pontapés nas pernas e um estalo na face, saindo a assistente de casa com as filhas na sequência disto. Ainda nesse mês sem aceitar término da relação, arguido dirigiu-se à nova morada da assistente insultando-a e agredindo-a na face, assim como à sua filha mais velha. Dai em diante arguido procurou controlar a vida diária da assistente com o objetivo de interferir na sua nova vida familiar. Arguido ameaçou tanto assistente como novo companheiro de morte, atirou pedras à janela da casa da assistente, que residia com novo namorado, e atirou pedra ao carro do novo companheiro da assistente e atingiu vidros do carro e de casa deste com marreta. Tribunal decidiu condenar arguido ao pagamento de uma indemnização à ofendida.

No que concerne ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto com o processo 189/17.0GCOVR.P1, tem por base um casamento de vinte e cinco anos entre agressor e ofendida, estando o divórcio na origem da violência praticada. Existindo filhos em comum deste casamento. Arguido recusa acabar casamento com assistente mantendo intimidações e advertências quanto ao que faria se recebesse cartas do divorcio, chegando mesmo a ameaçar a esposa de morte. Assistente muda-se para casa da irmã na sequência da pretendida separação de ambos e arguido segue de forma diária a rotina da assistente e ronda a casa da cunhada. Arguido teve comportamentos que pretendiam atingir o dolo da assistente e que se coadunam com o crime de maus tratos, ainda que juízes ressalvem a importância da não existência de violência física para com a assistente. Assim, arguido viu-se absolvido do crime de violência doméstica e condenado por dois crimes de ameaça agravada.

Já no acórdão do TR de Guimarães 214/16.1PBGMR.G1 diz respeito arguido e

assistente mantiveram relação de conjugalidade de 1988 a 2015, separação por iniciativa da assistente e divórcio em 2016. Desse casamento resultou um filho, nascido em 1988. Arguido não aceitando divórcio e nova relação da assistente perseguiu assistente de casa ao trabalho de Novembro de 2015 a Março de 2016, insultando em vários momentos a ofendida e enviando mensagens de texto não só com ameaças mas também com insultos. Arguido cortou pneus do carro e deitou substância corrosiva em cima do carro desta, provocando prejuízo não inferior a 1500€. Coletivo de juízes considera acórdão “totalmente improcedente”, condenando o arguido a pena suspensa e a pagamento de indeminização por danos não patrimoniais.

No que ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 1140/16.0PWLSB.L1-3 diz respeito podemos concluir que houve uma relação de largos anos entre ofendida e

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28 arguido, seguida por casamento em 2012. Para além da filha em comum do casal, nascida em 2007, faz também parte do agregado familiar filha da assistente nascida de relação anterior também à época menor de idade. Arguido praticou violência psicológica, chegando a ameaçá-la de morte e a insultá-la em frente às filhas. Arguido tinha ainda por hábito consumo de álcool, não havendo partilha de cama e quarto há um ano. Agressor tentou abrir porta do quarto onde assistente e filha mais velha se barricaram com botija de gás mantendo as ameaças de morte mesmo em frente à patrulha da PSP destacada para ir ao local. Arguido encontrava-se a cumprir pena suspensa por anterior condenação e depois de incidente ocorrido com a assistente ficou sujeito a Termo de Identidade e Residência (TIR), proibição de contacto com a assistente e de residir na habitação comum, não tendo na altura do acórdão residência fixa. Coletivo de juízes acordou que uma vez que arguido se encontrava a cumprir pena suspensa e que apresentava risco de prosseguir com as suas intenções, humilhar e amedrontar assistente uma vez que nunca houve violência física, e que este não apresenta consciência crítica não chega uma pena de multa para o sancionar atribuindo a este a pena de prisão recorrida de dois anos e quatro meses pelo crime de violência doméstica e sete meses por ameaça agravada, resultando esta em pena única de dois anos e sete meses.

Já no que ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto RP20180314563/16.9GAALB.P1 diz respeito podemos dizer que entre arguido e ofendida foi “celebrado matrimónio católico” em 1990 do qual nasceram dois filhos, sendo um deles ainda menor e a residir junto dos pais. Arguido tem anterior condenação por violência doméstica datada de 2016. Arguido tem por hábito agredir verbalmente a assistente, assim como a insultá-la durante as discussões por ciúmes obsessivos. Este apresenta comportamentos agressivos, chegando mesmo a partir janela e misturadora com um murro. Isto deixou assistente em constante sobressalto e instabilidade que se revelava no seu estado psíquico. Coletivo de juízes condena arguido a crime de ofensa à integridade física simples e não por violência doméstica, pois tribunal não viu gravidade suficiente uma vez que não se provam agressões físicas. Arguido a crime de ofensa à integridade física simples e não por violência doméstica, pois não viu gravidade suficiente por não se provarem as agressões físicas à assistente. Agressor vê-se assim condenado a crime menos grave por falta de provas.

Relativamente à relação de namoro mantida por arguido e assistente no acórdão do TR de Lisboa 129/16.3GILRS.L1-9 diz respeito podemos afirmar que a relação de

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29 namoro se deu de Fevereiro a Junho de 2016. Arguido detinha condenações anteriores por violência doméstica e condução sem habilitação legal. Arguido e assistente no decorrer da relação abriram empresa em comum. Arguido nos meses que se seguiram insultava verbalmente assistente, obrigando-a a contar todos os passos que dava no seu dia a dia. Foi instalado dispositivo GPS no automóvel da empresa usado por esta, usando arguido o dispositivo para retirar o carro a assistente e escondê-lo desta quando bem lhe apetecia. Depois do término da relação e dado que tinham uma empresa em conjunto mantiveram relação estritamente profissional, contudo arguido mandava mensagens de texto e por WhatsApp com ameaças para a assistente. Arguido chegou a seguir assistente tendo esta que se refugiar em esquadra da PSP. Pai do arguido entrou à força em casa da assistente forçando a fechadura, vandalizando vários objetos, as paredes, chão e porta da entrada. Nessa mesma ocasião arguido foi apanhado em flagrante delito enquanto tentava entrar na garagem onde assistente tinha carro guardado. A assistente viu-se então perseguida por arguido durante dias chegando mesmo este a puxá-la pelos cabelos, tendo esta acionado a televigilância que possuía e sendo assistida de urgência no hospital. O arguido nunca respeitou a assistente como sócia gerente da empresa e muito menos como mulher. O término da relação ocorreu quando a assistente descobriu o casamento do arguido. Apesar de tudo isto os juízes consideram que a génese do conflito está na manutenção da relação profissional de ambos e que o arguido praticou todas as ações apenas para resolver litígio sobre a continuidade da empresa. Contudo, apesar de comportamentos exagerados e pouco sinceros por parte da assistente como não é esta que está a ser julgada os comportamentos não têm que ser alvo de comentários. Não sendo aceitável que a pessoa que veja a sua casa arrombada não sinta medo e que a pessoa que sofra puxão de cabelos não sinta dores na região e que isso se dê como não provado. Juízes consideram assim que arguido quis atingir a integridade e liberdade da assistente e o resto “desculpas esfarrapadas que nem deveriam ter sido valoradas”, sendo o arguido condenado a pena de prisão efetiva de dois anos e oito meses.

Já no acórdão do Tribunal da Relação do Porto 600/15.4GBILH.P1 temos novamente uma relação de namoro em analise. Arguido e assistente conheceram-se no início de 2015, começaram a namorar em Maio de 2015 e a partilhar casa nos meses de Julho e Agosto desse mesmo ano. O arguido revelava ciúmes da assistente e acusa-a de traição. Assistente trabalhou em negócio de aluguer de quadriciclos na praia o que fazia o arguido ter ainda mais ciúmes e discutirem por acusações de traição por parte desta. No

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30 decorrer de discussão arguido empurra porta do carro contra assistente fazendo-a cair, sofrendo esta de dores e escoriações no joelho e perna esquerda. O término da relação acontece por iniciativa da assistente ao ser novamente insultada pelo arguido, contudo este não aceitando o fim da relação toca-lhe à campainha durante a noite, manda-lhe mensagens, frequenta os mesmos espaços públicos que esta. Chegando mesmo a retirar-lhe o telemóvel e ficar duas a três horas no seu carro a eliminar contactos desta e a ver a sua página de Facebook. O filho da assistente tentou recuperar o telemóvel da mãe sendo este posto na sua caixa de correio desfeito. Contudo e antes de se afastar o arguido tocou inúmeras vezes à campainha da assistente e não lhe sendo aberta a porta arremessou pedras contra a janela do quarto desta. Noutra ocasião o arguido conseguiu entrar no prédio da assistente, não lhe abrindo esta a porta percebendo de quem se tratava e tendo o arguido aberto a porta por meio de força física, entrando e acusando-a de estar com outro. Juízes concordam que se verificam pressupostos do crime de violência doméstica uma vez que o arguido teve conduta de extrema violência, tanto física como emocional, atuando dolosamente.

Também num acórdão do TR do Porto, neste caso o processo 40/17.0GCOAZ.P1, arguido e ofendida mantiveram relação de namoro entre Maio e Agosto de 2015, vivendo daí até Novembro como se de marido e mulher se tratasse. Assistente tinha filhos de anterior relação. Arguido e ofendida mesmo após termino da relação mantiveram visitas ao domicílio do arguido nas quais mantinham relações sexuais. Arguido insultava ofendida na presença da filha desta, mantendo as agressões físicas à assistente durante todo o relacionamento. Tribunal não dá como provado que arguido tenha obrigado assistente a manter relações sexuais com ele com recurso a arma de fogo como ameaça na presença da sua filha de doze anos. Crime não se dá como provado por falta de reciprocidade.

Já no que ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto 82/17.6GAALB.P1 diz respeito podemos concluir que entre arguido e assistente houve também uma relação de namoro sem coabitação começada em 2012 e terminada no verão de 2014. Filha em comum nascida em Janeiro de 2014. Arguido e assistente mantiveram discussões durante a gravidez pois arguido suspeitava que a filha não era dele, afirmando ainda que lhe passava com o carro por cima. Assistente começou novo relacionamento e arguido não se conformando e não querendo que a filha chamasse pai a outro afirmou que ou obteria a guarda exclusiva da filha ou mataria assistente. Decisão de tribunal concedeu apenas

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31 fins de semana alternados o que fez com que filha viesse com marcas físicas da casa do pai, suspeitando assistente de agressões. Arguido afirmou também que raptaria a filha ou que matava assistente, entregaria a menina a instituição e se entregaria às autoridades durante entregas semanais da filha. Arguido fez assistente temer pela própria vida e pela sua integridade física, chegando esta a estar em casa abrigo. Coletivo de juízes concorda que não basta a existência de uma relação especial agressor-vítima para que ofensas à integridade física, injúrias ou quaisquer outros crimes sejam violência doméstica, havendo aquilo a que chamam “banalização do crime de violência doméstica”. Só os factos dados como provados não consubstanciam violência doméstica, logo arguido não se pode defender de acusações deduzidas. Assistente recorreu a casa abrigo apenas para o arguido não saber do paradeiro da filha. Tribunal absolveu arguido da prática do crime de violência doméstica, condenando-o por ameaça agravada com pena de prisão substituída por multa.

Relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 835/13.4GCLRA.C1 arguido e assistente foram namorados de 2007 a 2013, coabitando juntos apenas aos fins de semana na casa da ofendida. Relação foi sempre pautada por agressões físicas e insultos decorrentes das discussões entre ambos, ocorrendo na maioria das vezes no interior da residência. Arguido foi ao longo dos anos agredindo ofendida com murros, pontapés, puxões de cabelo, bofetadas em inúmeras ocasiões, chegando mesmo a ameaçar que a matava à machadada e que não tinha problemas em matá-la. Na sequência de agressão em que marcas ficam visíveis arguido trouxe assistente para Lisboa até as marcas deixarem de ser tão visíveis. Após agredir assistente em determinada ocasião arguido tentou ainda manter relações sexuais não consentidas com a assistente e não tendo conseguido deixou-a toda a noite no chão, sem lhe prestar auxílio tendo só na manhã seguinte a levado a casa da mãe e negando-lhe os pedidos de ida ao hospital. Assistente continua a receber mensagens de texto do arguido. Tribunal entende que arguido com os factos imputados desrespeitou o corpo e a saúde da ofendida, pondo em causa a sua dignidade pessoal dando como improcedente o recorrido e condenando o arguido a prisão efetiva por crime de violência doméstica com pena de dois anos de prisão.

Ainda no TR de Coimbra, neste caso no processo 403/14.3GASEI.C1, podemos afirmar que ofendida e arguido estavam casados desde o ano de 1993, tendo a relação de conjugalidade acabado em 2014, existindo desse casamento três filhos em comum.

Referências

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